sexta-feira, 19 de maio de 2023

Fábio Siqueira do Amaral (Trovas Dispersas)


Ao que vive de promessa,
ouça bem o que lhe opino:
– Pense mais no que professa
e fabrique seu destino.
= = = = = = = = = 

Aos meus caros notifico,
com claros sons de clarim,
toda a paz que lhes dedico
vem do céu, não vem de mim!
= = = = = = = = = 

Com toda esta minha idade
aventurei-me no amor
e a desgraça da saudade
não me fez nenhum favor…
= = = = = = = = = 

Contemplo meu sol de outono
e as borrascas deste mar;
confesso o triste abandono
num amargo lamentar…
= = = = = = = = = 

Da antiga infância... que sinto?
Juventude?  Não provei...
Se falo em saudade... eu minto!
Lembro só... quanto chorei...
= = = = = = = = = 

De alegria singular
governante tem a glória
persistente e popular
quando faz da paz, história...
= = = = = = = = = 

De tornar ao meu passado,
sonho até com mais vontade;
mas do amar sem ser amado
é impossível ter saudade.
= = = = = = = = = 

Deus dos céus, oh! sol fulgente,
santa paz da eternidade;
dá-nos esse grão presente:
a luz da fraternidade!
= = = = = = = = = 

E do amor tanto se fala,
se escreve e nada se sente;
esta trova não se cala
e haverá quem a desmente?!
= = = = = = = = = 

Enrugado e impopular
como fole de sanfona,
corre o risco de ficar
quem o amor só coleciona.
= = = = = = = = = 

Gostaria de esquecer...
Ser-lhe igual... Nada sentir...
Mas... Qual! Bem sei que vou ter 
a saudade a me oprimir!
= = = = = = = = = 

Há nos céus menos estrelas
do que os versos que eu cantei;
nosso amor vai surpreendê-las
com os beijos que lhe dei...
= = = = = = = = = 

Há quem culpe seu destino
pelas desgraças que enfrenta,
mas esquece o desatino
da má vida que fomenta!
= = = = = = = = = 

Lancei sementes de paz
para ver da guerra o fim
e o triunfo que perfaz
toda fé que existe em mim...
= = = = = = = = = 

Livros teus, abraça forte
se cultura queres ter;
coisas fúteis, dá-lhes corte
deixa de moleque ser!
= = = = = = = = = 

Melancólica estação
das cores esmaecidas
gera alguma inspiração
no outono de nossas vidas…
= = = = = = = = = 

O destino pode ser 
a desculpa do fracasso 
daquele que julga ter
uma pedra em cada passo.
= = = = = = = = = 

O sincero sentimento
faz cantar nova canção,
sopra à vida o vivo alento,
quando o amor cala a razão.
= = = = = = = = = 

O vento derruba as folhas,
fez o tapete no chão
do outono que, sem escolhas,
pôs rimas numa canção…
= = = = = = = = = 

Quem a paz deseja ter,
honra e valor conquistar,
procura não se envolver
no ato que o mal lhe insuflar!
= = = = = = = = = 

“Queres paz? Prepara a guerra!”
Funesto lema romano!
Faze assim e... pobre Terra...
e... do que é chamado humano!
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Sem meus pais e irmãos aqui;
e os amigos que partiram,
por saudade traduzi
tanta dor que me impingiram...
= = = = = = = = = 

Sempre foi o meu destino
ser calado e assim sofrer;
nem a fé, num descortino,
fez-me a vida bendizer...
= = = = = = = = = 

Somos todos criaturas
pelo amor de Deus gerados;
Ele nos vê das alturas
e nos faz apaixonados...
= = = = = = = = = 

Temos o exemplo no mundo,
 – livre de qualquer domínio –
da paz, de um jeito profundo,
dos seres sem raciocínio!
= = = = = = = = = 

Todo afeto se alivia
no cantar ou no sofrer
e a saudade, em sintonia,
faz-nos trovas escrever...
= = = = = = = = = 

Um amor ou outro eu tive...
Conto-os nos dedos da mão;
me foram joias de ourives
que perdi por precaução.
= = = = = = = = = 
Fonte:
https://www.asesbp.com.br/TROVADORES/indice%20trovadores.html

Leandro Bertoldo Silva (Um livro nunca termina ao virar da última página)

Sempre tive fascinação pelas coisas simples. Acho mesmo que sou um fazedor de miudezas. Não por acaso tenho por Manoel de Barros uma admiração profunda, na capacidade que ele tinha — ou tem, porque um poeta nunca morre — de construir pequenezas insignificantes. Insignificantes? Ha, ha, ha!...

Muitas vezes como escritor, busco o pequeno das coisas. Bartolomeu Campos de Queirós, outro que entendia a linguagem miúda da vida, chegou a escrever um livro cujas 45 páginas valiam por 450; uma página de leitura por um mês de reflexão, a iniciar pelo título: “Antes do Depois”. Hã?! Pois é... E ainda há quem avalia se um livro é bom se ele for grosso! Não recrimino. Esses, às vezes, são bons escoradores de porta.

