sexta-feira, 6 de abril de 2012

Mia Couto (A Viagem da Cozinheira Lagrimosa)


Antunes Correia e Correia, sargento colonial em tempo de guerra. Se o nome era redundante, o homem estava reduzido a metades. Pisara um chão traiçoeiro e subira pelas alturas para esse lugares onde se deixa a alma e se trazem eternidades. Correia não deixou nem trouxe, incompetente até para morrer. A mina que explodira era pessoal. Mas ele, tão gordo, tão abastado de volume, necessitava de duas explosões.

- Estou morto por metade. Fui visitado apenas por meia-morte.-

Perdera a vida só num olho, um lado da cara todo desfacelado. O olho dele era faz-conta um peixe morto no aquário do seu rosto. Mas o sargento era tão apático, tão sem movimento, que não se sabia se de vidro era todo ele ou apenas o olho. Falava com impulso de apenas meia-boca. Evitava conversas, tão doloroso que era ouvir-se. Não apertava a mão a ninguém para não sentir nesse aperto o vazio de si mesmo. Deixou de sair, cismado em visitar no obscuro da casa a antecâmara do túmulo. O Correia perdera interesses na vida: ser ou não ser tanto lhe desfazia. As mulheres passavam e ele nada. E ladainhava: "- estou morto por metade- ".

Agora, reformado, sozinho, mutilado de guerra e incapacitado de paz, Antunes Correia e Correia tomava conta de suas lembranças. E se admirava do fôlego da memória. Mesmo sem o outro hemisfério não havia momento que lhe escapasse nessa caçada ao passado. - _Das duas uma: ou minha vida foi muito enorme ou ela fugiu-me toda para o lado direito da cabeça- . Para as recordações virem à tona ele inclinava o pescoço.

- Assim escorregavam directamente do coração- , dizia ele.

Felizminha era a empregada do sargento. Trabalhava para ele desde a sua chegada ao bairro militar. Nos vapores da cozinha a negra Felizminha arregaçava os olhos. Enxugava a lágrima, sempre tarde. Já a gota tombara na panela. Era certo e havido: a lágrima se adicionando nas comidas. Tanto que a cozinheira nem usava tempero nem sal. O sargento provava a comida e se perguntava porquê tão delicados sabores.

- É comida temperada a tristeza- .

Era a invariável resposta de Felizminha. A empregada suspirava: - ai, se pudesse ser outra, uma alguém- . Poupava alegrias, poucas que eram.

- Quero guardar contentamento para gastar depois, quando for mais velhinha- .

Metida a sombra, fumo, vapores. Nem sua alma ela enxergava nada, embaciada que estava por dentro. A mão tiritacteava no balcão. O recinto era escuro, ali se encerravam voláteis penumbras. A cozinha é onde se fabrica a inteira casa.

Certa noite, o patrão entrou na cozinha, arrastando seu peso. Esbarrou com a penumbra.

- Você não quer mais iluminação na porcaria desta cozinha?

- Não, eu gosto assim.-

O sargento olha para ela. A gorda Felizminha remexe a sopa, relambe a colher, acerta o sal na lágrima. O destino não lhe encomendou mais: apenas esse encontro de duas meias vidas. Correia e Correia sabe quanto deve à mulher que o serve. Logo após o acidente, ninguém entendia as suas pastosas falas. Carecia-se era de serviço de mãe para amparar aquele branco mal-amanhado, aquele resto de gente. O sargento garatunfava uns sons e ela entendia o que queria. Aos poucos o português aperfeiçoou a fala, mais apessoado. Agora ele olha para ela como se estivesse ainda em convalescença. O roçar da capulana dela amansa velhos fantasmas, a voz dela sossega os medonhos infernos saídos da boca do fogo. Milagre é haver gente em tempo de cólera e guerra.

- Você está magra, anda a apertar as carnes?

- Magra?-

Pudesse ser! A tartaruga: alguém a viu magrinha? Só os olhos lhe engordavam, barrigando de bondades. A gorda Felizminha gemia tanto ao se abaixar que parecia que a terra estava mais longe que o pé.

- Me esclareça uma coisa, Felizminha: porquê essa choração todos os dias?

- Eu só choro para dar mais sabor aos meus cozinhados.

- Ainda eu tenho razões para tristezas, mas você...

- Eu de onde vim tenho lembrança é de coqueiros, aquele marejar das folhas faz conta a gente está sempre rente ao mar. É só isso, patrão- .

A negra gorda falou enquanto rodava a tampa do rapé, ferrugentia. O patrão meteu a mão no bolso e retirou uma caixa nova. Mas ela recusou aceitar.

- Gosto de coisa velha, dessa que apodrece.

- Mas você, minha velha, sempre triste. Quer aumento no dinheiro?

- Dinheiro, meu patrão, é como lamina... corta dos dois lados. Quando contamos as notas se rasga a nossa alma. A gente paga o quê com o dinheiro? A vida nos está cobrando não o papel mas a nós, próprios. A nota quando sai já a nossa vida foi. O senhor se encosta nas lembranças. Eu me amparo na tristeza para descansar- .

A gorda cozinheira surpreendeu o patrão. Lhe atirou, a queimar-lhe a roupa:

- Tenho ideia para o senhor salvar o resto do seu tempo.

- Já só tenho metade de vida, Felizminha.

- A vida não tem metades. É sempre inteira- ...

Ela desenvolveu-se: o português que convidasse uma senhora, dessas para lhe acompanhar. O sargento ainda tinha idade combinando bem com corpo. Até há essas da vida, baratinhas, mulheres muito descartáveis.

- Mas essas são pretas e eu com pretas...

- Arranje uma branca, também há ai dessas de comprar. Estou-lhe a insistir, patrão. O senhor entrou na vida por caminho de mulher. Chame outra mulher para entrar de novo- .

Correia e Correia semi-sorriu, pensativo.

Um dia o militar saiu e andou a tarde toda fora. Chegou a casa, eufórico, se encaminhou para a cozinha. E declarou com pomposidade:

- Felizminha: esta noite ponha mais um prato- .

A alma de Felizminha se enfeitou. Esmerou na arrumação da sala, colocou uma cadeira do lado direito do sargento para que ele pudesse apreciar por inteiro a visitante. Na cozinha apurou a lágrima destinada a condimentar o repasto.

Aconteceu, porém, que não veio ninguém. O lugar na mesa permaneceu vazio. Essa e todas as outras vezes. _única mudança no cenário: o assento que competia à ausente visita passava da direita para a esquerda, esse lado em que não havia mundo para o sargento Correia.

Felizminha duvidava: essas que o patrão convidava existiam, verídicas e autênticas?

Até que, uma noite, o sargento chamou a cozinheira. Pediu-lhe que tomasse o lugar das falhadas visitadoras. Felizminha hesitou. Depois, vagarosa, deu um jeito para caber na cadeira.

- Decidi me ir embora- .

Felizminha não disse nada. Esperou o que restava para ser dito.

- E quero que você venha comigo.

- Eu, patrão? Eu não saio da minha sombra.

- Vens e vês o mundo.

- Mas ir lá fazer o quê, nessa terra...

- Ninguém te vai fazer mal, eu prometo- .

Daí em diante, ela se preparou para a viagem. Animada com a ideia de ver outros lugares? Aterrada com a ideia de habitar terra estranha, lugar de brancos? Nem rosto nem palavra da cozinheira revelavam a substancia de sua alma. O sargento provava a refeição e não encontrava mudança. Sempre o mesmo sal, sempre a mesma delicadeza de sabor. No dia acertado, o militar acotovelou a penumbra da cozinha:

- Venha, faça as malas- .

Saíram de casa e Felizminha cabisbaixou-se ante o olhar da vizinhança. Então o sargento, perante o público, deu-lhe a mão. Nem se entrecabiam bem de tão gordinhas, os dedos escondendo-se como sapinhos envergonhados.

- Vamos- , disse ele.

Ela olhou os céus, receosa por, daí a um pouco, subir em avião celestial, atravessar mundos e oceanos. Entrou na velha carrinha, mas para seu espanto Correia não tomou a direção do aeroporto. Seguiu por vielas, curvas e areias. Depois, parou num beco e perguntou:

- Para que lado fica essa terra dos coqueiros?-

Fonte:
Mia Couto. Contos do Nascer da Terra. Vol.1. Porto: CPAC, 1998.

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 527)


Uma Trova de Ademar

Descobri no envelhecer
que a musa que me enaltece
não deixa o verso morrer,
pois musa nunca envelhece!
–ADEMAR MACEDO/RN–

Uma Trova Nacional


Ouvindo tuas propostas,
com muito amor, de mãos juntas
eu, que fui buscar respostas,
voltei cheio de perguntas!...
–RODOLPHO ABUDD/RJ–

Uma Trova Potiguar


Sempre sozinha, aos farrapos,
mas de rosário na mão.
A fé tecida entre os trapos
remendava a solidão!
–PROF. GARCIA/RN–

Uma Trova Premiada


2011 - UBT-Natal/RN
Tema - SORTE - 3º Lugar


Superando a sorte ingrata,
rindo da queda sofrida,
sou um teimoso acrobata,
na corda bamba da vida!...
–JOSÉ TAVARES DE LIMA/MG–

...E Suas Trovas Ficaram


Passei a crer nos amigos
e em bondade ainda creio,
depois que vi dois mendigos
dividindo um pão ao meio.
–COLBERT RANGEL COELHO/MG–

Simplesmente Poesia

Dorme
–FERNANDO PESSOA/PORTUGAL–


Dorme enquanto eu velo..
Deixa-me sonhar...
Nada em mim é risonho.
Quero-te para sonho,
Não para te amar.

A tua carne calma
É fria em meu querer.
Os meus desejos são cansaços.
Nem quero ter nos braços
Meu sonho do teu ser.

Dorme, dorme. dorme,
Vaga em teu sorrir...
Sonho-te tão atento
Que o sonho é encantamento
E eu sonho sem sentir.

Estrofe do Dia

Deus pintou o cenário mais bonito
nos neurônios que tem na minha mente.
Com o brilho das luzes da poesia
me ensinou a fazer verso e repente;
me deu todas as dicas sobre a rima
e depois de fazer esta obra-prima
deu ao mundo um poeta de presente.
–ADEMAR MACEDO/RN–

Soneto do Dia

MEU SER EVAPOREI NA LIDA INSANA.
–BOCAGE/PORTUGAL–


Meu ser evaporei na lida insana
do tropel das paixões que me arrastava;
ah! cego eu cria, ah! mísero eu sonhava
em mim quase imortal a essência humana!

De que inúmeros sóis a mente ufana
existência falaz me não dourava!
Mais eis sucumbe a natureza escrava
ao mal, que a vida em sua origem dana.

