domingo, 24 de julho de 2022

Cecília Meireles (Antologia Poética) = 8 =

CORPO NO MAR

Água densa do sonho, quem navega?
Contra as auroras, contra as baías:
barca imóvel, estrela cega.

Bate o vento na vela e não a arqueia.
— Não foi por mim!
Partiram-se as cordas, rodaram os mastros,
os remos entraram por dentro da areia...

Os remos torceram-se, e trançaram raízes.
— Inútil forçá-los — alastram-se, fogem
na sombra secreta de eternos países...

Mudou-se a vela em nuvem clara!
Choraram meus olhos, minhas mãos correram...
— Alto e longe! — Não foi por mim...

E apenas para
um corpo na barca vazia,
à mercê das metamorfoses,
olhos vertendo melancolia...

O vento sopra no coração.

Adeus a todos os meridianos!
Deito-me como num caixão.

Ah! sobrevive o mar no meu ouvido...
«Marinheiro! Marinheiro!»

(Ilhas...Pássaros...Portos... — nesse ruído,
— O mar...O mar!...O mar inteiro!...)

Mas é tempo perdido!
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DESCRIÇÃO

Há uma água clara que cai sobre pedras escuras
e que, só pelo som, deixa ver como é fria.

Há uma noite por onde passam grandes estrelas puras.
Há um pensamento esperando que se forme uma alegria.

Há um gesto acorrentado e uma voz sem coragem,
e um amor que não sabe onde é que anda o seu dia.

E a água cai, refletindo estrelas, céu, folhagem...
Cai para sempre!

E duas mãos nela mergulham com tristeza,
deixando um esplendor sobre a sua passagem.

(Porque existe um esplendor e uma inútil beleza
nessas mãos que desenham dentro da água sua viagem
para fora da natureza,

onde não chegará nunca esta água imprecisa,
que nasce e desliza, que nasce e desliza...)
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DIÁLOGO

Minhas palavras são a metade de um diálogo obscuro
continuado através de séculos impossíveis.

Agora compreendo o sentido e a ressonância
que também trazes de tão longe em tua voz.

Nossas perguntas e respostas se reconhecem
como os olhos dentro dos espelhos. Olhos que choraram.

Conversamos dos dois extremos da noite,
como de praias opostas. Mas com uma voz que não se importa...

E um mar de estrelas se balança entre o meu pensamento e o teu.
Mas um mar sem viagens.
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ESTRELA

Quem viu aquele que se inclinou sobre palavras trêmulas,
de relevo partido e de contorno perturbado,
querendo achar lá dentro o rosto que dirige os sonhos,
para ver si era o seu que lhe tivessem arrancado?

Quem foi que o viu passar com sues ímãs insones,
buscando o polo que girava sempre no vento?
— Seus olhos iam nos pés, destruindo todas as raízes líricas,
e em suas mãos sangrava o pensamento.

E era o seu rosto, sim, que estava entre versos andróginos,
preso em círculos de ar, sobre um instante de festa!
Boca fechada sob flores venenosas,
e uma estrela de cinza na testa.

Bem que ele quis chamar pelo seu nome em voz muito alta,
— mas o desejo não foi além do seu pescoço.
E ficou diante de sua cabeça, estruturando-se
como o frio dentro de um poço.

E não pode contar a ninguém seu fim quimérico.
A ninguém. Pois a língua que fora sua estava morta,
e ele era um prisioneiro entre paredes transparentes,
entre paredes transparentes, mas sem porta.

Disto ele soube. O que nunca entendeu, porém, e o que lhe amarra
o coração com ardentes cordas de desgosto
é aquela estrela de cinza — aquela estrela grande e plácida —
derramando sombra em seu rosto.
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NOTURNO

Volto a cabeça para a montanha
e abandono os pés para o mar.
— Coitado de quem está sozinho
e inventa sonhos com que sonhar!

Minhas tranças descem pela casa abaixo,
entram nas paredes, vão te procurar.
Envolvem teu corpo, beijam-te os ouvidos.
— Querido, querido, devias voltar.

Meus braços caminham pelas ruas quietas:
— caminho de rios, fluidez de luar... —
levam minhas mãos por todo o seu corpo:
— Querido, querido, devias voltar.

Partem os meus olhos, parte a minha boca,
Na noite deserta, ninguém vê passar,
pedaço a pedaço, minha vida inteira,
nem na tua casa me escutam chegar.

Meu quarto vazio só pensa que durmo...

Coitado de quem está sozinho
e assiste o seu próprio sonhar!

Fonte:
Cecília Meirelles. Viagem. Lisboa: Império, 1938.

João do Rio (Os tatuadores)

— Quer marcar?

Era um petiz de doze anos talvez. A roupa em frangalhos, os pés nus, as mãos pouco limpas e um certo ar de dignidade na pergunta. O interlocutor, um rapazola louro, com uma dourada carne de adolescente, sentado a uma porta, indagou:

— Por quanto?

— É conforme, continuou o petiz. É inicial ou coroa?

— É um coração!

— Com nome dentro?

O rapaz hesitou. Depois:

— Sim, com nome: Maria Josefina.

— Fica tudo por uns seis mil réis.

Houve um momento em que se discutiu o preço, e o petiz estava inflexível, quando vindo do quiosque da esquina um outro se acercou.

— Ó moço, faço eu; não escute embromações!

— Pagará o que quiser, moço.

O rapazola sorria. Afinal resignou-se, arregaçou a manga da camisa de meia, pondo em relevo a musculatura do braço. O petiz tirou do bolso três agulhas amarradas, um pé de cálix com fuligem e começou o trabalho. Era na Rua Clapp, perto do cais, no século XX... A tatuagem! Será então verdade a frase de Gautier: “o mais bruto homem sente que o ornamento traça uma linha indelével de separação entre ele e o animal, e quando não pode enfeitar as próprias roupas recama a pele”?

A palavra tatuagem é relativamente recente. Toda a gente sabe que foi o navegador Loocks que a introduziu no ocidente, e esse escrevia tattou, termo da Polinésia de tatou ou to tahou, desenho. Muitos dizem mesmo que a palavra surgiu no ruído perceptível da agulha da pele: tac, tac. Mas como é ela antiga! O primeiro homem, decerto, ao perder o pelo, descobriu a tatuagem.

Desde os mais remotos tempos vê-mo-la a transformar-se: distintivo honorífico entre uns homens, ferrete de ignomínia entre outros, meio de assustar o adversário para os bretões, marca de uma classe para selvagens das ilhas Marquesas, vestimenta moralizadora para os íncolas da Oceânia, sinal de amor, de desprezo, de ódio, bárbara tortura do Oriente, baixa usança do Ocidente. Na Nova Zelândia é um enfeite; a Inglaterra universaliza o adorno dos selvagens que colhem o phormium tenax para lhe aumentar a renda, e Eduardo com a âncora e o dragão no braço esquerdo é só por si um problema de psicologia e de atavismo.

Da tatuagem no Rio faz-se o mais variado estudo da crendice. Por ele se reconstrói a vida amorosa e social de toda a classe humilde, a classe dos ganhadores, dos viciados, das fúfias de porta aberta, cuja alegria e cujas dores se desdobram no estreito espaço das alfurjas e das chombergas, cujas tragédias de amor morrem nos cochicholos sem ar, numa praga que se faz de lágrimas. A tatuagem é a inviolabilidade do corpo e a história das paixões. Esses riscos nas peles dos homens e das mulheres dizem as suas aspirações, as suas horas de ócio e a fantasia da sua arte e a crença na eternidade dos sentimentos — são a exteriorização da alma de quem os traz.

Há três casos de tatuagem no Rio, completamente diversos na sua significação moral: os negros, os turcos com o fundo religioso e o bando das meretrizes, dos rufiões e dos humildes, que se marcam por crime ou por ociosidade. Os negros guardam a forma fetiche; além dos golpes sarados com o pó preservativo do mau olhado, usam figuras complicadas. Alguns, como o Romão da Rua do Hospício, têm tatuagens feitas há cerca de vinte anos, que se conservam nítidas, apesar da sua cor — com que se confunde a tinta empregada.

