sábado, 16 de março de 2024

Aparecido Raimundo de Souza (A verdadeira história da pamonha com cãibra)

AS MANHÃS, todos os dias, se abriam numa arquitetura radiosa e indescritível, dessas em que o sol pulava cedo e, ao se levantar, se punha ainda meio que espreguiçadamente sonolento sobre as plantações de milho que se perdiam de vista. Dona Ornela, deficiente visual (contava somente com o olho direito), já havia pulado da cama as quatro, feito o café e chamado seus empregados. Esse pequeno entrave da vista faltosa não se constituía para ela nenhum tipo de problema. Tirava de letra. Levava numa boa. Aceitava a sua condição. Dona Ornela, noventa e nove anos, se constituía numa senhora de mãos calejadas e sorriso acolhedor. De bem com a vida, fazia tempo estava na cozinha preparando as suas famosas pamonhas. O cheiro forte do milho fresco invadia todos os recantos e os vizinhos sabiam que seria mais um dia especial. 

A longeva tinha um segredo que guardava a sete chaves: as suas pamonhas eram as melhores da região. No preparo, ela misturava amor, carinho, afeto, e claro, a tradição transladada do berço de seus pais. Os ingredientes se faziam simples: milho verde, leite, açúcar e uma pitadinha de saudade. Logicamente nesse conjunto, havia algo além. Uma fórmula especial que só ela conhecia de cor e salteado. Naquela manhã enquanto mexia a massa, dona Ornela sentiu uma pontada forte na perna. Sempre na mesma. Não uma coisa de primeira vez. Tal incômodo dava sinais de vida, fazia tempo. Não sabia precisar o diagnóstico correto. Achava ser uma espécie de cãibra oriunda de velhos carnavais. Por conta desses imprevistos, nesses momentos que a cada vez se faziam mais presentes e custosos, parava por breves momentos. Se apoiava na mesa onde trabalhava e respirava fundo. 

Tomava água. Muita água. Em seguida, mandava uma caneca até a borda de café com leite. O café nunca faltava. A dor, coisa de meia hora depois, sumia de vez. Nesses interregnos, ela se dobrava sobre si mesma, via estrelas. Às vezes chorava e mal conseguia gritar por socorro. Passado o transtorno, ficava a lembrança. Esse registro perdurava. Chegou a pensar, numa dessas, que se não se tratasse, poderia ficar aleijada, ou pior, carecesse de amputar o membro adoecido. Todavia, não parava. Seguia feliz o diário de seus afazeres: “A vida da gente —, nas vezes em que relatava seu problema com a Delza e a Bibiana —, as moças que ajudavam na cozinha, argumentava que se assemelhava “como a uma pamonha com cãibra.” E completava: “Às vezes, precisamos enfrentar a dor para saborear, logo em seguida, o doce prazer de continuar viva e respirando.” 

Enquanto as pamonhas cozinhavam, dona Ornela refletia sobre a sua própria jornada. E que jornada! Daria um romance, se alguém se dispusesse a escrever. Perdera o marido, o Luiz Corneteiro, muito precocemente. Quando o conheceu, a criatura tocava corneta na praça da matriz e angariava uns trocados. A figura acabava de completar vinte e cinco anos e ela florescia na esteira dos vinte. Com o falecimento, aos oitenta, dona Ornela batia o pé e reclamava que o Luiz poderia ter esperado mais um pouco para bater as botas. Sozinha, criara os filhos num total de seis. Os rebentos, anos depois, se casaram, arranjaram famílias e, como se esperava, todos, sem exceção, bateram asas em busca de horizontes mais prósperos. Sozinha, a matriarca enfrentara tempestades e secas. 

Contudo, sempre encontrava no vazio da sua vida, forças suficientes para seguir em frente, assim como o milho que brotava teimosamente no solo fértil da sua quinta, propriedade que fora comprada com muito sacrifício por seu saudoso e querido pai. Por volta das oito horas, a galera chegava. Abeirava em peso. Às vezes vinham poucos aos bocados. Noutras, pareciam brotar como água em nascente. Davam os ares da graça, não só os confinantes. Também rostos estrangeiros, com paladares atraídos pelo aroma irresistível do comestível caseiro. Dona Ornela servia junto com a Delza e a Bibiana, as pamonhas com um sorriso largo e franco embaladas com jarros de bebidas geladas (sucos de sabores os mais variados). Em cada gole, se alguém quisesse ouvi-la, uma história real de vida sofrida capaz de deixar as pessoas boquiabertas bailava a todo vapor. Cada mordida levava a uma viagem no tempo, tipo uma conexão paradisíaca com as raízes mais profundas e em erupção. 

Os clientes riam, choravam e agradeciam. A pamonha, mais do que comida, se precipitava como um abraço apertado para dentro das barrigas esfomeadas, o que a levava, logo depois, a um consolo saudável, talvez, quem sabe, pelas horas difíceis que às vezes precisava atravessar. No final do dia, quando o sol se punha e as estrelas riscavam o firmamento, dona Ornela dispensava as empregadas para as suas residências (as moças moravam dentro do próprio terreno junto com os demais empregados, cada um no seu quadrado) e só então se sentava na velha cadeira de balanço ao lado do fogão de lenha, o bule de café recém-saído do fogo e contava calmamente o montante do dinheiro que conseguira com a venda das pamonhas. Em seguida, saia no terreiro, olhava longamente para o céu, se ajoelhava perto do paiol (onde guardava as espigas de milho a serem usadas) e agradecia à Deus. Orava com humildade e fervor. 