Prazeres, sócios meus e meus tiranos,
esta alma, que sedenta em si não coube,
no abismo vos sumiu dos desenganos.

Deus! ó Deus! quando a morte a luz me roube,
ganhe um momento o que perderam anos.
Saiba morrer o que viver não soube.

Artur de Azevedo (A Melhor Amiga)


I

A mais ingênua e virtuosa das esposas, D. Ritinha Torres, adquiriu há tempos a dolorosa certeza de que o marido a enganava, namorando escandalosamente uma senhora, vizinha deles, que exercia, ou fingia exercer a profissão de modista.

Havia muitas manhãs que Venâncio Torres - assim se chamava o pérfido - acordava muito cedo, tomava o seu banho frio, saboreava sua xícara de café, acendia o seu cigarro e ia ler a Gazeta de Noticias debruçado a uma das janelas da sala de visitas.

Como D. Ritinha estranhasse o fato, porque havia já quatro anos que estava casada com Venâncio, e sempre o conhecera pouco madrugador, uma bela manhã levantou-se da cama, envolveu-se numa colcha, e foi, pé ante pé, sem ser pressentida, dar com ele a namorar a vizinha, que o namorava também.

A pobre senhora não disse nada: voltou para o quarto, deitou-se de novo, e à hora do costume simulou que só então despertava.

Tivera até aquela data o marido na conta de um irrepreensível modelo de todas as virtudes conjugais; todavia, soube aparar o golpe: não deu a perceber o seu desgosto, não articulou uma queixa, não deixou escapar um suspiro.

Mas às dez horas, quando Venâncio Torres, perfeitamente almoçado, tomou o caminho da repartição, ela vestiu-se, saiu também, e foi bater à porta da sua melhor amiga, D. Ubaldina de MeIo, que se mostrou admiradíssima.

- Que é isto? Tu aqui a estas horas! Temos novidade?

- Temos... temos uma grande novidade; meu marido engana-me

E deixando-se cair numa cadeira, D. Ritinha prorrompeu em soluços.

- Engana-te? perguntou a outra, que empalidecera de súbito.

- E adivinha com quem?... Com aquela modista... aquela sujeita que mora defronte de nossa casa!...

- Oh, Ritinha! isso é lá possível!...

- Não me disseram: vi; vi com estes olhos que a terra há de comer! Um namoro desbragado, escandaloso, de janela para janela!

- Olha que as aparências enganam...

- E os homens ainda mais que as aparências.

O pranto recrudescia.

- E eu que tinha tanta confian... an... ça naquele ingra... a ..to!

- Que queres tu que te faça? perguntou D. Ubaldina, quando a amiga lhe pareceu mais serenada.

- Vim consultar-te... peço-te que me aconselhes... que me digas o que devo fazer... Não tenho cabeça para tomar uma resolução qualquer!

- Disseste-lhe alguma coisa?

- A quem?

- A teu marido.

- Não; não lhe disse nada, absolutamente nada. Contive-me quanto pude. Não quis decidir coisa alguma antes de te falar, antes de ouvir a minha melhor amiga.

D. Ubaldina sentou-se ao lado dela, agradeceu com um beijo prolongado e sonoro essa prova decisiva de confiança e amizade, e, tomando-lhe carinhosamente as mãos, assim falou:

- Ritinha, o casamento é uma cruz que é mister saber carregar. Teu marido engana-te... se é que te engana...

- Engana-me!..

- Pois bem, engana-te, sim, mas... com quem? Reflete um pouco, e vê que esse ridículo namoro de janela, que o obriga a madrugar, sair dos seus hábitos, é uma fantasia passageira, um divertimento efêmero que não vale a pena tomar a serio.

- Achas então que...

- Filha, não há no mundo marido algum que seja absolutamente fiel. Faze como eu, que fecho os olhos às bilontrices do Melo, e digo como dizia a outra: - Enquanto andar lá fora, passeie o coração à vontade, contanto que mo restitua quando se recolher ao lar doméstico.

- Filosofia no caso!

- Vejo que não sente por teu marido o mesmo que sinto pelo meu...

A filósofa conservou-se calada alguns segundos, e, dando em D. Ritinha outro beijo, ainda mais prolongado e sonoro que o primeiro, prosseguiu assim:

- Se fizeres cenas de ciúmes a teu marido, apenas conseguirás que ele se afeiçoe deveras à tal modista; o que por enquanto não passa, felizmente, de um namoro sem conseqüências, poderá um dia transformar-se em paixão desordenada e furiosa!

- Mas...

- Não há mais nem meio! Cala-te, resigna-te, devora em silêncio tuas lágrimas, e observa. Se daqui a oito ou dez dias durar ainda esse pequeno escândalo, vem de novo ter comigo, e juntas combinaremos então o que deverás fazer.

- Aceito de bom grado os conselhos, minha amiga, mas não sei se terei forças para sofrear a minha indignação e os meus ciúmes.

- Faze o possível por sofreares. Lembra-te que és mãe. Quando um casal não vive na mais perfeita harmonia, a educação dos filhos torna-se extremamente difícil.

Alentada por esses conselhos amistosos e sensatos, D. Ritinha Torres despediu-se da sua melhor amiga, e foi para casa muito disposta a carregar com resignação a cruz do casamento.

II

Logo que ficou sozinha, D. Ubaldina que até então a custo se contivera, teve também uma longa crise de lágrimas.

Mas, serenada que foi essa violenta exacerbação dos nervos, a moça correu ao telefone, e pediu que a comunicasse com a repartição onde Venâncio Torres era empregado.

- Alô! Alô!

- Quem fala?

- O Sr. Venâncio está?

- Está. Vou chamá-lo.

Minutos depois D. Ubaldina telefonava ao marido de D. Ritinha que precisava falar-lhe com toda urgência.

Ele correu imediatamente à casa dela, onde foi recebido com uma explosão de lágrimas e imprecações.

- Que é isto?! que é isto?! perguntou atônito.

- Sei tudo! bradou ela. Tua mulher esteve aqui e contou-me o teu namoro com a modista de defronte!

Venâncio ficou aterrado.

- A idiota veio perguntar-me, a mim, que sou tua amante, o que devia fazer! Eu disse-lhe que fechasse os olhos, que se resignasse.

E agarrando-o com impetuosidade:

- Ah! mas eu é que me não resigno, sabes? Eu não sou tua mulher, sabes? Eu amo-te, sabes?

- Isso é uma invenção tola. Eu não namoro modistas.

- Olha, Venâncio, se continuares, tudo saberei, porque incumbi a tua própria mulher de me pôr ao fato de tudo quanto se passar! Se persistires em namorar essa costureira, darei um escândalo descomunal, nunca visto... - Afianço-te que te arrependerás amargamente! Tu ainda não me conheces!..

Venâncio tinha lábias: desfez-se em desculpas e explicou, o melhor que pôde, as suas madrugadas.

D. Ubaldina, que ardia em desejo de perdoar, aceitou a explicação. Entretanto, ameaçava-o sempre:

- Olha que se me constar que... Não te digo mais nada!...

Pouco antes da hora em que devia chegar o dono da casa com o seu coração intacto, Venâncio, que descia a escada, parou, e retrocedeu três ou quatro degraus para dizer a D. Ubaldina:

- Queres saber de uma coisa? Essa história da modista é bem boa: serve perfeitamente para desviar qualquer suspeita que minha mulher possa ter da sua melhor amiga.

E desceu.

III

Oito dias depois, D. Ubaldina de Melo recebia um bilhete concebido nos seguintes termos:

"Minha boa amiga. - Parece que tudo acabou, felizmente. Depois que estive contigo, nunca mais Venâncio madrugou nem foi à janela. Queira Deus que isto dure! Como sou feliz! - Tua do coração, Ritinha Torres."

Fonte:
Portal São Francisco

Wagner Marques Lopes (O Lar em Trovas) Parte 2


UM LAR E SEU OÁSIS

Oásis com água pura...
Uma tenda que alivia:
todo lar em que a ternura
faz consórcio com a harmonia.

LIVRES PARA CONVERSAR

Liberdade para o lar!
Televisão não é cela.
Livres para Conversar
também é boa novela.

CORAÇÕES AQUECIDOS

O mais singelo fogão
deixa uma casa aquecida.
No lar, o bom coração
aquece vida... E mais vida.

LAR, ALMA DA CASA

A casa: quatro colunas.
O lar: templo, coração -
onde, com fé, tu reúnas
o amor, a paz e o perdão.

Fonte:
Trovas enviadas pelo autor

J. G. de Araújo Jorge (A Cantiga Do Só) 4. A Festa Triste


Não, o Natal não é uma festa alegre,
é uma festa triste.

De repente
as crianças (logo as crianças!)
separam o mundo em duas metades
desiguais:
- de um lado, a abastança, indiferente ou piedosa;
do outro, a necessidade, a mendigar seus restos
como há milênios faz...

As crianças (logo as crianças!)
Algumas com presentes, brinquedos, esperanças,
e as puras alegrias que o bom Velhinho
lhes traz do céu;
outras, sem terem nada, e mesmo tendo pais,
são "órfãos do Natal",
não tem Papai Noel...

Não. Neste mundo como está,
(neste mundo profano
que a um olhar mais humano
não resiste),
o Natal pode ser uma festa,
(quem contesta?)
mas é uma festa triste...

Fonte:
JORGE, J.G. de Araújo. Cantiga do Só. 2. ed. 1968.

Augusto dos Anjos (Eu e Outras Poesias)


A obra Eu, único livro de Augusto dos Anjos, foi editada pela primeira vez em 1912. Outras Poesias acrescentaram-se às edições posteriores. Na primeira edição, a capa branca exibia o título com grandes e vermelhas maiúsculas impressas no centro. No alto, as letras pretas com o nome do autor e, em baixo, cidade, Rio de Janeiro, e data, 1912. Falecido o poeta em 1914, Órris Soares reuniu à coletânea original (Eu) a produção recente de Augusto dos Anjos, incluindo mesmo um poema inacabado, A Meretriz. A Imprensa Oficial do Estado da Paraíba editou, em 1920, Eu e Outras Poesias, prefaciado pelo organizador. Augusto dos Anjos assombrou a elite letrada do país com seus versos que não eram parnasianos, nem antecipavam o modernismo. Eram apenas seus. E tamanha era a putrefação que seus versos representavam que, ainda hoje, ele é inclassificável em uma escola, e admirado como um poeta original. Considerado pelo público e pela critica, habituados á elegância parnasiana, um livro de mau gosto, malcriado, alguns dos poemas de Eu são vistos como os mais estranhos de toda a nossa literatura, por vários motivos. Dentre eles, ressaltamos o vocabulário pouco comum, repleto de palavras com forte carga cientificista; a multiplicidade de influências literárias que recebe, tornando difícil, se não impossível, sua classificação estilística e principalmente o desespero radical com que tematiza o fim de todas as ilusões românticas, a fatalidade da morte como apodrecimento inexorável do corpo, a visão do cosmos em seu processo irreversível de demolição de valores e sonhos humanos.