Quase todos os negros têm um crucificado. O feiticeiro Ononenê, morador à Rua do Alcântara, tem do lado esquerdo do peito as armas de Xangô, e Felismina de Oxum a figura complicada da santa d’água doce. Esses negros explicam ingenuamente a razão das tatuagens. Na coroa imperial hesitam, coçam a carapinha e murmuram, num arranco de toda a raça, num arranco mil vezes secular de servilismo inconsciente:

— Eh! Eh! Pedro II não era o dono?

E não se fotografam com um pavor surdo, como se fosse crime usar essas marcas simbólicas.

Os turcos são muçulmanos, maronitas, cismáticos, judeus, e nestas religiões diversas não há gente mais cheia de abusões, de receios, de medos. Nas casas da Rua da Alfândega, Núncio e Senhor dos Passos, existem, sob o soalho, feitiçarias estranhas, e a tatuagem forra a pele dos homens como amuletos. Os maronitas pintam iniciais, corações; os cismáticos têm verdadeiros eikones primitivos nos peitos e nos braços; os outros trazem para o corpo pedaços de paramentos sagrados. É por exemplo muito comum turco com as mãos franjadas de azul, cinco franjas nas costas da mão, correspondendo aos cinco dedos. Essas cinco franjas são a simbolização das franjas da taleth, vestimenta dos Khasan, nas quais está entrançado a fio de ouro o grande nome de Ihaveh.

A outra camada é a mais numerosa, é toda a classe baixa do Rio — os vendedores ambulantes, os operários, os soldados, os criminosos, os rufiões, as meretrizes. Para marcar tanta gente a tatuagem tornou-se uma indústria com chefes, subchefes e praticantes. Quase sempre as primeiras lições vieram das horas de inatividade na cadeia, na penitenciária e nos quartéis; mas eu contei só na Rua Barão de São Félix, perto do Arsenal de Marinha, e nas ruelas da Saúde, cerca de trinta marcadores. Há pequenos de dez, doze anos, que saem de manhã para o trabalho, encontram os carregadores, os doceiros sentados nos portais.

— Quer marcar? perguntam; e tiram logo do bolso um vidro de tinta e três agulhas.

Muitos portugueses, cujos braços musculosos guardam coroas da sua terra e o seu nome por extenso, deixaram-se marcar porque não tinham que fazer.

— Que quer vossa senhoria? O pequeno estava a arreliar. Marca, moço, marca! E tanto pediu que pôs pra aí os risquinhos.

Os pequenos, os outros marcadores ambulantes, têm um chefe, o Madruga, que só no mês de abril deste ano fez trezentas e dezenove marcações. Madruga é o exemplo da versatilidade e da significação miriônima da tatuagem. Tem estado na cadeia várias vezes por questões e barulhos, vive nas Ruas da Conceição e São Jorge, tem amantes, compõe modinhas satíricas e é poeta. É dele este primor, que julga verso:

Venha quanto antes D. Elisa
Enquanto o Chico Passos não atiça
Fogo na cidade...

Homem tão interessante guarda no corpo a síntese dos emblemas das marcações — um Cristo no peito, uma cobra na perna, o signo de Salomão, as cinco chagas, a sereia, e no braço esquerdo o campo das próprias conquistas. Esse braço é o prolongamento ideográfico onde a quiromancia vê as batalhas do amor. Quando a mulher lhe desagrada e acaba com a chelpa, Madruga emprega leite de mulher e sal de azedas, fura de novo a pele, fica com o braço inchado, mas arranca de lá a cor do nome.

Enquanto andou a fornecer-me o seu profundo saber, Madruga teve três dessas senhoras — a Jandira, a Josefa e a Maria. A primeira a figurar debaixo de um coração foi a Jandira. Um belo dia a Jandira desaparecia, dando lugar à Josefa, que triunfava em cima, entre as chamas. Um mês depois a letra J sumira-se e um M dominava no meio do coração.

Os marcadores têm uma tabela especial, o preço fixo do trabalho. As cinco chagas custam 1.000$, uma rosa 2.000$, o signo de Salomão,o mais comum e o menos compreendido porque nem um só dos que interroguei o soube explicar, 3.000$, as armas da Monarquia e da República 6$ a 8$, e há Cristos para todos os preços.

Os tatuadores têm várias maneiras de tatuar: por picadas, incisão, por queimadura subepidérmica. As conhecidas entre nós são incisivas nos negros que trouxeram a tradição da África e, principalmente, as por picadas que se fazem com três agulhas amarradas e embebidas em graxa, tinta, anil ou fuligem, pólvora, acompanhando o desenho prévio. O marcador trabalha como as senhoras bordam.

Lombroso diz que a religião, a imitação, o ócio, a vontade, o espírito de corpo ou de seita, as paixões nobres, as paixões eróticas e o atavismo são as causas mantenedoras dessa usança. Há uma outra — a sugestão do ambiente. Hoje toda a classe baixa da cidade é tatuada — tatuam-se marinheiros, e em alguns corpos há o romance imageográfico de inversões dramáticas; tatuam-se soldados, vagabundos, criminosos, barregãs, mas também portugueses chegados da aldeia com a pele sem mancha, que influência do meio obriga a incrustar no braço coroas do seu país.

Andei com o Madruga três longos meses pelos meios mais primitivos, entre os atrasados morais, e nesses atrasados a camada que trabalha braçalmente, os carroceiros, os carregadores, os filhos dos carroceiros deixaram-se tatuar porque era bonito, e são no fundo incapazes de ir parar na cadeia por qualquer crime. A outra, a perdida, a maior, o oceano malandragem e da prostituição é que me proporcionou o ensejo de estudar ao ar livre o que se pode estudar na abafada atmosfera das prisões. A tatuagem tem nesse meio a significação do amor, do desprezo, do amuleto, posse, do preservativo, das ideias patrióticas do indivíduo, da sua qualidade primordial.

Quase todos os rufiões e os rufistas do Rio têm na mão direita entre o polegar e o indicador, cinco sinais que significam as chagas. Não há nenhum que não acredite derrubar o adversário dando-lhe uma bofetada com a mão assim marcada. O marinheiro Joaquim tem um Senhor cruficificado no peito e uma cruz negra nas costas. Mandou fazer esse símbolo por esperteza. Quando sofre castigos, os guardiões sentem-se apavorados e sem coragem de sová-lo.

— Parece que estão dando em Jesus!

A sereia dá lábia, a cobra atração, o peixe significa ligeireza na água, a âncora e a estrela o homem do mar, as armas da República ou da Monarquia a sua compreensão política. Pelo número de coroas da Monarquia que eu vi, quase todo esse pessoal é monarquista. Os lugares preferidos são as costas, as pernas, as coxas, os braços, as mãos. Nos braços estão em geral os nomes das amantes, frases inteiras, como por exemplo esta frase de um soldado de um regimento de cavalaria: viva o marechal de ferro!... desenhos sensuais, corações. O tronco é guardado para as coisas importantes, de saudade, de luxúria ou de religião. Hei de lembrar sempre o Madruga tatuando um funileiro, desejoso de lhe deixar uma estrela no peito.

— No peito não! cuspiu o mulato, no peito eu quero Nossa Senhora!

A sociedade, obedecendo à corrente das modernas ideias criminalistas, olha com desconfiança a tatuagem. O curioso é que — e esses estranhos problemas de psicologia talvez não sejam nunca explicados — o curioso é que os que se deixam tatuar por não terem mais que fazer, em geral, o elemento puro das aldeias portuguesas, o único quase incontaminável da baixa classe do Rio, mostram sem o menor receio os braços, enquanto os criminosos, os assassinos, os que já deixaram a ficha no gabinete de antropometria, fazem o possível para ocultá-los e escondem os desenhos do corpo como um crime. Por quê? Receio de que sejam sinais por onde se faça o seu reconhecimento? Isso com os da polícia talvez. Mas mesmo com pessoas, cujos intentos conhecem, o receio persiste, porque decerto eles consideram aquilo a marca de fogo da sociedade, de cuja tentação foram incapazes de fugir, levados pela inexorável fatalidade.