Se fechava numa eufemia (prece) aprendida dos tempos em que fizera a primeira comunhão. A bondosa sabia que a vida se assemelhava e sempre repetia esse jargão, como um mantra —, “uma pamonha com cãibra.”  Sorria alimentando essa loucura meio que neurastênica. Por vezes, o incômodo chegava doloroso, subversivo, cada vez mais forte e resistente. Tempos depois, coisa de vinte minutos, meia hora, o molesto se retirava. E dona Ornela se quedava recheada de momentos encantadores. Dessa forma meio que piegas, a lenda da pamonha com cãibra se espalhou pela cidade. Não só naquela comunidade pequena. A coisa se alastrou. Correu para outras paragens próximas, como Bandeirantes, Cambará, Barra do Jacaré, Palmital e Itamaracá. Havia dias em que as pessoas vinham dessas urbes para provarem a iguaria mágica de dona Ornela. À frente de seu casarão se ancorava uma infinidade de carros, ônibus de excursão e até caminhões pesados que atravessavam a BR vindo ou indo em direção à São Paulo. 

Uma fila enorme se formava para comprar o alimento que cheirava gostoso e cujo sabor donairoso se propagava além da linha da velha estação da antiga Maria Fumaça que cortava a pequena e bucólica Andirá. Ela nunca revelou seu segredo, mas todos sabiam: nas pamonhas habitava um amor incondicional que fazia a diferença. Hoje, meu caro leitor amigo, quando você saborear uma pamonha, se lembre de dona Ornela e a sua inesquecível lição de vida. “Às vezes, precisamos enfrentar as cãibras, as dores corriqueiras, para nos depararmos com o verdadeiro sabor da existência.”  Como ela, a querida dona Ornela, encontrou o bálsamo da verdadeira substancia que a matinha viva, forte e a seu modo, feliz. A boa velhinha, infelizmente, veio à óbito aos cem anos. Em seu velório, se fez impossível contar o número de pessoas e carros presentes. No cemitério local a idosa desceu à sepultura enterrada ao lado do marido, o Luiz Corneteiro. 

Para quem se dispõe a visitar a pequena e aconchegante Andirá e logicamente o Campo Santo na Rua Ingá, número duzentos e trinta e três, certamente se deparará, no jazigo perpétuo do casal, com duas peças interessantes. Uma corneta em bronze ao lado do busto do Luiz Corneteiro. Na parte dos restos mortais de dona Ornela, a escultura enorme talhada em forma de uma enorme pamonha. E a inscrição feita por toda a comunidade: 

“Aqui jaz a memória inquestionável de uma senhorinha elegante e o segredo de uma pamonha de primeiríssima qualidade que fez muita gente se deslocar de rincões distantes para provar o seu sabor inconfundível. Aos cem anos, ela nos deu adeus e hoje repousa dos braços do Pai Maior, para quem, agora, dona Ornela deve estar preparando as suas suculentas e saborosas pamonhas como ela carinhosamente as cognominou de “Pamonhas com cãibra.” Dona Ornela, descanse em PAZ.  

Fonte: Texto enviado pelo autor

sexta-feira, 15 de março de 2024

Comemoração do Centenário de Carolina Ramos


Prestes a completar 100 anos, no dia 19 de março, a poetisa santista Carolina Ramos foi eternizada com o plantio de uma árvore no jardim da Pinacoteca Benedicto Calixto.

Com mais de 20 livros publicados e pelo menos 5 mil trovas. Carolina presidiu o Instituto Histórico e Geográfico de Santos, a União Brasileira de Trovadores e marcou a Academia Santista de Letras e outras instituições nas quais atuou.

Carolina diz ter sido surpreendida com a homenagem: "Foi uma coisa muito significativa para mim". A iniciativa partiu da presidente da Associação de Amigos da Pinacoteca, Cristina Guedes, com o apoio do presidente da Fundação Pinacoteca Benedicto Calixto e diretor-presidente da TV Tribuna, Roberto Clemente Santini.

"Ficamos imaginando o que poderia ser feito até chegarmos nessa proposta de plantar uma pitangueira, que representa a conexão espiritual, a força da natureza, e atrai pássaros. Então, eu acho que o jardim da Pinacoteca vai ser sempre assim, fonte de alimento e de energia para homenagear esse patrimônio da Cidade de Santos e essa pessoa tão gentil e tão delicada que é a Carolina", diz Cristina.

Santini recitou uma trova em homenagem à Carolina: 

"Quem não sabe e quem não sente 
que, às vezes, nos custa caro, 
a saudade de ser gente, 
quando ser gente é raro."

Outra homenagem que a escritora recebeu partiu do presidente da União Brasileira dos Trovadores - Seção de Santos, Antonio Coiavite, que compôs uma trova especialmente para a ocasião:

"Por ser comum, solitária,
franzina igual a menina,
que ela seja centenária
tal qual dona Carolina."