"Eu, filho do carbono e do amoníaco
Monstro de escuridão e rutilância
Sofro, desde a epigênese da infância
A influência má dos signos do zodíaco."

"(...)
Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija"

A obra surgida em momento de transição, pouco antes da virada modernista de 1922, é bem representativa do espírito sincrético que prevalecia na época, parnasianismo por alguns aspectos e simbolista por outros. A métrica rígida, a cadência musical, as aliterações e rimas preciosas dos versos fundiram-se ao esdrúxulo vocabulário extraído da área científica para fazer do Eu um livro que sobrevive, antes de tudo, pelo rigor da forma.

Em outras palavras, considerando a produção literária desse poeta, pode-se dizer que traduz sua objetividade pessimista em relação ao homem e ao cosmos, por meio de um vocabulário técnico-científico-poético.

Transformado em catecismo pelos pessimistas e em bíblia dos azarados e malditos, o livro Eu é de uma instigante popularidade, resistente a todos os modismo, impermeável às retaliações da crítica e aos vermes do tempo. Foi o poeta mais original de nossa literatura.

As leitura precoces de Darwin, Haeckel, Lamarck e outros, feitas na biblioteca de seu pai, fundamentaram a postura existencial do poeta; a adesão ao Evolucionismo de Darwin e Spencer e a angústia funda, leta, ante a fatalidade que arrasta toda a carne para a decomposição. Fundem-se a visão cósmica e o desespero radical, produzindo uma poesia violenta e nova na língua portuguesa. Temos, portanto, em Eu e outras poesias, além da linguagem científica e extravagante, a temática do vazio da coisas (o nada) e a morte (finitude da vida) em seus estágios mais degradados: a putrefação, a decomposição da matéria. Simultaneamente, reflete em seus versos a profunda melancolia, a descrença e o pessimismo frente ao ser e à sociedade, elaborando, assim, uma poesia de negação: nega as falsas ideologias, a corrupção, os amores fúteis e as paixões transitórias:

"Melancolia! Estende-me a tua asa!
És a árvore em que devo reclinar-me...
Se algum dia o prazer vier procurar-me
Dize a este monstro que eu fugi de casa!"

O asco ao prazer é expresso de maneira contundente; a relação entre os sexos é apenas "a matilha espantada dos instintos" ou "parodiando saraus cínicos, / bilhões de centrossomos apolínicos / na câmara promíscua do vitellus." Reduzindo o amor humano à cega e torpe luta da células, cujo fim é senão criar um projeto de cadáver, o poeta aspira à imortalidade gélida, mas luminosa, de outros mundos onde não lateje a vida-instinto, a vida-carne, a vida-corrupção.

Augusto dos Anjos vale-se muitas vezes de técnicas expressionistas na montagem de seus textos. O Expressionismo, corrente estética Modernismo, representou uma reação contra o Impressionismo, contra o gosto pela nuance, contra o refinamento e sutileza na captação do momento.

A imagem é intencionalmente deformada e agrupada de maneira desconcertante, através da transfiguração da realidade. Em lugar da delicadeza e da suavidade, a imagem é deformada, por meio de um desenho violento, que acentua e barbariza a forma, aproximando-se, às vezes, do grotesco e da caricatura.

Daí o “mau gosto”, o “apoético" que, em Augusto dos Anjos, são convertidos em poesia. O jargão científico e o termo técnico, tradicionalmente prosaicos, não devem ser abstraídos de um contexto que os exige e os justifica. Fazia-se mister uma simbiose de termos que definissem toda a estrutura da vida (vocabulário físico, químico e biológico) e termos que exprimem o asco e o horror ante a existência.

Apoiando-se em hipérboles e paradoxos, e na exploração de efeitos sonoros, Augusto dos Anjos funde a inflexão simbolista e a retórica científica, criando uma dicção singular, que projeta a hipersensibilidade e a visão trágica e mórbida da existência.

Fonte:
Passeiweb.

Augusto dos Anjos (Livro de Poesias)


CONTRASTES

A antítese do novo e do absoleto,
O Amor e a Paz, o Ódio e a Carnificina,
O que o homem ama e o que o homem abomina,
Tudo convém para o homem ser completo!

O ângulo obtuso, pois, e o ângulo reto,
Uma feição humana e outra divina
São como a eximenina e a endimenina
Que servem ambas para o mesmo feto!

Eu sei tudo isto mais do que o Eclesiastes!
Por justaposição destes contrastes,
Junta-se um hemisfério a outro hemisfério,

Às alegrias juntam-se as tristezas,
E o carpinteiro que fabrica as mesas
Faz também os caixões do cemitério!…

DEBAIXO DO TAMARINDO

No tempo de meu Pai, sob estes galhos,
Como uma vela fúnebre de cera,
Chorei bilhões de vezes com a canseira
De inexorabilissimos trabalhos!

Hoje, esta árvore, de amplos agasalhos,
Guarda, como uma caixa derradeira,
O passado da Flora Brasileira
E a paleontologia dos Carvalhos!

Quando pararem todos os relógios
De minha vida e a voz dos necrológios
Gritar nos noticiários que eu morri,

Voltando à pátria da homogeneidade,
Abraçada com a própria Eternidade
A minha sombra há de ficar aqui!

DECADÊNCIA

Iguais ás linhas perpendiculares
Caíram, como cruéis e hórridas hastas,
Nas suas 33 vértebras gastas
Quase todas as pedras tumulares!

A frialdade dos círculos polares,
Em sucessivas atuações nefastas,
Penetrara-lhe os próprios neuroplastas,
Estragara-lhe os centros medulares!

Como quem quebra o objeto mais querido
E começa a apanhar piedosamente
Todas as microscópicas partículas,

Ele hoje vê que, após tudo perdido,
Só lhe restam agora o ultimo dente
E a armação funerária das clavículas!

IDEALISMO

Falas de amor, e eu ouço tudo e calo!
O amor da Humanidade é uma mentira.
É. E por isto que na minha lira
De amores fúteis poucas vezes falo.

O amor! Quando virei por fim a amá-lo?!
Quando, se o amor que a Humanidade inspira
É o amor do sibarita e da hetaíra,
De Messalina e de Sardanapalo?!

Pois é mister que, para o amor sagrado,
O mundo fique imaterializado
- Alavanca desviada do seu fulcro -

E haja só amizade verdadeira
Duma caveira para outra caveira,
Do meu sepulcro para o teu sepulcro?!

IDEALIZAÇÃO

Rugia nos meus centros cerebrais
A multidão dos séculos futuros
- Homens que a herança de ímpetos impuros
Tomara etnicamente irracionais!

Não sei que livro, em letras garrafais,
Meus olhos liam! No húmus dos monturos,
Realizavam-se os partos mais obscuros,
Dentre as genealogias animais!

Como quem esmigalha protozoários
Meti todos os dedos mercenários
Na consciência daquela multidão...

E, em vez de achar a luz que os Céus inflama,
Somente achei moléculas de lama
E a mosca alegre da putrefação!

O LÁZARO DA PÁTRIA

Filho podre de antigos Goitacases,
Em qualquer parte onde a cabeça ponha,
Deixa circunferências de peçonha,
Marcas oriundas de úlceras e antrazes.

Todos os cinocéfalos vorazes
Cheiram seu corpo. À noite, quando sonha,
Sente no tórax a pressão medonha
Do bruto embate férreo das tenazes.

Mostra aos montes e aos rígidos rochedos
A hedionda elefantíase dos dedos...
Há um cansaço no Cosmos... Anoitece.

Riem as meretrizes no Cassino,
E o Lázaro caminha em seu destino
Para um fim que ele mesmo desconhece!

O MARTÍRIO

Arte ingrata! E conquanto, em desalento,
A órbita elipsoidal dos olhos lhe arda,
Busca exteriorizar o pensamento
Que em suas fronetais células guarda!

Tarda-lhe a Idéia! A inspiração lhe tarda!
E ei-lo a tremer, rasga o papel, violento,
Como o soldado que rasgou a farda
No desespero do último momento!

Tenta chorar e os olhos sente enxutos!...
E como o paralítico que, á mingua
Da própria voz e na que ardente o lavra

Febre de em vão falar, com os dedos brutos
Para falar, puxa e repuxa a língua,
E não lhe vem á boca uma palavra!

PSICOLOGIA

Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênese da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.

Profundissimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância...
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.

Já o verme - este operário das ruínas -
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e á vida em geral declara guerra,

Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!

Fonte:
ANJOS, Augusto dos. Eu e outras poesias. Editora Martin Claret, 2001.

Celso Sisto (As Voltas que uma História Dá)


Braguinha (João de Barro). Festa no céu.
Ilustrações de Tatiana Paiva.
Rio de Janeiro, Rocco Pequenos Leitores, 2010.
32p.

Quem conta um conto aumenta um ponto, já diz o ditado popular. E um conto muito contado, em suas andanças pelo mundo, vai recebendo coisas de cada lugar por onde passa e vai perdendo outras tantas. É a dinâmica das histórias que estão vivas!

Essa festa no céu é assim: o mestre sapo ensinava tabuada aos sapinhos da lagoa, quando a Araponga anuncia o convite de São Pedro para a festa no céu, na noite de São João. A festa era só para bicho que voa. A Saracura fica de gozação e Mestre Sapo promete ir de qualquer jeito. Ouve o Doutor Urubu cantando e decide ir dentro do violão do pássaro. Na manhã da festa ele se esconde e vai. No meio do caminho o Urubu o descobre, mas leva-o ainda assim. Na festa nenhum pássaro quer dançar com o Mestre Sapo. Ele adormece num balanço do jardim e na hora de ir embora, como o Urubu já tinha saído, enfia-se no trombone do Macuco. Daí pra frente, a graça toda está em descobrir como essa história vai terminar.

A história é muito conhecida, e tem raízes nas fábulas do século V antes de Cristo. O mérito de Braguinha, autor dessa versão, é misturar no corpo da história composições suas e cantigas populares. Abrasileirar a história, situando-a no sertão e ampliar o universo dos seres alados para incorporar mosquitos, besouros, borboletas, aproveitando, inclusive o clima das festas juninas, com canjica e quentão.
O texto é todo rimado, a maior parte em estrofes de quatro versos. Tem proximidade com o repente, o cordel, a poesia popular típica de feira nordestina, principalmente.
As inovações são saborosas: o sapo é descoberto na ida e não na volta; não volta na viola do Urubu, mas no trombone do Macuco; é descoberto quando os músicos da orquestra resolvem tocar um dobrado em pleno caminho de volta; é cuspido longe e não jogado por maldade ou vingança.