Há tatuagens religiosas, de amor, de nomes, de vingança, de desprezo, de profissão, de beleza, de raça, e tatuagens obscenas. A vida no seu feroz egoísmo é o que mais nitidamente ideografa a tatuagem.

As meretrizes e os criminosos nesse meio de becos e de facadas têm indeléveis ideias de perversidade e de amor. Um corpo desses, nu, é um estudo social. As mulheres mandam marcar corações com o nome dos amantes, brigam, desmancham a tatuagem pelo processo do Madruga, e marcam o mesmo nome no pé, no calcanhar.

— Olha, não venhas com presepadas, meu macacuano. Tenho-te aqui, desgraça! E mostram ao malandro, batendo com o chinelo, o seu nome odiado.

É a maior das ofensas: nome no calcanhar, roçando a poeira, amassado por todo o peso da mulher...

Há ainda a vaidade imitativa. As barregãs das vielas baratas têm sempre um sinalzinho azul na face. É a pacholice, o grain de beauté, a gracinha, principalmente para as mulatas e as negras fulas que o consideram o seu maior atrativo. Quando envelhecem, as pobres mulheres mandam apagar os sinais — porque querem ir limpas para o outro mundo, e a Florinda, há pouco falecida, que rolara quarenta anos nos bordéis de São Jorge e da Conceição, dizia-me antes de morrer:

— Ai, meu senhor, isto é para os homens! Quando se fica velho arranca-se, porque a terra não vê e Deus não perdoa.

Grande parte desses homens e dessas mulheres têm o delírio mais sensual, fazem os nomes queridos em partes melindrosas, marcam os membros delicados com punhais, lâmpadas e outros símbolos. Neste caso eu tenho o Antônio Doceiro, um lindo rapazito que foi bombeiro depois de ter rolado pelo mundo, e a Anita Pau. Ambos têm desenhos curiosos por todo o corpo, e a pobre Anita mostra no calcanhar por extenso o nome do pai seus filhos e traz em cada seio a inicial dos dois pequenos como numa oferenda — a sua única oferenda de mãe aos desgraçados perdidos...

Num meio de tão fraca ilusão, onde as miçangas substituem os pendentifs d’arte e a vida ruge entre o desejo e o crime, depois de muito os pobres entes marcados como uma cavalhada — a cavalhada da luxúria e do assassínio —, começa a gente a sentir uma concentrada emoção e a imaginar com inveja o prazer humano, o prazer carnal, que eles terão ao sentir um nome e uma figura debaixo da pele, inalteráveis e para todo o sempre.

Aquele pequeno impressionou-me de novo na sua profissão estranha. Indaguei:

— Quanto fizeste hoje?

— Hoje fiz doze mil réis.

E eu compreendi que afinal tatuador deve ser uma profissão muito mais interessante que a de amanuense de secretaria…

Fonte:
João do Rio. A Alma Encantadora das Ruas. Publicado em 1908.

sábado, 23 de julho de 2022

Adega de Versos 86: Marciano Lopes e Silva

 

3º Concurso de Trovas Cidade de Curitiba (Trovas Premiadas) Estudantil


ENSINO FUNDAMENTAL – 6º E 7º ANO:

Tema: Colorido


1º Lugar:
Maria Eduarda
7º ano
Escola Estadual Santo Antônio

Em um grande mar de rosas
um arco-íris se reflete,
eu vejo as flores viçosas,
eu conto as cores: são sete!
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2º Lugar:
Yasmim Cristina
6º ano
Escola Estadual Santo Antônio

Como eu gosto de viver
com os lápis, com as flores.
Eu pinto no amanhecer.
Vivo num mundo de cores.
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3º Lugar:
Lorrany Vitória da Silva Serra
6º ano
Escola Estadual Santo Antônio

O arco-íris tem sete cores,
o mundo tem muito mais,
temos o mundo das flores;
tem colorido demais.
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3º Lugar:
Thiago Miguel Vieira de Oliveira
6º ano
Escola Estadual Santo Antônio

Fui fazer uma visita
na casa do João de Barro,
sua cor é bem bonita,
só faltam flores no jarro.
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4º Lugar:
Pedro Henrique Schewinski Pereira
6º ano
Colégio Estadual Professor Guido Arzua

A natureza tem cores,
árvores, o sol, o mar,
e a grama cheia de flores,
para o poeta admirar.
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5º Lugar:
Kamila Carvalho Monteiro
7 º ano
Escola Estadual Santo Antônio

Arco-íris é brilhante
suas cores são variadas
tem cor quente e elegante
Deus que fez as pinceladas.

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ENSINO FUNDAMENTAL – 8º E 9º ANO

Tema: Colorido


1º Lugar:
Laura L. de Souza
9º ano
 Colégio Estadual Guido Straube

A natureza tem cores,
tem o verde, o azul do mar.
E seus jardins com as flores,
fazem minha alma cantar.
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2º Lugar:
Raissa Mayara Morges
9º ano
Colégio Estadual Guido Straube

A cor verde das florestas,
e seu mundo de alegria,
os pássaros fazem festas,
com beleza e harmonia.
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3º Lugar:
Raissa Mayara Morges
9º ano
Colégio Estadual Guido Straube

Vendo a cor azul do mar,
enfeitando a natureza,
no céu, o sol a brilhar,
tudo tem muita beleza.
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4º Lugar:
Lucas Leandro de Almeida Alelua
9º ano
Colégio Estadual Guido Straube

Dia belo e colorido,
e neste lindo universo,
vendo meu mundo florido,
eu declamo novo verso.
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5º Lugar:
Roberta Hella Nievolla
8º ano
Colégio Estadual Guido Straube

Minha mãe muito se assusta,
quando vê que estou usando
saia colorida e justa.
Eu vou poder usar quando?
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6º Lugar:
Geovana dos Santos
9º ano
Colégio Estadual Guido Straube

Meu caminho é colorido
muito belo e radiante
é comprido e bem florido.
Um caminho fascinante
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7º Lugar:
Jorge Luiz
8º ano
Colégio Estadual Guido Straube

Na primavera tem cores,
no verão muito calor,
e no outono não tem flores,
cada estação, seu valor!
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7º Lugar:
Ana Luiza Araújo
9º ano
Colégio Estadual Guido Straube

O jardim é colorido,
encantando muita gente;
é muito belo e florido,
num dia tão frio, e quente.
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8º Lugar:
Antonio José Mermer de Freitas
9º ano
Colégio Estadual Guido Straube

A chuva que vai caindo,
molha as flores coloridas,
que no jardim vão se abrindo
em cores, todas floridas.
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9º Lugar:
Geovana dos Santos
9º ano
Colégio Estadual Guido Straube

A lua está colorida,
e brilhando muito forte.
Essa lua é minha vida,
é porque ela faz meu norte.
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10º Lugar:
Bruno Eduardo dos Santos
9º ano
Colégio Estadual Guido Straube

Pirulito colorido,
pode ser delicioso,
mamãe diz: é proibido;
mas, acho muito gostoso.
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ENSINO MÉDIO – 1º AO 3º ANO ENSINO REGULAR E TECNOLÓGICO

Tema: Colorido


1º Lugar:
Karem dos Santos da Silva
1º ano Ensino Tecnológico
Colégio Estadual Guido Straube

Os horrores de uma guerra,
têm as cores da tristeza;
enchendo de sangue a terra,
é um tormento com certeza.
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1º Lugar:
Lucas Bisoni
3º ano. Ensino Regular.
Colégio Estadual Dona Branca do Nascimento Miranda

Deus não imaginou raça
quando, de amor preenchido,
despejou a sua graça
num povo tão colorido.
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2º Lugar:
Enrique Rodolfi Moreno
1º ano. Ensino Regular.
Colégio Estadual Guido Straube

Dei a flor vermelha a ela
demonstrando o meu amor,
só não sei quem é mais bela,
se é ela, ou a minha flor…
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3º Lugar:
Jefferson Rodrigues dos Santos
1º ano. Ensino Regular.
Colégio Estadual Guido Straube