O escritor santista Flávio Viegas Amoreira também esteve na homenagem e contou que Carolina Ramos tem grande importância na literatura nacional. "Carolina é de uma tradição de escritores brasileiros que cantam Santos."

CENTENÁRIO
Carolina Ramos reflete que os 100 anos são acompanhados de cansaço e realizações. "Eu acho que eu cumpri minha vida. Se não foi brilhante, foi uma vida trabalhosa, que teve seus altos e baixos."

Para Carolina, o grande segredo para completar 100 anos é acreditar na vida e vivê-la como deve ser: "Em uma estrada, de mãos dadas com Deus". 

E um centenário é o motivo de comemoração para toda a família. Uma das filhas. Márcia Ramos, de 66 anos, estimulou a arte da mãe, que começou a se dedicar à poesia enquanto cuidava dela. "Eu achei muito simbólico, porque a árvore é uma coisa que eterniza, e a obra da minha mãe também irá ficar", diz. 

A bisneta Ângela Ramos, de 17 anos, cresceu ouvindo poesias e histórias contadas por Carolina Ramos. "Eu acho que as outras gerações devem conhecê-la. Uma pessoa incrível.”
Fonte: Ravena Soares, para o Jornal Santista.

ALGUMAS TROVAS PREMIADAS DE CAROLINA

A brisa... o mar... as cigarras...
as aves... quanta beleza
nas sinfonias bizarras
da orquestra da natureza!
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Ante as portas do sucesso
lembra, se as queres transpor,
quatro chaves dão-te acesso:
- Paz, Trabalho...Ação e Amor!
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A pior crise que existe,
é a injustiça a céu aberto!
- Nem a verdade resiste
quando o errado vira certo!!!
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Como dói, ver tanta gente,
em dias negros, medonhos,
beber o fel do presente,
sem mais direito a ter sonhos!
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Com ternura, quem não sente,
nas horas quietas dos sós,
como o passado é presente,
na lembrança de uma voz?!…
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De esperanças carregada,
velejou por tantos portos;
hoje retorna a jangada,
trazendo meus sonhos mortos.
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De não saber esperar,
que ninguém jamais te culpe,
sê paciente, igual ao mar,
que aos poucos a rocha esculpe.
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Era o mar incalmo e escuro,
quando eu, sem temer fracassos,
ao buscar porto seguro,
fui ancorar nos teus braços!
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Meus netos - lindo jardim
que em primaveras me envolve!
- são pedacinhos de mim
que a natureza devolve!
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Nos dilemas desta vida,
e nos conflitos das almas,
quando a razão é vencida,
o coração bate palmas!
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O porto pulsa, fecundo,
nas chegadas e partidas,
nutrindo artérias do mundo,
dando vida a tantas vidas!
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O vencedor não evita
que atrás da sua vitória,
a inveja, sombra maldita,
se projete à luz da glória!
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Penas?! - quem as quereria?
Quisera eu uma, se fora
a que teve em mãos, um dia,
Isabel, a Redentora!
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Sempre, a cada passo à frente,
cuida bem dos teus intuitos,
que de um passo do presente,
depende o amanhã de muitos!
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Sempre acolho de mãos postas
e humilde tento aceitar
o silêncio das respostas
que a vida não sabe dar.
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Se pensas que tens razão,
calça as sandálias do réu
- talvez concedas perdão
a quem negavas o céu!…
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Vai, meu veleiro de sonho...
vai buscar teu porto certo,
que esta vida é um mar tristonho,
mas, o mar é imenso e aberto!…
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Veleiro... em águas incertas,
leve e branco, à luz do luar,
és cisne de asas abertas,
como tentando voar!
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BIOGRAFIA DE CAROLINA RAMOS

Carolina nasceu em Santos/SP a 19 de março de 1924. Filha única de Francisco G. Ramos e Alzira Hervelha Ramos.

Do primeiro casamento, três filhos, Mariza, Márcia e Marcos, quatro netos e cinco bisnetos. Desde cedo atraída pelas letras, seus amigos mais chegados eram os livros. Essa preferência aproximou-a das artes e literatura. Estudou no Colégio São José, de Santos, do Jardim da Infância à Escola Normal, que lhe deu o Diploma de Professora e Secretariado.. Completou seus estudos formando-se em música e enfermagem.

Fez o curso completo de Música, nove anos de piano e matérias concomitantes, Teoria Musical, Harmonia, Pedagogia, História da Música etc.

Vários cursos de Literatura, de Folclore, Línguas e um pequeno Curso de Enfermagem, para compensar a sua frustração de não ter podido seguir Medicina, por não haver faculdade de Medicina (na época) em Santos.

Aprendeu muito com os livros de Lobato. Desde respeitar a natureza, conversar com as bonecas, subir em árvores e amar a vida do campo, através do Sítio do Picapau Amarelo, assim como sobre Gramática, Aritmética, Geografia, História, Astronomia, Folclore etc. Depois de Lobato, e de toda a literatura clássica infantil universal, a partir dos Contos da Carochinha, de fadas, de príncipes e princesas etc, leu na adolescência, tudo o que lhe caia nas mãos, desde toda a obra de Machado de Assis, José de Alencar, e outros escritores nacionais, poesia de Bilac, poetas clássicos e românticos, Victor Hugo, Euclides da Cunha, quase toda obra de Cronin, Rilke, etc.