De qualquer forma, gosto das histórias que nos fazem pensar, daquelas a nos puxarem o tapete. O resultado já sabemos: um belo tombo existencial.

Escrever bem não é escrever muito, assim como ler muito não equivale ao ler certo, e eu não estou a falar de ortografia e muito menos de pontuação. Aliás, a gramática é uma necessidade, não uma camisa de força. Haja vista Guimarães Rosa.

Como vê, tantos sãos os escritores e escritoras a nos ensinarem isso. Uma vez estava a ler repetidas vezes um mesmo livro: “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, de Machado de Assis. Sim, sou uma espécie de (re)leitor. Quem me conhece sabe: prefiro reler um livro a lê-lo pela primeira vez. Estava nisso quando fui interpelado por um amigo:

— Por que lê tão repetidas vezes este livro?

— Porque nele estou quase a encontrar a minha liberdade.

— O que falta para isso?

— A próxima leitura.

— Não te angustia saber que pode novamente não encontrar?

— Me angustia mais achar que já encontrei...

Não houve mais perguntas.

Recomecei.
________________________
Então, aqui está mais um texto em que eu revelo uma pequena particularidade, como ler repetidas vezes um mesmo livro. Há pessoas que acham isso uma perda de tempo, afinal há tantos livros a serem lidos... Mas uma coisa é ler, outra coisa é... ler! Com você como é? Você costuma repetir leituras?

Fonte:
Texto enviado pelo autor, disponível em Árvore das Letras

Fabiane Braga Lima (A professora [da minha varanda eu a observo])

Eu costumava observar a moça, por breves instantes todos os dias. Ela era uma pintura viva, uma jovem bonita, mas sempre triste. Logo de manhã, bem cedo, ela saia apressada, com sua mochila nas costas, para enfrentar as lutas diárias. Colocava o lixo no portão e respirava ofegante e seguia em frente. Eu sempre apreciava essa cena, tão comum para muitos, mas ela me chamava a atenção. No final da tarde, estava ela de volta ao lar, parecia chegar triste e muito abatida.

Novo dia, lá estava ela de novo, seguindo a mesma rotina, mochila nas costas, olhar triste, partindo para o ponto de ônibus próximo. No começo de um dia, percebi que a rotina fora quebrada, ela demorava para ir ao trabalho. E havia me acostumado a vê-la partir e chegar diariamente, apesar de não a conhecê-la pessoalmente. Como moro ao lado, eu fui ver o que ocorrera.

— Olá, tem alguém em casa? — Resolvi chamá-la assim, eu não sabia sequer o nome da mulher, tive um mau pressentimento.

De repente, ela aparece na porta. Estava machucada, haviam vários hematomas em seu rosto.

— Estou bem, ando gripada, vizinho. — Respondeu constrangida, ainda dentro de casa. Mas, era mentira, pois não estava com gripe. Descobri depois, que ela era uma dedicada professora de história, em início de carreira, que trabalhava em três escolas todos os dias, mas estava sofrendo várias agressões.

Eu, um completo estranho, um desconhecido qualquer e ela me convidou para entrar na sua residência. Ao adentrar, notei que era uma casa bem simples e modestamente decorada. Mas, eu vi que tinha as melhores de todas as decorações possíveis, vi livros variados de todos os gêneros e modalidades e estavam por toda a parte em todos os cômodos da casa.

A dona da casa, me conduziu para a sala de estar, ela acabara de passar um café, no coador de pano. Sentamo-nos à mesa, ela me serviu uma xícara de café preto e, sem sequer perguntar o meu nome, contou das agruras que ela estava passando, naquele exato momento da vida.

Confidenciou-me que era de origem humilde e conseguiu se formar em história, a duras penas. E uma vez formada, fez concurso público, foi dar aulas na rede pública de ensino e depois na rede privada também. Contou-me dos assédios morais e agressões sofridas, dentro e fora das salas de aulas, por alunos, alunas e colegas de profissão. Ameaças de morte e até uma agressão física, nas duas redes de ensino. Eu, sem nada dizer sobre isso, ouvi de tudo isso com profundo pesar no coração e na alma, depois disto forjamos uma bela e profunda amizade. Conversamos sempre que possível, aos finais da tarde, à tardinha, tomávamos café eu contava da minha mãe professora e das agruras que eu a vi passar e o que ela me contava. Coisas boas e ruins que uniam as duas professoras.

Eu, filho de professora primária, além de vê-la partir e chegar do trabalho, agora no começo da noite, eu vejo aquela mulher forte, sentada na varanda da casa, preparando as aulas, corrigindo trabalhos, tão dedicada, simultaneamente, desvalorizada da vida…!

Fonte:
Texto enviado por Samuel da Costa.

quarta-feira, 17 de maio de 2023

A. A. de Assis (Jardim de Trovas) 27

 

Graciliano Ramos (História de um bode)

— Outro caso que tenho pensado em contar a vossemecês é o do bode, anunciou Alexandre um domingo, sentado no banco do copiar. Podemos encaixá-lo aqui para matar tempo. Que diz, seu Firmino?

