sexta-feira, 23 de agosto de 2019

Antonio Carlos de Barros (O Dia a Dia do Tropeiro)


A vida diária na época das Tropeadas não era nada fácil. Esses caminhos que ligavam o Rio Grande do Sul até Sorocaba eram por demais precários, os obstáculos encontrados durante as viagens, terríveis, as armadilhas diárias, os animais ferozes, as tocaias* armadas por foragidos da justiça, muitas vezes violentas, pois esses se escondiam nas matas à espera dos Tropeiros, e às vezes também com os índios. 

Pelos caminhos naturais
Espaços abertos pelas patas da gadaria,
Varando sertões, atravessando ravinas*.
Trilhas estreitas e perigosas
Vadeando* rios, com água na cola*. 
A tropa segue lenta e silenciosa.
(Antonio Carlos de Barros)

Todos esses elementos se constituíam em grandes ameaças aos Tropeiros. Pois era de conhecimento geral, que os Tropeiros carregavam consigo quantias consideráveis de dinheiro para custearem as viagens. Por isso e por garantia da própria vida e pelo bem da tropa, os Tropeiros andavam sempre muito bem armados e nos pousos organizavam um sistema de rondas principalmente as noturnas, para garantia e segurança da tropa e dos Tropeiros.

E quantos não ficaram
Pelos caminhos atirados
Esquecidos entre as flechilhas*
Talvez seus corpos descansem
Nas infinitas campanhas*
Pastoreando na eternidade das coxilhas*.
(Antonio Carlos de Barros)

Apesar das imensas dificuldades encontradas pelos tangedores de tropas e de todo cuidado tomado para que essa tropeada fosse concretizada com o mínimo de perdas, havia uma organização básica para a realização e condução da tropa. Assim se constituíam algumas funções básicas, até rotineiras, para botar uma tropa na estrada:

1 – O Capataz 
Era o indivíduo que tomava as decisões mais importantes. É o primeiro que se levanta para dar as ordens e o último que se deita, para ver se foram cumpridas.  Acima dele só o Patrão mesmo. Era uma pessoa que, nas lides pastoris, é incumbida de chefiar e de contratar os peões para cuidar a tropa, administrar os gastos durante o percurso da viagem, entregar os muares ao proprietário quando já vendidos ou negociar a tropa com compradores quando esta não havia sido ainda negociada.

2 – O Batedor 
Tinha como função de verificar as condições dos caminhos, o estado dos passos, onde o rio dava vau, manter os primeiros contatos com os habitantes dos vilarejos para tratar da forma como passaria a tropa. Era o Batedor também que mantinha contato com autoridades fiscais, apresentando as guias para recolhimento dos impostos devidos. 

3 – O Madrinheiro 
Era a pessoa que cavalgava a égua madrinha, seguindo na frente da tropa, para regular a marcha da mesma. Detalhe era que o Tropeiro de muares não utilizava berrante, era utilizado do cincerro* que ia pendurado por uma tira de couro preso ao pescoço da égua madrinha. 

Bate o cincerro da égua madrinha, vai madrinheiro
Trezentas mulas, léguas e léguas pra percorrer
Mais meio dia tamo no passo do sem entreveiro*
Que o vento é norte e este não nega que vai chover.
(Elson Lemos / Paullo Costa)

4 – O Cozinheiro ou Arranchador 
Era a pessoa responsável pela preparação das refeições. Viajava sempre a frente das tropas, com as mulas domesticadas, encilhadas e preparadas para carregarem as bruacas. Dentro das bruacas eram acondicionados os mantimentos, como: charque, arroz, feijão, banha, sal, açúcar, erva mate, farinha de mandioca, rapadura e às vezes biscoitos caseiros. Esporadicamente alguma caça, ou um gado chimarrão que abatido, dava um grande e saboroso churrasco para a peonada. 

Farinha e charque vão na canoa pra que não molhe
Mulada na água, uma arco de orelhas cruza o (rio) Uruguai
Vamos domando pelo caminho algum que se escolhe
Pois mula mansa vendo picado*, vale bem mais.
(Elson Lemos / Paullo Costa)

5 – O Contador 
Era a pessoa responsável pela contagem da tropa. Essa pessoa era contratada quando se tratava de grandes quantidades de animais. Uma tropa grande necessitava e muito do Contador, pois a contagem muitas vezes era realizada até três vezes ao dia, logo de manhã, antes da saída da tropa, ao meio dia e a tarde antes do pouso. O seu instrumento de trabalho era a Talha* ou também conhecido por Tarca* aqui na fronteira, e dependendo do número de animais, se dava o valor para cada tento. O comum aqui pela Fronteira é que cada tento se equivale a 50 animais. Então cada 50 animais que passavam a sua frente O Contador gritava: TALHA ou TARCA. Se existir sobra, diz-se sobretalha. Exemplificando: 10 Talhas e 8 sobretalhas é equivalente a 508 animais. E quando constatada a falta de animais, aí a tarefa era passada para o Arribador.

6 – Arribador 
Era uma das funções mais respeitadas entre os Tropeiros. A função consistia em procurar e resgatar animais extraviados e devolvendo-os à tropa. Ele se posicionava sempre na culatra da tropa, para se fosse o caso, sair no encalço ou em perseguição do animal. Muitas vezes demorava até uma semana para esse resgate, então era comum o Arribador levar em sua mala de garupa*, um naco de charque, farinha de mandioca para se alimentar. 

Foi certa feita numa arribada fiquei três dias
Atrás de uma mula, flor de matreira que foi-se a grota
Dos campos novos agarrou o rumo direito a casa
Achei pastando pelas barrancas do Rio Pelotas

Pelos caminhos muitas cidades marcam passagem
Das grandes tropas que plantaram lumes nas serranias
Esses Birivas deixam um legado: Raça e coragem
Tropeando sonhos, rumos pra aurora dos nossos dias.
(Elson Lemos / Paullo Costa) 

veja vídeo em: https://www.youtube.com/watch?v=Rd1VECS-8Vs
____________________________________________
GLOSSÁRIO:
- Campanha – Zona de campo, interior do Município, apropriado para criação do gado.
- Cincerro – é uma campainha grande que se pendura ao pescoço da égua madrinha, e cujo som os outros animais se habituam, mantendo-se sempre reunidos. (igual ao sino com badalo).
- Cola – rabo do animal.
- Coxilhas – grandes extensões onduladas de campinas cobertas de pastagem.
- Entreveiro ou Entrevero – mistura, confusão de pessoas ou animais.
- Flechilhas – grama ou capim muito comum, e de superior qualidade para criação de gado. Existentes em várias zonas do Rio Grande do Sul.
- Grota – gruta, vale profundo.
- Lumes – luz, fogo, fogueira.
- Mala de Garupa – também conhecido como alforje, pequeno saco feito de couro ou tecido, com uma abertura longitudinal no centro.
- Matreira – animal arisco, difícil de lidar.
- Picado – vender picado era quando o Tropeiro não conseguia vender a tropa na Feira de Sorocaba, daí para não ter um grande prejuízo, ele vendia por unidades ou em pequenos lotes. Daí surge o ditado: Picando a mula. Quer dizer, ir vendendo em unidades ou pequenos lotes e voltando para a casa.
- Ravinas – sulco formado pelo trabalho erosivo do curso da água.
- Talha ou Tarca – era o instrumento do Contador, feito de couro ou de madeira, utilizado na contagem de animais.
- Tocaia – espera, emboscada.
- Vadeando – atravessar o rio pelas partes mais rasas.
- Vau – lugar raso do rio onde se pode transitar a pé ou a cavalo.

Fonte:
Texto enviado pelo autor 

quinta-feira, 22 de agosto de 2019

Varal de Trovas n. 62

 

Troféu Lilinha Fernandes (Arlindo Hagen e A. A. de Assis mais uma vez no pódio)

 
Durante os Jogos Florais de Porto Alegre 2019, a serem realizados de 25 a 27 de outubro, será entregue o Troféu Lilinha Fernandes aos trovadores Arlindo Tadeu Hagen (2017) e A. A. de Assis (2018). 

O precioso prêmio, promovido pela União Brasileira dos Trovadores de Porto Alegre, é geralmente conhecido como “Oscar da Trova”, porque contempla o trovador mais premiado em todo o Brasil no ano anterior. A entrega é feita a cada dois anos na capital gaúcha. Hagen subirá ao pódio pela segunda vez; Assis pela sexta vez. 

O nome do troféu é uma homenagem à saudosa trovadora carioca Lilinha Fernandes, que recebeu o título de “Rainha da Trova” e foi uma das principais colaboradoras de Luiz Otávio na projeção da trova como obra de arte literária. 