Não há interferência divina e o conto serve para explicar porque ainda hoje o sapo é achatado, feio, meio disforme, com olhos esbugalhados e boca grande. E a história termina com a lição para o leitor, o que é praxe nesse tipo de história.
As ilustrações do livro são uma maravilha. A ilustradora faz uso de recortes, colagens, tecidos, papéis com texturas, amassados, fios, pontos, bordados, rendas. Um desfile de cores que enchem os olhos. Uma criação cheia de ângulos e movimentos.
Talvez os “politicamente-corretos” reclamem de discriminação, já que os pássaros não quiseram dançar com o sapo. Ou da relatividade do conceito de beleza, quando o narrador afirma que o sapo ficou feio e disforme. Mas o autor conta assim e assim será, tá? O autor é soberano!

Braguinha, velho conhecido dos adultos, gravou primeiro essa história na coleção Disquinho, da gravadora Continental, nos anos 60, antes dela virar livro. E foi sempre um compositor festejado, famoso principalmente por suas marchas de carnaval.

Pois esse carnaval, em forma de livro também é pra deixar qualquer leitor contente! Pule e brinque! É festa na literatura!

Fonte:
Artistas Gauchos
http://www.artistasgauchos.com.br/

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 526)


Uma Trova de Ademar

Por ter a língua de trapo,
disse ao ser mandado embora:
- É moleza engolir sapo,
o duro é botar pra fora!
–ADEMAR MACEDO/RN–

Uma Trova Nacional


A fome, sempre presente,
faz sair o Chico Brito
atrás de um cachorro quente,
“matando cachorro a grito!...”
–HERMOCLYDES S. FRANCO/RJ–

Uma Trova Potiguar


Chega em casa, inesperado
e ao procurar, seu pijama,
por desespero, o danado,
tremia, embaixo, da cama.
–FABIANO WANDERLEY/RN–

Uma Trova Premiada


1987 - Porto Alegre/RS
Tema - “VIAGEM” - Venc.


“Vai...” – Aperta”... “Assim! “Cuidado”.
Ela geme... Ele se cala...
Não há nada mais gozado
que um casal... Fazendo a mala!
–IZO GOLDMAN/SP–

...E Suas Trovas Ficaram


... Não ventava, nem chovia.
Tudo silêncio, asseguro...
Somente a rede gemia
naquele quartinho escuro!!!
–ADELIR MACHADO/RJ–

Estrofe do Dia


Sou um bonito “coroa”,
e potente garanhão
que sem gastar um tostão
pega muita mulher boa
seja direita ou a toa
o vate aqui não se nega
tem uma que não sossega
e que não pode me ver
mas, porém vou lhe dizer
é porque a pobre é cega!
–FRANCISCO MACEDO/RN–

Soneto do Dia

Nordestino
–Glauco Mattoso/SP–


Caba da peste, aquilo roxo, óxente,
Vixe, arretado, vôte, macaxêra,
baião de dois, olê mulé rendêra,
nêga fulô, forró, seca, sol quente.

Nordeste é cor, sabor, cheiro de gente,
um universo inteiro numa feira,
um cego cantador, um Zé Limeira,
Antonio Conselheiro, axé, repente.

Cabeça-chata ou pau-de-arara é o mote
que o Sul aplica quando os deprecia.
Mas eu prefiro a sola chata, o xote!

O cangaceiro quando xaxa! Um dia
vou ser capacho deles num magote,
só pra sentir o que é supremacia!

Hans Christian Andersen (A Princesa e a Ervilha)


Havia uma vez um príncipe que queria se casar com uma princesa, mas não se contentava com uma princesa que não fosse de verdade. De modo que se dedicou a procurá-la no mundo inteiro, ainda que inutilmente, pois todas que via apresentavam algum defeito. Princesas havia muitas, porém não podia ter certeza, ja que sempre havia nelas algo que não estava bem. Assim, regressou ao seu reino cheio de sentimento, pois desejava muito uma princesa verdadeira!

Certa noite, caiu uma tempestade horrível. Trovejava e chovia a cântaros. De repente, bateram à porta do castelo, e o rei foi pessoalmente abrir.

No umbral havia uma princesa. Mas, Santo Céu, como havia ficado com o tempo e a chuva! A água escorria por seu cabelo e roupas, seu sapato estava desmanchando. Apesar disso, ela insistia que era uma princesa real e verdadeira.

"Bom, isso vamos saber logo", pensou a rainha velha.

E, sem dizer uma palavra, foi ao quarto, tirou toda a roupa de cama e colocou uma ervilha no estrado, em seguida colocou vinte colchões sobre a ervilha, e sobre eles vinte almofadas feitas com as plumas mais suaves que se pode imaginar.

Ali teria que dormir toda a noite a princesa.

Na manhã seguinte, perguntaram-lhe como tinha dormido.

-Oh, terrivelmente mal! - disse a princesa. Não consegui fechar os olhos toda a noite. Vá se saber o que havia nessa cama! Encostei-me em algo tão duro que amanheci cheia de dores. Foi horrível!

Ouvindo isso, todos compreenderam que se tratava de uma verdadeira princesa, ja que havia sentido a ervilha através dos vinte colchões e vinte almofadões. Só uma princesa podia ter uma pele tão delicada.

E assim o príncipe casou com ela, seguro que sua era uma princesa completa. A ervilha foi enviada a um museu onde pode ser vista, a não ser que alguém a tenha roubado.

Fonte:
Hans Christian Andersen e Irmãos Grimm. Contos infantis. Seleção e tradução: Jô Andrada . http://victorian.fortunecity.com/postmodern/135

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 525)

Um Entardecer em Córdoba/Argentina


Uma Trova de Ademar

Sua ausência, por maldade,
deixou, talvez, por vingança,
um punhado de saudade
dentro da minha lembrança.
–ADEMAR MACEDO/RN–

Uma Trova Nacional


“Dói mais em mim do que nela”
a dor da separação,
já botei ponte e pinguela
nas veias do coração...
–JOSÉ ALBERTO COSTA/AL–

Uma Trova Potiguar


Toda família suspende
em seu pilar, os fracassos;
quando um filho dela pende,
sempre se ampara em seus braços!
–MANOEL CAVALCANTE/RN–

Uma Trova Premiada


1996 - ATRN – Natal/RN
Tema - NEBLINA - 2º Lugar.


Abro a janela e a neblina
lacrimeja na vidraça...
A saudade dobra a esquina,
entra no quarto... e me abraça!
–EDUARDO A. O. TOLEDO/MG–

...E Suas Trovas Ficaram


Teus passos eu sigo a esmo
numa atração que me assombra,
deixando de ser eu mesmo
para ser a tua sombra...
–VENTURELLI SOBRINHO/MG–

Simplesmente Poesia

Irás Longe
–LUCIA CONSTANTINO/PR–


Sete céus apascentam teus pés,
como as cores do arco-íris.
Irás longe carregando o manto de tua alma
para os querubins descalços
que contigo fizeram essa aliança de luz.
Na senda que percorres
tuas palavras hoje soam como fábulas.
Mas sob a chuva das quimeras humanas,
destilarás tua seiva para nutrir
as raízes dos desencontrados,
quando as noites transformam em pó
toda palavra que não foi pronunciada
dentro de nós.

Estrofe do Dia

Só temos uma esperança
para que essa “coisa” mude,
leia mais, reflita, estude,
se você busca mudança.
Deus te outorgou confiança
e um Livre-Arbítrio a tomar
você precisa aceitar
este poder tão profundo
se queres mudar o mundo
você precisa mudar.
–FRANCISCO MACEDO/RN–

Soneto do Dia

Quinari
–RENÃ LEITE PONTES/AC–


Planície que leva ao meu vale amoroso;
poema perfeito composto pra amante.
baixada de terra nascida de instante,
bem feita, a capricho, por Deus dadivoso.

Deus triste da guerra te fez vaporoso;
distante da morte te pôs protegido.
o traje da honra te deu por vestido,
destarte cantado por filho orgulhoso.

Armada do escudo da paz desejada,
embora sem ouro, mas com limpos ares,
forrada de louros, no início da estrada

Brilhante, soberba que ensina valores.
sem mar, mas dotada do dom de encantares:
por isto teus filhos te cobrem de amores.

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Wagner Marques Lopes (O Lar em Trovas) Parte I


O Lar e a Humanidade

No lar, em redes de afeto,
os pais e toda a irmandade
exercitam por completo
o respeito à Humanidade.

A casa e o lar - I

A casa - de alvenaria...
Feita de adobe... Ou madeira.
E qualquer lar?... Bom seria:
sem briga e sem ciumeira.

A casa e o lar - II

A casa guarda o conforto
na visão dos construtores.
O lar é amparo, porto,
coração dos moradores.

A casa e o lar - III

As almas são caminheiros
vindos de terras distantes...
Nas casas, buscam sombreiros.
No lar, a paz confortante.

Fonte:
Trovas enviadas pelo autor

Nilton Manoel (Haicai 5)

Mia Couto (O não desaparecimento de Maria Sombrinha)


Afinal, quantos lados tem o mundo
no parecer dos olhos do camaleão?


Já muita coisa foi vista neste mundo. Mas nunca se encontrou nada mais triste que caixão pequenino. Pense-se, antemanualmente, que esta estória arrisca conter morte de criança. Veremos a verdade dessa tristeza. Como diz o camaleão -- em frente para apanhar o que ficou para trás.

Deu-se o caso numa família pobre, tão pobre que nem tinha doenças. Dessas em que se morre mesmo saudável. Não sendo pois espantável que esta narração acabe em luto. Em todo o mundo, os pobres têm essa estranha mania de morrerem muito. Um do mistérios dos lares famintos é falecerem tantos parentes e a família aumentar cada vez mais. Adiante, diria o camaleonino réptil.

A família de Maria Sombrinha vivia em tais misérias, que nem queria saber de dinheiro. A moeda é o grão de areia fluindo entre os dedos? Pois, ali, nem dedos. Tudo começou com o pai de Sombrinha. Ele se sentou, uma noite, à cabeceira da mesa. Fez as rezas e olhou o tampo vazio.

– Eh pá, esta mesa está diminuir!

Os outros, em silêncio, balancearam a cabeça, em hipótese. :,

– Vocês não estão a ver? Qualquer dia não temos onde comer.

Ao se preparar para dormir, apontou o leito e chamou a mulher:

– Esta cama cada dia está mais pequena. Um dia desses não tenho onde deitar.

Debateram o assunto, timidamente, com o pai. Sugeriram que a razão pudesse ser inversa: o mundo é que estava a aumentar, encurralando a aldeiazinha. Fosse o caso dessa suposição, a aldeia estaria metida em vara de sete camisas. Mas o velho não arredou a ideia. Casmurrou contra argumento alheio, ancorado na teima dele.