O cego preto Firmino e mestre Gaudêncio curandeiro, os dois ouvintes daquela tarde, sem falar em Das Dores e Cesária, entusiasmaram-se:

— Está certo, seu Alexandre. Bote o bode para fora.

— Venha o bode, meu padrinho, exclamou Das Dores batendo palmas. 

Alexandre tomou fôlego e principiou:

— Isso se deu pouco tempo depois da morte da onça. Os senhores se lembram, a onça que morreu de tristeza por falta de comida. Um ano depois, mais ou menos. Havia lá na fazenda uma cabra que tinha sempre de uma barrigada três cabritos fornidos. Três cabritos, pois não, três bichos que faziam gosto. Uma vez, porém, nasceu apenas um cabrito, mas tão grande como os três reunidos, tão grande que o pessoal da casa se admirou. Eu disse comigo: — “Isto vai dar coisa.” Era realmente um cabrito fora de marca. Tanto que recomendei ao tratador das cabras: — “Deixe que este bicho mame todo o leite da mãe. Quero ver até que ponto ele cresce.” Mamou e cresceu, ficou um despotismo de cabrito. Eu tinha uma ideia que parece maluca, mas os senhores vão ver que não era. Um animal daquele podia perder-se como bode comum, seu Gaudêncio? Não podia. Foi o que pensei. Quando ele endureceu, botei-lhe os arreios e experimentei-o. Saltou muito, depois amunhecou, e vi que ele ainda não aguentava carrego. Passados alguns meses, tornei a experimentar: deu uns pinotes, correu feito um doido e aquietou-se. Achei que estava taludo e comecei a ensiná-lo. Sim senhores, deu um bom cavalo de fábrica, o melhor que vi até hoje. Mandei fazer uns arreios bonitos, enfeitados com argolas e fivelas de prata — e metido nos couros, de perneiras, gibão e peitoral bem preparados, não deixava boi brabo na capoeira. Rês em que eu passasse os gadanhos (mãos) estava no chão. A minha fama correu mundo. Não era por mim não, era por causa do bode. 

– “Talvez os senhores tenham ouvido falar nele. Não ouviram? Muito superior aos cavalos. Os cavalos correm, e o bode saltava por cima dos alastrados e das macambiras. Por isso andava depressa. A dificuldade era a gente segurar-se no lombo dele. Eu me segurava, conhecia todas as manhas e cacoetes do bicho. Quando me aprumava na sela, nem Deus me tirava de lá. 

– “Ora, numa vaquejada que houve na fazenda vieram todos os vaqueiros daquelas bandas. Meu pai matou meia dúzia de vacas e abriu pipas de vinho branco para quem quisesse beber. Nunca se tinha dado festa igual. Cesária estava lá, de roupa nova, brincos nas orelhas e xale vermelho com ramagens. Hein, Cesária?”

— É verdade, Alexandre, respondeu Cesária. Essa festa ficou guardada aqui dentro. Você apareceu de gibão, perneiras, peitoral e chapéu de couro, tudo brilhando, enfeitado de ouro.

— Exatamente, gritou Alexandre, tudo enfeitado de ouro. Trouxeram o bode arreado, montei e pensei: — “Vai ser uma desgraceira. Quem chegue perto de mim pode haver, mas quem passe adiante é que não.” Esse bode, meus amigos, era do tamanho de um cavalo grande. Sim senhores. Do tamanho de um cavalo grande, muito barbudo e com um par de chifres perigosos, inconvenientes no princípio. A gente se metia na catinga, e ele enganchava as pontas nos cipós, gastava tempo sem fim para se desembaraçar. Mas como era um vivente caprichoso e não tinha nascido para correr, logo viu que, pulando por cima dos pés de pau, não se atrapalhava. E fazia um barulhão, soltava berros medonhos. Ora, muito bem. No dia da vaquejada, quando me escanchei e peguei na rédea, o bicho largou-se pelo pátio, como quem não quer e querendo, num passinho miúdo que não dava esperança. Os vaqueiros caçoavam de mim: — “Que figura, meu Deus! Era melhor que estivesse montado num cabo de vassoura.” E eu calado, com pena deles todos, e o bode no passinho curto, mangando dos cavalos. De repente avistei uma novilha que não conhecia mourão e gritei para os outros: — “Aquela é minha.” A resposta foi uma gargalhada, mas só ouvi o começo dela, porque um minuto depois estava longe, percebem? É isto mesmo. O bode, que ia brincando, fazendo pouco dos cavalos, empinou-se e tomou vergonha. Foi um desespero. A novilha escapuliu-se, ligeira como o vento, e nós na rabada dela, pega aqui, pega acolá, íamos voando. Sim senhores, voando, que aquilo não era carreira. O mato me açoitava a cara e um assobio me entrava pelos ouvidos. Não se enxergava nada. Só uma nuvem de poeira, e dentro da poeira os quartos da novilha. Nunca vi boi correr daquele jeito, parecia feitiço. Eu me aproximava da bicha, ela torcia caminho e se afastava. Pelejamos assim muitas horas. Pega aqui, pega acolá, suponho que andamos umas sete léguas. Afinal chegamos à ribanceira de um rio seco, a novilha parou, eu consegui passar as unhas no sedenho (cauda) dela e foi a conta. Arreou, despencou-se lá de cima e caiu numas pedras que havia no meio do rio. Desci a ribanceira, apeei e notei que a infeliz tinha desmantelado a pá direita na queda. Fiz o que pude para levantá-la e não houve remédio. Vejam vossemecês que eu estava num embaraço muito grande. Como havia de provar aos outros vaqueiros que a novilha tinha sido pega? Hein? Como havia de provar? Aí é que estava o negócio.