Instituído em 1988, o Troféu Lilinha já teve até hoje os seguintes ganhadores:

1988 – Edmar Japiassú Maia (Nova Friburgo)
1989 – Waldir Neves (Rio de Janeiro)
1990 – Edmar Japiassú Maia (Nova Friburgo)
1991 – Edmar Japiassú Maia (Nova Friburgo)
1992 – João Freire Filho (Rio de Janeiro)
1993 – Sérgio Bernardo (Nova Friburgo)
1994 – Izo Goldman (São Paulo)
1995 – Sérgio Bernardo (NovaFriburgo)
1996 – Edmar Japiassú Maia (Nova Friburgo)
1997 – Sérgio Bernardo (Nova Friburgo)
1998 – Heloísa Zanconatto (Juiz de Fora)
1999 – Heloísa Zanconatto (Juiz de Fora)
2000 – Therezinha Brisolla (São Paulo)
2001 – José Tavares de Lima (Juiz de Fora)
2002 – Izo Goldman (São Paulo)
2003 – A. A. de Assis (Maringá) e Izo Goldman (São Paulo)
2004 – Edmar Japiassú Maia (Nova Friburgo)
2005 – José Tavares de Lima (Juiz de Fora)
2006 – A. A. de Assis (Maringá)
2007 – Marina Bruna (São Paulo)
2008 – Neide Rocha Portugal (Bandeirantes)
2009 – Marina Bruna (São Paulo) 
2010 – A. A. de Assis (Maringá) 
2011 – Edmar Japiassú Maia (Nova Friburgo)
2012 –Therezinha Brisolla (São Paulo)
2013 –A. A. de Assis (Maringá)
2014 –Wanda de Paula Mourthé (Belo Horizonte)
2015 –Arlindo Tadeu Hagen (Belo Horizonte) 
2016 –A. A. de Assis (Maringá)
2017 –Arlindo Tadeu Hagen (Belo Horizonte
2018 –A. A. de Assis (Maringá)

Fonte:
Texto enviado por A. A. de Assis 

João do Rio (A Sensação do Passado)


Estávamos a conversar no gabinete de Jorge Praxedes. Era um fim de tarde prolongado por um lindo e maravilhoso ocaso. Jorge oferecia chá em xícaras de porcelana da Pérsia; havia largos divãs sonhadores entre as mesas atulhadas de bugigangas de arte, e naturalmente, a atmosfera, o tabaco turco, o chá, tudo isso nos dava a lombeira[1] das recordações e o desejo de fazer frases. Já tínhamos falado do amor, da vertigem do tempo, do galope da existência e de outras coisas novas.

— É curioso, disse um da roda, nós os homens modernos não temos a sensação do passado, do não sentido, do total alheamento que o passado devia dar. As dores, as alegrias, as modas ficam na memória como coisas presentes que se afastaram. Para um homem que vive a vida intensa não há propriamente passado, há um acumulador que não dá a impressão especial do antigo, do acabado, do que não volta mais e há muito tempo terminou.

— Paradoxo!

— É fato. Como homem as minhas amantes mesmo mortas vivem todas na minha memória como se estivessem ali, por trás do paravento[2]; como artista nunca me foi possível ter a impressão do extinto diante de uma estátua grega, a ouvir um trecho de música clássica, a ver uma linda tela antiga.

Houve um prudente silêncio, e todos olhavam prudentemente as janelas, quando o barão Belfort, que tocava um pouco distante um vago Schumann num piano meio desafinado por falta de uso, exclamou:

— Como tem você razão! Os grandes sentimentos e as grandes emoções são sempre os mesmos. Por isso, os homens guardam na história o mesmo fenômeno de memória da sua vida interna, lembram-se mais de fatos do tempo de infância do que do tempo de ontem. Como artistas, neste torvelinho moderno em que a beleza desapareceu, só o que é medíocre, muito medíocre, dá a sensação do passado, mesmo que seja de ontem. Diante da Vitória de Samotrácia no Louvre é impossível deixar de ter o enebriamento do triunfo diante daquele bloco de pedra ardente que parece arrastar as embaterias[3] da conquista, e anima os nossos nervos de hoje como animaria os dos helenos. A vista da delicadeza pré-angelical de uma cabeça de Murilo, o nosso amor pela beleza vibra como vibrava o dos contemporâneos do grande artista. Que digo! Diante dos simples pedaços de pedra apanhados nas escavações do Egito nós sentimos a vida porque eles sabiam reproduzir a feição eterna da Vida. Um homem moderno não se admira do progresso porque o presente não sente o passado porque o guarda no próprio plasma.

— Grande fantasista.

— Repito, só a mediocridade, a “camelote”[4] pode dar a sensação do bem velho, do velho quase incompreensível para nós, do velho antipático, do velho repugnante, do passado integral. E para isso bastam dois anos. Eu apalpo as opiniões, o afinamento nervoso dos homens, nas pequenas coisas, nas emoções dos sentidos. Qual dos senhores que amam perfumes sente a velhice da essência de rosas? É dos mais velhos perfumes do mundo e é divino e sempre da nossa alma. Qual dos senhores será capaz de usar, sem se sentir fora da moda, fora do tempo, um perfume lançado por qualquer fabricante francês com grande espalhafato e grande êxito há vinte anos, o “ Jockey Clube” por exemplo? Ao ouvir uma sinfonia de Mozart, sentindo a cada passagem uma sugestão aos sentimentos eternos, ninguém achará essa música velha. Ao ouvir uma valsa de 1870, cada um de vocês tratará de fugir...

A roda riu desabaladamente. O barão, levantou-se do piano, um pouco animado.

— Mas é um fato. Só as coisas absolutamente insignificantes dão a sensação do passado. Eu já tive essa sensação, não solitariamente, como me aconteceria cheirando um frasco de perfume da ex-moda, mas num salão de baile, num dia de baile. E até jamais esquecerei a sensação porque vi, olhei, encarei e sofri o miserável passado com toda a sua imensa insignificância.

Como André de Belfort contava sempre coisas interessantes, os cavalheiros presentes aguçaram a atenção.

— Nunca pensei, meus amigos, que fosse tão simples e tão doloroso. Eu que saía dos museus de indumentária da Idade Média com ensinamento de arte e a alma renascida, eu que vibrara diante dos frescos de Botticeli como diante da revelação para o futuro, fiquei aniquilado.

Há cerca de três anos, fui convidado para um baile nas Laranjeiras. Não era um sarau super-elegante, absolutamente fashion... Aqueles senhores dançavam ao som de um piano. Havia, entretanto, casacas, algumas notabilidades literárias e científicas arrumadas na saleta de fumar, um farto serviço de buffet, a elegância das mulheres, das moças vestidas de tecidos leves, a adejar a gracilidade suave dos gestos. O dono da casa recebeu-me com as reverências com que receberia um bonzo. As moças olharam-me curiosamente, os valsistas ergueram os olhos, as matronas indagaram o meu nome e eu fui conduzido ao fumoir, onde murchavam cinco ou seis glórias urbanas. Nesta sala estava o piano, o piano torturador. Um mulato de pastinhas[5], com os colarinhos altíssimos e o jeito pernóstico de levantar o dedo mínimo onde fuzilava um solitário, dirigia a caravana das notas, radiante como um deus e suado como uma caldeira. De vez em quando, chegavam rapazes com vozes súplices:

— Firmino, agora, aquela tua polca.

— Qual delas? interrogava o pianista com a fronte de orango camarinhada de suor.

— Aquela muito bonita, aquela mole...

E, ali mesmo, baixinho, trauteavam compassos.

— Tocas?

— Pois não.

Por esta apreensibilidade de motivos musicais, percebi estar diante de um desses pianistas da moda, peculiares à nossa sociedade, homenzinhos que vivem de escrever, com alguns erros e muitas aclamações, polcas, valsas e outros sons dançantes. Os jornais anunciavam mensalmente, havia dois anos, novas composições suas, e, como um decreto, o seu nome triunfava nos salões modestos.

A vaidade enlouquecera-o quase. O Firmino tinha a certeza de estar no galarim[6] e, tocando, acompanhava com os ombros e a cabeça o balanço langoroso dos compassos, de olho aberto, beiço revirado, tal qual um gênio inebriado com a própria revelação.

Talvez o fosse. Há gênios para tudo.

Eu ficara depositado numa rocking[7], ouvindo o Firmino e um velho químico, professor de Faculdade, o dr. Hortêncio Guedes. O dr. Hortêncio falava mal do próximo, de modo que o Firmino não me escapava, dada a minha natural reserva de responder com monossílabos quando se ataca a vida alheia.

O pianista era, de resto, curiosíssimo. À roda do piano havia três ou quatro indivíduos hipnotizados pela sua virtuosidade. De vez em quando, um rancho de moças, escoltadas por cavalheiros, invadia a saleta para lhe fazer o pedido de uma composição comovente, e o Firmino logo esticava mais os dedos, erguia a cabeça ao teto, fingindo-se em pleno sonho, para ter um sobressalto, curvar-se, dizer:

— Minhas senhoras...

Então, todas falavam a um tempo

-— Firmino, toca a Estrela d’alva.

— Não! Antes a Irresistível...

— Silêncio! Firmino, mlle. Abigail deseja aquela tua valsa... aquela muito dançante. Como se chama, mlle.?

— Lolita.

— É isso, a Lolita.

O pianista lambia os beiços.

— Ah! v. exa. gosta da Lolita ? Um poucochinho velha, tem seis meses.

— Mas é tão bonita!

— Muito obrigado.

E, mais suado, com o lenço entre o pescoço e o colarinho a desabar, o pianista sacudia no piano os saracoteios da valsa. Não sei, meus senhores, qual a vossa impressão ouvindo esse gênero musical. Eu, francamente, sentia-me moço, com vontade de dar à perna, tamborilando nos braços da cadeira, gostando. Aqueles sons eram do meu tempo.

De repente, porém, quando o relógio batia uma hora, o Firmino parou bruscamente, pôs a mão no queixo.

— Não posso mais!

Logo acudiram rapazes, o dono da casa, senhoras. Era a desgraça. A nevralgia, a terrível nevralgia do Firmino rebentara. A notabilidade passava o lenço da fronte ao queixo numa ânsia raivosa. Havia dor de dentes e, principalmente, a dor de não poder continuar a ser o ídolo do grupo. As meninas, cheias de carinho, já tinham ido buscar cocaína, um palito, algodão; um dançarino trouxera o espelhinho do toucador:

— Põe isso, Firmino, a ver se passa.

