quinta-feira, 11 de abril de 2024

Adega de Versos 122: Janske Niemann Schlenker

 

Eduardo Affonso (A invenção da linguagem)

Quando o primeiro ser humano descobriu que podia falar, antes de sair contando a novidade para todo mundo deve ter se dado conta da necessidade de dar nome às coisas – ou não teria nem como dizer que tinha adquirido o dom da fala.

Depois de milênios brincando de “imagem e ação” diante de qualquer evento – seja para dizer “eu te amo” ou “tem uma baratossaura pousada no seu ombro” – era um alívio poder simplesmente chegar e dizer “tem uma baratossaura pousada no seu ombro”, sem precisar levar os indicadores à testa imitando antenas, sacudir os cotovelos como se fosse levantar voo, e fazer cara de nojo.

Mas como dizer “tem uma baratossaura pousada no seu ombro” se nem o “ombro” nem a “baratossaura” tinham nomes, muito menos os verbos “pousar” ou “ter” (ainda mais no sentido de existir)?

O primeiro ser humano que descobriu que podia falar sentiu um peso maior sobre seus ombros ainda sem nome: nomear não só as coisas, mas também as ações, porque sem os verbos as palavras soltas não fariam muito sentido.

Vencida a etapa dos verbos e substantivos, o pobre ser humano deve ter entendido que havia a necessidade também dos adjetivos (era uma baratossaura pequenininha, de apenas dois palmos, ou uma daquelas que voam, e contra a qual não há tacape nem testosterona que deem jeito? Era um amor eterno e avassalador ou só um amorzinho legal agora à tarde enquanto os mamutes pastavam e os tigres dente de sabre faziam a sesta?). Vieram então os advérbios, as conjunções, os artigos definidos e indefinidos, o “que” relativo e todas aquelas malvadezas com as quais os professores de português nos torturaram.

Há de ter sido um desafio e tanto a nomeação do mundo. Olhar a baratossaura e pensar que nome sem muito valor para dar àquele bicho asqueroso. Olhar o ombro e imaginar um som que se ombreasse à beleza daquele patamar nascido da curva no final do pescoço e que iria morrer dali a pouco, em curva ainda mais bela, antes de virar braço. E criar palavras que se harmonizassem nessa sequência, fluindo sinuosamente – pescoço ombro braço.

Esse primeiro falante deve ter percebido que havia coisas demais no mundo, e que não daria conta sozinho. Aí chamou a família para ajudar (nascia a palavra “nepotismo”), e isso explica porque haja nomes tão esquisitos (dados pelo cunhado, talvez) e nomes esculpidos a cinzel (obra da cunhada); nomes tão límpidos (atribuídos pelo filho caçula), e outros tão obviamente equivocados (quem mandou chamar a sogra?).

Quem batizou a arara de “arara” deve ter sido uma criança. A mesma que nomeou o tatu, a cacatua, o jacaré, o pica-pau, o tico-tico e todos os bichos de nomes oxítonos ou onomatopaicos.

À filha teen coube dar nome ao beija-flor, ao bem-te-vi, à borboleta, ao arco-íris, à rosa dos ventos, ao bicho da seda, e às cores fúcsia, rosa-chá e off-white.

O cunhado denominou a fronha, o ornitorrinco, o fluxo piroclástico e as placas tectônicas (placas tectônicas e fluxos piroclásticos eram bastante populares naquela época).

Ele mesmo, o hipotético homem das cavernas, nomeou as coisas práticas (dia, noite, vida, morte, sexo, cerveja, chave de fenda, moto de quinhentas cilindradas, pênalti, impedimento, juiz ladrão).

A mulher criou palavras como ciclo, lua, cólica, leite, castigo, chantagem emocional, refogado, dor de cabeça, tédio, evasê, dupla jornada, empoderamento.

São indubitavelmente obra da sogra os nomes dados à bertalha, à seriguela, à alcachofra, à rebimboca e a todas as geringonças (sendo sua, inclusive, a invenção da palavra “geringonça”).

Por não terem inventado uma palavra que sintetize essa ideia, “eu te amo” continua, até hoje, difícil de dizer.