Com Deus, eu quero subir,
e no céu permanecer,
os seus louvores ouvir,
dando cores ao meu ser .
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4º Lugar:
Lucas Gabriel Aumann
1º ano. Ensino Regular.
Colégio Estadual Guido Straube

O jardim tem muitas flores,
rosa, jasmim, margarida,
que o campo cheio de cores,
se torna cheio de vida.
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5º Lugar:
Davi Carneiro Mendes
1º ano. Ensino Regular.
Colégio Estadual Guido Straube

O amor cheio de vermelho,
tem a cor de uma paixão.
E depois de bom conselho,
devo usar mais a razão.
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6º Lugar:
Lucas Henrique de Almeida Ramalho
1º ano. Ensino Tecnológico.
Colégio Estadual Guido Straube

Eu tenho certa beleza,
que hoje quero transmitir
com cores da gentileza,
cantando, sempre a sorrir.
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6º Lugar:
Renam Henrique dos Santos
1º ano. Ensino Tecnológico.
Colégio Estadual Guido Straube

Procurando o paraíso,
quando a vida é sem sentido
a criança com um sorriso,
faz o mundo colorido.
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7º Lugar:
João Marcos C. Wagner R. Gomes
1º ano. Ensino Tecnológico.
Colégio Estadual Guido Straube

Com ideias coloridas,
mostrando sempre a verdade,
eu transformo muitas vidas,
para achar felicidade.
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8º Lugar:
Fabricio Cruz Schemberger
1º ano. Ensino Regular.
Colégio Estadual Guido Straube

Tens um olhar colorido,
olho, e te vejo escapar.
Vejo o meu peito destruído,
e eu nunca irei te soltar…
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8º Lugar:
Jefferson Rodrigues dos Santos
1º ano. Ensino Regular.
Colégio Estadual Guido Straube

Colorido é nosso amor;
mas eu queria saber,
se sentindo o meu calor,
você irá me querer!
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9º Lugar:
Fernanda Milsted
1º ano. Ensino Regular.
Colégio Estadual Guido Straube

Neste mundo colorido,
eu vejo muita beleza,
pois o sol foi concebido
pela mãe da natureza.
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9º Lugar:
Pedro Carneiro Mendes
1º ano. Ensino Regular.
Colégio Estadual Guido Straube

Carbonizadas em vida,
as cores carmins escorrem,
jorra um grito da ferida,
quando muitas bruxas morrem.
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10º Lugar:
Mariana Litz Baum
1º ano. Ensino Tecnológico.
Colégio Estadual Guido Straube

Em uma vida sem cor,
nós vemos muita tristeza,
existe também rancor.
Vamos ter mais gentileza?
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11º Lugar:
Ivana Melnek Trajano
1º ano. Ensino Tecnológico.
Colégio Estadual Guido Straube

O mundo ficou sem cor,
com a pandemia no ar,
ao levantar um clamor
todo este mal vai passar.
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12º Lugar:
Lissa Giovana Aumann
1º ano. Ensino Regular.
Colégio Estadual Guido Straube

Natureza colorida,
eu vejo na minha frente,
faz bem para minha vida,
alegrando toda gente.

Irmãos Grimm (O Senhor Korbes)


Houve, uma vez, um franguinho e uma franguinha que resolveram fazer uma viagem juntos. O franguinho construiu um lindo carrinho com quatro rodas vermelhas e atrelaram quatro ratinhos. A franguinha subiu, sentou-se ao lado do franguinho e partiram. Logo mais adiante, encontraram uma gata, que lhes perguntou para onde iam. O franguinho respondeu:

Nós vamos para fora,
Para a casa onde o Senhor Korbes mora.

- Levai-me convosco! - pediu a gata.

- Com muito gosto, - respondeu o franguinho, - senta-te atrás, porque na frente poderás cair.

Muito cuidado é preciso tomar
Para as rodinhas vermelhas não sujar.
Rodinha chia.
Ratinho assobia,
Nós vamos para fora,
Para a casa onde o Senhor Korbes mora.

Depois veio uma mó, depois um ovo, depois uma pata, depois um alfinete, e, por fim, uma agulha. Todos subiram no carro e viajaram juntos.

Mas, quando chegaram à casa do Senhor Korbes, o Senhor Korbes não estava. Os ratinhos levaram o carro ao paiol, o franguinho e a franguinha voaram para um galho, a gata acomodou-se na lareira, a pata empoleirou- se no cabo de bombear água, o ovo se embrulhou na toalha de rosto, o alfinete se enfiou na almofada da poltrona, a agulha pulou para a cama, no meio do travesseiro, e a mó ajeitou-se em cima da porta.

Pouco depois, voltou para casa o Senhor Korbes. Foi à lareira para acender o fogo e a gata atirou-lhe cinzas no rosto. Correu à cozinha para se lavar, e a pata esguichou-lhe água em cima. Quis enxugar-se na toalha, e o ovo rolou-lhe pelo rosto, quebrou-se e grudou-lhe os olhos. Quis descansar e foi sentar na poltrona, o alfinete espetou-o. Louco de raiva, foi atirar-se na cama, mas quando deitou a cabeça no travesseiro, a agulha picou-o de tal modo que ele soltou um grito de raiva e, furioso, quis fugir para fora. Mas, quando chegou à porta, a mó caiu em cima dele e matou-o.

O Senhor Korbes devia ser um homem muito mau, não achas?

sexta-feira, 22 de julho de 2022

Silmar Böhrer (Gamela de Versos) 24

 

Sammis Reachers (Seu Onório do Bairro Antonina – e o peixe que faz piscar o Universo)

 Todos os dias, com sábados e domingos neles, ele aguarda as 17h e sai do Bairro Antonina, no município fluminense de São Gonçalo, numa viagem de dois ônibus até a praia de Gragoatá, em Niterói. Escolhe uma posição aleatória no grande calçadão que separa as praias de Boa Viagem e Gragoatá, sempre o ponto mais vazio da noite. Em seguida, lança sua linha de mão – pois jamais gostou de varas de pesca – e aguarda acontecer.

Nunca entendeu o motivo de tal extravagância do Universo, mas, que importa?

Na primeira vez foi assustador, e ele se acreditou morto. Era a terceira ida até o calçadão do Gragoatá, depois de anos pescando apenas na gonçalense Praia da Luz, local que se tornara inviável pela violência. A pesca de linha era sua forma de descontrair as noites, de embriagar – ele que nunca bebia – e engabelar sua solidão. O filho se fora para Anápolis, trabalhar no agro, mas isso era da vida e para tal fora criado. Mas ela... Ela a partida, ela a finada, ela era a sua dor.

Ia pras 20h quando a linha acusou retorno, rompendo a sonolenta divagação do velho solitário.

Ele puxou, e a dádiva do mar e da noite foi uma bela e inesperada raia viola. Susto imediato, pescar uma raia ali na costa, na potência da simples linha!

Ao apanhar o peixe, com cuidado pois jamais manuseara um daqueles, o velho Onório surpreendeu-se sorrindo – sim, sorrindo, depois de três anos de um luto travestido de eternidade.

Ao abrir cerimoniosamente a boca do peixe para remover o anzol, aconteceu.

Sua visão pareceu escurecer, como sucede quando se está prestes a um desmaio, mas logo foi inundada por um clarão oceânico. Três ou quatro segundos foram necessários para ele voltar a abrir os olhos, e agora já não havia noite nem mar.

Sentado num banco da praça Carlos Gianelli, no concorrido bairro de Alcântara, em São Gonçalo, sua primeira sensação foi daquela mão macia e aquecida segurando a sua. Olhou para o lado, e era ela, Amária. Não era possível! Antes que pudesse falar alguma coisa, ela se antecipou:

– Fique calmo, Onório. Eu estou aqui, eu estou aqui. – Ela disse, deitando a cabeça em seus ombros. Ele respondeu reclinando sua cabeça de encontro a dela, apertando ainda mais aquela mão, e só então fixando o olhar na paisagem, banhada pelo mais aconchegante dos sóis.