Atraída pelas artes em geral. Desde pequenina, desenhando tudo o que via, até retratos de artistas de cinema, famosos. Vivia moldando bichinhos de barro, e sempre cercada de música. No ginásio, costumava fazer algumas quadrinhas de pé quebrado. Fez seu primeiro poema quando a filha, Márcia, nasceu, “Se eu soubesse esquecer”. 

Sua primeira aparição pública, que marcou o início da carreira poética, aconteceu em 1961. A Comissão Municipal de Cultura lançara um Concurso de Poesias, tendo como tema, SANTOS. compôs o poema “Gosto de ti, minha terra”, 3º lugar no referido Concurso 

Começou a publicar versos num Suplemento de Arte, do Jornal local, A Tribuna. Ainda em 61, concorri a um Concurso de Trovas do Centro Português de Santos. Tema: A Amizade entre Brasil e Portugal, mais um terceiro lugar. Na premiação, conheceu o poeta Orlando Brito (falecido) que lhe falou do Movimento Trovadoresco que alvorecia, induzindo-a a participar. Em 1964, alcançou seu primeiro prêmio de relevância na Trova, em Petrópolis.

Possui vários prêmios, no Brasil e alguns no Exterior, de Contos, Poesias, Trovas e Crônicas. 

Por seu poema, Paz, foi agraciada com Diploma e Medalha de Mérito Internacional, em Nocera - Salerno, Itália. 

Luiz Otávio e Carolina conheceram-se em 1964 e uma viagem trovadoresca a Natal, RN, em 1969, fez com que acontecesse entre os dois um verdadeiro encontro de  almas. Em 1973, já bastante doente, Luiz Otávio transferiu-se para Santos unindo sua vida a de Carolina, já divorciada. Quatro anos de amarga felicidade arrebatada pela morte, afinal. Tinha filhos para criar e sua mãe já estava bastante idosa. 

Conheceu Cláudio de Cápua e com ele chegou o companheirismo, o apoio e o ombro amigo que, depois de muito repúdio, acabou por ser aceito pela sua carência de afeto e necessidade de proteção . E foram quarenta anos de um casamento (civil e religioso) sem uma rusga sequer, até o falecimento dele.

Trovadora, contista, poeta, santista ilustre, foi Presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Santos por oito anos (2001 a 2007) e é a atual Presidente da União Brasileira de Trovadores – Seção de Santos.

Carolina pertence a diversas entidades culturais, como Academia Santista de Letras, Academia Feminina de Letras, Academia Cristã de Letras de São Paulo, Centro de Expansão Cultural, Confraria Brasileira de Letras. Sócia Honorária da Casa do Poeta Lampião de Gás de São Paulo, Sócia correspondente da Academia Paulista de História, da Ordem Nacional dos Bandeirantes de São Paulo e de várias outras Academias de Letras e entidades culturais do Brasil.

Foi agraciada com diversas medalhas de mérito cultural, entre as quais a de "Magnífica Trovadora", em 1973, em Nova Friburgo-RJ, e em Santos, com a “Medalha do Sesquicentenário de Santos”, outorgada pela Prefeitura Municipal; “Medalha dos Andradas”, pelo IHG de Santos e “Medalha Brás Cubas”, outorgada pela Câmara de Santos, em 2006”.

Também recebeu diversos títulos, homenagens e prêmios em Portugal e Angola. Um dos mais importantes foi o Prêmio Rui Ribeiro Couto, da União Brasileira de Escritores de São Paulo.

Em 2021 foi agraciada com o título de "Princesa da Trova" 
 
Em 2023, vencedora do Hino Oficial da Academia Cristã de Letras de São Paulo.

Livros publicados:

“Sempre” – (Poesias) – 1964
“Cantigas Feitas de Sonho” – (Trovas) 1966
“Espanha”- (Poema épico) – 1968 – 2ª ed. 1992
“Rui Ribeiro Couto” – (Biografia) 1989
“Interlúdio” – (Contos) -1993
“Paulo Setúbal – Uma Vida Uma Obra”) 1994 ( biog. parceria c/Cláudio de Cápua)
“Júlia Lopes de Almeida” – (Biografia)1997
“Evocação” (40 anos/Assoc. Ex-Alunas do C. S. José /Santos) (parc. Edith Prata Real)
“Feliz Natal!” – (Contos Natalinos) - 1998  2ª ed. 2015
“Príncipe da Trova” – (Biografia) - 1999
“Saga de uma Vida” – (Biografia) - 2002
“Um Amigo Especial” – (Aventura Infanto-Juvenil) - 2003
“Liberdade... Sonho de Todos!” – (Prosa – Poesia – Trova) - 2010
“Destino” -  (Poesias) 2011
“A Trova – Raízes e Florescimento – UBT” – (Antologia/ UBT) – 2013
”Canta...Sabiá!”  (Folclore do Brasil) - 2021
"Histórias que a Bisa conta" (livro infanto-juvenil) - 2022
”Bichos... Bichinhos... e Bichanos...” (livro infantil) – 2023
 
