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sábado, 12 de maio de 2012

Trova de Dia das Mães - Vânia Maria Souza Ennes (Curitiba/PR)

Trova de Dia das Mães - A. A. de Assis (Maringá/PR)

Olga Agulhon (A Tulha da Fazenda)


Lá na fazenda do meu pai havia uma tulha mal-assombrada.

Fora construída pelo antigo dono da fazenda, o senhor Yoshida, para o armazenamento das sacas de café.

Para evitar umidade, o assoalho estava construído cerca de cinqüenta centímetros acima do chão. O telhado, de duas águas, foi feito com caídas acentuadas, de forma que desse para abrir uma porta lá em cima, bem no meio, parecendo sótão; mas, por dentro da tulha, não havia divisão. Dessa porta saía uma rampa, que terminava no terreirão acimentado, onde era secado o café.

Enchia-se a tulha pela porta de baixo, descarregando-se as sacas de café diretamente do caminhão. Quando as pilhas já passavam da metade da altura da tulha, os colonos subiam a rampa com as sacas nos ombros e as jogavam, até que chegassem ao nível da porta, lá em cima.

Era uma próspera fazenda, até que, em 1970, uma desgraça aconteceu com a família do senhor Yoshida. O mais novo dos seus cinco filhos morreu de forma trágica. Estava voltando da cabeceira da fazenda, de trator, junto com um dos empregados. Como os tratores só têm um assento, ele ia de pé, ao lado do motorista, apoiado em seu ombro.

Por causa de um buraco, o menino perdeu o equilíbrio, caiu e o pneu traseiro passou sobre sua cabeça. Morreu na hora.

Logo depois do enterro, a família pôs a fazenda à venda.

Conta-se que o senhor Yoshida enterrou o filho embaixo da tulha, porque ali nunca mais passaria nada sobre ele.

Meu pai comprou a fazenda em sociedade com um dos seus irmãos, e as duas famílias se mudaram para lá. Eu tinha cinco anos. Juntando-se os primos e os filhos dos colonos, havia muitas crianças. Brincávamos por toda a fazenda, o dia inteiro. Mas, logo que chegamos, fomos avisados pelas outras crianças que a tulha era mal-assombrada.

Não acreditávamos, é claro.

- É verdade sim, dizia Carlinhos, o filho do Tonho. Às vezes, à noite, o menino, enterrado embaixo da tulha, começa a chamar pela família. Dizem que ele sente frio porque seu túmulo nunca pega sol.

- Que nada! Vocês acreditam em tudo que dizem… São é medrosos, isso sim – dizia eu.

Por via das dúvidas, quando voltávamos para casa já meio escuro, dávamos a volta pelo outro lado do terreirão para não passar em frente da tulha.

Mais tarde, por causa das geadas, que acabaram com os pés de café, meu pai mecanizou a fazenda para a plantação de soja e trigo.

Com o tempo, construiu um armazém de alvenaria, mais moderno; e a tulha foi ficando sem uso, envelhecendo no abandono. A rampa apodreceu aos poucos, caiu, não foi arrumada. E, assim, a tulha foi adquirindo mesmo uma cara de mal-assombrada.

À noite, nas fazendas, naquele tempo, ainda sem luz elétrica, reuniam-se as famílias em volta da mesa da cozinha, sob a luz do lampião, para conversar um pouco, antes de dormir.

Contavam-se causos, e nesses momentos a história da tulha mal-assombrada era sempre lembrada. Sempre havia alguém que já tinha ouvido os lamentos do menino, reclamando de frio, querendo sol.

Certo dia, Carlinhos provocou:

- Se não acredita, vamos até lá hoje à noite. Quero ver o quanto você consegue ficar.

Eu, como neta de espanhóis, de sangue quente, não podia deixar de aceitar o desafio, não permitiria que ninguém me chamasse de medrosa.

Quando todos de casa já haviam se recolhido, saí de mansinho e fui ao encontro de Carlinhos em frente da tulha, na hora marcada. Cheguei primeiro; ele não estava lá. Esperei uns dez minutos, lutando contra o medo, sem conseguir amenizá-lo. Ao contrário, ele tomava conta de mim, de tal forma que eu não mais sabia se conseguiria sair dali com minhas próprias pernas. Não mexia um músculo sequer. Apenas os ouvidos mantinham-se atentos, enquanto o bater mais forte do coração quebrava o silêncio da noite fria. Tremia, não sei se de frio ou de medo.