— Qual! não passa... chorava o artista. E, subitamente, desapareceu da sala, arrastando os dançarinos.

Durante dez minutos o dr. Hortêncio tomou sorvete e absorveu as atenções. Eu já estava enfastiado, quando o anfitrião surgiu:

— Ora esta! E que tal, hein? Uma festa que ia correndo tão bem! Logo hoje o sr. Firmino dá para ter dores de dentes. Estraga-me a noite!

Atrás do anfitrião vinham a pouco e pouco surgindo os convidados e o interesse de gozar a noite aumentava o ódio contra o pianista, como se ele tivesse a nevralgia só para os desgostar. Aquilo não passa! É um mulato de maus dentes! E agora? Sim, e agora? Que se há de fazer? D. Julieta toca? D. Julieta era tímida e ainda estava estudando. Ninguém tocava, ninguém sabia o que fazer? E tudo por causa desse Firmino...

Um dos rapazes, que usava lunetas e parecia muito brincalhão, propôs o suicídio geral, um holocausto a Terpsychore[8] e, para dar o exemplo, atirou-se à janela. Mas voltou de lá, em pontas de pé, a face feliz, pedindo silêncio

— Meus senhores, está tudo resolvido. Descobri um pianista! Agarrei o impossível!

Todos, num ímpeto, indagaram onde o guardava

— Ali, em baixo, na rua, vendo o baile. É o Prates. O Prates, há vinte e cinco anos, era o Firmino de hoje. Morreu-lhe a mulher, foi para uma fazenda, não sei. O fato é que, quando voltou, já outros lhe tinham tomado o lugar. O Prates anda por aí furioso contra os rivais, e passa as noites assistindo aos bailes como convidado do sereno. Não perdeu o hábito, coitado! Era a sua atmosfera... De manhã lê os cumprimentos dos jornais e à noite espia os saraus. Original. Lá está ele. É aquele gorducho, de cavaignac branco, com um ar de agente de polícia aposentado.

— Que romântico! fez o Dr. Hortêncio, e todos nós fomos à janela, sutilmente, espiar a rua negra, onde, com um cavaignac branco estava o caso esquisito.

O mocinho indagou do anfitrião:

— V. ex. permite que o vá chamar?

— Sei lá! se os senhores quiserem.

         — É velho, clamou alguém.

— Que tem isso? indagou facundamente[9] o Dr. Hortêncio. Então, se ali embaixo estivessem Beethoven, Schumann, Mozart ou outros luminares da música, nós não os deixaríamos entrar!

Aquele argumento pareceu decisivo, apesar de estarmos convencidos de que se Beethoven e os outros luminares aparecessem, teriam que ficar na calçada e sem abrigo.

O jovem partira, entretanto, e minutos depois entrava na sala conduzindo um homem ventrudo que tinha um cavaignac de bode branco e rolava o chapéu nas mãos.

— Meus senhores, o pianista Prates, que teve a bondade de aceitar o nosso convite.

— Eu passava na ocasião, murmurava o homem, achei linda a festa...

Um bando de dançarinos já o envolvia, oferecendo-lhe licores, tirando-lhe o chapéu, sentando-o ao piano.

— Vai tocar alguma coisa?

— Quem estava aqui?

— Nós todos.

— Pareceu-me ouvir as composições do Sr. Firmino... Abancou, correu uma escala do piano. Hein? Que era aquilo? Era uma outra escala, uma escala estranha.

— Bem, vou tocar uma valsa.

— Bem moderna, Sr. Prates; uma valsa dançante.

— Sim, sim...

         Os pares voltaram todos ao salão. Prates pareceu recordar; atacou um acorde, depois outro, e os primeiros compassos ecoaram. Um vago mal estar pareceu, de repente, estreitar a sala. Que coisas cômicas, que coisas grotescas, que coisas estúpidas, essas notas de piano sugestionavam à gente !... A sensação do passado enraivece sempre. Os convidados estavam irritados como se fossem recebendo uma longa humilhação. Eu tinha vontade de rir e ao mesmo tempo de destruir, de quebrar o piano. Na sala, as meninas largaram os pares desanimadas; moças nervosas sentavam-se aos cantos e era uma crescente exclamação de desprazer.

— Qual ! Não é possível! Ninguém compreende isso! Para! Afinal, um, mais ousado, aproximou-se do piano:

— Ó Prates, toca qualquer coisa de mais novo.

Uma voz rouca respondeu:

— Hein? não estão gostando?

— Muito, não. Vê se nos dá a Valse Bleu.

— A Bleu? Ah! Essa não conheço. Parou, fitou um instante a parede fronteira, correu a mão pelo teclado:

— Vou tocar um dos meus sucessos.

Eu olhava-o como se olha um monstro, um trambolho que é preciso destruir e ele estatelava nas sete oitavas uma espécie de belchior melódico, tendo tudo, desde o Seu soldado não me prenda até os compassos do tempo em que o Furtado Coelho intitulava as valsas de homenagens e as meninas dançavam a Flor de neve, a Flor de baile, a Feíticeirinha e a Varsoviana.

Eu nunca vira coisa tão assustadoramente horrenda. Era como se, de súbito, saltasse ao salão uma velha horrível, remexendo molemente as pernas bambas. A mixórdia espoucava como um rebate devastador. Os tais sons dançantes eram impossíveis de dançar. Por mais desejos, por mais esforços que fizessem os dançarinos hábeis no “ boston” e nas “ americanas” , eram incapazes de fazer duas voltas sem errar, sem se encontrarem, sem desanimar. Dançar com aquela música tornava-se um tormento superior para os mais alegres. E ele, feliz, com o cavaignac pendente, num gozo infinito, corria os dedos, evocando recordações, o Prates de outrora, que dirigia os salões, o Prates querido, o Prates animado no turbilhão das valsas, enquanto cada um de nós sentia o acostar de um espectro, o esmagamento com o dia de ontem, uma impressão de bolor, de umidade, de ridículo...

No salão o gás silvava só, e as janelas abriam num largo bocejo para a escuridão da noite. O pianista chegava ao fim em dificuldades, de mãos cruzadas no teclado, empinando o cavaignac, glorioso, ébrio de satisfação. De repente, parou, olhou para todos os lados, sem ver, limpou o suor das fontes, abriu a boca num sorriso alvar.

Não havia ninguém.

Já muita vez, com certeza, lhe acontecera aquilo, na sua peregrinação melancólica.

Prates ergueu-se pálido, tão pálido que eu pensei vê-lo cair com uma vertigem; pegou do chapéu, apertou o lenço na boca barbuda, como afogando um soluço e saiu vagarosamente. Dentro batiam os cristas da ceia...

Foi esta a única vez que eu tive a sensação do passado.
_______________________
Notas:
[1] Moleza. Sonolência.
[2] Biombos.
[3] Esbarrão. Encontro violento ou brusco entre dois objetos. Choque.
[4] Bugiganga. Quinquilharia. Mercadoria de baixa qualidade. Em francês no texto.
[5] Penteado em que o cabelo forma uma ou mais ondas sobre a testa.
[6] O ponto mais alto. Pináculo.
[7] Abreviação de rocking chair (cadeira de balanço). Em inglês no texto.
[8] Musa da dança na mitologia greco-romana.
[9] Eloquentemente.


Fonte:
João do Rio. Dentro da Noite.

Vicência Jaguaribe (O Jogo da Amarelinha)


Para todas as mulheres,
que confiam mais do que
recomenda o bom-senso.

Atirei a pedra na casa de número 1 e comecei o jogo. Sabia de cor as regras e conhecia os obstáculos que teria de enfrentar, para chegar com êxito e sem tropeços à última casa — o céu. O perigo morava na passagem da casa de número 10 para a meia-lua celeste. Entre as duas casas, havia o retângulo do inferno, no qual não se poderia mergulhar, por motivos óbvios.

Sabia que iniciava um jogo no qual enfrentaria adversários numerosos e impiedosos — alguns, conhecidos; outros, muito próximos; alguns outros, desconhecidos. Mas todos unidos para me impingir uma derrota exemplar — a derrota de minha vida. Eu, no entanto, não desistiria. Levaria o desafio até o fim.

Com a pedra na primeira casa, fiz o percurso de ida e de volta, ora pulando folgadamente com os dois pés, ora saltando com certa dificuldade com um único pé — o primeiro obstáculo do jogo. A conquista da primeira casa estava garantida, e eu dera o primeiro passo para atingir o paraíso.

Atirada a pedra na casa 2, venci os apuros — todos previsíveis - e fiz uma segunda passagem provisória pelo céu, pulando despreocupadamente as águas do Estige, sem nelas tocar. Garantia a posse de duas casas. Cobriu-me o manto da fantasia, e eu andei pelas nuvens sem tirar os pés da terra.

Enquanto tentava atingir a casa de número 3, encontrei os dois olhos que me seguiam com insistência, e me deixei iludir. Até aquele momento o traçado estava limpo, e os números demarcadores das casas, perfeitos. Nada indicava perturbação.

Ao lançar a pedra na quarta casa, eu estava tranquila. E ela aterrisou serena como uma pétala que se desprende da rosa, por haver terminado seu tempo. Fiz o percurso de ida e de volta sem incidentes ou acidentes. O mar estava em calmaria, e o céu prometia ficar firme até o final do jogo. A jogada seguinte, no entanto, foi infeliz - a pedra projetou-se de mau jeito c caiu fora da casa. Cedi a vez ao outro jogador e esperei. 