Fonte> Blog do Eduardo Affonso. 17 set 2019

Professor Garcia (Trovas do meu cantar) 1


A cama, em nossa morada,
entre os trapos do meu teto!...
E uma esteira remendada,
com mil fiapos de afeto!
- - - - - –

A cigarra destemida,
o seu disfarce me encanta,
por não ter nada na vida
e ser feliz quando canta!
- - - - - –

A dor que se intensifica
e amedronta os dias meus,
é pensar na dor que fica
depois da palavra adeus!
- - - - - –

À espreita de um novo encanto,
o orvalho que a noite chora...
E lágrima de acalanto,
que beija a face da aurora!
- - - - - –

Amai-vos!... Disse o Senhor,
Deus, no amor, tudo permite.,.
Por que limitar o amor,
se a regra não tem limite?
- - - - - –

A natureza resiste,
mas a tristeza do monte,
é enxugar o pranto triste
dos olhos tristes da fonte!
- - - - - –

Antes que a vida se acabe,
viva! Da vida eu sou fã.
Nem eu sei, nem você sabe,
se haverá outro amanhã!
- - - - - –

As cordas desafinadas
e esta voz chegando ao fim!...
São mimos das madrugadas,
guardados dentro de mim!
- - - - - –

A virtude que mais rego,
vive em mim, nunca passou;
E a fé que sempre carrego
de ser feliz como sou!
- - - - - –

Cadeira velha!... Esquecida,
sem dono e sem mais ninguém...
Só a saudade atrevida
reclama a ausência de alguém!
- - - - - –

Cantar em noites de lua,
vagando pelas calçadas,
é o que faço pela rua,
na insônia das madrugadas!
- - - - - –

Cascata, teu pranto triste,
parece que não tem fim!...
Comparo ao pranto que existe
doendo dentro de mim!
- - - - - –

Eu me curvo ante os conselhos
que recebo todo dia,
quando dobro os meus joelhos,
aos pés da Virgem Maria!
- - - - - –

Há, na visão de uma flor,
e no olhar de uma criança,
mil semelhanças de amor,
de inocência e de esperança!
- - - - - –

Mãe preta! Teu negro seio
deu-me o mais puro sabor;
nele eu bebi, sem receio,
a eternidade do amor!
- - - - - –

Mar aberto!... O sol se esquiva,
e a jangadinha, a vagar,
lembra uma lágrima viva
nos olhos verdes do mar!
- - - - - –

Não me esqueço!... E ao descrevê-la,
praça de minha ilusão!
Seu chão forrado de estrela
era a esteira do meu chão!
- - - - - –

Não se fere uma criança
nem se machuca uma flor!
Se uma é fonte de esperança,
outra é esperança de amor!
- - - - - –

Na primavera partiste,
e o monstro do tempo, ingrato,
deixou teu rosto mais triste
no velho porta-retrato!
- - - - - –

Nesta longa caminhada
que fazemos sempre a sós...
Nem o silêncio da estrada
quebra o silêncio entre nós!
- - - - - –

Pelas manhãs, vou buscando,
minha esperança perdida...
Há sempre um sonho vagando,
nas alvoradas da vida!
- - - - - –

Prazer é sentir os dedos
de nossas mãos artesãs,
pintando os lindos segredos
das auroras das manhãs!
- - - - - –

Primavera é foto linda,
de uma infância toda em flor!…
Parece que nunca finda
a primavera do amor!
- - - - - -

Quando a minha fé se esmera,
penso que tudo se alcança.
Por longa que seja a espera,
não perco nunca a esperança!
- - - - - –

Quando a tarde veste o manto,
torna escura a luz do dia...
Saudade dói outro tanto
do tanto que já doía!
- - - - - –
Fonte:
Francisco Garcia de Araújo. Cantigas do meu cantar. Natal/RN: CJA Edições, 2017.
Enviado pelo autor.

Recordando Velhas Canções (Você abusou)


Composição: Tom Jobim

Você abusou!
Tirou partido de mim
Abusou!
Tirou partido de mim
Abusou!
Tirou partido de mim
Abusou!

Mas não faz mal
É tão normal ter desamor
É tão cafona sofrer dor
Que eu já nem sei
Se é meninice
Ou cafonice o meu amor

Se o quadradismo
Dos meus versos
Vai de encontro
Aos intelectos
Que não usam o coração
Como expressão

Você abusou!
Tirou partido de mim
Abusou!
Tirou partido de mim
Abusou!
Tirou partido de mim
Abusou!