Nesse ponto o cego preto Firmino fez uma pergunta:

— O bode tinha descido com o senhor ou tinha ficado na ribanceira?

— Não me interrompa, seu Firmino, resmungou Alexandre. Assim a gente não pode contar. Então eu já não expliquei? Desci e apeei, foi o que eu disse. Foi ou não foi?

— Exatamente, concordou mestre Gaudêncio.

— “Pois é, continuou Alexandre. Se eu desci primeiro e apeei depois, naturalmente desci montado. Isto é claro. Desci montado, percebe? Com um salto. O natural do bode, como ninguém ignora, é saltar. E agora os senhores me façam o favor de escutar, para não me virem com perguntas tolas. Sabem que eu estava atrapalhado para dar aos outros vaqueiros a notícia da pega. Se contasse a história com todos os ff e rr, eles haviam de acreditar, mas eu queria chegar à fazenda com a rês. E, por desgraça, a pobre estava ali caída, ruim de saúde, com uma pá quebrada. Depois de muito pensar, resolvi, não podendo levá-la, mostrar ao pessoal ao menos uns pedaços dela. Acham que pensei direito? Não havia outro jeito, meus amigos. Puxei a faca de ponta, sangrei a novilha, esfolei-a, tirei um quarto dela e amarrei-o na garupa do bode. Botei o couro na maçaneta da sela, pisei no estribo e tomei o caminho de casa. Isto é, pisei no estribo, montei, o bode pulou para cima da ribanceira e tomou o caminho de casa. 

“Para seu Firmino é preciso que a gente diga tudo, palavra por palavra. Se eu não escorresse tantas miudezas, talvez seu Firmino pensasse que eu tinha viajado com um pé no estribo e outro no chão. Pois é verdade. 

“Larguei-me para casa, devagar, fumando, matutando. Passei por baixo de um pau a cavaleiro da estrada. Não dei importância a isso: galhos tortos há muitos, e eu ia embebido (absorto), fora do mundo, sim senhores. De repente uma coisa me chamou a atenção: o bode começou a puxar uma perna traseira. Caminhava algumas braças e arrastava a perna, como se estivesse carregando um peso grande. — “Que diabo terá este bode?”, perguntei a mim mesmo. Um bicho que nunca tinha feito figura triste, acostumado a varar capoeira, cansando à toa! Ali havia coisa. Olhei para trás. Sabem que foi que vi? Calculem. Imaginem que foi que eu vi, Das Dores.

Das Dores espiou a telha e ficou um minuto pensando. Baixou os olhos e confessou:

— Não sei não, meu padrinho. Como é que eu posso adivinhar o que o senhor viu? Uma alma do outro mundo?

— Não, Das Dores, respondeu Alexandre. Vi uma onça. Uma onça lombo-preto, sim senhora, trepada na garupa do bode e já com o bote armado para me agarrar. — “Estou comido”, pensei. Mas não perdi a calma. Sou assim, nunca perdi a calma. Certamente aquela diaba estava em cima do galho torto e na minha passagem tinha voado na carne fresca. Virei o rabo do olho para o traseiro do animal. Só havia ali o cangaraço da novilha, osso esbrugado (separado da carne). Se eu não tivesse muito sangue-frio, era um homem perdido. Mas encomendei-me a Deus e disse baixinho: — “Morto eu já estou, morto e quase jantado por esta miserável. Agora cruzar os braços e entregar-me à sorte é que não vai. Nem cruzo nem me entrego. Quem está morto não se arrisca. Não vale a pena ter medo, e o que vier na rede é peixe.” Puxei o facão devagarinho, virei-me de supetão e — zás! — no pescoço da onça. Ela caiu no chão, meio zureta, eu dei um salto e cortei-lhe a cabeça que foi amarrada na maçaneta da sela, junto ao couro da novilha. Montei de novo e uma hora depois estava no pátio da fazenda, conversando com os vaqueiros. Cesária pode confirmar o que eu digo.

— Perfeitamente, Alexandre, exclamou Cesária. Conte o resto.