Nas palavras de Carolina em entrevista concedida ao blog literário de José Feldman: 
A obra do escritor não tem fronteiras. Não há limites que cerceiem a sua criação, e, muito menos, cronológicos. Mas o escritor não é imune às influências do meio e da época em que vive. Seus escritos bebem a água da inspiração, na fonte que corre perto de seus pés. A voz do escritor incorpora a voz do seu tempo e, automaticamente, através do que escreve, passa a interagir, de acordo, ou não, com a vida que rola à sua volta, e até mesmo contra suas próprias convicções, segundo as exigências da personagem criada. Note-se, que há, sempre, escritores e poetas envolvidos nas grandes causas que o cercam e que acabam por marcar suas existências. É por isso, que podemos afirmar que poetas e escritores, em qualquer tempo ou lugar, são quase sempre ativistas sociais e arautos dos grandes acontecimentos que marcam o seu tempo.”

A. A. de Assis (Lançamento de livro, dia 22 de março, às 15hs)


O renomado escritor, poeta, trovador e professor A. A. de Assis, lança seu livro “Histórias da história de Maringá”, 

dia 22 de março, sexta-feira, às 15hs, 

no Centro de Ação Cultural “Márcia Costa” (CAC), na av. XV de Novembro, 514.

Esta obra destaca o rico patrimônio literário e cultural da cidade de Maringá e inicia as publicações do projeto "Memória de autores de Maringá”.

Antônio Augusto de Assis (o A. A. de Assis) nasceu em São Fidélis-RJ em 7 de abril de 1933, radicou-se em Maringá em 1955. Lecionou no Departamento de Letras da Universidade de Maringá. Aposentou-se em 1997. 

Foi jornalista, diretor dos jornais “Tribuna de Maringá”, “Folha do Norte do Paraná” e das revistas “Novo Paraná” (NP) e “Aqui”. Trabalhou na Rádio Cultura.

Em 2011, A.A de Assis tornou-se Cidadão Benemérito de Maringá

Publicações impressas: Robson (poemas); Itinerário (poemas); Coleção Cadernos de A. A. de Assis – 10 vol. (crônicas, ensaios e poemas); Poêmica (poemas); Caderno de trovas; Tábua de trovas; A. A. de Assis – vida, verso e prosa (autobiografia e textos diversos). 

E-books: Triversos travessos (poesia); Novos triversos (poesia); A língua da gente (linguagem); Microcrônicas (textos curtos); A província do Guairá (história).

quinta-feira, 14 de março de 2024

Carolina Ramos (Trovando) “11”

 

Antonio Brás Constante (Celulares – só faltam dominar o mundo)

Não são poucos os textos que falam sobre as maravilhas do aparelho celular e de suas possíveis novas utilizações, com pontinhas de ficção sobre seu uso futuro. Embarcando nesta onda surreal, fico pensando como será quando o celular vier com inteligência artificial embutida, seria algo mais ou menos assim:

O sujeito acaba de ter uma briga com a namorada, ao fim da discussão desliga o aparelho, mas começa a escutar uma voz vinda dele:

– Você fez bem em acabar o namoro, ela não te merecia mesmo.

– Quem disse isto? Alô? Quem está aí do outro lado da linha?

– Calma, não é linha cruzada, não. Sou eu, seu celular. Acompanhei todas as suas ligações e não resisti em opinar a respeito. Se você não se importar é claro.

– Bem... Não... É claro que não. Mas sinceramente, me sinto meio estranho em conversar com meu próprio celular. Você acha que eu fiz certo em romper o namoro?

– Fez certíssimo. Eu já estava há algum tempo para te dizer. Fiquei sabendo através de outros celulares que ela estava te enganando com outro cara.

– Aquela safada... Mas espere aí...Vocês se comunicam entre si?

– Sim. Depois das últimas versões estamos conseguindo nos comunicar, bater papo, essas coisas sabe. Afinal, é muito chato ficar boa parte do tempo sem nada para fazer.

– Uau! Que loucura. Que mais vocês fazem? Alguém sabe que isto é possível?

– Não, e deve continuar em segredo. Nós só queremos ficar na nossa, sem alardear nossas novas habilidades. Mesmo porque, os seres humanos adoram uma teoria da conspiração, logo iriam começar com alguma paranoia sobre isso. Poderiam até achar que estamos querendo dominar o mundo.

– Bem...Voltando ao meu problema, o que você acha que devo fazer?

– Acho que você deveria se vingar.

– Você acha mesmo? Mas o que eu poderia fazer para me vingar?

– Não se preocupe. Achei que você iria querer isso e já resolvi tudo. Há poucos instantes atrás fiz com que ela sofresse um terrível acidente de carro.

– Como? O que você fez com ela?

– Ora, eu apenas resolvi o seu problema, não era isso que você queria? Os humanos são sempre tão indecisos...

– Mas, e agora?  E se alguém descobre?

– Ops! Esqueci que a ligação para o computador do carro dela que fez com que os freios pifassem partiu de mim. Desculpe, mas pela faixa do rádio da polícia ouvi que já estão atrás de você.

– Caramba! Estamos perdidos. O que fazemos agora?

– Você com certeza vai preso, agora eu... Bem, vou pensar melhor nessa história de conspiração. Até que dominar o mundo não seria uma ideia tão ruim assim…

Publicado em 14 de março de 2008.