Que me perdoe
Se eu insisto nesse tema
Mas não sei fazer
Poema ou canção
Que fale de outra coisa
Que não seja o amor

Se o quadradismo
Dos meus versos
Vai de encontro
Aos intelectos
Que não usam o coração
Como expressão

Você abusou!
Tirou partido de mim
Abusou!
Tirou partido de mim
Abusou!
Tirou partido de mim
Abusou!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Desamor e Poesia: A Essência de 'Você Abusou'

A música 'Você Abusou', interpretada por Maria Creuza, é uma expressão lírica que aborda a temática do desamor e da decepção afetiva. A repetição enfática do verso 'Você abusou! Tirou partido de mim' sugere uma relação onde houve exploração emocional ou desequilíbrio, onde um dos parceiros se sente lesado pelo outro. A canção reflete a dor e a resignação de quem foi prejudicado, mas também revela uma perspectiva madura ao reconhecer que o sofrimento amoroso é um sentimento comum e até mesmo banal ('É tão normal ter desamor').

A artista, ao mencionar o 'quadradismo dos meus versos', pode estar fazendo uma autocrítica ou uma reflexão sobre a simplicidade de sua expressão poética, que pode não ser bem recebida pelos 'intelectos que não usam o coração como expressão'. Essa passagem destaca a importância da emoção na arte e na vida, em contraste com uma abordagem mais racional e menos sensível. Maria Creuza, com sua voz suave e interpretação emotiva, consegue transmitir a profundidade dos sentimentos envolvidos na experiência do amor e da dor.

Por fim, a música se fecha com a aceitação da própria limitação da artista em falar de outros temas que não o amor. Isso pode ser visto como uma declaração de que o amor, em suas diversas formas, é uma fonte inesgotável de inspiração artística e pessoal. A canção, portanto, além de ser um desabafo sobre uma experiência pessoal, é também uma reflexão sobre a arte de compor e sobre a universalidade do amor como tema central na vida das pessoas.

Silmar Bohrer (Croniquinha) 109

Não sei quantos de nós percebemos que pequenos detalhes podem ser grandes detalhes. Boca-noitinha são instantes em que mosquitos invadem o ambiente em busca de alguma coisa importante para a sobrevivência. E sobrevivência pode ser abrigo ou busca por alimento. Abrigo - lugares fechados -, e o alimento pode ser o nosso sangue, através de picadas que inicialmente não percebemos. 

A pequena fisgada é o epicentro que ocasionará dores e acabamos irritados, mas com uma pomada qualquer amanhã estará esquecido. 

Cabe a analogia com o nosso cotidiano, no trabalho e outras ações, quando ficamos nervosinhos se algo emperra ou não dá certo, e queremos briga ou até desistência. Minúcias, como uma picada de mosquito, nem sempre são insignificantes. Ao contrário, por si só podem ser importantes como soluções improváveis. 

Resiliências nos pormenores. Quantos detalhes fazem a diferença! 

Fonte> Texto enviado pelo autor 

quarta-feira, 10 de abril de 2024

A. A. de Assis (Jardim de Trovas) 43


 

Monsenhor Orivaldo Robles (O sabiá)

“Minha terra tem palmeiras/ Onde canta o sabiá; / As aves que aqui gorjeiam/ Não gorjeiam como lá”. Fosse o seu Maranhão dominado, é provável que Gonçalves Dias não visse Coimbra como exílio, mesmo tendo lá vivido muito jovem, como estudante, dos 15 aos 22 anos. Nem talvez sentisse tanta saudade.

Desconheço que palmeiras eram as de Caxias (MA), sua terra, às que se refere. Não, com certeza, as garbosas palmeiras imperiais da nossa Avenida 15 de Novembro. Imperiais, porque o primeiro exemplar foi plantado por Dom João VI, no Jardim Botânico do Rio, em 1809.

Para cantar sabiá prefere mesmo palmeira? Jamais saberei. Durante muito tempo, bem cedinho, na Avenida 15 de Novembro, encantou-me a melodia de um sabiá-laranjeira. Nunca percebi se cantava em palmeira ou noutra árvore. Pela “Canção do Exílio” tinha que ser numa palmeira. Muitas vezes tentei, mas é impossível vê-lo na folhagem daquela altura. Sabia esconder-se o espertinho. Lá no alto emitia seu gorjeio, que musicava minha manhã nascente. Assim foi por meses, nem sei quantos.