Um Fiat Tempra, retinindo de novo, cruzava a rua. Na outra mão, um ônibus da empresa Santa Isabel parava para o embarque de passageiros. Ele trabalhara naquela empresa que já não era, desfeita que fora em 2006. Só então ele deu-se conta: Aquela praça também já não existia; dera lugar a um obtuso shopping. Amária estava bem mais jovem do que quando partira, e isso tinha motivo, legível na paisagem e nas memórias: ele voltara até os anos 1990.

– Eu te amo tanto, Onório. Essa dor, ela é tanta, mas pra que isso? A vida acontece, e morrer foi da vida. Você precisa ser forte, precisa continuar.

– Eu sei. Eu sei! Mas não consigo, não consigo... De dia fico enfurnado naquela casa, ainda ouço a Rádio Tupi, só pra lembrar de quando ficávamos ouvindo as notícias e causos, eu consertando televisores, você na costura... Mas quando a tarde vai caindo eu não aguento, e preciso esquecer. Saio para pescar, e tentar esquecer você, mas não funciona muito bem. Por tantas vezes pensei em me jogar no mar!

– Nem tem pra que disso, Onório! Te conheci macho, macho te escolhi, então honre o que você foi e é. Tenha brios, homem!

– Ô minha fortuna... Só de estar aqui e falar com você, meu Deus, nunca tive um sonho tão doce, e tão real. Cê voltou dos mortos pra estar comigo!

– Ninguém volta dos mortos, meu carneirinho... E nem tem outra vida além dessa que vivi, que você vive. E sonho não tem cheiro. Sente esse cheirinho de angu à baiana, vindo daquela barraca? Aqui não é sonho nem realidade, é uma outra coisa, não tem nome pra isso. Seu amor que fez esse milagre, Onório.

– Mas é lindo, Amária, é lindo. E como você está linda. Esse vestido azul, nem me lembrava.

– Está na hora de você voltar, meu amor.

– Não, não! Que é isso, meu doce, aqui é meu lugar, que voltar o quê!

– Aqui nem é lugar, nem é nosso, Onório. Mas aqui estamos, isso foi uma piscadela do Universo, uma graça de Deus. Mas o Universo já está abrindo os olhos.

– Não, não, meu amor, eu te imploro!

– Vai. Amanhã o Universo vai piscar de novo.

Outro clarão acometeu aos olhos do viúvo, seguido por um escuro manso – processo do início da visão, mas ao revés.

Onório ainda estava com a raia nas mãos – peixe raro, de estranho nome científico, Zapteryx brevirostris, tão ameaçado de extinção quanto o amor. Nativo da Baía de Guanabara, sua pesca era proibida. O velho o lançou de volta ao mar.

E todos os dias, com sábados e domingos e tempestades neles, religiosamente o velho sai de seu agora já não tão mal cuidado casebre, situado numa travessa sem saída no Bairro Antonina, e vai até aquele calçadão niteroiense para pescar a mesma raia, em cuja boca o Universo pisca – ressuscitando, noite após noite, o moribundo Onório e seu amor.

Fonte:
Texto enviado pelo autor.

3º Concurso de Trovas Cidade de Curitiba (Trovas Premiadas) Estadual (Paraná)


 
Tema: Identidade

1º Lugar:
Lilia Souza
Curitiba

Sem saber quem era eu,
sem norte, luz ou guarida,
teu amor me devolveu
a identidade perdida.
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2º Lugar:
Maria Lúcia Daloce
Bandeirantes

Oxalá a identidade,
das nações e os povos seus,
comprove que a humanidade
é filha... do mesmo Deus!
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3º Lugar:
Madalena Ferrante Pizzatto
Curitiba

A arte moderna escreveu
sua nova identidade.
E a cultura recebeu
as asas da liberdade.
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4º Lugar:
Maria Lúcia Daloce
Bandeirantes

No cultivo da amizade,
com seu verso que extasia,
seja a trova, a identidade,
a unir povos... com poesia!
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5º Lugar:
César Augusto Sovinski
Curitiba

A cara e as paixões do povo,
nosso retrato perfeito,
pintaram de jeito novo,
grafaram de novo jeito.
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6º Lugar:
Alfredina Conceição Pascholatti Brasil
Londrina

Identidade é um direito,
que pertence ao cidadão.
- Liberdade, mão no peito,
e o Brasil no coração.
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7º Lugar:
Leonilda Yvonneti Spina
Londrina

Há cem anos, nas pinturas,
a Tarsila do Amaral
registrava criaturas,
com talento sem igual!
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7º Lugar:
Lucilia Alzira Decarli
Bandeirantes

Perdi-me nesta saudade
dos rastros, que atrás deixei,
mas preservo a identidade
nos sonhos que realizei!
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8º Lugar:
Carla Alves da Silva
Curitiba

O que sabemos importa,
mas é nossa identidade,
a maravilhosa porta,
aberta à felicidade...
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9º Lugar:
Cesar Augusto Sovinski
Curitiba

Sob a luz do Modernismo
as artes têm novo alento,
com talento, com lirismo,
dizem nosso sentimento.
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10º Lugar:
Olga Agulhon
Maringá

Nenhum documento achado
de uma vida mal vivida,
resgata o que foi roubado
da identidade perdida.
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11º Lugar:
Caterina Balsano Gaioski
Irati

As impressões digitais
definem a identidade;
os preconceitos banais
dividem a humanidade.
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11º Lugar:
Lucrécia Welter
Toledo

O que sou, ou quero ser,
não é fruto de barganha.
No meu simples entender,
é sombra que me acompanha.
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12º Lugar:
Agnes Izumi Nagashima
Londrina

Nos poemas encontrei
a real identidade
dos vazios que deixei
nos meus versos de saudade!
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12º Lugar:
Carla Alves da Silva
Curitiba

Nosso amor, identidade,
não foi escolha, foi sorte,
virou a cara metade,
sem visar o passaporte...
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13º Lugar:
Olga Maria Agulhon
Maringá

Que o filho ao pai muito idoso,
ou senil na meia-idade,
por mais triste e trabalhoso,
lhe preserve a identidade.
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14º Lugar:
Luiz Vieira
Irati

Através da atividade
no trato com as pessoas
se conhece a identidade
de pessoas más e boas.

Renato Benvindo Frata (Nanocontos) 2

Altivez

Decididos, seus pés nunca escorregaram nos seixos: equilibraram-se na certeza.
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Compreensão

Saiu possessa com a vida. No jardim a rosa perfumada se oferecia com espinhos… aí compreendeu.
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Decência

Embora o chão tenha sido sempre irregular, conduziu-o sem abalos a lisura do seu pisar,
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Doppia faccia

Era maldoso e destemido e se enfurecia por pouco, mas, nos braços do namorado, implorava por tudo...
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Esbanjador

Beber à vida e beber a vida: pequeno acento que diferencia a gravidade do ato.
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Maléfica

A inveja pariu a curiosidade e a pôs reinar, má, nos olhos do invejoso.
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Março

A Tristeza aliou-se à carranca do tempo, mas o sol, dissolvendo nuvens, puxou pelas mãos a Alegria.
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Parasitas

Enquanto penamos com o colesterol, elas esbanjam vitalidade e robustez: malditas rugas.
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Poesia

Um belo verso nunca nasceu da pena ou da tecla; é a inspiração quem o pariu.
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Poleiro

Sentia-se o dono, por isso cantava alto e estridente, mas foi traído: por uma voz aveludada.
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Por dentro...

A lápide de granito polido brilha ao sol, mas soube sempre do miolo que teria.
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Profissão

Quis ser goleiro e foi. Montou um aviário com o resultado.
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Responsabilidade

A liberdade pesou-lhe tanto que a imaginou uma prisão de desejos.
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Sabedoria

Bom exemplo o da girafa: sempre vê tudo do alto, mas nada diz.
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Soberba

Sua inteligência brilhava tanto que iluminou a vaidade. Morreu de personalidade ofuscada.