Quando a pedra me voltou às mãos, eu já não estava tão tranquila. Alguma coisa me perturbara. Cochichos à minha volta e os primeiros sinais da noite avizinhando-se. Repeti a jogada na casa de número cinco e, desta vez, não houve titubeio. Um pouco mais animada, pulei as casas restantes e voltei sem problemas. Os olhos estavam lá de novo e, envolvida pelo entusiasmo da boa jogada, prometi-lhe tudo, que cumpri ao alcançar a sexta casa. A casa de número 6, o número ambivalente, o número do pecado. Mas eu estava vivendo meu encantamento particular! Não poderia ater-me a esses detalhes.

O delírio envolveu-me quando atirei a pedra no número 7. Os sinos repicaram, as Três Marias começaram a piscar, e a Lua, que se escondia numa nuvem mais escura, lançou seu brilho esbranquiçado sobre mim. Abriram-se as portas do paraíso,

A pedra que lancei em direção à casa 8 caiu bem no centro. Bons presságios! Não considerei, no entanto, o fato de que há falsos oráculos e continuei a entregar-me, não só no plano da fantasia, mas também na dimensão do real.

A vez da casa 9, o número fatídico - o número do fim e do começo. A luz do dia começava a ir embora. Era o momento em que o Sol ofuscava e alucinava. E eu senti um novo começo dentro de mim - o sinal de um novo começo, parte de mim, que também traria o desespero e a infelicidade. Cumpri o percurso de ida e de volta, meio aturdida, meio desnorteada.

Não sei como atingi a décima casa. O número 10... o número do conjunto de leis... O decálogo... a condenação das transgressões. O fruto do pecado dentro de mim. O escândalo... a maldição… O momento definitivo... o salto para alcançar o céu.

Procurei o olhar que me perseguia. Não o encontrei. Estava só! Fechei os olhos e saltei. Não consegui. Caí no centro do retângulo infernal, mergulhando nas leteias águas, no momento exato em que a Terra caía na escuridão de uma noite sem Lua e sem Três Marias.

Fonte:
Livro enviado pela autora.
Vicência Jaguaribe. Ancoragem em porto aberto. RJ: Câmara Brasileira de Jovens Escritores, 2010.

quarta-feira, 21 de agosto de 2019

Silmar Böhrer (Lampejos) XIX


Antonio Carlos de Barros (Nilo Bairros de Brum: Tropeiros)


O Rosariense NILO BAIRROS DE BRUM, vencedor de muitos Festivais da Canção Gaúcha no Rio Grande do Sul e em outros Estados, autor da letra TROPEIROS, cujo tema vamos abordar, é formado em direito, Procurador de Justiça aposentado, advogou na área do Direito Autoral e dedica-se à pesquisa independente de História. Tem seis livros publicados e centenas de letras de músicas de muito sucesso.

Livros: 
- Requisitos Retóricos da Sentença Penal, publicado pela Editora Revista dos Tribunais, São Paulo (edição esgotada);
- Caminhos do Sul, pesquisa de história, republicado pelo Clube de Autores;
- Inconfidências Gaudérias, crônicas e conto, republicado pelo Clube de Autores;
- Clave e Lua, Poemas e Letras de Música, publicado pelo Clube de Autores;
- O Homem Metáfora, poemas para declamar, publicado pelo Clube de Autores;
- Cartilhas do Tropeirismo, pesquisa de História, publicado pelo Clube de Autores.


Vamos então ao tema de: Tropeiros. 

O amigo Nilo Bairros de Brum, em uma conversa informal comigo, contou-me uma história interessante sobre essa música, Tropeiros.

Ele me contou que a princípio, o verso onde diz: João Miguel era Tropeiro, ele havia escrito assim: Meu avô era Tropeiro... e diz que, não sabe o porque, alterou a letra para: João Miguel era Tropeiro. Ofereceu então a letra para o amigo, cantor e compositor Léo Almeida colocar melodia. Após, concluída a melodia, enviaram para o Festival: SAPECADA DA CANÇÃO DE LAGES – SANTA CATARINA. A música foi classificada para o Festival. E para lá se deslocaram.

A interpretação do Léo Almeida foi brilhante e a música encaixou como uma luva para a população de Lages, pois muitos dos habitantes tinham descendência Tropeiras.

Moral da história, a música além de ganhar o Festival, fez um enorme sucesso perante todos os que lá estavam e até hoje é muito requisitada pelos ouvintes das rádios que apresentam músicas Gaúchas.

O detalhe dessa música fica por conta quando, na hora em que os autores recebem a premiação, o Nilo nos fala, até emocionado, que uma família de Lages, em prantos o procura e o questionam como ele, o Nilo, conheceu o João Miguel. Que, Ele era o seu avô paterno, que saiu para uma tropeada e nunca mais voltou para casa. O que havia acontecido com o João Miguel? Se ele estava ferido gravemente, se ainda vivia ou se estava morto? E como ele sabia do desaparecimento do João Miguel. E que a sua avó, enquanto vivia, todos os dias ficava com bem diz a música: com um olho nas crianças e o outro fitando a estrada. Enfim, após as devidas explicações dadas pelo Nilo, que nem ele mesmo soube explicar direito aos familiares, deixo as devidas conclusões para os leitores dessa verídica história, analisando o conteúdo da letra.

Tropeiros - Interprete: Léo Almeida

"O romantismo rendeu versos ao Gaudério* e a história decantou
Bandeirantes mas foram eles, os Birivas*, que fizeram
a integração destes povoados tão distantes"

João Miguel era tropeiro gastou a vida na estrada
Levando mulada* xucra do Rio Grande a Sorocaba
Aprendeu nas arribadas* que a sorte a gente é que faz
Um Biriva de vergonha não deixa mula pra trás

O facão Sorocabano levado sem aparato
O chapéu de abas largas as botas de cano alto
O trajar era modesto, mas a mirada era altiva
Subindo ou descendo a serra João Miguel era Biriva.

Bota n'água esta madrinha, madrinheiro*
Que a tropa vai seguindo enfileirada
Vou na balsa segurando o meu cargueiro*
Com as bruacas* de paçoca bem socada.

Maria murchou na vida de casa e cabo de enxada
Com um olho nas crianças e o outro fitando a estrada
João Miguel virou lembrança na cruz à beira da trilha
E Maria foi plantada lá no alto da coxilha*.

João Miguel era tropeiro, seus netos tropeiros são
De esperanças mal domadas que desgarrando se vão
A esperança madrinha segue na frente entonada
E seu cargueiro de sonhos traz a bruaca lotada.

GLOSSÁRIO:

- Arribadas - consistia em procurar e resgatar animais extraviados e devolvendo-os à tropa.
- Birivas – nome dado aos habitantes de Cima da Serra, descendentes de Bandeirantes, ou aos Tropeiros Paulistas.
- Bruacas – espécie de mala de couro cru, com alças laterais, apropriada para ser conduzida em lombo de animal, pendurada na cangalha, uma de cada lado.
- Cargueiro – animal utilizado para conduzir cargas, em geral muar.
- Coxilha – grande extensão ondulada de campinas cobertas de pastagens, que constituem a maior parte do território Rio Grande do Sul e onde se desenvolve a atividade pastoril dos Gaúchos.
- Gaudério – denominação dada ao antigo Gaúcho, em sentido depreciativo.
- Madrinha – era a égua madrinha. A égua mais experiente, de muitas tropeadas.  
- Madrinheiro - era a pessoa que cavalgava a égua madrinha, seguindo na frente da tropa, para regular a marcha da mesma.
- Mulada – Tropa de mulas.

Fonte:
Texto enviado pelo autor.

Elisa Alderani (Jardim de Versos) I


BEIJA-FLOR

Bom dia, meu amigo beija-flor,
Você não acha que está atrasado?
São quase onze horas,
As flores das minhas jardineiras,
Há muito tempo estão à sua espera.
O sol já está alto no céu
A atmosfera preencheu-se de calor.
O barulho do trânsito não vai atrapalhar o seu revoar?
De frente à minha janela vibram suas pequenas asas.
Você chegou! Tão pequeno e tão gracioso
Veio me visitar,
Qual noticia vai me dar?
Eu, nada tenho para contar:
O ontem como o hoje, é igual.
Talvez você more longe,
Do seu reino encantado
Traga notícia alegre,
Com minha fantasia queira adivinhar;
A certeza da sua liberdade, não é segredo...
Você passa de flor em flor, de cor em cor.
Colhendo amor!
Parado no ar, já sei, vai dizer:
Não está sozinha.
Eu estou aqui.

CAMINHO DO ARCO-ÍRIS

Deixo o afã do meu dia,
Procuro serenidade olhando o céu.
A tempestade passou.
Surpreende-me o arco-íris coroando a Terra.
Uma gota de chuva,
Brilha sobre a pétala de uma flor,
Reflete minha imagem,
No meu vulto cansado, linhas profundas.
Tramas de uma história
Cujo enredo continua confuso.
Ficam sonhos vazios.
Lentamente o olhar segue o caminho do arco-íris
Que se arrasta até o horizonte
Pincelando lembranças.
Neste percurso recolho flores,
Enfeito com seus aromas os pensamentos.
O sol fulgurante transforma minhas lágrimas
Nas cores do arco-íris traçado no tempo sereno.
Neste encontro entre terra e céu,
Abraço o profundo silêncio.