Até que, em fins do ano passado, uma ruidosa e comercial programação de Natal tomou conta da cidade. Não sei se pelo foguetório ou se pelo vozeado interminável de locutores gritões, o certo é que o coitadinho assustou-se. Sumiu. Levou tempo para eu tornar a ouvi-lo. Desta vez, lá na Praça Presidente Kennedy. Calculo que era o mesmo, embora nunca o tenha visto. Prudentemente, há de ter buscado distância da barulheira que, até tarde da noite, não lhe dava sossego. Recentemente, voltei a perceber, de novo, seu canto nas palmeiras da Avenida 15. Voltou. Pelo visto, sabiá não se dá bem com saudade. Como Gonçalves Dias. Porém não canta com a mesma frequência de antes. Também a melodia soa um pouco diferente. Mais triste, me parece. Além de que ele abreviou o recital. Executa apenas meia partitura.

O amiguinho cantor trouxe-me à lembrança antigo colega seu, um ascendente longínquo talvez. No seminário do Batel, em Curitiba, sem falhar um dia, ele acompanhava nossa oração da manhã. Antes da missa, observávamos meia hora de meditação silenciosa. Éramos então brindados com seu primoroso concerto. Ele devia morar no bosque do alemão, nosso vizinho. Enfeitava com graciosas volteaduras o longo trinado. Um Milton Nascimento dos sabiás.

Fico matutando se também aos pássaros canoros antigamente não se exigia melhor técnica e potência vocal. Porque na raça dos humanos, hoje em dia, qualquer pobre diabo se considera cantor. Ainda que lhe falte voz, e careça, por completo, de ouvido musical. A tecnologia do estúdio disfarça as falhas.

Que imenso poder nós temos de modificar nosso planeta. Até aos pássaros conseguimos arrebatar-lhes o natural habitat. Em troca, lhes providenciamos uma versão moderna, que julgamos melhor: no campo, a monotonia da soja, da cana e do pasto; na cidade, a aridez dos prédios, do cimento e do asfalto. Nosso “progresso” condenou à morte até o último capãozinho de mato nativo, onde o ar era puro e a água corria limpa; onde havia fartura de insetos, sementes e frutas. Hoje, não Gonçalves Dias, mas o sabiá é que canta sua canção do exílio. Numa melodia empobrecida.

Os sabiás novos desconhecem o precioso repertório dos antigos. Também, nem lugar sobrou para os coitados ensaiarem. Assim, como vão aprender?