Depois de certo tempo, para mim certamente muito longo, ouvi a voz do menino reclamando:

- Tenho frio… Tenho frio…

Não sei, com certeza, o que aconteceu. Quando dei por mim, já estava em casa, ofegante, do lado de dentro da porta da cozinha. Corri para a cama e puxei a colcha até que ela cobrisse totalmente minha cabeça.

No dia seguinte, logo cedo, Carlinhos apareceu em casa, desculpando-se pelo bolo. Disse que sua mãe viu quando estava saindo e mandou que voltasse.

Notei um certo ar de cinismo e ironia em seu rosto. Minha impressão era de que ele tinha me pregado uma peça.

Passaram-se muitos anos desde então. Há muito moramos na cidade, mas a família de Carlos continua na fazenda.

Até hoje Carlos jura que não foi ele. Até hoje fico na dúvida.

Meses atrás, meu pai chegou em casa dizendo que tinha mandado derrubar a velha tulha; iria plantar goiabeiras no local.

Ontem fui até a fazenda. No local onde o filho do senhor Yoshida foi enterrado, brotou um lindo pé de chorão, que cresceu de um dia para o outro, desenvolvendo-se, segundo os empregados, de forma espantosa.

- Está vendo? – disse Carlos. Foi só derrubar a tulha e o sol bater sobre seu túmulo, que o menino parou de chorar de frio.

Em certo momento, sentei-me ali, no velho terreirão, em frente ao pé do tal chorão. Não vi o tempo passar, e a noite chegou. Não fui embora. Percebi que não tinha mais medo, mas senti algo estranho.

O vento envergava os galhos do chorão para um lado e para o outro e o som que ele produzia parecia um lamento.

Por um instante, senti pena, simplesmente pena, uma tristeza sem explicação. Pareceu-me tão só, ali, no meio da fazenda…

Num gesto impensado, levantei-me, colhi algumas margaridas, que cresciam beirando o terreirão cimentado, e coloquei as flores junto ao tronco do pé de chorão.

Fonte:
Academia de Letras de Maringá

terça-feira, 1 de maio de 2012

A. A. de Assis (Estados do Brasil em Trovas) Pará

Olga Agulhon (O Presente do Vovô)


Eu era a caçula de seis irmãos e morávamos na fazenda que meu pai possuía, perto da cidade.

Estudávamos na escolinha que havia na cabeceira da fazenda, perto da qual também existiam uma pequena mercearia e a igrejinha. Ali eram feitas grandes quermesses e vinha gente de toda a vizinhança, o que realmente lotava o lugar, pois em nenhuma das fazendas de café havia menos que cinco famílias.

Como eram gostosas aquelas festas! A de São João era um estouro. Tinha a reza do terço, hasteamento das figuras dos santos nos mastros, queima de fogos, quadrilha, comidas típicas, fogueira e outros folguedos. À meia-noite, várias pessoas passavam descalças sobre as brasas da fogueira. Lembro-me de que, desde muito pequena, brigava contra o sono para estar acordada nesse momento. Pensava que um dia também teria a coragem e a fé, que, segundo os praticantes, eram os únicos segredos para não queimar os pés.

O Natal, então, era pura alegria. Ficávamos sempre encantados com o presépio da igreja e emocionados com o momento que representava o nascimento de Jesus, quando uma criança da comunidade, vestida de anjo, entrava na gruta para colocar o menino Jesus na manjedoura. Todos batiam palmas com intensidade, muitos deixavam rolar algumas lágrimas e alguns, dentre eles minha mãe, choravam mesmo.

Quando voltávamos para casa, o Papai Noel já havia deixado o presente ao lado do sapatinho posto na janela.

Meu avô Antônio cantava e tocava sanfona em todas essas festas. Todos gostavam dele e, muitas vezes, convidavam-no para contar causos, como diziam os colonos.

As pessoas reuniam-se no terreirão da fazenda, sob a luz das estrelas e do lampião de gás, para ouvi-lo contar suas histórias, que faziam pequena a noite, trazendo mais rápido o raiar dos dias de domingo.