GRADES

Piscam no ar parado os vaga-lumes,
São minhas palavras sem voz,
Sem rumo, sem sentido.
Nem uma estrela aparece
No preto veludo do céu.
Nem a lua aponta no horizonte.
No silêncio da casa,
Quebrado pelo chiado do velho ventilador
As horas avançam preguiçosas.
O cansaço mistura-se com sutil melancolia.
Pálpebras pesadas caem sobre o livro aberto.
Grades enferrujadas pelas intempéries da vida.
Falta só um capítulo.
Fim!

MÃOS

Mãos sobrepostas,
Mãos fechadas,
Mãos abertas,
Mãos entrelaçadas,
Dedos abertos, fechados,
Curvados...
Mãos que falam,
Mãos que produzem.

Mãos lindas,
Mãos carinhosas,
Mãos audaciosas,
Mãos calosas,
Todas são obras de arte.

Esculpidas pelo Artista da vida
Todas elas são diferentes,
Obras primas...
Clones? Nem pensar!
Todas têm digitais exclusivas...
Os cientistas... Podem pensar pesquisar...
Mas, jamais obras vivas irão criar!

PRAIA DESERTA

Quando o deserto da solidão me invade
Os pensamentos vagam como nuvens
Empoeiradas pelas lembranças…

Perdidos, na areia branca da praia,
Milhões de porquês
Enchem todo o vazio.

No vai e vem das ondas
Voltam às emoções perdidas...
Sem respostas
Pelo amanhã da vida!

RAÍZES

No coração da casa
Temos muitas coisas estranhamente guardadas.
Este fato é tão comum, não assusta, é só curioso.
Encontrar nas gavetas refugos de um tempo passado.
Fotografias amareladas, roupas desbotadas.
Agendas com páginas brancas...
Será que perdemos este dia,
Ou esquecemos de vivê-lo?
Lembranças são parasitas
Sugam o presente, como orquídeas perfumadas,
Ornam os galhos ressequidos.
Grudadas, na alheia árvore hospedeira,
Que afunda suas raízes...
Na escuridão da terra endurecida
Procura o sumo
Para concluir o ciclo inacabado.
Da vida.

SOMBRAS E LUZES

Quem acaricia os galhos da árvore?
Será o vento?
Ou serão os galhos que acariciam o vento?
Sonhos e realidade!
Serão os sonhos que acariciam a realidade?
Ou a realidade que acaricia os sonhos?
A árvore não sabe responder,
Ela continua firme. Suas raízes são profundas.
Ergue-se para o céu sem medo.
O cume frondoso balança sem barulho.
Encantada, descrevo este lindo cenário.
Meus pensamentos ascendem,
Chegam até o mais alto galho.
Não os deixo desabar como folhas amareladas.
Por trás da árvore, o céu está cinzento.
Nuvens escuras ameaçam chuva...
Logo cairá a noite.
As cortinas de veludo pretas
Fecham-se frente á plateia.

Fonte:
Livro enviado pela autora.
Elisa Alderani. Flores do meu jardim – Fiori del mio giardino. Edição bilíngue. Ribeirão Preto/SP: Legis Summa, 2008.

Francisca Júlia (Balada alemã: Rei Fantasma)


Quem é que cavalga a esta hora, na escuridão da noite, sob a chuva que cai e o vento que uiva? As árvores agitam a folhagem descabelada, arrepiadas do terror da noite.

O velho passa apressadamente, apertando nos braços o filhinho amado, fazendo-lhe com o rosto e com as mãos um carinhoso abrigo.

- Oculta-me o rosto, pai.

- Para que queres que te oculte o rosto, filho?

- Não vês o rei envolvido em seu manto de púrpura, brandindo o cetro como um louco?

- Não tenhas medo, filho, é uma nuvem e mais nada; é uma nuvem que estremeceu à fúria do vento e se desfez em água.

"Linda criança, vem comigo! vamos gozar as riquezas do meu reino, embriagar a vista no esplendor do meu ouro, correr os meus campos onde há flores perfumadas e árvores vergando ao peso dos frutos".

- Pai, pai! não ouves o que o rei me promete em voz baixa?

- Não é nada, meu filho; é o vento brando que murmura nas ramas e que resvala nas folhas, e mais nada. Filho, não tenhas medo.

" Criança linda, queres vir comigo? As minhas filhas são claras como a neve e têm cabelos louros como o sol; elas te conduzirão à dança noturna em companhia das fadas do bosque; elas te ensinarão brinquedos nunca vistos e te farão passear numa barquinha azul sobre as águas do lago. E tu hás de adormecer ao seu canto e sonhar sob seus afagos".

- Pai, pai! Não vês as filhas do rei dançando lá em baixo na planície, vestidas de branco, com os rostos escondidos nos cabelos?

- Meu filho, meu filho, eu vejo bem: são os salgueiros distantes, embranquecidos de neve, que o vento agita e balança, e mais nada.

"Amo-te, bela criança; gosto do teu rosto pálido, dos teus olhos azuis como o céu e dos teus cabelos negros como a noite; vem! quero levar-te comigo para deslumbrar-te nas riquezas do meu reino. Se tentas resistir, arranco-te dos braços do teu pai".

- Pai, pai! o rei me leva, o rei me arranca, o rei me mata. Livra-me, pai! ele é tão mau, ele é tão grande, ele é tão feio!

O pobre pai treme; fustiga o cavalo; atravessa a escuridão da noite sob a chuva que cai e o vento que uiva; aperta tanto o filho contra o peito que o sufoca. 

Muito tempo depois, quando entrou em casa, tinha nos braços a criança morta.

Fonte:
Iba Mendes.

terça-feira, 20 de agosto de 2019

Isabel Furini (Gratidão)

Fonte: Facebook da poetisa

André Kondo (A Pérola)


Akemi mergulhou nas tépidas águas da baia de Ago. Assim como ela, dezenas de mulheres vasculhavam o fundo do golfo em busca de um tesouro. Todas eram colhedoras de pérolas, mas a joia a buscar naqueles dias não era essa. Era algo muito mais precioso...

A presença do venerável imperador do Japão havia provocado grande alvoroço em Ise, ainda mais pelos súditos estarem cientes de que seu filho estava muito doente. Era notório o amor do pai pelo filho e, mais evidente ainda, a sua relutância em casá-lo. Desejava para ele a esposa ideal, perfeita. Os anos se passaram e ninguém lhe parecia á altura de seu filho. Até a doença precipitar-se sobre o príncipe.

Desesperado, o imperador acorreu aos ancestrais para buscar uma cura. Após rezar no templo de Ise, morada da deusa Amaterasu, adormeceu e teve um sonho com Meoto Iwa, as rochas casadas. Sonhou com um longo laço unindo Izanami e Izanagui (ver postagem abaixo). O casal de deuses, representado por duas rochas que se erguem imponentes na baía de Ise, teria lhe dito que a salvação de seu filho estava em uma pérola, colhida das mesmas águas que banhavam as rochas casadas. Foi revelado ainda que a mulher que colhesse a pérola, além de portar a cura, seria a esposa ideal.

A notícia se espalhou com o vento. Todas as mulheres da península de Ise passaram a buscar a pérola mais bela, com a qual pretendiam, além de curar o príncipe, casar-se com ele. Akemi também desejava, do fundo de sua alma, encontrar a pérola da salvação.

No fundo da baía de Ago, Akemi colheu uma ostra em forma de coração. O inusitado do achado também atraiu a atenção de sua amiga, que costumava mergulhar com Akemi todos os dias. Aberta a ostra, revelou-se uma incrível e rara pérola negra.

Akemi, com lágrimas nos olhos, sorriu. Em seguida, recebeu um golpe na cabeça que a fez desmaiar. A amiga de Akemi correu para onde estavam o imperador e o príncipe. Teve que aguardar a sua vez em uma longa fila. Uma a uma, as pérolas foram apresentadas e dispostas sobre o principesco peitoral. Por mais bela que fosse a pérola, nenhuma delas apresentou qualquer efeito. Até chegar a vez da pérola negra...

Depositada sobre o coração do príncipe, ouviu-se uma longa inspiração. O imperador, esperançoso, pensou que o filho estivesse curado. Porém, logo após o peito do príncipe se estufar, a pérola negra caiu, rolando até se alojar em uma fenda do assoalho, aos pés de Akemi, que acabava de chegar. O filho mergulhou novamente em profundo sono.

A amiga fugiu, envergonhada. Sem dizer uma palavra, a jovem Akemi caminhou com a mão fechada, como uma ostra, em direção ao imperador.

Abriu os dedos...

À princípio, o imperador não enxergou o que havia nela. Aproximando-se, verificou um minúsculo grão de areia. Ele sussurrou algo no ouvido do ministro, pois o imperador não falava diretamente com seus súditos.

— O que significa isso? — perguntou o ministro.

Akemi, com os olhos marejados, explicou:

— Sou como esse grão de areia... Há muito tempo, amei o filho do senhor destas terras de Ise. Por ser uma simples colhedora de ostras, nunca me foi permitido casar com ele... Aceitei isso, pois me achava inferior ao meu amado. No dia em que ele decidiu fugir comigo, eu recusei... Como poderia? Eu, um simples grão de areia, unir-me a uma pérola como ele?