Fonte> Recanto das Letras. 09 março 2014

Luiz Damo (Trovas do Sul) LX


Vejo os dias se somando.
cai chuva em novo cenário,
nele, o tempo gotejando
e encharcando o calendário.
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Dona de um olhar sereno
a criança almeja mais,
brinca em seu mundo pequeno
que fora dos ancestrais.
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A história corre veloz
em meio às adversidades,
choramos ao ver-nos sós,
tomados pelas saudades.
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Quem sente medo de altura
sofre a dor da insegurança,
dói, porque a vida insegura,
cresce à mente da criança.
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A planta, na sua essência,
tem a missão de nos dar
o fruto, e por consequência
nossa fome amenizar.
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Nunca a esperança sepulte,
o sol há de iluminar,
mesmo que a nuvem o oculte
sobre ela vive a brilhar.
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Se a vida perde o sentido,
compelido, o ser se abate,
no combate, estremecido,
cai, vencido, pelo embate.
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Quando teus sonhos ecoam
e os ecos nunca escutares,
é porque decolam, voam,
sem porém rastros nos ares.
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A vida em sua amplitude
requer firmeza e cautela,
além de sábia atitude
para torná-la mais bela.
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Mesmo que nada convirja
aos sonhos e às pretensões
e às ações, tudo divirja,
nunca abafe as convicções.
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Das matas ou dos pomares,
que aninham anis rolinhas,
ouço ecos, tão singulares
das canoras andorinhas.
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Zele do corpo, a morada,
do teu ser, com dignidade,
te conduza à caminhada
pela estrada da equidade.
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O homem sábio sabe bem
não ter tudo o que mais ama,
mas ama tudo o que tem
mesmo distante da fama.
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Se a luz da vida faltar
para iluminar os passos,
procure a sua aumentar,
sem destoar os compassos,
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De ninguém Deus quer a morte,
mas a plena salvação,
por ser ela um passaporte,
nunca uma condenação.
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Pode o céu também ser teu
se aqui na terra o vivê-lo,
foi Deus quem o prometeu
a quem faz por merecê-lo.
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Todo excesso nos assusta
por sua nocividade,
mas se a falta for robusta
nos leva á fatalidade.
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A corrupção tem um preço
quem a segue acaba mal,
meio doce, no começo,
gosto amargo, no finai.
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Pelo fruto conhecemos
a planta, em suas essências,
pela colheita podemos
confirmar as evidências.
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O amargo do chimarrão
faz parte de uma cultura,
que o Gaúcho, à tradição,
toma-o com garbo e doçura.
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A obtenção da independência
não requer armas de fogo,
mas a formal anuência
das partes que estão no jogo.
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Desde os primeiros momentos
aos seus derradeiros dias,
o homem mescla sofrimentos
com fragmentos de alegrias.
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No elevador, tão discreto,
nem sempre a amizade ecoa,
o olhar vai dos pés ao teto
exceto na outra pessoa.
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Nenhum casal se aborrece
se houvesse discernimento,
da promessa feita em prece
no dia do casamento.
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Renovo a vida e não cedo
à sede a me atormentar,
supro-a com vigor, sem medo
com meu sonho a fomentar.
Fonte> Luiz Damo. As faces da trova. Caxias do Sul/RS: Ed. Do Autor, 2021. 
Enviado pelo trovador.

Recordando Velhas Canções (A noite do meu bem)


Composição: Dolores Duran

Hoje eu quero a rosa mais linda que houver
E a primeira estrela que vier
Para enfeitar a noite do meu bem

Hoje eu quero paz de criança dormindo
E abandono de flores se abrindo
Para enfeitar a noite do meu bem

Quero a alegria de um barco voltando
Quero ternura de mãos se encontrando
Para enfeitar a noite do meu bem

Ah, eu quero o amor, o amor mais profundo
Eu quero toda a beleza do mundo
Para enfeitar a noite do meu bem

Quero a alegria de um barco voltando
Quero ternura de mãos se encontrando
Para enfeitar a noite do meu bem

Ah, como esse bem demorou a chegar
Eu já nem sei se terei no olhar
Toda pureza que quero lhe dar
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O Romantismo Lírico na 'A Noite do Meu Bem'

A canção 'A Noite do Meu Bem', interpretada pela icônica Dolores Duran, é uma verdadeira ode ao amor e ao romantismo. A letra da música descreve o desejo de proporcionar uma noite perfeita para o ser amado, utilizando imagens poéticas para expressar esse sentimento. A escolha de elementos da natureza, como a rosa mais linda e a primeira estrela, simboliza o desejo de oferecer o que há de mais belo e puro ao amado.

A paz de uma criança dormindo e o abandono de flores se abrindo são metáforas que evocam tranquilidade, inocência e renovação, elementos que a voz lírica deseja trazer para a noite especial. A alegria de um barco voltando e a ternura de mãos se encontrando representam o reencontro e a conexão emocional entre os amantes. A música transmite uma atmosfera de esperança e celebração do amor.

A última estrofe revela uma certa ansiedade, talvez pelo tempo que levou para que esse amor chegasse ou pela intensidade do desejo de expressar seus sentimentos mais puros. A preocupação de não conseguir transmitir toda a pureza desejada mostra a profundidade do amor que a voz lírica sente, tornando a canção um retrato sensível e emocionante do amor romântico.

terça-feira, 9 de abril de 2024

Arthur Thomaz (Devaneios) – 5 -

 

A. A. de Assis (Purificação da Noosfera)

Neste exato momento da história da humanidade seria difícil avaliar como anda essa competição. Quem está vencendo – o bem ou o mal?

Noosfera é uma palavra rica, embora pouco presente na literatura e muito menos na conversa informal. Vem do grego “nóos” (ou “nous") e contém a ideia de espírito, mente, saber, noção (latim noscere, cognoscere; inglês to know). Assim como existem a litosfera, a hidrosfera, a biosfera, a atmosfera, há também a noosfera – o mundo das ideias, formado pelas energias espirituais, pelos produtos culturais, teorias, conhecimentos. Resumindo: é a esfera do pensamento humano.