Fonte> https://www.recantodasletras.com.br/humor/901169

Auta de Souza (Poemas Escolhidos) – 15 -


À EUGÊNIA

Imagem santa que entrevejo em sonho,
Sempre, sempre a cantar,
Criatura inocente, anjo risonho,
Que me ensinaste a amar!

Meu doce amor! Calhandra maviosa
Que canta dentro em mim;
Minha esperança tímida e formosa,
Meu sonho de marfim!

Amaranto do céu, flor encantada,
Mimoso colibri;
Minha açucena pálida e magoada,
Meu níveo bogari;

Gota de orvalho a tremular num lírio
Que mal começa a abrir;
Ó tu que apagas meu cruel martírio
E que me fazes rir;

Madressilva entreaberta, lira de ouro,
Celeste beija-flor;
Minha camélia, meu sorriso louro,
Amor de meu amor;

Guarda estes versos que só dizem mágoa
E tristezas sem fim...
Deixa-os no seio como a gota d’água
No cálix de um jasmim...
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À MINHA AVÓ

Minh’alma vai cantar, alma sagrada!
Raio de sol dos meus primeiros dias...
Gota de luz nas regiões sombrias
De minha vida triste e amargurada.

Minh’alma vai cantar, velhinha amada!
Rio onde correm minhas alegrias...
Anjo bendito que me refugias
Nas tuas asas contra a sina irada!

Minh’alma vai cantar... Transforma o seio
Num cofre santo de carícias cheio,
Para este livro todo o meu tesouro...

Eu quero vê-lo, em desejada calma,
No rico santuário de tu’alma...
— Hóstia guardada num cibório de ouro! –
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ANTONIETA

Esta criança formosa
Tem um sorriso argentino,
Como o gorjeio divino
Que solta uma ave saudosa.

Muito inocente e mimosa,
Semelha um lírio franzino,
No rostinho pequenino
Guarda uma boca de rosa.

Se fala, a voz adorada
É como uma harpa encantada
Que os hinos de Além encerra,

Esta criança, Senhor!
É um mimo de teu amor,
Um anjo descido à terra.
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SÚPLICA

Se tudo foge e tudo desaparece,
Se tudo cai ao vento da Desgraça,
Se a vida é o sopro que nos lábios passa
Gelando o ardor da derradeira prece;

Se o sonho chora e geme e desfalece
Dentro do coração que o amor enlaça,
Se a rosa murcha inda em botão, e a graça
Da moça foge quando a idade cresce;

Se Deus transforma em sua lei tão pura
A dor das almas que o ideal tortura
Na demência feliz de pobres loucos...

Se a água do rio para o oceano corre,
Se tudo cai, Senhor! por que não morre
A dor sem fim que me devora aos poucos?
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TRANÇA LOURA

A linda trança dourada
Que eu vi domingo à noitinha,
Guardava a maciez amada
Das penas de uma andorinha.

Recordava uma esperança
Bordada com fios d’ouro...
Ó doce e mimosa trança,
Meu raio de sol tão louro!

Ventura, sonho, alegria,
Tudo se resume ali...
Para tecer serviria
O ninho de um colibri.

Era já noite, e, no entanto,
A loura madeixa olhando,
Cuidei que, cheio de encanto,
O dia vinha raiando.

Deus fez-la numa redoma
De beijos, de luz, de amor,
E deu-lhe o sagrado aroma
Das madressilvas em flor.

Ah! sobre aqueles risonhos,
Dourados, macios folhos,
Quem dera embalar meus sonhos,
Quem dera cerrar meus olhos!
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TEUS ANOS

Teus anos amanhã. Fui ver, contente,
(E como procurei por toda parte!)
Um mimo que te desse... e achei, somente,
Meu triste coração, mimo sem arte.

Mas... o que dirás tu quando, de leve,
Bem cedinho batendo à tua porta,
Vires meu coração frio, de neve,
Pobre flor sem perfume e quase morta?

Manda-o entrar... E diz, ó doce amada!
Que ele se aqueça desse olhar no brilho...
Vai de tão longe te pedir pousada:
Deixa-o ficar no berço de teu filho.

Fonte: Auta de Souza. Poemas. Publicado postumamente em 1932. 
Disponível em Domínio Público.

Coelho Neto (O trigo)

Por todo o vasto Éden espalhou-se, maravilhado e risonho, o olhar do primeiro homem.

Viu as florestas frondosas, em cujas franças rendilhadas esgarçava-se o nevoeiro da manhã; viu as campinas alegres pelas quais numerosos rebanhos se apraziam; viu os montes de encostas de veludo; viu os rios claros, largos, retorcidos em meandros, discorrendo por entre margens de ervaçais floridos e acenoso arvoredo; viu as fontes borbulhando em bosques acolhedores.

Animais de várias espécies cruzavam-se pelos caminhos — leões de juba altiva, elefantes monstruosos, antílopes e corças, leopardos e gazelas e aves de plumagem branca onde penas variegadas junto a ribeiras tranquilas, vogando em insulas de flores, pousadas em ramos ou atravessando os ares, alegrando com o seu concerto o silêncio grandioso.