O imperador ouvia a colhedora de pérolas com atenção. Seria inimaginável um encontro entre a mais poderosa entidade do Japão e uma simplória colhedora de ostras. Porém, o imperial sonho era claro. Era preciso colher a pérola da salvação, das mãos de uma singela mergulhadora. Akemi prosseguiu:

— Seu filho é uma pérola; a mais preciosa dentre todas as pérolas. Ele é o filho do imperador! Não há mulher que se iguale a ele… - Portanto, como poderá encontrar-lhe um par? Meu amado também era uma pérola... Ele queria me envolver com o seu amor, mas eu não aceitei. Continuei grão de areia, soprado ao vento, sem destino. Enquanto isso, o pai de meu amado o enviou em um barco para as províncias do norte, onde uma esposa adequada, filha também de um rico senhor, já o aguardava.

O imperador, divindade, deixava-se tocar pela mortalidade daquelas palavras.

— Na despedida, meu amado me disse que seu coração havia se tornado uma pérola negra, aprisionado, como as pérolas são contidas no interior das ostras. Sim, ele se sentia prisioneiro… e suplicou para que eu o salvasse, para que eu o libertasse. Eu nada fiz. Deixei-o partir... Seu barco afundou nestas águas da baia… E nunca mais o vi... até encontrar uma pérola negra, até resgatar o coração perdido. Agora, compreendo. É preciso salvar o amor...

Akemi aproximou-se do príncipe. Abriu-lhe a mão, depositando nela o grão de areia. Depois, fechou os dedos principescos, como uma ostra. Assim fazendo, falou ao imperador:

— Na mão de seu filho, encontra-se um grão de areia. Saiba que as pérolas nascem assim. Somos como grãos de areia… que envolvidos pelo amor, tornam-se pérolas. Quando ouvi sobre a doença de seu filho, percebi na hora que se tratava de uma desilusão amorosa. Pois eu também sofri com essa doença... Acredito que seu filho ama uma mulher... Talvez, a mais simples de todas no deserto deste vasto mundo... Um grão de areia, perdido.

O imperador, impressionado com as palavras de Akemi, esquecendo-se de todos os protocolos, argumentou diretamente:

— Mas como entregar o meu filho a uma mulher qualquer?

— Seu filho tem o poder de transformar qualquer grão de areia... na mais bela das pérolas. O amor dele será capaz de realizar isso.

Uma mulher entrou no recinto, correndo em direção ao príncipe. Com lágrimas nos olhos, carregava nas mãos uma pérola imperfeita. A única que havia conseguido apanhar, após tanto esforço, pois não era uma colhedora de pérolas. Era apenas uma camponesa que mal sabia nadar. Ao depositar a irregular pérola sobre o peito do príncipe, sussurrou-lhe algumas palavras. O príncipe abriu os olhos...

Ao ver o amor se realizando diante de si, Akemi, após tanto tempo aprisionada, libertava-se de seu destino de grão de areia.

Sorrindo, a colhedora de pérolas vasculhou o chão e resgatou, da escura fenda, a pérola negra... E até o fim de seus dias, carregou-a consigo em um colar, sempre bem próximo, ao seu peito em liberdade.

[3. lugar no Prêmio “O Pensador” V – Franklin Cascaes – Academia Itapemense de Letras (SC)]

Fonte:
André Kondo. Contos do Sol Renascente. Jundiaí/SP: Telucazu Ed., 2015.

Contos e Lendas do Mundo (Izanami e Izanagi: A Criação do Japão)


Izanami (aquela que convida) e Izanagi (aquele que é convidado) eram deuses que representavam o Céu e a Terra, e foram eles os criadores de Oyashima (as grandes oito ilha do arquipélago japonês). Também criaram o Sol, a Lua, as tempestades e outros fenômenos naturais além de serem os responsáveis ​​pelo nascimento de outros deuses e da civilização japonesa como um todo.

Naqueles tempos primórdios, só existia um oceano de caos. Kunitokotachi, o governante eterno da terra, apareceu da massa borbulhante com duas divindades subordinadas. Desses deuses nasceram Izanagi e sua irmã (futura esposa) Izanami, considerados enviados dos céus. Depois de criar uma ilha utilizando um arpão, ali estabeleceram um lar e criaram uma coluna sagrada.

Caminhando em direções opostas ao redor da coluna, o casal se encontrou e Izanami elogiou a beleza de Izanagi. Então se casaram e o primeiro filho que nasceu foi um monstro; o segundo, uma ilha. O casal então pediu explicações aos deuses que lhes informaram que a iniciativa do encontro sexual tinha que partir de Izanagi e não de Izanami, como vinha ocorrendo até então.

Seguindo essa orientação, tiveram mais filhos, não só as ilhas que formam o Japão, como inúmeras divindades. O último a nascer dessa união foi Kagutsuchi, o deus do fogo, que acabou queimando Izanami, provocando sua morte. Do vômito, da urina e dos excrementos da deusa ao morrer, nasceram outros deuses. Izanagi ficou tão furioso com o filho, que o decapitou com a espada.

Das gotas de sangue de Kagutsuchi (deus do fogo) que caíram da espada nasceram oito deuses e do corpo sem cabeça de Kagutsuchi surgiram mais oito divindades da montanha. Inconsolável com a morte de Izanami e como ainda não tinham acabado com o trabalho de criação da terra, Izanagi se dirigiu até a “terra das melancolias” (yomotsu-kuni) para tentar resgatar sua esposa.

Ela o recebeu na porta dos infernos e pediu-lhe que esperasse ali enquanto organizava sua liberação dos poderes da morte, proibindo-o que entrasse e a olhasse de perto. Com saudades de sua mulher, Izanagi não esperou e acendendo uma tocha, penetrou na terra da melancolia e teve a horrível visão de Izanami em plena decomposição, e em volta vermes retorcidos e serpentes.

Sentindo-se humilhada, a deusa mandou soldados do inferno, mulheres horríveis e deuses do trovão para que despedaçassem Izanagi, mas este conseguiu repelir os demônios e fugir. Ao final, Izanami saiu da cova e se divorciou do marido, retornando depois para o inferno, cuja porta foi fechada com uma enorme rocha, separando definitivamente o mundo dos vivos com a dos mortos.

Izanami se sentiu desonrado pelo acontecido e foi se purificar no mar. Ao tirar a roupa e seus objetos pessoais, estes se converteram em deuses e deusas. A sujeira que saiu no banho se transformou em outros deuses malignos, forçando Izanagi a criar deidades marinhas para manter o equilíbrio.

Ao lavar o rosto, de seu olho esquerdo nasceu Amaterasu, a deusa do sol, do seu olho direito, Tsuki-yomi, o deus da lua, e do seu nariz Susanowo, o deus da tempestade. A deusa Amaterasu herdaria os céus, Tsukuyomi tomaria o controle da noite e Susanoo seria o deus da tempestade e dos mares.

Fonte:
Japão em Foco

segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Varal de Trovas n. 61


Francisco José Pessoa (Domingo, Dia de Graça)


A cortina do meu quarto, contrariando a dos palcos teatrais, fecha-se nos finais de semana, fruto de um acordo matrimonial. Mesmo sem ser chocalhado pelo brilho matinal de um novo dia, no domingo, levanto-me cedo, procurando aproveitar os três turnos a que tenho direito.

Por ser um dia de graça, pela manhã engraço-me com meus escritos. À tarde, tenho as graças afetuosas do meu pai que, revestido dos seus 93 anos, alterna situações avoengas e atuais, num tempero de realidade e fantasia, No turno terceiro, dou graças por estar junto da família "au complet", quando os sentimentos paternais sorriem de contentamento e os filiais vão além dos carinhos.

Domingo é dia de graça, sim, quando meu time do coração joga e vence. Enche-se de mais graça quando é feriado na segunda. Torna-se malvado, querendo voltar o tempo e mexer com meu passado envelhecido, quando ia para a missa na Igreja das Missionárias e rezava para encontrar-me com a menina que eu namorava e ela nem sabia. Malvado por mexer com meu passado de um dia desses, quando deixava meu lar ainda em sossego e me dirigia para o plantão do IJF (Instituto José Frota). Ah! Domingo, lindo dia...

Já não me lembro do último domingo que fui à praia, embora ela fique no meu quintal, posto que, sou morador do Mucuripe. O prazer de saborear caranguejo, esquartejando-o num ritual quase macabro, são páginas passadas das minhas manhãs dominicais. Baco ausentou-se do meu Panteão por estar de férias, talvez...

Antes que o esfaimado cuco anuncie a hora do almoço, acelero o passo da imaginação para terminar meu escrito em tempo e curtir uma merecida sesta que se nega para mim no decorrer da semana.

Domingo, o dia do sol dos pagãos, o mesmo sol do qual me escondo por detrás de uma cortina. Sempre aos domingos.

Fonte:
Livro enviado pelo autor.
Francisco José Pessoa de Andrade Reis. Isso é coisa do Pessoa: em prosa e verso. Fortaleza/CE: Íris, 2013.

Luiz Damo (Trovas do Sul) II


A lua sem vacilar
num olhar de sedução,
garante que seu luar
rompe toda escuridão.

Ao buscares resultados
de uma longa trajetória,
saiba que de pés atados
não terás lugar na história.

Ao plantar singelas flores
para os passos perfumar,
não sinta somente olores
mas vida a se transformar.

As folhas empalidecem,
pelos ventos são levadas,
entre acenos agradecem
e partem em revoadas.

Criança não quer dinheiro,
quer afeto, quer carinho
e que alguém seja primeiro
uma luz no seu caminho.

De amar com força divina,
ao casal ninguém impeça,
a promessa não termina
mas a vida recomeça.

Ecos de fraternidade
por todos sejam ouvidos
e os dons da felicidade
também possam ser vividos.

Fiz das mãos os instrumentos
que dão forma às convicções,
transladei meus pensamentos
ao papel sem evicções.