Por fim, sua visão minguante aconteceu com Sombrinha. Ele via o tamanho dela se acanhar, mais e mais pequenita. E se queixava, pressentimental:

– Esta menina está-se a enxugar no poente...

Todos se riam. O pai cada vez piorava. Face ao riso, o homem se remeteu à ausência. Se transferiu para as traseiras, se anichou entre desperdício e desembrulhos. A filha ainda solicitou presença do mais velho.

– Deixe o seu pai. lá onde está, ele não está em lugar nenhum.

Valia a pena sombrear a miúda, minhocar-lhe o juízo? Mas Sombrinha não deixou de rimar com a alegria. Afinal, era ainda menos que adolescente, dada somente a brincadeiras. Sendo ainda tão menina, contudo, um certo dia ela se barrigou, carregada de outrem. Noutros termos: ela se apresentou grávida. Nove meses depois se estreava a mãe. Sem ter idade para ser filha como podia desempenhar maternidades?

A criancinha nasceu, de simples escorregão, tão minusculinha que era. A menina pesava tão nada que a mãe se esquecia dela em todo o lado. Ficava em qualquer canto sem queixa nem choro.

- Essa menina só pára quieta!, queixava-se Sombrinha. :,

Deram o nome à menininha: Maria Brisa. Que ela nem vento lembrava, simples aragem. Dona mãe ralhava, mas sem nunca fechar riso, tudo em disposições. Até que certa vez repararam em Maria Brisa. Porque a barriguinha dela crescia, parecia uma lua em estação cheia. Sombrinha ainda devaneou. Deveria ser um vazio mal digerido. Gases crescentes, arrotos tontos. Mas depois, os seios lhe incharam. E concluíram, em tremente arrepiação: a recém-nascida estava grávida! E, de facto, nem tardaram os nove meses. Maria Brisa dava à luz e Maria Sombrinha ascendia a mãe e avó quase em mesma ocasião. Sombrinha passou a tratar de igual seus rebentinhos -- a filha e a filha da filha. Uma pendendo em cada pequenino seio.

A família deu conta, então, do que o pai antes anunciara: Sombrinha, afinal das contas, sempre se confirmava regredindo. De dia para dia ela ia ficando sempre menorzita. Não havia que iludir -- as roupas iam sobrando, o leito ia crescendo. Até que ficou do mesmo tamanho da filha. Mas não se quedou por ali. Continuou definhando a pontos de competir com a neta.

Os parentes acreditaram que ela já chegara ao mínimo mas, afinal, ainda continuava a reduzir-se. Até que ficou do tamanho de uma unha negra. A mãe, as primas, as tias a procuravam, agulha em capinzal. Encontravam-na em meio de um anônimo buraco e lhe deixavam cair uma gotícula de leite.

- Não deite demais que ainda ela se afoga!

Até que, um dia, a menina se extinguiu, em outra dimensão. Sombrinha era incontemplável a vistas nuas. Choraram os familiares, sem conformidade. Como iriam ficar as duas orfãzinhas, ainda na gengivação de leite? A mãe ordenou que se fosse ao quintal e se trouxesse o esquecido pai. O velho entrou sem entender o motivo do chamamento. Mas, assim que passou a porta, ele olhou o nada e chamou, em encantado riso:

– Sombrinha, que faz você nessa poeirinha?

E depois pegou numa imperceptível luzinha e suspendeu-a no vazio dos braços.

– Venha que eu vou cuidar de si!, murmurou enquanto regressava para o quintal da casa, nas traseiras da vida.

Fonte:
Mia Couto. Contos do Nascer da Terra. Vol.1. Porto: CPAC, 1998.

J. G. de Araújo Jorge (A Cantiga Do Só) 3. A Enfermeira


No seu branco uniforme, hei-la que passa... É a imagem
do amor, do sacrifício... e é toda abnegação!
Eu a chamo: Nossa Senhora da Coragem,
de leito em leito, sempre, em peregrinação...

Vigia do sofrer. . . Chega, e à sua passagem
a dor é menos dor, e é menor a aflição...
Sobre a fronte febril seu gesto é como a aragem,
sua presença é luz e sombra, é proteção...

Misto de anjo a mulher, de santa a de heroina,
não sei de profissão que em si tanto resume
na glória de se dar nesse árduo e puro afã...

É a síntese complete da alma feminina,
pois traz no coração um pouco de cada uma:
- a amiga, a companheira, a mãe, a esposa, a irmã!

Fonte:
JORGE, J.G. de Araújo. Cantiga do Só. 2. ed. 1968.

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 524)


Uma Trova de Ademar

Eu vejo um filme passando
sem ter falhas, nem emenda;
nele, eu me vejo brincando
nos aceiros da fazenda!
–ADEMAR MACEDO/RN–

Uma Trova Nacional


Pior é a dor que me assalta
neste momento de adeus,
pois além de tua falta,
eu sinto a falta de Deus!
–CLENIR NEVES RIBEIRO/RJ–

Uma Trova Potiguar


Feliz quem vai, lance a lance,
á glória de um jubileu,
lendo e relendo um romance
que um grande amor escreveu.
–SEBASTIÃO SOARES/RN–

Uma Trova Premiada


1990 - São Paulo/SP
Tema - VERSO - M/E


Mandei meu amor em versos,
e choro entre os teus guardados
ao ver meus sonhos dispersos
por envelopes fechados.
–ALBA CHRISTINA C. NETTO/SP–

...E Suas Trovas Ficaram


Morre a voz dentro de mim,
fica mais triste a canção
quando os versos dizem sim
mas a vida diz que não.
–CARMEN OTTAIANO/SP–

Simplesmente Poesia

Entre Rosas e Espinhos
–MARIA DO ROSÁRIO BESSAS/MG–


Olhei a rosa, mas só vi o espinho.
Senti o perfume que inundava o jardim,
uma natureza quase morta,
atravessando o meu caminho.
Os jardins de hoje, são lacunas verdes,
entre o concreto que cresce
de encontro ao céu, na cidade grande.
agonizam entre os túmulos verticais
que os homens erguem por falta de espaço.
lá se enterram em vida,
na solidão de poucos metros quadrados.
E como eu, passam frios pelas ruas,
quando atravessam jardins
e não enxergam as rosas,
porque tem medo de espinhos.

Estrofe do Dia

“A primeira vez que a pequena Angélica me viu!”
Angélica causou-me uma emoção,
foi Talvez, a maior da minha vida;
quando ela olhando assim enternecida,
me perguntou com ar de compaixão:
Por que só tens uma perna e não duas?
Se das pessoas que andam pelas ruas
nunca vi uma assim igual a tu;
mas por favor não vá se entristecer,
vou comprar uma perna pra você
Quando eu for com vovô no “Carrefu.”
–ADEMAR MACEDO/RN–

Soneto do Dia

Na Linha do Horizonte!
–SILVA FILHO/PI–


Poesia... procurei nos escaninhos
em escrínios e lugares insuspeitos
em recintos com rumores rarefeitos
incluindo os barrancos ribeirinhos.

Entrementes... ao fitar o horizonte
vi a Terra abraçada com o Céu
a grandeza que compõe o mundaréu
e o meu estro socorrido no remonte.

Finalmente... entendi que a Poesia
nada mais que a voz da Natureza
e somente um neurônio da magia.

Sendo assim... o poeta tem certeza
que empresta toda a sua serventia
a uma causa revestida de nobreza.

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 523)


Uma Trova de Ademar

Com gesto e palavras duras,
feriste o meu coração;
arrependida, fez juras
e eu jurei dar-te o perdão...
–ADEMAR MACEDO/RN–

Uma Trova Nacional


A utopia, em minha mente,
Traduz-se desta maneira:
– um lugar inexistente
que existirá, caso queira!...
–NEWTON VIEIRA/MG–

Uma Trova Potiguar


Meu barco segue à deriva,
no rumo do inconsciente;
navego na expectativa
de me encontrar novamente.
–DJALMA MOTA/RN–

Uma Trova Premiada


1989 - São Paulo/SP
Tema - SEGREDO - Venc.


No dorso nu dos rochedos,
reprimindo seus bramidos,
o mar sussurra segredos
na concha dos meus ouvidos...
–DIVENEI BOSELI/SP–

...E Suas Trovas Ficaram


Topázios o sol desfia
no Potengi ao poente,
misto de sonho e poesia
trazendo a paz envolvente.
–JOÃO ALFREDO/RN–

Simplesmente Poesia

CAMPESINAS.
–Cruz e Souza/SC–


Camponesa, camponesa,
ah! quem contigo vivesse
dia e noite e amanhecesse
ao sol da tua beleza.

Quem livre, na natureza,
pelos campos se perdesse
e apenas em ti só cresse
e em nada mais, camponesa.

Quem contigo andasse à toa
nas margens duma lagoa,
por vergéis e por desertos,

beijando-te o corpo airoso,
tão fresco e tão perfumoso,
cheirando a figos abertos.

Estrofe do Dia

Já faz tempo que eu mesmo desconfio
dos olhares secretos que trocamos,
e eu confesso, nem nós avaliamos
o tamanho do nosso desafio;
nosso amor pra nascer tá por um fio
para mim não precisa complemento,
vamos só celebrar esse momento
pois não devo fugir do meu destino;
já faz tempo que a gente tira fino
num planeta de luz e sentimento.
–ADEMAR MACEDO/RN–

Soneto do Dia

A Santa.
–REGINALDO ALBUQUERQUE/MS–


Parei, ouvindo o sino, em frente à escadaria,
e então me aproximei do altar vazio e triste.
Toco em cálices... bíblia... e o círio ardendo em riste,
onde um fingido ‘sim’, outrora, a igreja enchia.

Pelos vitrais a etérea hóstia, além, se ergue fria...
Nada mais da outra data agora em mim existe,
triunfa o vulto atroz das ilusões que assiste
ao órgão com a nupcial e antiga melodia.

Ajoelhado aos pés da santa, lá ao fundo,
nas orações, revelo o ansiar de um moribundo...
E quando os olhos abro, a visão prende e encanta:

no santuário, um quadro único de sintaxe,
baixando o pedestal, ela beijou-me a face...
Cabeça oca me ocorre!... E se não for a santa?...

Clevane Pessoa (José Estanislau Filho lançará Crônicas do Amor Virtual e Outros Encontros)


Meu poetamigo e prosador consistente J. Estanislau Filho,lançará em breve, Crônicas do Amor Virtual e Outros Encontros.

São textos publicados virtualmente, a princípio, e agora, no papel.a quem se refere nas crônicas.