Fonte:
Renato Benvindo Frata. 308 Nanocontos. Paranavaí/PR: Autografia, 2017.
Livro enviado pelo autor.

quinta-feira, 21 de julho de 2022

Daniel Maurício (Poética) 35

 

Paulo Mendes Campos (Alice no Rio)

Um dia, se o coração não espocar antes do tempo, escreverei uma história para crianças: Alice no País dos Cariocas.

Alice chegará por via aérea e, naturalmente, ficará encantada com a exuberância da paisagem e com os aviões que vão passar tirando finos em seu quadrimotor. No Galeão, será recebida por um representante do Departamento de Turismo e Certames da Prefeitura, chamado Dr. Brasiliano Brasileiro do Brasil, um general de pijama, metido mesmo em um pijama cheio de galões, um bispo auxiliar, sem esquecer, por último mas não menos importante, o Sr. Herbert Moses, que a saudará naquele inglês ao mesmo tempo manco e fluente, cometendo diversos trocadilhos em torno das palavras Wonderland e Wondertown, País das Maravilhas e Cidade Maravilhosa.

Deixando de automóvel o aeroporto, a menina perguntará ao Dr. BBB se os urubus e o cheiro da Favela do Esqueleto não prejudicam um pouco o renome do turismo. Brasiliano Brasileiro do Brasil, relações públicas de inesgotáveis recursos, responderá em tom confidencial que se trata de um item secreto e estratégico na Defesa do Atlântico Sul. "Como eu sou mesmo boba", exclamará Alice, "devia ter pensado isso antes."

O quarto do hotel reservado à estrangeirinha será um amor. Das prateadas torneiras do esplêndido banheiro colorido jorrará, em vez de água, um som subterrâneo e melancólico. Alice achará excelente tomar o seu banho com suco de uva, pois logo naquele dia faltou água mineral na praça.

A primeira refeição de Alice no País dos Cariocas constará de feijoada completa, da qual darei no meu livrinho uma descrição igualmente completa, a fim de justificar o espanto da menina ao ter de enfrentar, assim de saída, esse delicioso, mas tão estranho, prato nacional. Ela ficará morrendo de fome o dia todo.

O Dr. BBB pedirá gentilmente que ela escolha entre dois programas: uma visita oficial, mas não formal, ao presidente da SURSAN, ou uma visita formal, mas não oficial, ao Sr. Prefeito. Alice, é claro, responderá com um bocejo que é a mesma coisa, sendo, portanto, conduzida ao gabinete do Prefeito. Este a fará esperar duas horas, mas justificará plenamente o atraso: estava tentando fazer uma ligação telefônica na hora do resultado do jogo-do-bicho. "Nas outras horas, é mais fácil falar no telefone?" - indaga a visitante. "Não, é a mesma coisa" - responde o Prefeito com tristeza. Em seguida, colocarei, data venia, na boca do Sr. Prefeito uma explanação minuciosa sobre o jogo-do-bicho. Truque literário.

Despedindo-se de S. Exa., Alice percorrerá os recantos da cidade considerados pitorescos ou instrutivos pelo Dr. Brasiliano Brasileiro do Brasil: o Manequinho de Botafogo (por causa daquela aguazinha), as enfermarias da Santa Casa, os principais buracos urbanos e suburbanos, a Casa de Rui Barbosa (ele tem um grande amigo de seu povo, doutrinará o Dr. BBB), a Gaiola de Ouro (grandes discursos), o mausoléu da Praça da República, e o palácio que não ousa dizer seu nome (situado no fim da Praia do Leblon). A menina pedirá para dar um passeio de lotação e será atendida.

Ao fim da tarde, as Pioneiras Sociais lhe oferecerão um chá na piscina do Copa, sob o patrocínio de Madame Gato, e Jabberwocky. Um colunista chamado Jeff Thomas estará presente, e de chapéu na cabeça, como o chapeleiro na xícara maluca. Tudo lindo.

À noite, Alice será levada a uma emissora de televisão, onde será entrevistada por Al Neto e seu cachimbo apagado. Este fará à menina umas perguntas de corar um telespectador de pedra. Duas delas, no entanto, são publicáveis, e aqui as forneço: 1) "My dear Alice: você esteve no País das Maravilhas, mas soube por acaso, darling, que já estive várias vezes na Maravilha dos Países, os Estados Unidos do Benjamin Franklin, de Ford, de Jane Mansfield, de Rockefeller, de Elza Maxwell?"; 2) "Me diz, my little honey, se você fosse ainda uma potranquinha (com o perdão da palavra um pouco forte, mas acontece que sou do Sul, tanto aqui, quanto nos States), quem você levaria, my rosy rutabaga, para uma ilha deserta: Mickey Mouse (pausa, sorriso inteligente, audaz, malicioso, piscadela para a câmara)... ou Marlon Brando?"

Findo o programa, presenteada com um corte de casimira nacional, ela seria convidada, pelo Al Neto, a mandar um beijo para milhares de seus amiguinhos do Brasil. Mas não mandaria.

À noite, a menina seria levada a um inferninho de Copacabana; o curador de menores entra e acaba com a minha história. Ou talvez eu a faça sofrer, primeiro, um acesso de tosse, provocada pela fumaça dos cigarros; depois, dormir de tédio e sonhar uma cidade com água dentro dos canos, ruas pavimentadas, praias limpas, trânsito em ordem, gente cordial, sem favelas, miséria, barulho, mau cheiro, enchentes, burocracia.

Ou desisto de escrever esse livro monótono, que iria servir apenas para os pais de crianças teimosas: "Ou vais imediatamente para a cama, seu moleque, ou eu te leio a historia Alice no País dos Cariocas."

Estou decidido: a minha história de Alice no Rio não presta; vou é escrever as Aventuras do Filho de Jeca Tatuzinho.

Fonte:
Paulo Mendes Campos. Rir é o único jeito. 1976. (reedição de Hora do Recreio, de 1967)

3º Concurso de Trovas Cidade de Curitiba (Trovas Premiadas) Nacional


CATEGORIA VETERANOS

Tema: Vanguarda


1º Lugar:
Arlindo Tadeu Hagen
Juiz de Fora
MG
A gente deve viver
sonhando em tempo integral
porque os sonhos devem ser
a vanguarda do real.
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2º Lugar:
Fernando Antonio Belino
Sete Lagoas – MG

Numa terra em que a justiça
falha tanto e sempre tarda,
desigualdade e cobiça
sempre estarão na vanguarda.
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3º Lugar:
Luiz Antonio Cardoso
Taubaté
SP
Vanguarda é estar mais à frente
do próprio tempo... e insistir
em trazer para o presente,
o semblante do porvir!
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4º Lugar:
Janilce Simões
Campos dos Goytacazes – RJ

Sem confundir o conceito
que a palavra ainda resguarda,
a paz, o amor e o respeito
são valores da vanguarda!
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5º Lugar:
Fernando Antonio Belino
Sete Lagoas – MG

Tenhamos a mente aberta
à vida que nos aguarda.
Somente faz descoberta
quem caminha na vanguarda.
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5º Lugar:
Sergio Fonseca
Mesquita – RJ

A vanguarda só comprova
que não há velho nem novo:
quem cai nos braços da trova
não sai da boca do povo...
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6º Lugar:
Célia M. G. Mendonça de Melo
Juiz de Fora
MG
Anita e sua "Estudante",
de Tarsila, "O Pescador":
no traço, na cor gritante,
a vanguarda do pintor.
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7º Lugar:
Edweine Loureiro da Silva
Saitama – Japão

Vive o gênio na vanguarda:
abre as portas do futuro.
E quem o critica aguarda
morrendo num quarto escuro.
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8º Lugar:
Jerson Lima de Brito
Porto Velho
RO
Movimentos de vanguarda
mudam textos na aparência,
mas todo artista resguarda,
quando escreve, sua essência.
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9º Lugar:
Carolina Ramos
Santos – SP

Caminha com segurança
quem leva à vanguarda, erguida,
a bandeira da esperança
que impulsiona a sua vida!
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10º Lugar:
Manoel Cavalcante
Pau dos Ferros – RN