Na verdade, só me lembro de ter visto essa palavra – noosfera – nos livros do padre, médico e filósofo maranhense João Mohana (1925 - 1995) e do padre, filósofo, teólogo e paleontólogo francês Teilhard de Chardin (1881 - 1955). Porém acho o tema fascinante.

Na noosfera, segundo pude entender, misturam-se tudo o que sabemos, o que pensamos, o que sentimos, o que desejamos, tudo o que sonhamos. O bem e o mal. O amor e o ódio. O trigo e o joio. Daí o conflito que vem desde Abel e Caim e que somente terminará, na perspectiva dos que acreditam na vitória do bem, no momento em que a “mente universal” estiver inteiramente despoluída, ou seja, livre de todos os resíduos do mal.

Neste exato momento da história da humanidade seria difícil avaliar como anda essa competição. Quem está vencendo – o bem ou o mal? Muito provavelmente os torcedores do bem sejam maioria, aliás a grande maioria, contudo a minoria que forma a torcida do mal parece mais atuante, ou pelo menos mais barulhenta.

Onde estão os geradores de energia ruim? Em todos os lugares onde haja pessoas que se deixem decair como pessoas, na medida em que se fazem escravas da soberba, da mentira, da intolerância, da inveja, da ira, do preconceito, da ganância, da depravação. da perversidade, e que passam todo o tempo tramando contra a sociedade e praticando toda forma de indignidade, desonestidade, violência,  injustiça.

E onde estão os geradores de energia boa? Estão nos lares onde pais e filhos procuram viver segundo as melhores normas da civilização; estão nas escolas onde, além de ensinar ciências e técnicas, também se valorizam bons princípios; estão nos locais onde se reúnem fiéis de todas as religiões para desenvolver virtudes como a generosidade, a esperança, a mútua ajuda, o mútuo respeito; estão nas associações onde as pessoas se dedicam a prestar serviços comunitários gratuitos; estão onde quer que alguém esteja ajudando uma criança, um velhinho, um doente; estão nos clubes onde homens, mulheres, crianças se encontram para praticar esportes, lazeres, atividades culturais e artísticas; enfim em todos os lugares onde se exercite a harmoniosa convivência humana num clima de boa vontade, paz, alegria e fraternidade.

Quanto mais gente houver, no mundo inteiro, pensando, desejando e fazendo coisas ruins, maior a carga de energia negativa. Quanto mais gente pensando, desejando e fazendo coisas boas, mais pura e saudável será a noosfera.

Fonte> Texto enviado pelo autor 

Livro D’Ouro da Poesia Portuguesa – 13 –


Alberto da Fonseca
(Sacavém)

ESQUECENDO O MUNDO

Dia de sol, passeio na areia e admiro o oceano.
De tempos em tempos uma vaga chega até mim
Molha-me os pés me provocando, fica a espuma
Espuma, que fez ficar triste pensando ao nosso amor.

Assim, os meus pensamentos voltaram ao passado
Um passado que tantas saudades deixou em mim
Desses momentos de loucura, de amor em liberdade
Das noites em que os nossos corpos se entrelaçavam.

As nossas lágrimas corriam de prazer, também salgadas
Como esta água do mar que teima em me provocar
Como tu o fazias com o teu sorriso de felicidade
E eu me perdia nos teus braços, esquecendo o Mundo.

Hoje as lágrimas também correm mas não de prazer
Correm para o mar o tornando assim mais salgado
As vagas que vão chegando pouco a pouco até mim,
Não são que a espuma de um amor jamais esquecido.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Alice Vaz de Barros
(Aveiro)

EXISTEM…

As palavras não valem nada
Quando já não se tem voz
E o conselho da almofada
Nos faz navegar numa casca de noz.

Com o risco de naufragar
Na aventura que é a vida
Onde ninguém nos pode ajudar
A encontrar uma saída.