— O resto é aquilo que você viu. Meu irmão tenente, isto é, meu irmão mais novo, pessoa de coragem que mais tarde chegou a tenente de polícia, ficou amarelo como flor de algodão. Eu expliquei a coisa com todos os pontos e vírgulas, mandaram buscar o resto da novilha e o corpo da onça. Foi uma admiração, meus amigos, e a festa da vaquejada rolou muitos dias. Meu irmão tenente...

— E o bode? murmurou o cego. Que fez o senhor do bode?

— Ora essa! rosnou Alexandre. O bode se finou, como todos os viventes. Se fosse vivo, tinha trinta anos, e nunca houve bode que vivesse tanto. Morreu, sim senhor. E fez muita falta, foi o melhor cavalo de fábrica daquela ribeira.

Fonte:
Graciliano Ramos. Histórias de Alexandre. Publicado originalmente em 1944.

J. G. de Araújo Jorge (Inspirações de Amor) XXIX


SENSUAL

Ainda sinto o teu corpo ao meu corpo colado;
nos lábios, a volúpia ardente do teu beijo;
no quarto a solidão, desnuda, ainda te vejo,
a olhar-me com olhar nervoso e apaixonado...

Partiste!... Mas no peito ainda sinto a ânsia e o latejo
daquele último abraço inquieto e demorado...
- Na quentura do espaço a transpirar pecado,
Ainda baila a figura estranha do desejo...

Não posso mais viver sem ter-te nos meus braços!
- Quando longe tu estás, minha alma se alvoroça
julgando ouvir no quarto o ruído dos teus passos...

Na lembrança revejo os momentos felizes,
e chego a acredita que a minha carne moça
na tua carne moça até criou raízes!...
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SOLIDÃO

Um frio enorme esta minha alma corta,
e eu me encolho em mim mesmo: - a solidão
anda lá fora, e o vento à minha porta
passa arrastando as folhas pelo chão...

Nesta noite de inverno fria e morta,
em meio ao neblinar da cerração,
o silêncio, que o espírito conforta,
exaspera a minha alma de aflição...

As horas vão passando em abandono,
e entre os frios lençóis onde me deito
em vão tento conciliar o sono

A cama é fria... O quarto úmido e triste...
- Há uma noite de inverno no meu peito,
desde o instante cruel em que partiste...
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SOLITÁRIO

Longe de ti, do mundo - solitário.
sem o riso das falsas alegrias
vou desfiando, um a um, todos os dias,
como contas de dor, no meu rosário...

E assim - sem Ter ninguém - oh, quantas vezes!
- no amor que já deixei fico a pensar...
E as semanas se escoam sem parar:
a primeira... outra mais... mais outra... e os meses...

O outono já chegou, e as folhas solta...
E eu, sem querer, nostálgico, me ponho
a pensar que esse amor aos poucos volta...

Mentira!... Vã mentira que me ilude!...
Como é triste a ilusão mesmo num sonho,
Eu que na vida me iludir não pude!...
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SONETINHO

Não tenho jeito pra trova
apesar das que já fiz,
a quadra lembra uma cova
com a cruz dos versos em  X...

Ainda estou vivo e feliz
e do que digo dou prova:
- tentei cantar, numa trova,
e o meu amor pediu bis.

Bem sei que é meu o defeito.
mas uma trova é tão pouco
que ao meu cantar não dá jeito...

Só mesmo um poema é capaz
de conter o amor demais
que trago dentro do peito.
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SONETO AO NOSSO ENCONTRO

Desenrolam-se as curvas do caminho
à proporção que aos poucos avançamos...
Um dia, - e eu vinha então triste e sozinho,
- um dia, - vinhas só... nos encontramos...

Desde esse dia, juntos, simulamos
duas asas de um mesmo passarinho,
- nesse destino que entrançou dois ramos
que dão a mesma flor... e o mesmo espinho...

Depois de tantas curvas já vencidas
que sejamos ao fim de nossas vidas
na perfeição do amor que nos conduz,

- como a folhagem que um só ninho esconde,
ou dois galhos que vêm da mesma fronde
para juntos morrer na mesma cruz!

Fonte:
JG de Araújo Jorge. Meus sonetos de amor. RJ: Ed. do Autor, 1961.

Aparecido Raimundo de Souza (Graças e milagres)

— LÁ EM CASA, – anunciou o Samuca – vovô botou a mão em cima da cabeça do meu pai e ele virou médico.

— Grande coisa, Samuca, berrou Eduardo. O meu avô botou a mão em cima da cabeça de meu pai e ele virou engenheiro. Hoje constrói prédios, casas, shoppings, supermercados, os cambaus...

—... Como vocês são idiotas. – observou o Maninho – Meu avô Aristóteles botou a mão em cima da cabeça de meu pai e ele virou jornalista. Viaja o mundo inteiro, conhece gente nova, come comidas diferentes, vê os mais diversificados costumes, fala um monte de idiomas...