Num mundo frio, doente,
em que o mal reina e se alarda,
o amor, mais precisamente,
é uma arte de vanguarda.
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11º Lugar:
Elizabeth Aparecida de Castro Mendonça Fontes
Joinville
SC
Semana de Arte Moderna,
vanguarda e consternação;
disseram que era baderna
mas era transformação.
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11º Lugar:
Cléber Roberto de Oliveira
São João de Meriti – RJ

O soldado que honra a farda
não se poupa na bravura!...
- Peleja firme, à vanguarda,
onde a luta é bem mais dura!
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12º Lugar:
Dulcídio de Barros Moreira Sobrinho
Juiz de Fora – MG

Homens bons, com brancas fardas,
enfrentando a pandemia,
nas batalhas, nas vanguardas,
salvam vidas, noite e dia.
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13º Lugar:
Henrique Eduardo Alves Pereira
Ocara
CE
Vanguarda, pioneirismo
inovação verdadeira,
fixaram o Modernismo
na cultura brasileira.
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14º Lugar:
Cipriano Ferreira Gomes
São Paulo
SP
Porque o tempo vem, não tarda,
não espera, não vacila,
quem nasce para vanguarda
chega sempre antes da fila.
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15º Lugar:
Alba Helena Corrêa
Niterói – RJ

Se você não tem “padrinho”,
para a vanguarda ocupar,
enfrente a luta, sozinho,
e a vitória há de alcançar!
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CATEGORIA NOVO TROVADOR

Tema: Rompimento


1º Lugar:
Bernadéte Schatz Costa
Joinville
SC
Cem anos do movimento
sendo perfeita a ruptura,
deu às artes o fomento
e asas a nossa cultura.
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2º Lugar:
Nazareth Ferrari
Taubaté – SP

Cem anos de rompimento...
Modernismo comemora.
Livrou-se do engessamento:
a arte voa livre, agora!
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3º Lugar:
Janete Francisco Sales Yoshinaga
São Paulo - SP

O pesar desaparece,
no romper de cada aurora,
quando elevo a minha prece...
Deus abranda a dor de outrora!
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4º Lugar:
Maria Stella
Taubaté – SP

Rompimento de mil sonhos
é meu anseio entreaberto...
entre mil vaivéns tristonhos..
entre um quê de certo e incerto.
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5º Lugar:
Elvira Drummond
Fortaleza – CE

O rompimento acontece,
quando a relação perfeita
vê que a estrada, que ora desce,
para os dois ficou estreita.
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5º Lugar:
Janete Francisco Sales Yoshinaga
São Paulo – SP

Quem não oferta o perdão
perde a chance de crescer,
rompe a ponte da união,
encarcera o próprio ser!
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6º Lugar:
Bernadéte Schatz Costa
Joinville
SC
Artistas em rompimento
querem a brasilidade,
em semana de fomento
com arte em toda cidade.
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7º Lugar:
Guilherme Brasil
São Paulo – SP

Quebrar, desfazer as partes
separação, rompimentos,
são inevitáveis artes
da Vida e seus movimentos.
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8º Lugar:
Troya D'Souza
Parnamirim – RN

O modernismo, nas artes,
transpôs as grandes fronteiras,
livrando, em todas as partes,
os artistas das barreiras.
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Continua… Estadual

quarta-feira, 20 de julho de 2022

Varal de Trovas n. 564

 

Athos Fernandes (Poemas de Amor) 1

A LEI DO AMOR


Por ser o Amor a lei da espécie humana,
somente às leis da espécie ele obedece,
pois sendo um deus, atende à própria prece
E, se às vezes redime, - às vezes dana!

Tal qual a rosa de Sharon floresce
na primavera, a mocidade ufana.
É como um vinho bom, que não engana,
embriaga melhor quando envelhece.

O Amor, já disse alguém, de amor se paga.
Se fere, cura; e quando agride, afaga,
seiva que nutre e combustão que inflama.

E assim se vê que pela vida afora,
se muito pode a dor, para quem chora,
mil vezes pode o Amor, para quem ama!
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NOSSA HISTÓRIA DE AMOR

Nossa história de amor nasceu do acaso,
ou quem sabe talvez de algo divino?
Um sorriso, um olhar, um breve aceno
e a fênix morta ressurgiu das cinzas.

Foi como se o outono e a primavera
num encontro fortuito, em pleno estio,
entre roseiras e canções de ninhos,
viessem percorrer a mesma estrada.

Eu era o outono em véspera de inverno.
Você, a primavera aberta em flores,
entre nós dois o mundo, o tempo e o espaço.

Venceu, no entanto, o amor. Como detê-lo?
Como impedir que o sol sazone o fruto
quando é própria a estação para a colheita?
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SAUDADE

Saudade: olhar perdido no horizonte,
mirando as nuvens que depressa vão.
Saudade: uma casinha ao pé da fonte,
cheia de sonhos e de solidão!

Saudade, cruz plantada lá no monte,
onde alguém dorme na eternal mansão.
Saudade: bela e invisível ponte
que liga coração a coração!

Saudade! Ave Maria da Esperança!
Crepúsculo do Amor! Alma de criança,
que castigada ainda deseja bem...

Saudade é dor que só traduz quem sente,
porque a saudade é o coração da gente
já misturado ao coração de alguém.
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SEMPRE O AMOR

Nunca é demais o amor! Nunca é perdido
o mais ínfimo sonho que sonhamos.
Amemos hoje e amando envelheçamos,
que muito amar é muito ter vivido.

Toda a glória do amor é ser sentido
sem sacrifício algum de alguém que amamos.
E glória ainda maior quando choramos,
porque chorar de amor é ter sorrido.

Amor!...Sublime e lúcida loucura!
Tão forte é a sua trama, o seu poder,
de aço que fere e bálsamo que cura.

De tal modo atormenta e dá prazer,
que às vezes na tristeza traz ventura
e às vezes na alegria faz sofrer!
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VELHA MUSA

A minha velha Musa enamorada,
que comigo habitou por muitos anos,
de tanto partilhar meus desenganos
ficou também por mim desenganada.

E abandonou de vez a minha amada;
onde à custa de esforços sobre-humanos,
em pobres versos não camonianos,
do amor eu canto a última balada...

Se alguém a vir, não a maltrate nunca,
pois a coitada as próprias mágoas trunca,
como truncou meus versos tantos vezes...

Velha e caduca, ainda a quero,
pois que o amor mais velho é mais sincero,
unindo as almas como irmãos siameses!
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VERSOS DE AMOR

Versos de amor...quantos não há, querida?
Por que motivos, pois, devo escrevê-los?
Se estou junto de ti, não sinto zelos,
e longe estando, que me importa a vida?

O amor é fruta rara e apetecida
que exige trato e que requer desvelos.
Meus minutos de amor quero vivê-los
sem cogitar da hora da partida!

Deixa-me, pois, dormir no teu regaço!
Cada carícia é um hino à tua graça,
e que cada beijo um verso que te faço!

Quero-te assim, e assim, sei que me queres!
Não há ser mais feliz na humana raça,
nem mulher mais amada entre as mulheres!

Fontes:
Athos Fernandes. Miscelânea Poética. 1979.
Athos Fernandes. Shangri-La Poesias. 1979.

terça-feira, 19 de julho de 2022

18 de Julho – Dia do Trovador


No dia 18 de julho, em todo o território nacional, comemora-se o Dia do Trovador. A data foi escolhida para homenagear a data de nascimento de Luiz Otávio, pseudônimo de Gilson de Castro, fundador e presidente perpétuo da União Brasileira de Trovadores. Sendo uma composição poética concisa, a trova pode ser descrita como um micro-poema, devendo obedecer a características rígidas.

Luiz Otávio, cirurgião dentista, falecido em 1977, foi o responsável por dar um grande impulso à trova, divulgando-a no rádio, em revistas e em jornais. O resultado foi o lançamento do livro "Meus Irmãos, os Trovadores", em 1956. Com a colaboração de J. G. de Araújo Jorge, em 1960, Luiz Otávio lançou a primeira edição dos Jogos Florais de Nova Friburgo, sendo, ainda hoje, a principal forma de divulgação da trova no Brasil. Com isso, multiplicaram-se os trovadores e com eles a necessidade de congregá-los. Então, em 1966 foi fundada a União Brasileira de Trovadores.