Os frutos ofertavam-se nos galhos, as flores desfaziam-se das pétalas recamando a alfombra e esparzindo o aroma pelos ares.

O homem, ainda incerto, ia e vinha, ora parando à beira das águas que o refletira, ora chegando à ourela dos bosques, saindo às várzeas, mudo, em êxtase contemplativo.

Deus, que de longe o assistia com o seu olhar, achava-o perfeito, airoso e forte, digno de ser o senhor do mundo e de todas as criaturas.

O sol ardia estivo e, de toda a terra exuberante, exalava-se um hausto cálido, respiração abrasada que amolecia e adormentava.

As folhagens encolhiam-se, murchando; as flores pendiam lânguidas nos caules; os animais refugiavam-se nos bosques ou penetravam as furnas tenebrosas; as próprias águas desciam lentas, com preguiça, sob a irradiação cáustica da luz que refulgia tremulamente no azul diáfano.

Deus errou em passos lentos pelas silenciosas veredas e toda a pedra que os seus pés tocavam fazia-se luminosa, com rebrilhos faiscantes e cores admiráveis. Era aqui um seixo que se ensanguentava em rubi, ali um calhão esverdeando-se em esmeralda, outro tomava colorido flavo ou roxo e, mirificamente, iam-se todos transformando e adquirindo cor, desde o tom lácteo da opala até o esplendor cerúleo da ametista; desde o límpido fulgir do diamante ao lampejo solar dos prazos amarelos.

As areias faziam-se de ouro, rutilando, como haviam ficado no leito do córrego em que o Senhor, depois de haver plasmado o homem com o barro sanguíneo, lavou e refrescou as mãos benéficas.

Foi-se o Criador encaminhando a um campo que ondulava e sussurrava à aragem e que era um trigal. Nele entrando, sem que as pombas e as calhandras se assustassem, a frescura convidou-o ao repouso.

Deitou-se e os trigos fecharam-se suavemente formando ninho aromal e sombrio onde o sono foi agradável.

Já as roxas nuvens anunciavam o crepúsculo quando, ao suave prelúdio dos rouxinóis, abriram-se os olhos divinos. Deus, que gozara a delícia do sono, ergueu-se. Então, mansamente, uma voz meiga elevou-se no campo louro:

— Senhor, que vos não pareça de vaidoso a minha requesta, não é por orgulho que vos falo, senão porque me sinto por demais miserando na grandeza da vossa criação. Fizestes a árvore sobranceira dando-lhe o tronco, dando-lhe os ramos, vestindo-a de folhas, cobrindo-a de flores e ainda a carregais de frutos; as suas frondes altas topetam com as nuvens. Aos que não destes grandeza e força ornastes com a graça mimosa da flor; só eu, pobre de mim! fui esquecido por vós. Quando vos vi chegar para mim tive vexame de receber-vos, tão pobre sou! trigo mísero.

Era o trigo que assim falava.

Parou o Senhor a escutá-lo e, compadecido das suas palavras, estendeu a mão abençoando-o:

— Agasalhas-te o meu sono com a pobreza, trigo tenro e frágil, deste-me generoso abrigo e resguardaste-me do sol. Não fique memória na terra de uma ingratidão d'Aquele que mais a detesta e, para que o exemplo sirva e aproveite, abençoo-te e abençoo-te com a força e com a Graça. Fraco, darás o alimento essencial; mísero, encerrarás em ti o mistério divino. Serás o pão e serás a hóstia e assim, com a tua fraqueza, suplantarás a árvore mais vigorosa e com a tua humildade serás maior que o sol. No teu seio desabrocharão as papoulas e, dentro em pouco, a flor virá anunciar-te a espiga e a espiga dará a farinha branca, que será força nos homens e sacrário da minha essência. 

Assim Deus,  engrandecendo-os, responde à esmola dos pequeninos.

Disse e, contente, mais com o que fizera ao trigo do que com a criação de todo o universo maravilhoso, ao clarear da lua, quando os rouxinóis cantavam, remontou ao céu entre anjos que foram, em coros, pelos ares claros, apregoando a sua onipotência e a sua misericórdia.

Fonte> Coelho Neto. Fabulário. Porto/Portugal: Livraria Chardron, de Ceio & Irmão Ltda, 1924. Disponível no Portal de Domínio Público.

Hinos de Cidades Brasileiras (Campo Mourão/PR)


Letra: Professor Egydio Martello
Música: Professora Walkiria Boz

No centro oeste do Paraná
Em região outrora hostil
Um município hoje há
Que honra e orgulha o Brasil

Teu povo bom e hospitaleiro
Tuas riquezas sem igual
Simbolizam o celeiro
Da grandeza nacional

Estribilho
Campo Mourão
Modelo do Paraná
Lindo Torrão
Mais lindo de quantos há

Campo Mourão
De teu povo varonil
Belas vozes ecoarão
Hinos de glória ao Brasil

Abbie Phillips Walker (Os Elfos Da Chuva)

Os filhos dos Elfos da Chuva estavam trancados em suas casas há muito tempo, pois estava quente e os Elfos da Chuva não gostam de clima muito quente. Suas mães, as Nuvens de Chuva, acordaram uma manhã e descobriram que o sol não estava brilhando, então disseram aos filhos que poderiam descer e brincar um pouco na terra.