Encontramo-nos no Cultura em mOvimento (UNIAC), que anualmente convidava-me a homenagear Raul Seixas, com outros poetas e artistas, dentro do Parque Municipal Americo Renê Gianetti,em Belo Horizonte. Através da Internet, comentei o quanto eu apreciava isso, conhecer pessoas ligadas à cultura, tribos urbanas, verificar que alguns iam em bando familiar-do avô ao neto, relembrar o Raulzito.

Alegro-me por ser uma das pessoas que Estanislau relembra em Crônicas do Amor Virtual e Outros Encontros. Nunca mais o vi de perto – até recentemente, no lançamento do Nós da Poesia 2 – do IMEl – nas terças Poéticas, mas nem pudemos conversar. na Internet- o Recanto das Letras foi um deles. Perguntei a razão da homenagem - o falar a meu respeito, uma honra ser lembrada! – e ele disse que o ajudei , ao comprar o livro lá no parque e ainda indicar espaços na Internet – um deles , o Recanto das Letras. Depois ele convidou-me a prefaciar o livro de poemas e ainda lançou, um em prosa, Filhos da Terra.
Prefaciei dele "Todos os Dias São Úteis".

Lançou mais, que escreve e muito. E agora, esse novo trabalho, uma das boas novas: prefacia-o o prolífero jornalista Carlos Lúcio Gontijo, leia abaixo.

O poeta, escritor e jornalista Carlos Lúcio Contijo sabe o que diz. Já li seus muitos livros e recomendo. Atualmente, deixou belo Horizonte e voltou a Santo Antonio do Monte. Onde foi homenageado pelos conterrâneos: uma biblioteca , tem seu nome. Ele é de doar muitos livros...

Prefácio

"O escritor e poeta J Estanislau Filho se nos apresenta dessa feita com Crônica do Amor Virtual e Outros Encontros, obra com a qual premia o leitor com uma narrativa embebida em singela prosa poética, fazendo jus à poesia que o autor tão bem soube (e sabe) derramar ao longo de sua trajetória literária.

Vem-nos o criativo J Estanislau com um belo estender de horizonte gráfico, no qual podemos perceber sua alma de janelas abertas em busca de coisas simples e pequenos detalhes, que muitas vezes são despercebidos por nós, apesar de representarem o sol e o alicerce de nossas vidas. A maneira poética, mas realista, com que Estanislau nos expõe os assuntos e temas por ele tratados, tem o poder de “enjanelar” a mente do leitor, fazendo-o receptivo a toda imensa carga de sentimento, que lhe é magistralmente colocada à disposição, através de metáforas bem construídas e bem distribuídas no transcorrer de todos os enredos.

Afirma-nos J Estanislau Filho que “os planos são úteis para a vida cotidiana. A arte não carece disso, ao contrário, ela se manifesta por meio do dom”. Dessa forma, expressando-se com naturalidade tanto na alegria quanto na dor, o autor nos passa a lição de que estar vivo é ter disposição para aprender coisas novas e seguir sempre em frente, como o rio que costuma revigorar-se na queda que lhe quebra o leito. Não é fácil misturar poesia, ficção e realidade, mas J Estanislau o consegue, atrelando fenômenos aparentemente antagônicos em uma só peça, tornando-se artista da palavra competentemente capaz de fazer o leitor “derreter-se feito manteiga”, sob o fogo ardente de sua prosa poética.

Acertadamente, leva-nos à conclusão de que “o mundo virtual não difere muito do real. É necessário afinidade. Afinidade não significa, necessariamente, convergência de ideias, mas respeito às diferenças”.

J Estanislau Filho, visionariamente, descortina aos nossos olhos a filosofia que nos dá conta de uma sociedade menos desigual, pois todos merecem um dia de leveza, banho de cachoeira e um amor verdadeiramente ensolarado do lado. Para tanto, joga com sabedoria, no colo do leitor inebriado, a responsabilidade pela construção de seu próprio destino, enfatizando que é preciso correr pelo menos o risco de um encontro. Ou seja, viver nos cobra coragem a cada passo, a cada dobrar de esquina.

Em As Rosas Falam, J Estanislau Filho, chega à sublime clarividência, contrariando canção do famoso mestre Cartola, grande compositor da música popular brasileira, de que as rosas sempre falam quando diante da luz benfazeja do amor verdadeiro. Por fim, convidamos você, leitor ou leitora, a ir ao encontro do abrir de janelas que lhe é oferecido pelas páginas deste novo livro de autoria de J Estanislau Filho, onde entre os cenários literários poeticamente desenhados você poderá terminar, por desígnio do acaso, encontrando-se consigo mesmo."

Carlos Lúcio Gontijo


Fonte:
http://www.clevanepessoa.net/blog.php?idb=31495

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Trova Ecológica 79 – Wagner Marques Lopes (MG)

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 522)


Uma Trova de Ademar

A minha vida é repleta
de verso, amor e beleza,
porque quem me fez poeta
foi a própria natureza.
–ADEMAR MACEDO/RN–

Uma Trova Nacional


Dormi... e sonhei contigo
na praia, com lua cheia!
Foi delírio, hoje prossigo
te procurando na areia!
–VÂNIA ENNES/PR–

Uma Trova Potiguar


Levando vida inclemente,
velho e guri desprezados,
sem futuro, nem presente,
são dois seres desgraçados...
–PEDRO GRILO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram


O espelho reflete o rosto
e as rugas nos trazem traumas.
Haveria mais desgosto
se o vidro mostrasse as almas.
–HILDEMAR DE ARAÚJO/BA–

Uma Trova Premiada


1990 - UBT-São Paulo/SP
Tema: VERSO - Venc.


Tenho sim muito mais ouro
e fortuna que um ricaço,
não há no mundo tesouro
que pague as trovas que eu faço!
–DARLY O. BARROS/SP–

Simplesmente Poesia

A Festa nem Começou
–MIFORI/SP–


Tudo preparado para ser
uma grande festa.
Para se viver lindos momentos.
Mas, no lugar do sim veio o não,
ao seu pedido de casamento.
No peito uma forte dor
e quase sua visão sumiu.
Numa trilha tumultuada
entraram seus pensamentos
e o silencio que se seguiu...
Foi constrangedor!

Estrofe do Dia

A certeza da morte não se nega,
é tão clara que a vida até aceita;
é tão lógica, certa e sem suspeita
que as entranhas da gente não renega;
mas é dura e tirana se nos pega
de surpresa sem dar nenhum aviso;
simplesmente chegando de improviso.
Só a crença que a gente tem em Deus
faz vencer o momento desse adeus
e seguir, pois viver ainda é preciso.
–TARCÍSIO FERNANDES/RN–

Soneto do Dia

Mágoa
–THALMA TAVARES/SP–


Ela jura, entre prantos, que desdenha
do ingrato amor que tanto a faz chorar.
Em maldizê-lo com ardor se empenha
e mais se empenha em ter que o odiar.

Garante que não há quem a detenha
nesse mister, ainda que a sangrar
o maltratado coração lhe venha
vindo o sopro da vida lhe faltar.

Porém esse ódio que ela diz que sente,
em seu semblante um doce olhar desmente
quando nos fita cheia de bondade...

E com voz doce e os olhos rasos d'água
ela transforma a repentina mágoa
num suspiro de amor e de saudade.

Luiz Vaz de Camões (Os Lusíadas)


Publicado em 1572 sob a proteção do Rei D. Sebastião, o poema épico Os Lusíadas, de Luís Vaz de Camões, tem como assunto central a viagem de Vasco da Gama às Índias (1497 - 1498). As perigosas viagens por mares nunca dantes navegados, o contato com povos e costumes diferentes, a exaltação do homem-herói (navegador, soldado, aventureiro, cavaleiro e amante) encontram, na euforia antropocêntrica do Renascimento, um instante oportuno para o sentimento heróico e conquistador, não apenas dos portugueses, mas de toda Europa quinhentista.

Obra de cunho enciclopédico, o poema narra, além da descoberta do caminho marítimo para as Índias, as grandes navegações portuguesas, a conquista do Império Português do Oriente e toda a história de Portugal, seus reis, seus heróis e as batalhas que venceram. Paralelamente a essa dupla ação histórica (a viagem de Vasco da Gama e a história de Portugal), desenvolve-se uma importantíssima ação mitológica: a luta que travam os deuses olímpicos (o "maravilhoso pagão"), contrapondo Vênus e Marte (favoráveis aos lusos) a Baco e Netuno (contrários às navegações).

Os Lusíadas fundem harmoniosamente os ideais renascentistas, imperialistas e nacionalista de expansão do Império, com a ideologia medieval, feudal e conservadoras; a mitologia pagã com o ideal cristão; o tom épico na exaltação dos feitos dos navegadores e guerreiros e o tom lírico do amor trágico de Inês da Castro; a objetividade e a subjetividade; o ufanismo e o espírito crítico; o espírito clássico com acentos maneiristas e antecipação barroca.

O poema divide-se em 10 cantos. Cada canto contém em média 100 estrofes ou estâncias. O canto III é o mais curto, com 87 estrofes; o canto X é o mais longo, com 156 estrofes. O poema todo compõe-se de 1.102 estrofes ou estâncias. Cada uma delas contém regularmente 8 versos (oitavas). O poema totaliza 8.816 versos, decassílabos (medida nova), predominando os decassílabos heróicos, com a 6ª e a 10ª sílabas tônicas. Há também alguns decassílabos sáficos, com a 4ª, a 8ª e a 10ª sílabas tônicas.

Os Lusíadas são o maior poema da língua portuguesa e a maior expressão de sua excelência literária. Camões soube elaborar uma linguagem suficientemente rica e maleável, elegante e sonora, com que exprimiu tanto os feitos heróicos e altissonantes, como as dolorosas súplicas de Inês de Castro diante de seus algozes ou o desconsolo do eu-poemático diante do "desconcerto do mundo" e da decadência de seu país.

Os Lusíadas tem cinco partes, como a tradição clássica impõe a uma epopéia:

1 - Proposição - É a apresentação do poema, a síntese do assunto. Ocupa as três primeiras estrofes. Evidencia algumas características fundamentais da obra: o caráter coletivo do herói, a valorização do homem (antropocentrismo), a sobrevivência do "ideal cruzada", a valorização da Antigüidade clássica, o nacionalismo (ufanismo), sintaxe rica e complexa.

2 - Invocação das Tágides - É o pedido de inspiração às musas. Camões elege como suas inspiradoras as Tágides, ninfas do rio Tejo, "nacionalizando" suas musas.

3 - Dedicatória ao Rei D. Sebastião - É como menino ainda, como dádiva de Deus, que Camões apresenta D. Sebastião na dedicatória. O jovem rei assumiu o trono aos 14 anos, em 1568, e como a redação do poema consumiu mais de 12 anos, Camões não deixa de observar que ele é "novo no ofício" e disso abusam seus conselheiros. O fato do jovem rei ser exaltado como símbolo e esperança da pátria, não impede de o poeta critique as intrigas palacianas e a ambição de mando e de riqueza dos jesuítas e seus aliados.