Felizes dos que convivem
com seus verdadeiros pais.
Escutem enquanto vivem,
de amá-los deixem jamais.

Folhas secas ou maduras,
dançam ao sabor dos ventos,
serão lembranças futuras
e dignas de cumprimentos.

Nada existe de tão certo
quanto a indesejada morte,
quando dela estamos perto
pedimos: Deus nos conforte!

Não denota nenhum luxo
ser gentil e hospitaleiro,
dons presentes no gaúcho
para o orgulho brasileiro.

Ninguém se julgue maior
neste mundo em mutação,
lapidado é bem melhor
nosso ser, nossa missão.

Nosso abraço carinhoso
para quem promove a paz,
que o Deus todo poderoso
recompense o bem que faz.

O amor exige da gente
morte lenta a cada dia,
se ele não fosse exigente
de amor não se chamaria.

O que a vida nos ensina
não venhamos esquecer,
a grande lição divina
é de amar até morrer.

O tempo em ciclo perfeito
faz a folha vangloriar,
na certeza de ter feito
a plantação respirar.

Outono, luz desbotada,
folhas secas pelo chão,
velha marca registrada
dessa marcante estação.

Por mais rigoroso o frio
não faça a alma congelar,
nem mesmo o leito do rio,
tenha efeito similar.

Que a saúde sempre esteja
conosco, todos os dias,
mesmo frágil, nos proteja,
das quedas e das fobias.

Se a demora for imensa
e jamais puder voltar,
a saudade será intensa
na vida de quem ficar.

Se à farinha adicionar
os devidos ingredientes,
pão poderemos formar
com valiosos nutrientes.

Todo o mundo anda apressado
sem ter tempo pra pensar
e eu também estou cansado,
quero à sombra descansar.

Um mar de grande ternura
luz de primeira grandeza,
fonte de sábia cultura,
Mãe de infinita riqueza.

Um sorriso pouco custa
mas muito pode valer,
o pranto que tanto assusta
some sem nada fazer.

Verdes matas orvalhadas
com o néctar da saudade,
sempre vivas, espalhadas,
nos campos da mocidade.

Fonte:
Livro enviado pelo trovador.
Luiz Damo. A Trova Literária nas Páginas do Sul. Caxias do Sul/RS: Palotti, 2014.

domingo, 18 de agosto de 2019

Isabel Furini (Motivação)

Isabel natural da Argentina, radicou-se em Curitiba/PR

Dorothy Jansson Moretti (Três Cinemas… Três Saudades…)


O cinema foi a grande diversão do meu tempo de jovem. Embora a geração atual critique os filmes daquela época, classificando-os de caretas, e dizendo que eles pretendiam mascarar uma realidade totalmente diferente da que mostravam as telas, o cinema distraiu e encantou o pessoal da minha geração com seus musicais atraentes, com seus astros e estrelas famosos e com suas histórias bonitas que não precisavam apelar para a vulgaridade e a pornografia para atrair o público e garantir a frequência.

E já que estamos no terreno das memórias, também tenho as minhas sobre os cinemas de nossa cidade.

Começo pelo Cine Itararé, o mais novo e que resistiu por maior tempo à avalanche que desabou sobre esse tipo de diversão. Lembro-me bem do dia em que dei meu voto para o nome do novo cinema: Cine Caiçara. A sugestão foi de minha amiga Lourdes Mello e eu aderi imediatamente, sempre adorei o Caiçara. Aguardei com vivo interesse o resultado. Venceu a votação o nome "Itararé", não menos querido e que por isso acolhi também com carinho.

Quando ainda em construção, visitei o prédio em companhia de minha amiga Zilá. O Antoninho Colturato, um dos donos, gentilmente mostrou-nos as excelentes instalações quase prontas, e a enorme e bela cortina que ainda não havia sido colocada.

Estive presente à inauguração, com a Zilá. Estávamos ambas encantadas com as músicas que tocavam antes de começar o filme, selecionadas com extremo bom gosto. Encantava-nos também a beleza do ambiente e sentíamos orgulho por contarmos com um cinema tão requintado em nossa cidade. Fui frequentadora assídua dele, tanto quanto do velho e querido São José.

Do Cine São Pedro quase não me lembro. Povoam-me vagamente a lembrança algumas imagens de um filme de Mojica, "O Capitão de Cossacos"; da música desse filme, entretanto, jamais me esqueci: "O amor... o amor é um mistério que não posso compreender..."

Meio nebulosa também é a lembrança de uma tarde de domingo, muito quente e de muita chuva, em que assisti a uma competição de patins no salão desse cinema. Mais uma ou outra matinê, e está completo o fiozinho de minhas recordações do velho São Pedro. Nesse tempo ele pertencia à família Totti.

Foi, porém, o Cine-Teatro São José, do nosso querido amigo Seu Geninho, o que mais marcou minha infância, adolescência e idade adulta. Fora construído entre os anos 15 e 20, imitando o Teatro Scala, de Milão. Com o advento da tela panorâmica e do cinemascope, ele sofreu as alterações necessárias e perdeu muito de suas características anteriores.

Ali participei de peças e atos variados infantis, ensaiados pela professora Dona Aracy de Mello, no meu tempo de grupo escolar. Ali, mais tarde, aos dezesseis anos, cantei uma seleção de valsas de Strauss, acompanhada ao piano por minha amiga Consuelo Ferreira, num festival dirigido por Dona Maria Alencastro Guimarães Corrêa.

Ali assisti a muitas apresentações do grêmio "Os Repentinos", criado pelo velho Seu Peppo, com um elenco de artistas que não pareciam amadores, mas sim autênticos profissionais, tal a naturalidade com que pisavam naquele palco e viviam os seus papéis.

Ali vi inúmeras companhias ambulantes de teatro e vi muitos dos artistas que se destacavam na época.

Houve um espetáculo que sempre vou lembrar com muita emoção. Foi com o casal Maestro Gaya (para nós, itarareenses, o Dudu Gaya; ele era de Itararé) e sua esposa Estelinha Egg. Ambos tinham feito uma turnê pelo país e — folcloristas como eram - haviam produzido uma infinidade de músicas regionais de muita graça e beleza. À certa altura do espetáculo, a luz faltou (isso ocorria com frequência, para transtorno do pessoal envolvido), e como não voltava a acender-se, foram providenciadas velas em profusão para que o show pudesse continuar. E continuou. E Dudu tocava. A Estelinha cantava. Foi lindo demais! Uma das músicas, de caráter místico, ficou ainda mais impressionante à luz
fantasmagórica das velas.

Ao terminar o espetáculo, fui ao palco, cumprimentar o casal, e falei à Estelinha:

"Garanto que se as luzes estivessem acesas, o efeito não teria sido tão arrebatador!" Ela e Dudu concordaram.

Nas tardes de domingo havia matinê dançante no São José. Amontoavam-se algumas fileiras de assentos, fazendo-se espaço para o pessoal rodopiar as valsinhas, os sambas, os foxes e os boleros da época. A música era ao vivo. O próprio Barbozinha abrilhantou muitas dessas domingueiras, com o seu famoso acordeon.

Terminada a dança, antes de se apagarem as luzes, e começar o filme, era divertido ver o pessoal chegando. Um ou outro rapaz que no momento era objeto de nosso interesse aparecia na entrada. Estava completa a festa.

Um domingo, minha irmã Linéa e eu entramos quando a sala já estava escura. Vindo lá de fora, onde um sol radioso deslumbrava, estávamos ambas às cegas, sem poder divisar nem mesmo vagamente as silhuetas das pessoas sentadas. Sem um “lanterninha" para orientar-nos, entramos de cara na primeira fila onde, palpando uma poltrona vaga, eu me sentei. Linéa não teve a mesma sorte. Tropeçou no pé de alguém e também sentou, mas... quase no colo de um espectador.

"Ai, por favor, me desculpe!"

E o rapaz, que era nosso conhecido, mas que no escuro não podíamos identificar:

"Ora, senhorita! Não precisa se desculpar! Foi até um prazer…"

Fonte:
Livro enviado pela autora.
Dorothy Jansson Moretti. Instantâneos. São Paulo: Dialeto, 2012.