Trovador" é uma palavra derivada do provençal 'trobador' (poeta), proveniente do verbo 'trobar' (compor versos).

Foi através dos portugueses que a trova chegou ao Brasil. O gênero continuou com Anchieta, Gregório de Matos, e foi intensificado com Tomaz Antonio Gonzaga, Claudio Manuel da Costa; com os românticos Gonçalves Dias, Casemiro de Abreu, Castro Alves; com os parnasianos Olavo Bilac, Vicente de Carvalho; e com os modernistas Mário de Andrade, Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade. Hoje, a trova é o único gênero literário exclusivo da língua portuguesa. No Brasil, a trova originada da quadra popular portuguesa encontrou campo fértil. Porém, passou a ser estudada e difundida de fato somente depois de 1950.

De acordo com Jorge Amado, “não pode haver criação literária mais popular e que mais fale diretamente ao coração do povo do que a trova. É através dela que o povo toma contato com a poesia e por isto mesmo a trova e o trovador são imortais”. A trova deve ser composta de uma quadra, ou seja, deve ter quatro versos – o que equivale a uma linha no universo da poesia. Cada verso, por sua vez, deve ter sete sílabas poéticas, ou seja, ser setessilábico. A sílaba poética, diferente do que possamos pensar, é contada por seu som. O verso da quadra deve ter sentido completo e independente. Há três gêneros básicos de trovas:

Trovas líricas – falando dos sentimentos, amor, saudade;

Trovas filosóficas – possuem ensinamentos, pensamentos;

Trovas humorísticas – são as que fazem rir, engraçadas, bem-humoradas.
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A Trova, por Luiz Otávio

A sina dos trovadores,
e o meu destino também,
é sofrer as próprias dores
e as dores que os outros têm…
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Às vezes uma emoção
que na minha alma se aninha,
não cabe bem num poema...
…mas cabe numa quadrinha…
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A Trova definitiva,
ideal do Trovador,
por mais que eu padeça e viva
eu jamais hei de compor…
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A Trova, quando perfeita,
três reações pode causar:
a gente ri... ou suspira,
ou então, fica a pensar…
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A Trova tomou-me inteiro,
tão amada e repetida,
que agora traça o roteiro
das horas da minha vida!…
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Cada quadrinha que faço
em hora calma ou incalma,
é pequenino pedaço
que eu mesmo furto a minha alma.
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De santo tu me chamaste…
Eu juro, ri um pedaço…
Pois nunca vi nenhum santo
fazer as Trovas que eu faço…
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Digo tudo sem receio…
Sei amor que não aprovas.
Meu coração retalhei-o
e, de pedaços, fiz Trovas…
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Dura menos que um suspiro
ou como a folha que cai…
Mas quando penetra na alma,
a Trova fica… Não sai..
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Enfrentando tantas provas,
ao desenrolar dos anos,
vou tirando da alma Trovas,
e enchendo-a de desenganos…
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Estas Trovas foram sonhos
que um trovador já sonhou…
São uns farrapos tristonhos
de um grande amor que passou…
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Este doce e grande amor,
esta saudade indiscreta,
fizeram de um trovador
o mais tristonho poeta…
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É um prazer bem diferente
e de sabor sempre novo,
ouvir a Trova da gente
andar na boca do povo!…
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Há Trovas, ricas, sonoras,
tem brilho, cintilação...
Lembram "Foguetes de Lágrimas"
nas noites de São João…
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Longe de ti triste eu passo,
se vivo mesmo, nem sei…
E, cada Trova que faço
um beijo que não te dei…
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Louvo a Deus por me ter dado
a sorte de trovador,
pois o mal, quando encantado,
diminui o seu rigor…
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Muitas vezes me pergunto,
ao enfrentar duras provas,
se eu suportaria o mundo
sem o meu mundo de Trovas!
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Não digo não: "minha" Trova
quando faço um verso novo:
- não é minha, nem é nova
quando cai na alma do povo…
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Nem sempre nós conseguimos
traduzir as nossas dores...
Quantas trovas ficam mortas
nas almas dos trovadores…
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Nesta Trova pequenina,
quero deixar o sabor
do beijo que ainda há pouco
eu roubei do meu amor…
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Ó trovas – simples quadrinhas
que tem sempre um que de novo...
- Como podem quatro linhas
trazer toda a alma de um povo?!
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"Pequena" - dizem zangados,
muitas vezes com desdém.
Jamais saberão, coitados,
que grandeza a trova tem!
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Pelo tamanho não deves
medir valor de ninguém.
Sendo quatro versos breves,
como a Trova nos faz bem!
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Por estar em solidão
tu de mim não tenhas dó.
Com Trovas no coração,
eu nunca me sinto só!
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Quando a Trova é mesmo boa,
é sempre assim que acontece:
- o dono fica esquecido,
mas a Trova não se esquece…
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Saudade - brisa tristonha…
e o meu coração magoado
desprende Trovas… e sonha…
é um rosal despetalado…
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Sou devoto, sou um crente!
Não zombes, não rias não…
Trago um rosário de Trovas
no fundo do coração…
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Tirem-me tudo o que tenho
neguem-me todo o valor!
Numa glória só me empenho:
- a de humilde trovador!
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Toda noite ao me deitar,
por certo você reprova,
eu me esqueço de rezar
e fico fazendo Trova…
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Toma cuidado poeta
com teu sentir mais profundo;
a Trova é muito indiscreta:
- e conta tudo a todo mundo…
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Trovador, grande que seja
tem esta mágoa a esconder:
- A Trova que mais deseja,
jamais consegue escrever…
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Uma trova pequenina,
tão modesta, tão sem glória,
bem pouca gente imagina,
que também tem sua história.


Nilto Maciel (Questões de Estilo)

Salomão governava com mão de pluma. Quando estudante, até fizera versos. Queria ser poeta. Conhecia os melhores poetas da língua portuguesa. Dos mais antigos aos mais modernos. Com o tempo, trocou os versos pelos discursos. E o moderno pelo antigo. Terminou prefeito de Palma.

Vivia discutindo com seu secretário, que redigia torto. Pedia um ofício, vinha uma barbaridade.

— O que significa isso, Seu Elias?

O secretário ria, tentava explicar. Salomão se irritava, falava mal dos neologismos, das gírias, da linguagem dos jornais.

— Não sabem escrever. Bando de analfabetos.

Todo dia os dois discutiam por força das palavras, da sintaxe, dos estilos. O prefeito apegado à gramática, o secretário às novidades.

— Lembre-se de que sou íntimo de Camões, Bilac, Bandeira e de todos os grandes poetas.

Até que resolveu demitir Elias.

Já velho, família para cuidar, o ex-secretário buscou socorro nos moderníssimos olhos da primeira-dama.

— Só sei fazer isso, Dona Josefina. E não há mais tempo para aprender outro ofício.

À noite, Salomão se aborreceu de novo. Não, não voltaria atrás. Palavra de prefeito, palavra de rei. Não admitia barbarismos, barbaridades, barbáries.

— Não seja mau, Salomão. O coitado até chorou.

Do pedido passaram às ordens, destas a dominados e dominantes. E terminaram em revoltas e mortes. A ruína da sociedade, da família, do casamento.

— Vamos então ao divórcio! — ele esbravejou.

Ela chorou, os filhos choramingaram, a vizinhança sorriu. Nem a poesia salvava a felicidade.

Perto da meia-noite, o bate-boca acabou. Ora, direis. Os filhos já dormiam. Os vizinhos se entreolhavam, decepcionados.

No outro dia, Elias voltou à Prefeitura.

Redija um ofício ao Governador. — ordenou Salomão. — E pode usar o seu estilo.

Fonte:
Nilto Maciel. Pescoço de Girafa na Poeira. Brasília/DF: Secretaria de Cultura do Distrito Federal/Bárbara Bela Editora Gráfica, 1999.
Livro enviado pelo autor.