Mas com um pouco de esperança
A luz aparecerá no horizonte,
Quente e cheia de confiança
Para que no abismo, surja uma ponte…
= = = = = = = = = 

Felisbela Baião
(Vidigueira)

OLHOS IMPERFEITOS

Nestes olhos imperfeitos
de íris iridescente
palpo nuvens, faço escolhas
e solto sóis
Deixo que a cor se propague
por entre o ver-te
insinuante
Acaricio o cio de tocar-te
em cristalinos de ternura
E o meu destino
é lembrar-te
nestes olhos que te procuram
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Jorge Humberto
(Lisboa)

PEÇO-TE: VOLTA PARA MIM

Ainda é por ti, que meu coração chora.
Passam-se anos, mas não a memória;
ânsias tantas, um pedido, que implora:
nova poesia, e sua ‘dedicatória’.

Não percebo se estás só se acompanhada;
se a saúde débil já se foi embora;
como estão meus meninos, a cunhada
desconfiada, se o marido tem de ir pra fora?

Sinto, que este amor ainda não acabou:
do teu irmão por ti, e do teu por ele:
menos ainda aquele, que mil versos jorrou?

Vivemos mundos, grandes segredos,
Musa, que tudo planejavas, e era nele
que de beijo em beijo, iludias teus medos.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

José Carlos Moutinho
(Maia)

OS TEUS MEDOS

Solta os medos que te inibem
e te amarram ao desassossego
e grita com garra a liberdade que anseias,
abre o teu peito e deixa-te invadir de sol,
que teus abraços permaneçam abertos
e receptivos aos afetos que te rodeiam
e tu tens ignorado...

e se as tardes se acinzentarem
sorri-lhes e verás
como se modificarão generosamente,
só para ti...

e quando o dia na sua despedida
abraçar a noite que chega,
pede-lhe que volte no dia seguinte
trazendo a alvorada iluminada
de sonhos teus...

e que jamais as amarras
prendam os teus sentimentos
enchendo-te a alma
de irritante inquietude
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

José Coimbra
(Trás-os-Montes)

PONTE

As palavras não valem nada
Quando já não se tem voz
E o conselho da almofada
Nos faz navegar numa casca de noz.

Com o risco de naufragar
Na aventura que é a vida
Onde ninguém nos pode ajudar
A encontrar uma saída.

Mas com um pouco de esperança
A luz aparecerá no horizonte,
Quente e cheia de confiança
Para que no abismo, surja uma ponte…
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Natália Nuno
(Lapas/ Torres Novas)

ESTE BASTANTE É JÁ DEMAIS…

memórias são o lugar onde me encontro
onde flutuo na claridade sem cansaço
aí não há tempo nem idade
e a realidade tingida de medo, não existe
as minhas asas vão mais além
à madrugada onde moram as amoras
as borboletas e ainda mais além
o caminho para o rio, parto sem demoras
não esqueço ninguém
calo a sede de coisas simples, esqueço o vazio,
com alegria sinto-me em casa,
no meu chão,
ouço o ruído da porta, encho-me de comoção
respiro os cheiros da aurora
abraço todos os que foram embora,
ainda a candeia nos alumia
e está morno o arroz doce que a mãe fazia
a roupa de cor desfraldada ao vento
e a branca na relva a corar
é inverno no meu pensamento
mas eu hei de sempre aqui voltar.

as memórias são ruídos antigos
são folhas de chá cujo aroma chega longe
são vozes de amigos doces como medronhos
são olhares perdidos, que só se encontram
nos sonhos...
este bastante já é demais para minha alegria
lembro o meu tempo em que a vida corria
deixei por aqui a vida era então verão
agora cheia de rugas no rosto
volto em sonho, ocultando a solidão.

despeço-me das flores
e dos pássaros que no meu rosto faziam sentido,
é tempo perdido, é apenas réstia de felicidade
lembrar as flores do meu vestido
de nylon... é agora já só SAUDADE.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Sisnando André Cunha Pinto
(Guimarães)

E LÁ

E lá
Lá longe
Existe um lugar
Que eu não conheço
Somente ouvi falar

Sei que fica lá
E que se encontra
Lá longe
Para longe do olhar

Mas esse lá
Esse lá longe
É o que me faz sonhar
Sonho um dia visitar

Sabes, ajuda-me a respirar
Porque cá
Não encontro ar
É tudo tão feio
Que só penso em escapar!!!

Não sou nada
Nem ninguém
Mas tento ser
Humildemente eu!!!
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Fonte> Luso Poemas https://www.luso-poemas.net/