Jardim de Trovas n. 6

Trovas sobre Imagem da Libreria Fogola Pisa

É tão tranquila a velhinha
e tem motivo de sê-lo:
Passa a vida sentadinha
entre a novela e o novelo...
A. A. DE ASSIS

Do especialista alguém disse:
— É um doutor de gabarito!
Restringe a sua burrice
a um campo bem mais restrito!
ANTÔNIO TORTATO

Pressentindo o que me aguarda,
vendo a minha solidão,
até meu anjo da guarda
solicitou demissão...
APARÍCIO FERNANDES
 

Foi conquistador de fama
e atrevido mulherengo,
mas casou-se com uma dama
que é verdadeiro monstrengo!
ARIPIO FORTES

Casa em março a Ester Macedo
e em julho é mãe... Ora, o alarde!
O filho não veio cedo,
o esposo é que veio tarde...
BELMIRO BRAGA
 

Mulher que passa por mim,
saracoteando no andar,
tem escondido algum fim
que não convém revelar...
BERNARDO PEDROSO

Um escrivão fez um roubo;
diz-lhe o juiz: "Que razão
teve para fazer isto?!"
Respondeu: — "Ser escrivão".
BOCAGE

O urubu veio manhoso,
sempre a voar, rasteiro e forte,
e, não achando outro pouso,
pousou mesmo em minha sorte!
CALIXTO DE MAGALHÃES
 

Vive o Domingos feliz,
sem o trabalho enfrentar,
que os "Domingos" — ele diz -
são feitos pra descansar...
CARLOS GUIMARÃES
 

Corrigindo um velho erro,
aos brotos tecendo loas,
nem mesmo no meu enterro
quero saber de coroas.
COLBERT RANGEL COELHO

Certa moça, à confidente,
dizia isto, baixinho:
— Se beijo gastasse a gente,
eu era, nega, um tiquinho...
DEMÓSTENES CRISTINO
 

Com 70 anos de idade,
a velha se confessou.
Pecado? Não. Só vaidade
de dizer que já pecou...
DJALMA ANDRADE

Desfaz-se toda a harmonia
que havia no galinheiro,
quando o galo encontra, um dia,
outro galo no poleiro.
DURVAL MENDONÇA

De te esperar tanto, tanto,
me sinto cansado à beça!
Minha filha, eu não sou santo,
para viver de promessa...
EDIGAR DE ALENCAR

Que é isto no rosto, Aurora?
— Foi meu marido, meu bem.
— Pensei que estivesse fora,..
— Pois eu pensava, também!
ÉLTON CARVALHO
 

Um amigo de bebida
dizia, em tom de chalaça:
"As quatro ilusões da vida
são três: Mulher e cachaça."
IVO DOS SANTOS CASTRO

Se este mundo te sufoca,
com seus grandes desalinhos,
segue o exemplo da pipoca
e vai dando os teus pulinhos!
JORGE ROCHA

Se quiser proceder bem
quem briga alheia ajuíza,
dê razão a quem não tem,
pois quem já tem, não precisa!…
JOUBERT DE ARAÚJO SILVA

Parece que morre à míngua,
é frágil como ninguém.
Mas, quando fala, que língua
e que pulmão que ela tem!...
LUIZ OTÁVIO

Minha amiga, tenho medo
de dizer isto a você...
— É como contar segredo
no jornal, rádio e tevê...
MAGDALENA LÉA

O segredo da conquista,
para a mulher, se resume
em pôr quase tudo à vista
— porque o ''quase" se presume…
MARIA AMÉLIA NOVAIS

Passou, no auge da moda,
— bonita, meiga e singela —
e o rapaz, cabeça em roda:
— Será "ele" ou será "ela"?
MARIA IDALINA JACOBINA

No Carnaval se encontraram
mascarados. Divertido.
Quando a máscara tiraram:
Minha mulher! Meu marido!
MICINÉRI

Parece que ficou louca
a filha do Nicolau:
— só me dá beijos na boca
com gosto de bacalhau...
NELSON J. DOS SANTOS

Como sofre o Malaquias
e como xinga as cegonhas,
no tanque todos os dias
lavando fraldas e fronhas.
NEREU HUMBERTO FRICKMANN

Amor à primeira vista?
Nosso bolso anda tão raso,
que até mesmo uma conquista
deve ser a longo prazo!
ORLANDO BRITO

Na hora incerta do revés,
pensa o marido nas ruas:
— Bebo duas... volto às dez,
ou bebo dez... volto às duas?!
OSWALDO MASCARENHAS

Depois que me viu "quebrado'',
— tais foram as nossas loucuras —
ela, o peito amargurado,
quebrou também suas juras...
PAULO EMÍLIO PINTO

Quem ama pensa que inventa
os beijos, a briga, o amor.
Quando o sonho se arrebenta,
ninguém quer ser inventor...
PEDRO MOSSRI
 

Escravos, por nascimento,
e livres depois com a idade,
voltamos, no casamento,
a perder a liberdade...
ZALKIND PIATIGORSKY

Fonte:
Aparício Fernandes. A Trova no Brasil: história e antologia. São Cristóvão/RJ: Artenova, 1972.

Contos e Lendas do Mundo (Japão: A Raposa e o Tanuki)


Muito, muito tempo atrás, uma raposa encontrou um tanuki*.

“Como vai tudo, Tanu-kun? Quando se trata de transformação nós dois somos os melhores do mundo, mas eu imagino quem seria o número um, eu ou você?”

O tanuki não respondeu, mas apenas apontou para o próprio peito.

“O que você quer dizer? Você acha que você é o melhor transformador?”

“Isso é certo”, disse o tanuki. Então, eles decidiram ter um concurso de metamorfose.

Uma vez que foi decidido, a raposa não perdeu tempo. “Se eu não superar esse tanuki metido”, pensou a raposa, “será uma vergonha para a fama das raposas.”

Só então a raposa notou uma pedra memorial em pé ao lado da estrada. Assim, a raposa ficou bem próximo a ela e se transformou em uma estátua de Jizo-sama.

Em pouco tempo, o tanuki apareceu. Este tanuki tinha um hábito curioso – sempre que via Jizo-sama, ele ficava com fome e comia o almoço que ele estava carregando. Neste dia não foi diferente.

“Meu Deus, eu estou com tanta fome. Acho que vou almoçar.”

O tanuki pegou o almoço que ele estava carregando em suas costas e tirou alguns bolinhos de arroz. Ele colocou um diante de Jizo-sama como oferenda, e inclinou a cabeça.

Talvez ele tivesse orado “que a raposa será vencida no concurso de transformação.” Mas, quando ele levantou a cabeça e abriu os olhos, foi pego de surpresa. O bolinho de arroz que ele tinha oferecido não estava mais lá. Isso foi estranho. Pensando nisso, ele se perguntou se talvez ele realmente não tivesse feito a oferta. Então ele com muito cuidado colocou outro bolinho em frente à estátua de Jizo-sama. Ele abaixou a cabeça, orou “Namu Amida Butsu, Namu Amida Butsu”* e levantou a cabeça imediatamente. O quê? O bolinho tinha sumido!

“Isso não está certo!”

O tanuki colocou mais um bolo de arroz na frente de Jizo-sama, disse rapidamente: “Namu Amida -” e levantou a cabeça antes que pudesse sequer ter a certeza que ele tinha realmente abaixado. O que ele viu foi Jizo-sama com um bolinho de arroz meio comido em uma das mãos.

“Ei!” o tanuki gritou, e agarrou o braço de Jizo-sama. O que havia sido Jizo-sama voltou à sua forma habitual, a raposa.

“O que é tudo isso, Kitsune-san?” perguntou o tanuki.

“Agora é a sua vez”, respondeu a raposa. O tanuki pensou por um momento, e levou de volta o que restava do bolinho antes de falar.

“Cerca de meio dia de amanhã eu vou me transformar no senhor do castelo e passar por aqui, e então olhar de perto.”

E assim, a raposa ficou esperando lá no dia seguinte. Finalmente, ele viu a procissão do senhor vindo em sua direção.

Primeiro vieram os varredores gritando “Abaixo! Todo mundo no chão!” Depois disso veio uma longa fila de samurai, e, em seguida, a liteira em que o senhor estava sentado. A raposa estava cheio de admiração, e correu para a liteira do senhor, sem sequer pensar mudar para a forma humana.

“Senhor Tanu, senhor Tanu”, ele chamou, “você me venceu.”

No entanto, a procissão não era uma transformação do tanuki, e sim uma procissão de verdade. E assim, um dos samurais carregando um grupo correu para a raposa. A surra que raposa levou foi severa. E de verdade.
____________________________
Notas:
* A oração Amida Butsu é amplamente ensinada por ser universalmente eficazes, e também tem a vantagem de ser curto. Isso é útil em um caso como este, quando a pessoa precisa rezar não tem nada de especial para pedir.

* Tanuki – é um personagem do folclore japonês desde tempos antigos. Ele é uma criatura mística, travessa e alegre, mestre no disfarce e na troca de formas, segundo relatos sobre a “criatura” que constam no livro Kojiki (Registro das Coisas Antigas), o livro mais antigo sobre a cultura do Japão, datado de 712. Diz-se que a principal característica do Tanuki é a predileção por saquê (sake, bebida fermentada feita de arroz). A criatura é frequentemente retratada com uma garrafa de saquê em uma mão e uma nota promissória na outra – uma conta que ele nunca paga – e sempre usando um chapéu.
Desde os tempos antigos até os atuais, estátuas de Tanuki podem ser vistas nas portas (tanto do lado de fora como de dentro) de restaurantes e izakaya (um tipo de bar japonês) para atrair clientes. Isso porque imagens de Tanuki são consideradas amuletos de boa sorte e prosperidade, enquanto ele próprio é um grande degustador de comida e bebidas, em especial o saquê, claro.
No Japão antigo, a identificação do Tanuki era incerta. Ele era referido à animais como itachi (doninha), ten (marta), musasabi (esquilo voador). Uma definição mais precisa do termo Tanuki ocorreu a partir da Período Edo (1603–1868), quando acabaram por identificá-lo com o texugo ou guaxinim japonês.
Contam as lendas que os planos fracassados em aplicar brincadeiras nos humanos, em muitas das vezes, seria por conta de sua adoração por saquê. “Ao sentir o aroma da bebida, o Tanuki esquece imediatamente de seu disfarce e levanta o rabo, revelando sua  verdadeira identidade”, conta um trecho em uma de suas lendas descritas no livro “Legends of Japan”, obra compilada em três volumes por F. Hadland Davis, escritor e estudioso da mitologia japonesa. o folclore japonês retrata Tanuki como uma criatura brincalhona, astuta e, ao mesmo tempo, “atrapalhada”. São raros os contos japoneses descrevendo um Tanuki cruel. (Fonte: Mundo-Nipo)


Fonte:
Casa de Cha