— Vocês são mesmo uns babacas. – obtemperou “Jorginho da Muleta” - . Meu avô botou a mão em cima da cabeça de meu pai e ele virou pastor. Já comprou duas mansões num bairro nobre aqui de São Paulo, tem fazendas, sítios, chácaras, um barco do tamanho da Lady Laura de Roberto Carlos, e, recente, adquiriu um helicóptero igual ao de Neymar. 

— Quer saber de uma coisa? – Acho vocês todos uns “babacas” – emendou “Lucas Tinhoso”. Meu avô foi mais esperto do que todos os seus parentes juntos. Botou a mão na cabeça de meu pai e ele virou homem casado. Como vocês sabem ele é um excelente pai de família. Tem a sua vida certinha, emprego garantido, e, amanhã, faz uma semana que mudamos para um condomínio de alto padrão em Alphaville. 

Fez pose de gente importante antes de acrescentar:

— Lá moram as filhas de Silvio Santos, o Ratinho tem uma casa, o Carlos Alberto de “A Praça é Nossa” também...  

Nesse momento, a galera, em peso, deu conta da presença de um guri que, cabisbaixo, mirava o chão em silencio:

— E você, Epaminondas, qual o motivo de estar calado feito boi fujão? Perdeu a língua?

— Nada não!

— Como, nada não?... conta aí!...

— Não.

— Pra não ficar por baixo ele está tentando inventar uma desculpa pra nos jogar na cara. 

Samuca se adiantou e fez a sua observação maldosa:

— Vai ver ele não tem avô, nem tio, nem irmão...

— É mesmo! Ele não tem família. – arrematou Maninho caindo numa baita gargalhada – Epaminondas é “desfamiliarizado”.

— E “despaiado”. – acrescentou o “Jorginho da Muleta”

— Que droga é essa, Jorginho? 

— “Despaiado?” – Sem pai, ora bolas!

Epaminondas, contudo, se levantou furioso e colérico. E esbravejou, irado:

— Tenho sim.

— Tem nada...

O guri perdeu a esportiva. Tentou distribuir socos e pontapés em alguns, mas seus esforços redundaram em vão:  

— Tenho... seus idiotas.

— Tem o quê, Epaminondas?

— Tenho avô, tenho mãe, tia e até um primo de vinte e dois anos, campeão de natação cheio de medalhas e pasmem, primo de papai que veio lá do estrangeiro e passou a morar lá em casa...

— E daí?

— Isso mesmo bobão, e daí?

— Então... ele passou a mão em cima da cabeça de meu pai e ele virou corno...

Fonte:
Texto enviado pelo autor.

terça-feira, 16 de maio de 2023

Tertúlia da Saudade 05: Emiliano Perneta

 

Coelho Neto (Frutos maduros)

Todas as manhãs, depois de atentamente examinar as vitualhas (víveres) que entravam para as cozinhas reais, o médico do paço descia ao pomar e, vagaroso, abordoado a um bastão, entre fâmulos (serviçais) que levavam alcofas (cestos de vime), ia de uma a outra árvore, indicando as frutas que deviam ser colhidas. Examinava-as, cheirava-as, apalpava-as e só permitia a colheita das que lhe pareciam bem maduras, tão moles que, ao mais leve toque, logo 
se amalgamassem. Debalde lhe faziam ver que, assim passadas, perdiam toda a beleza e todo o perfume: nem ornavam a mesa, nem convidavam o apetite.

São as que convém ao rei, retrucava o medico.

O encarregado do horto levava-o a ver os pessegueiros carregados de frutos pubecentes (na puberdade), carnudos e corados, cujo aroma rescendia; mostrava-lhe os figos ressumando (vertendo) calda, à volta dos quais era um alegre giro-girar de abelhas; vergava, para que ele os visse de perto, os galhos fartos das laranjeiras e dos limoeiros. Entrando sob as latadas apontava-lhe os cachos piramidais ou, agachando-se nos canteiros, apartava as folhagens expondo os morangos cor de sangue; e o médico sempre a acenar com a cabeça branca: «Que não! Não estavam como convinha. Para que não fizessem mal era necessário mais sol, mais sol e mais orvalho».

E os fâmulos colhiam.

Às vezes, a fruta, de tão madura, esborrachava-se-lhes entre os dedos; outras eram tão chochas (sem suco), tão engrouvinhadas (desgrenhadas) que eles atreviam-se a falar:

— Vede, senhor; reparai. Não é para a mesa de um rei. Dir-se-á que a apanhamos no chão.

— Está como convém, afirmava o velho médico.

E lá ia, sem atentar nas árvores que o atraiam com a beleza e com o aroma dos pomos sazonados.

Uma tarde, sentando-se o rei à mesa e apetecendo-lhe comer figos, pediu-os ao copeiro.

A corbelha (cesto de metal para frutas) em que vieram acamados era de filigrana de ouro, eram, porém, tão feios os berjaçotes (figos de polpa vermelha) que o rei os repeliu de si, com repugnância.

Os pêssegos não lhe agradaram, tampouco as uvas que já se encarquihavam em passas, e tudo mais que da copa lhe traziam em covilhetes (pratinho de louça para doces) preciosos e em condeças (cestas ovais de vime) era devolvido.