Quando minha avó morreu, vô Antônio tornou-se amargo e triste. Já não brincava conosco, nem cantava, nem tocava, nem contava histórias.

As festas, sem a sua presença, não tinham mais a mesma alegria, e as noites tornaram-se mais longas. Talvez quisesse que todos sentissem, tal como ele, a falta da vovó. Achavam falta dele e lembravam do motivo de sua ausência e de sua tristeza. Conseqüentemente, recordavam da vó Ana. Era assim que eu pensava, ou penso agora, não sei.

Vovô realmente não se conformava com a morte da companheira de mais de cinqüenta anos. Dizia não poder imaginar o que teria feito para que ela partisse sem ele.

Prometeu, então, que esperaria por ela em silêncio, para poder ouvir quando ela o chamasse.

Disse-me, um dia, que só tocaria novamente a sua sanfona quando vovó viesse buscá-lo. Tocaria e cantaria para ela e para se despedir de nós e deste mundo.

As pessoas, inclusive meus pais, achavam que vovô havia ficado louco, ou melhor, que ele já estava caduco, gagá. Diziam que ele, de tanto inventar histórias, chegara ao ponto de inventar uma na qual realmente acreditava.

Eu não entendia, porque todos os que diziam essas coisas também sempre disseram que vovô era um homem honesto, honrado e que sua palavra valia tanto quanto uma nota promissória. Então, vovô não mentia e, portanto, eu acreditei nele.

O certo é que se passaram mais de três anos e vovô permanecia quase sem conversar, sentado na varanda, em sua cadeira de balanço, com a sanfona ao lado.

Naquela noite, véspera de Natal, estávamos todos reunidos na varanda, clara pelo brilho da lua cheia, passando o tempo com conversa fiada até que chegasse a hora de dormir e o Papai Noel pudesse entrar sem ser visto.

Quando o sono já se aproximava, notei que vovô sorria, olhando longe, lá fora, para o carreador.

De repente, pegou a sanfona e começou a tocar e cantar baixinho, com a voz sem treino, rouca e cansada.

Assim que terminou a canção, fechou os olhos; e permaneceu ali, com a sanfona sobre o colo e um sorriso no rosto, segundo a minha lembrança de menina.

Meus pais choraram muito, mas eu não consegui encontrar motivo para ficar triste; só achei que ele tinha recebido o seu presente antes da hora.

Ninguém viu vovó vir buscá-lo, como ele dizia que aconteceria, mas acreditei ter sentido a sua presença. Então me explicaram que isso era coisa de crianças pequenas, que do mesmo modo que os vovozinhos, já gagás, confundiam suas histórias e seus sonhos, confundiam a realidade e a fantasia; e acreditavam em Papai Noel.

Novamente não entendi, porque aquilo que senti, sabia ter sentido.

Ao amanhecer, o presente do Papai Noel estava lá, ao lado do sapatinho posto na janela.

Fonte:
Academia de Letras de Maringá

domingo, 29 de abril de 2012

Falecimento do Escritor Paranaense Valter Martins de Toledo


Seu falecimento ocorreu às 6 horas da manhã do dia de hoje, 29 de abril de 2012, em Curitiba. O velório realiza-se no Tribunal de Justiça do Paraná, Av. Cândido de Abreu, ao lado da Assembléia Legislativa do Paraná, a partir das 18 horas

Valter Martins de Toledo
Formado em Direito e Jornalismo pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), autor do projeto “Exercício da Cidadania”.

Era Magistrado aposentado do Tribunal de Justiça do Paraná. Conciliador voluntário do Núcleo de Conciliação do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Paraná.

Membro:
Academia de Cultura de Curitiba,
Academia de Cultura do Paraná, com sede em Londrina
Centro de Letras do Paraná,
Academia de Artes,
Academia Sul Brasileira de Letras,
fundador e presidente da Academia Paranaense de Letras Maçônicas, no período de 1996 a 2006.
Academia de Letras do Brasil pelo Paraná
entre outros.

Condecorações:
Membro Honorário da Força Aérea Brasileira
Medalha do “Mérito Santos Dumont” da FAB.

A. A. de Assis (Estados do Brasil em Trovas) Mato Grosso do Sul