4 - Narração - A narração de Os Lusíadas compreende três ações principais: a viagem de Vasco da Gama às Índias, a narrativa da história de Portugal e as lutas e intervenções dos deuses do Olimpo. São, portanto, duas ações históricas e uma ação mitológica que se alternam e se interpenetram no poema. A narrativa começa já no meio da aventura do herói, quando Vasco da Gama e os navegadores estão em pleno Oceano Índico, na costa leste da África, próximo ao Canal de Moçambique. A narrativa histórica termina com a partida de Calicute. Camões não narra o regresso a Lisboa. Os acontecimentos anteriores são relatados por discursos dos protagonistas humanos (Vasco da Gama e seu irmão Paulo da Gama), e os acontecimentos futuros são anunciados por deuses ou outras personagens com o dom da profecia. Nessa profusão de episódios históricos, mitológicos, proféticos, simbólicos, líricos, guerreiros e romanescos, Camões entremeia descrições de fenômenos naturais (a tromba marítima, o fogo-de-anselmo etc) e freqüentes dissertações poéticas sobre a moral, sobre a desconsideração de seus contemporâneos pela poesia, sobre o verdadeiro valor da glória, sobre a onipotência do ouro e da riqueza e sobre o destino de Portugal. É uma verdadeira enciclopédia de Portugal e do homem renascentista.

5 - Epílogo - Contém as lamentações e críticas do poeta, suas exortações ao Rei D. Sebastião e os vaticínios sobre as futuras glórias portuguesas. São as doze últimas estrofes do poema. Contrastando com o tom vibrante e ufanista do início, o tom agora é de pessimismo, desencanto e de crítica à decadência do país e aos portugueses de seu tempo, esquecidos dos valores nacionais. É uma clara premonição da derrocada de Portugal, submetido em 1580 ao domínio espanhol, e da retratação do Império do Oriente. Há ainda o sentido de desabafo de Camões, que se queixa da incompreensão e das privações pelas quais parece ter passado em seus últimos anos de vida.

Enredo dos Cantos

Canto I e II - Após as partes introdutórias e a rápida apresentação dos navegadores em pleno Oceano Índico, narra-se o Consílio dos Deuses no Olimpo. Convocados por Júpiter, os deuses irão deliberar sobre o destino dos novos argonautas. Baco é contrário aos portugueses, pois teme que eles superem seus feitos no Oriente. Vênus, e depois Marte, toma a defesa dos lusos. Júpiter encerra o consílio, decidindo a favor das navegadores. Baco, inconformado, resolve agir. Assumindo a formas humana de um velho sábio, instiga o governador de Moçambique contra os portugueses, põe a bordo da esquadra um traidor, falso piloto, arma ciladas em Quiloa e Mombaça. Graças às intervenções de Vênus, das nereidas, de Mercúrio e à coragem e astúcia de Vasco da Gama, os portugueses chegam a Melinde, terra de muçulmanos que, por obra de Mercúrio, enviado por Júpiter, a pedido de Vênus, tinham se tornado simpáticos aos portugueses. Durante os perigos e provações, o capitão roga a proteção da Providência Divina e agradece por ela ao Deus cristão, mas quem atende às suas preces é Vênus, divindade pagã, meiga e sedutora, deusa do amor, que convence Júpiter a ajudar seus protegidos. Paganismo e cristianismo juntos, sem qualquer constrangimento.

Nota: Essa ação mitológica, a disputa entre Vênus e Baco, tem o propósito de elevar os navegadores à condição de semi-deuses. Numa clara alegoria, os portugueses, senhores do amor e da guerra, protegidos por Vênus e Marte, triunfam sobre os oceanos (Netuno) e sobre seus adversários no Oriente (Baco).

Canto III - Após Camões invocar a inspiração de Calíope, musa grega da poesia épica, Vasco da Gama começa a contar ao rei Melinde a história de Portugal. Principia pela localização geográfica do país no mapa da Europa: “Eis aqui quase cume da cabeça / De Europa toda, o Reino Lusita no / Onde a terra se acaba e o mar começa / E onde Febo repousa no Oceano” (Lus., III. 20). Fala das origens de Portugal, do primeiro herói, Viriato, o Pastor da Serra da Estrela, que resistiu à dominação romana. Na Guerra de Reconquista, que os povos já cristianizados moveram contra árabes invasores, no século XII, surge o Reino de Portugal e a Primeira Dinastia, a Casa de Borgonha. O terceiro canto contém a história de todos os reis dessa dinastia, destacando-se seu fundador, Afonso Henriques de Borgonha. vencedor da Batalha de Ourique, contra os árabes, ao lado de Egas Moniz, símbolo nacional de lealdade e honradez. Ainda sob a Dinastia de Borgonha, no reinado de D. Afonso IV, ocorre o episódio de Inês de Castro, aquela“que depois de ser morta foi rainha".

Canto IV - Vasco da Gama prossegue a narrativa da história de Portugal, concentrando-se na Segunda Dinastia, a Casa de Avis. Fala da Revolução de Avis (1383 - 1385), de seu grande herói, D. Nuno Álvares Pereira, da Batalha de Aljubarrota e de D. João I, Mestre de Avis, que funda o Estado Nacional Português, consolida a centralização monárquica e inicia a expansão ultramarina, com a Tomada de Ceuta, em 1415. A partir do reinado de D. Manuel I, o Venturoso, Vasco da Gama começa a narrar os episódios preliminares de sua viagem. D. Manuel tivera um sonho profético: os rios Indo e Canges, sob forma de dois anciões, profetizam os sucessos e perigos que os portugueses enfrentariam no Oriente. Estimulado por esse sonho, D, Manuel I pede a Vasco da Gama que monte uma esquadra para concretizar a profecia. Na partida das naus da praia de Belém, um ancião, o Velho do Restelo, faz uma enfática advertência contra as navegações portuguesas.

Canto V - Vasco da Gama conclui a narrativa de sua viagem até Melinde. Fala da partida da esquadra, do Cruzeiro do Sul, descreve o fogo-de-santelmo, depois uma tromba marítima na costa da Guiné, e a aventura cômica de Veloso. Perto da África do Sul, na travessia do Cabo das Tormentas, os portugueses defrontam-se com o Gigante Adamastor, monstro disforme que simboliza a superação do medo do “Mar Tenebroso” e o domínio do homem sobre as crendices medievais e sobre a natureza. De volta a Melinde, Vasco da Gama conclui o seu relato elogiando a tenacidade portuguesa. Encenando a primeira parte da epopéia, Camões retoma a palavra para lamentar o descaso dos portugueses pela poesia.

Canto VI - Enquanto os portugueses rumam em direção às Índias, Baco desce ao palácio de Netuno e incita os deuses marinhos contra a esquadra de Vasco da Gama. Novamente Vênus e as nereidas salvam os navegadores. A bordo da nau capitânea, o marinheiro Veloso entretém seus companheiros com a narrativa cavaleiresca de Os Doze de Inglaterra: doze portugueses, liderados pelo Magriço, vão à Inglaterra resgatar a honra de doze donzelas inglesas ultrajadas por doze cavaleiros bretões. Os navegadores avistam Calicute, e o narrador medita sobre o sentido e valor da glória.

Canto VII e VIII - Vasco da Gama faz contato com as autoridades de Calicute. O samorim (= rei) determina ao catual (= governador) que receba os navegadores. Vasco da Gama desembarca na Índia, visita o samorim e oferece a amizade dos portugueses, em nome de D. Manuel. O catual colhe informações sobre os recém-chegados e, em visita à esquadra, indaga Paulo da Gama acerca do significado das figuras desenhadas nas bandeiras lusas. O irmão do comandante assume a narrativa e conta os feitos dos heróis da pátria (Viriato, D. Afonso Henriques, Egas Moniz, D. Nuno Álvares e outros). Os muçulmanos tramam contra os cristãos portugueses e envenenam as boas relações com o samorim. Novas ciladas. Vasco da Gama é feito prisioneiro. Negocia com o catual sua liberdade, em troca de mercadorias européias. O poeta encerra o oitavo canto com dissertação sobre o poder do dinheiro.

Canto IX e X - Ainda em Melinde, na partida das naus, dois feitores portugueses que vendiam mercadorias em Calicute são retidos em terra para retardar a partida das naus e permitir que fossem alcançadas e destruídas por uma esquadra muçulmana. Em represália, Vasco da Gama retém a bordo vários mercadores indianos. Trocam-se os feitores portugueses pelos mercadores orientais, o samorim manda devolver as fazendas que os portugueses pagaram como resgate pelo capitão, e os navegadores, cumprida sua missão, iniciam a viagem de regresso a Lisboa. Os historiadores registram ter sido uma viagem acidentada, mas Camões encerra aqui a matéria propriamente histórica do poema. O longo episódio da Ilha dos Amores pertence já ao plano mitológico, fantástico. É o congraçamento entre os homens e os deuses, a elevação dos navegadores à esfera da imortalidade.

Vênus decide premiar os navegadores e, numa ilha paradisíaca, reúne as nereidas (ninfas marinhas), feridas por Cupido com suas setas, para que ardam de amor pelos portugueses. Estes, deslumbrados com o espetáculo divino, passam a perseguir as ninfas que se deixam alcançar e se entregam, entre gritinhos de prazer. É a mais clara manifestação do pan-erotismo, da idéia de que não há pecado sexual.

Oh! Que famintos beijos na floresta,
E que mimoso choro que soava!
Que afagos tão suaves, que ira honesta,
Que em risinhos alegres se tornava!
O que mais passam na manhã e na sesta,
Que Vênus com prazeres inflamava,
Melhor é exp’rimentá-lo que julgá-lo;
Mas julgue-o quem não pode exp’rimentá-lo.
(Lus., IX, 83)

Após um banquete oferecido por Tétis e pelas ninfas, uma delas, Sirena (ou sereia), anuncia as futuras conquistas portuguesas. Tétis conduz Vasco da Gama a uma elevação e mostra a ele a Máquina do Mundo, réplica em miniatura do sistema solar, segundo a teoria geocêntrica de Ptolomeu, e que somente os deuses podiam contemplar. Descobrindo o orbe terrestre, Tétis aponta os lugares onde os portugueses ainda se farão presentes. Aí, sem que se dê particular importância, fala-se do Descobrimento do Brasil.

Mas cá onde mais se alarga, ali tereis
Parte também, com pau vermelho nota;
De Santa Cruz o nome lhe poreis;
Descobri-la-á a primeira vossa frota.
(Lus.. X, 140)

Na estrofe 144 do 10º canto, os portugueses estão de volta a Lisboa. Segue-se o epílogo do poema.