Irritou-se o monarca e, atribuindo a culpa ao pomareiro, mandou chamá-lo e, tanto que o viu presente, rompeu em palavras agastadas:

— Para quem guardas tu as boas frutas para que só me mandes as que rejeitam os passarinhos?

— Senhor, a culpa não é minha, senão do médico de V. M. que é quem as escolhe nas árvores. Por mais que eu lhe diga que o fruto deve ser apanhado em tempo — nem tão verde que trave, nem tão maduro que se engelhe, — ele reponta e vai ordenando o que entende. Não me posso insurgir contra quem sabe. Ele é o zelador da saúde preciosa de V. M. e ainda que eu, por muito lidar com frutos, conheça os melhores e saiba quando estão em vez de ser colhidos, calo-me. Frutos não faltam e lindos no pomar, mas que há de responder um pomareiro ao medico d'El-Rei ?

Chamado o médico, que já se havia recolhido à sua quarto, esperou-se longamente que se levantasse e viesse, sempre abordoado, arrastando os passos perros (teimosos) ao longo dos corredores.

Ciente do que se tratava, logo entrincheirou-se na prática, alegando o muito que vira e o muito que aprendera em livros.

— Nada, meu amigo, tornou o rei. Deixemos em paz os livros — todos eles espremidos não chegam a dar duas verdades. Frutos, querem-se de vista e sabor. Nada de figos murchos.

— A prudência, real senhor...

— Conheço-a: é uma senhora que não apaga a lanterna e ainda em pleno dia traze-a acesa porque pode alguma nuvem obscurecer o sol. Dão-na por irmã da sabedoria, essa filha da velhice, no dizer dos velhos. Eu sei. É vezo (costume) servirem aos reis tudo que o Tempo estragou — frutos velhos e homens decrépitos; uns, porque perderam a acidez; outros, porque adquiriram experiência. Assim o que vem à mesa é o repúdio dos passarinhos e o que fala no conselho é a caducidade. Os bons frutos e as inteligências viçosas vegetam no pomar e no mundo até que as gelhas (rugas) os recomendem. Nada, já que os reis são escravos da tradição que, ao menos, os frutos sejam frescos e se o reino não pode crescer com os lanços dos bons espíritos que o paladar do rei não se prive do agradável sabor. Fique cada qual no que entende — o médico, de guarda à saúde e o pomareiro no pomar.

Fonte:
Disponível em domínio público.
Coelho Neto. Fabulário. Porto/Portugal: Livraria Chardron, de Ceio & Irmão, 1924.
Atualização do português por J. Feldman

Afrânio Peixoto (Trovas Populares Brasileiras) – 13

Atenção: Na época da publicação deste livro (1919), ainda não havia a normalização da trova para rimar o 1. com o 3. Verso, sendo obrigatório apenas o 2. Com o 4. São trovas populares coletadas por Afrânio Peixoto.


Entre tua casa e a minha
a estrada não é a mesma:
Vou daqui como cabrito,
volto de lá como lesma.
= = = = = = = = = 

Eu subi na laranjeira,
para ver se te enxergava,
cada folha que caía
era um suspiro qu'eu dava...
= = = = = = = = = 

Tanta laranja madura,
tanto limão pelo chão,
tanto sangue derramado,
dentro do meu coração!
= = = = = = = = = 

Laranjeira ao pé da serra
bota raízes de prata,
querer-te bem não me custa,
mas deixar-te é que me mata.
= = = = = = = = = 

As folhas da laranjeira,
de noite parecem prata.
Tomar ardores não custa,
separação é que mata.
= = = = = = = = = 

Os passarinhos que cantam
de madrugada com frio,
uns cantam de papo cheio,
outros de papo vazio...
= = = = = = = = = 

Beija-flor subiu a serra
para fazer seu testamento.
Não largue os amores velhos
sem saber do fundamento.
= = = = = = = = = 

Sabiá canta na mata,
descansa no pau agreste.
Um amor longe do outro
não dorme sono que preste.
= = = = = = = = = 

Patativa alegre canta
na palmeira do coqueiro,
eu não canto porque choro
o meu bem-querer primeiro.
= = = = = = = = = 

A rolinha canta alegre
os seus felizes amores,
Só eu vivo triste, errante,
curtindo pungentes dores.
= = = = = = = = = 

— Ó minha pombinha branca,
gavião quer te comer!
— A poder de pólvora e chumbo,
gavião há de morrer...
= = = = = = = = = 

Toda a tarde que Deus dá
pia a triste juriti...
Também não tenho descanso,
me canso pensando em ti.
= = = = = = = = = 

0 anum é pássaro preto,
passarinho de verão,
quando canta meia-noite,
Oh que dor de coração!
= = = = = = = = = 

Meu passarinho tão manso
das minhas mãos escapou,
para mais penas me dar,
penas nas mãos me deixou.
= = = = = = = = = 