Nota: A obra Os Lusíadas passaram pela censura inquisitorial, desafiando o espírito da Contra-Reforma, as convenções moralistas e repressoras da corte, orientada pelos jesuítas. A publicação deveu-se ao empenho de alguns admiradores de Camões: D. Manuel de Portugal, Dona Francisca de Aragão (amiga íntima da rinha), os dominicanos, a quem não deviam desagradar as críticas do poema aos jesuítas. O censor da obra, o frei dominicano Bartolomeu Ferreira, não só aprovou a obra como também a elogiou.

Fonte:
PASSEIWEB

Sérgio Rivero (Leitura, discurso e ação)

La Liseuse de Jean
Honoré Fragonard (1732-1806)

Coloco o pequeno Francisco para dormir. Embalados, os dois, na rede da varanda, navegamos em navios diferentes. Meu filho, ainda sem a pesada carga da cultura, navega num barco onírico que trouxe com ele de algum lugar. Eu, viciado, entorpecido, massacrado pela linguagem, sinto-me a navegar num barco à deriva. Sim. Entre ser pai e não ser pai há muita diferença. Mistura de dor e delícia esse estado. Naquele momento de rede, barco sem porto, nesse momento em que dois navios começam suas mesmas viagens transversais, me vem uma frase síntese na cabeça: – Mostre a ele que na vida há algo em que acreditar… É lançado o desafio e uma onda gigantesca, repleta de espuma e natureza, lança minha embarçação de encontro aos rochedos.

Acreditar. Para mim, uma palavra rica nesse momento da vida.

Acabo de chegar(?) de uma viagem de 3 anos, uma viagem de 450 anos, uma viagem de 65 anos, uma viagem de 500 anos. Eu, Salvador, Carlos Vasconcelos Maia, Brasil.

Ao escrever pensa-se tanto, para se escolher uma única palavra…

Gabriel Garcia Marques, em entrevista, já dizia que a sua palavra é o tempo. Vai-se, assim, suponho, em busca de todos os seus significados, livro a livro, andarilho-lavrador, como que semeando, ao contrário, uma flor que, mesmo conhecida, germinará em semente, em surpresa.

Inicio com Francisco, meu filho, uma viagem que me amedronta muito pois, de fato, vou, unicamente, com a semente-palavra-acreditar. Não há flor, ainda, não há botão que, vejo, desabrocha... a não ser os dentes-de-leite do menino que rasgam dolorosamente suas gengivas e preenchem seu sorriso.

Volto.

Depois de três anos, defendida a dissertação de Mestrado, em março, quis deixá-la fechada, sem leitor, sem 'funcionar'. Determinei que a semente distinta, com o frescor da palavra recém renovada ficasse, lá, esquecida. Mas a terra tem seus mistérios. No mesmo caco da Rosa-Menina, que está na varanda e tem a idade de Francisco, brota e persiste uma planta sem nome. Na mistura que a terra processa e os olhos não vêem, foi colhida, recolhida e acolhida, com a dissertação, uma única palavra: exclusão. E 'exclusão' foi plantada sem que eu soubesse, novamente, como flor; e eis que, agora, a flor nasce sementificada. Acreditar. Exclusão.

Faço uma pergunta: – Acredito na exclusão? Ah, totalmente, respondo a mim mesmo. Acredito, desde 1960, quando ainda não era nascido, mas Vasconcelos Maia, escritor baiano, já havia escrito o conto O homem e as vitrines . 17 anos depois o escritor ainda acreditava em exclusão. Não só acreditava mas ruminava a certeza pois, ao reescrever o mesmo conto, agora entitulado É Natal! É Natal! , o personagem principal, o homem , passaria a ser nomeado o homem grisalho e magro , biotipo do autor naquele ano de 1977.

Nas duas versões, o personagem sai em busca de presentes de Natal para seus filhos mas dá-se conta, ao final da narrativa, que não tem dinheiro. Não há consciência política que lhe faça atribuir responsabilidades, a única saída é individualizada. Retira-se do cenário da cidade, como que, se ausente da Avenida Sete de Setembro, pudesse solucionar, por fim, a uma questão original.

Na primeira versão:

“Mentalmente, com um gozo muito grande, fez o rol dos Papais-Noéis dos filhos: a lambreta, o jipe, o carro de corrida, o cavalo, a boneca, a bola vermelha e preta. Também os preços de tudo vieram à sua lembrança. Deu meia volta, meteu a mão nos bolsos. Nos bolsos vazios. Foi andando, cabeça baixa, procurou outras ruas, sem lojas nem vitrines, sem luzes nem gente. Onde ninguém pudesse surpreender sua dor.”

E na segunda versão:

“Era véspera de Natal e ele ficou ali, parado, imóvel até a loja se fechar, vendo um a um os presentes serem retirados da exposição e entregues em vistosos embrulhos coloridos, a homens e mulheres excitados, de aspecto próspero, decerto bem empregados e bem remunerados. Deu meia volta, pôs-se a andar, a mão nos bolsos. Nos bolsos vazios. Procurou outras ruas sem lojas, luzes ou gente. Onde ninguém pudesse surpreender sua dor e sua miséria.”

Na segunda versão do conto é apresentada, de forma mais incisiva, a condição do personagem. A dor, reflexo da impossibilidade de presentear os filhos com os tão esperados presentes de Natal, está acompanhada da miséria, uma qualificação com significado paramétrico, coletivo.

Ao não querer que alguém surpreenda sua dor e miséria, o personagem em seu único movimento ativo, durante toda a narrativa, retira-se do cenário, assumindo, sem dúvida, sentimento de culpa, fracasso, como se 'não ter dinheiro' fosse um problema de sua inteira responsabilidade. A solução, para ele, é sair dali, esconder-se num lugar sem luzes, nem gente, nem vitrines… num lugar que, em suma, não é o espaço urbano. Vasconcelos Maia vai determinar, assim, que 'exclusão' é conceito absoluto. Não existe lugar na cidade para quem não é consumidor.

Acredito em exclusão, ainda, há mais tempo. Vem da fundação da cidade de Salvador, da sua sina fabricada; a implantação de Salvador como estaleiro, base de todo o processo mercantilista europeu (assim foi idealizado em Portugal), o resultado de uma imposição internacional imediatista que acabou por construir uma baianidade sem sedimentação prévia. A história dos homens, o que fez? Tratou de sedimentar esse fato até hoje e é claro que Salvador é metáfora para Brasil.

Segundo a historiadora Maria Alice Rezende de Carvalho, as cidades brasileiras foram “prefigurações exclusivas da autoridade colonial e concebidas como pastiches de uma racionalidade proveniente de outras latitudes”. Assim, originou-se uma arquitetura desprovida de “densidade estética e política em seu sentido mais amplo”. Não podemos construir algo que não tenha surgido de um desejo coletivo. Não podemos mudar, ativamente, o que não pensamos para nós; aquilo que, passivamente, aceitamos.

Acredito em exclusão, ainda mais, hoje. Ela graça, campeia; o abismo social entre os brasileiros é imenso. Volto à palavra 'acreditar'. Se uma das possibilidades do 'acreditar' vem pela crença religiosa – uma busca de salvação, sempre fora daqui, e portanto, muitas vezes desacreditada de nossa história e suas possibilidades – existe um outro caminho que coloca a palavra acreditar próxima de quem a criou – o Homem. E aqui, destaco a correspondência entre Umberto Eco e o Cardeal Carlo Maria Martini editada no livro, com o título em português, Em que crêem os que não crêem . Uma carta, em especial, a última escrita por Eco ao Cardeal, em janeiro de 1996.

A partir do questionamento se existem 'universais semânticos', ou seja, 'noções elementares comuns a toda espécie humana que podem ser expressas por todas as línguas', Eco enumera 'concepções universais acerca do constrangimento', isto é, entre todos os homens existem determinadas normas básicas de convivência que não podem ser negligenciadas: em síntese devemos, antes de tudo, respeitar o direito da corporalidade do outro, entre os quais o direito de falar e de pensar.

Nesse momento, entendo que a 'viagem transversal' que faço com meu filho, Francisco, pode tornar-se, de quando em vez, paralela se eu seguir à risca essa mensagem.

Segundo Eco, essa semântica é base para uma ética. Assim ele coloca, em primeiro plano, algo distante de nós, aquilo que vem sendo substituído, acredito, pelo que chamamos, hoje, de politicamente correto – 'moda' social tão permeada de massificação e rótulos. Eco fala simplesmente de 'humanidade'. Sim, isso que herdamos (de quem?), carregamos, sabemos que faz parte da nossa natureza – o que de melhor existe em nós – mas que teimamos em não seguir.

O sentimento ético é corporificado, permeia cada uma de nossas ações, ao lado de nossas leituras sobre o mundo, como um grilo falante emitindo, continuamente, bases verdadeiras em nossos ouvidos… mas nossos narizes não crescem, nossa anatomia envelhece mas não se constrange…

E retomo à questão da corporalidade do outro: Eco nos diz que a dimensão ética começa quando entra em cena o outro. E que dificuldade é entender que quando faço a leitura do outro estou fazendo, na verdade, a leitura de mim mesmo… mas parece que a dor é algo muito individualizado, distante, como se existissem mil palavras para dizer dor e mil outras para entendermos dor.

Acreditar, ética, exclusão.

Acreditar na ética, no que o homem tem de melhor, para combater toda espécie de exclusão.

A experiência com a leitura, essa prática de dividir com o outro a leitura de um mesmo texto, compartilhar o espaço da vida; mesmo sob o condicionamento da cultura e todas as suas vozes, desperta na gente, promotores da leitura, uma maior consciência ética. Talvez, por isso, o tema exclusão, em Vasconcelos Maia tenha me seduzido. Sem dúvida, o exercício de ler o mundo, com mais vagar, nos torne mais sensíveis às diferenças, mas, por outro lado, o desafio para o leitor que se forma em constante exercício, não é ler o mundo com mais perspicácia, não é indicar essa ou aquela leitura precisa, mais inusitada, mas é ler (e ler é sempre ler o outro) aproximando-se, sentindo-se capaz de sentir o que o outro sente, ou ainda, de uma maneira mais desafiante, sentindo a alegria que o outro for capaz de sentir, entendendo o que é.

Vamos ao livro, mais especificamente à literatura, campo de reflexão e de descoberta. Ali, vamos todo o tempo ler, como na vida, o confronto do sentimento ético – a reverência à corporalidade do outro – contra a dimensão invasiva que as relações humanas determinam cotidianamente.

Entre realidade e ficção uma tênue fronteira, depois, um único caminho.

Vale a minha leitura sobre o mundo, se consigo unir meu discurso e minha ação. Talvez aí eu tenha o que dizer a meu filho Francisco. Talvez assim eu possa lhe dizer em que acreditar.

Fonte:
Leia Brasil .