Se vires a garça branca
pelos ares ir voando,
dirás que são os meus olhos
que te vão acompanhando.
= = = = = = = = = 

Os galos estão cantando,
e os passarinhos também,
quebram as barras do dia
e aquele ingrato não vem...
= = = = = = = = = 

Quando eu era galo novo
comia milho na mão...
Hoje que sou galo velho,
bato com o bico no chão.
= = = = = = = = = 

Já fui galo, já cantei,
já fui senhor do poleiro;
mas hoje sou desprezado
que nem cisco no terreiro.
= = = = = = = = = 

Senhor Padre, me confesse,
que eu sou filho do pecado.
Eu sou como a sanguessuga,
quando pego, estou pegado!
= = = = = = = = = 

A minhoca é bicho feio,
bicho que entrou no chão.
Tu também és muito feio
e entraste em meu coração.
= = = = = = = = = 

É bicho nojento o sapo
ou de noite, ou de manhã,
mas eu queria ser sapo
se você fosse uma rã...
= = = = = = = = = 

Os peixes nadam no rio,
as aves voam no ar;
Meu coração está preso
nos laços do teu olhar.
= = = = = = = = = 

Meu amor é como um rato,
duas vezes um ratinho,
fura aqui, fura acolá,
vai andando o seu caminho...
= = = = = = = = = 

Esta noite andei de ronda
como rato de parede.
Procurei, mas não achei,
o punho da tua rede.
= = = = = = = = = 

0 tatu me foi à roça,
toda a roça me comeu;
Plante roça quem quiser,
Que tatu quero ser eu.
= = = = = = = = = 
Fonte:
Disponível em Domínio Público.
Afrânio Peixoto (seleção). Trovas populares brasileiras. RJ: Francisco Alves, 1919.

Nilto Maciel (Cena de Carnaval em Olinda)

Fantasiado de príncipe, o pequeno Maurício bebia goles e mais goles de cachaça. E prometia uma semana de folia. Os amigos também bebiam, riam e davam passos desequilibrados de frevo. Não havia carnaval como o de Olinda. O melhor e mais alegre carnaval do Brasil, do mundo.

A fuzarca tomava conta das ruelas do bairro Ouro Preto. Todos os rádios tocavam frevos. Meninos e meninas brincavam e pulavam junto aos esgotos descobertos. Cachorros latiam e corriam, espantados.

Apareceu um bloco de esfarrapados. E no meio dele se meteu Maurício. Sua majestosa fantasia precisava mostrar a outros curiosos. Aos turistas, aos grã-finos. Aquele povo do Ouro Preto não sabia apreciar beleza. Uns invejosos!

E foram ficando para trás os casebres, as ruas enlameadas, os vira-latas.

Tudo se transformava. Olinda ressurgia em todo seu esplendor. Casarões coloniais, igrejas antigas, lojas e restaurantes modernos. O pequeno Maurício crescia. O carroceiro virava príncipe. E se desgarrava do bloco de esfarrapados, da grei sem rumo.

Ouviu sons de música. Parou. Quis ler o letreiro na parede. Chegou à porta. Homens e mulheres bem vestidos, roupas coloridas, sorrisos escancarados. Toalhas de pano cobriam as mesas. Garçons de branco e preto, circunspectos.

Alguns olhos se voltaram para Maurício. Uns de espanto, outros de desdém. Quem seria aquele homem? Mendigo, palhaço, louco?

— Sou o Príncipe Maurício de Nassau!

Não tardou, escorraçaram-no os garçons. Ali ele não cabia. Fosse para junto dos seus. E o empurraram para a rua.

Enfurecido, o folião esperneava e se dizia príncipe.

E logo chegaram soldados, para impor a paz e levar dali o desordeiro.

— Sou o Príncipe...

— Cala a boca, desgraçado!

E mil cacetadas prostraram para sempre o pequeno Maurício.

Fonte:
Enviado pelo autor.
Nilto Maciel. Pescoço de Girafa na Poeira. Brasília/DF: Secretaria de Cultura do Distrito Federal/Bárbara Bela Editora Gráfica, 1999.

segunda-feira, 15 de maio de 2023

Varal de Trovas n. 581

 

Silmar Böhrer (Croniquinha) 83

Preciosidades?
                                 
Quem não as tem.  Algumas das minhas são em forma de letrinhas, que surgem de ideias, pensares, inspirações.  Muitas têm mais de quarenta anos e, de vez em quando, rebuscando os alfarrábios, volto a ler escritos daqueles dias para ver se aprovo o que se passava então na cabecinha do pensador. Relíquias no limbo, guardadinhas, imaculadas.

Quem não terá preciosidades para preservar? Você não tem?  Engana-se  a si mesmo!

Enquanto um ser humano - por menos favorecido material ou espiritualmente - tiver um sopro de vida somado à capacidade sensitiva, alojará no âmago valores exponenciais que farão dos seus dias a razão de ser, de labutar, de viver.

Fonte:
Texto enviado pelo autor