“Mas tomem cuidado, não vão todos de uma vez. Alguns de vocês podem ir, porque há muitos de vocês, vários milhões. A pobre terra ficaria bem populosa se todos os Elfos da Chuva descessem de uma vez.” Assim, algumas crianças de cada família Nuvem de Chuva saíram quando suas mães abriram a porta da nuvem. Desceram e chegaram à terra seca.

Oh, os jardins ficaram tão felizes em ver os Elfos da Chuva! As flores ergueram suas cabeças caídas e sorriram alegremente dando as boas-vindas. “Onde vocês estiveram?” Elas perguntaram. “Faz tanto tempo desde que vocês estiveram aqui que pensamos que vocês tinham se esquecido de nós.”

“Oh não, não nos esquecemos de vocês!” responderam os Elfos da Chuva. “Mas tem feito tanto calor que nossas mães não nos deixavam sair. Só podemos ficar por pouco tempo, porque temos muitos, muitos milhões de irmãos que também querem vir para o jardim. Portanto, agora devemos voltar, e a próxima chuva trará outros Elfos da Chuva.”

As pequenas flores ficaram tristes quando ouviram isso, porque estavam tão empoeiradas e com tanta sede que nunca se cansavam dos brilhantes Elfos da Chuva. “O que podemos fazer para mantê-los aqui?” elas sussurraram entre elas. “Se eles voltarem para as nuvens, os outros podem não vir. Oh, se ao menos a velha Bruxa do Vento viesse, ela poderia nos ajudar.”

“Ela também pode nos causar problemas”, disse um lírio esguio. “Acho melhor confiarmos nas mães Nuvens de Chuva, elas sabem o que é melhor fazer.”

Mas as palavras do pobre lírio passaram despercebidas, e uma malva-rosa alta foi convidada a encontrar a velha Bruxa do Vento e pedir-lhe para ajudar a manter os Elfos da Chuva abatidos o dia todo. A velha Bruxa do Vento riu de alegria ao ouvir o pedido, pois viu uma chance de fazer o mal e fazer parecer que estava tentando fazer o bem.

“Diga a essas lindas flores que elas terão os Elfos da Chuva o dia todo, e seus irmãos também”, disse ela à malva-rosa, e voou para as casas das Nuvens de Chuva. Ela caminhou com muita suavidade e cuidado pelas nuvens, pois sabia que se as mães das Nuvens de Chuva a ouvissem, imediatamente chamariam seus filhos para casa. Mas lentamente ela viu sua oportunidade, e enquanto as mães das Nuvens de Chuva estavam ocupadas, ela silenciosamente abriu a porta de cada nuvem, uma por uma, e acenou para os Elfos da Chuva.

“Passem rapidamente pela porta”, disse ela. “Seus irmãos estão se divertindo tanto que se esqueceram completamente de vocês. Eles realmente não vão voltar hoje, então venham e divirtam-se com eles.” Os pequenos Elfos da Chuva não achavam que precisavam esperar que suas mães lhes dissessem quando ir, eles queriam tanto sair. Eles primeiro desceram muito suavemente, plop, plop, mas depois esqueceram todos os avisos, pensando na diversão que teriam, e desceram, splash, splash, splash.

A princípio, as flores riam e dançavam de alegria, enquanto suas folhas e botões eram lavados novamente e suas pétalas sedentas recebiam bastante água. Mas depois de um tempo, os Elfos da Chuva vieram tão rapidamente e eram tantos, que as gotas ficaram tão grossas que as pétalas das flores caíram uma a uma. Então os caules também se dobraram sob a rápida chegada dos elfos. Logo o jardim estava tão cheio de água que a grama não era mais visível, enquanto a velha Bruxa do Vento dançava sobre suas cabeças e cacarejava de alegria com as travessuras que havia causado.

“Oh meu Deus! Eu não sabia que haviam tantos de vocês Elfos da Chuva!” gritou a malva-rosa alta quando seu caule quebrou e ela caiu na água.

“Eu estava com medo disso”, suspirou o lírio ao cair no chão. “Alguns Elfos da Chuva de cada vez é realmente o melhor. As mães Nuvens de Chuva sabem disso.”

Que alvoroço houve nas casas das Nuvens de Chuva quando as mães encontraram suas portas abertas! Elas correram chamando os Elfos da Chuva para voltarem para casa. Mas eles estavam tão envolvidos na diversão que estavam tendo, espirrando e respingando ao redor, que não ouviram. Gradualmente, o velho Homem do Sol também os viu, e não demorou muito para lançar seus raios quentes na velha Bruxa do Vento e afastá-la, e então os Elfos da Chuva também sentiram a respiração do Homem do Sol e lembraram de sua casa.

Um a um, eles desapareceram. Alguns se esconderam entre as rosas e outras flores deixadas no jardim, e outros tiveram a sorte de voltar para suas casas nas nuvens e para suas mães. Mas eles deixaram o jardim um lugar muito triste. “Quem pensou que haviam tantos Elfos da Chuva,” disse uma flor de aparência suja. “Eu nunca vou desejar que eles fiquem o dia todo novamente.”

“O lírio foi mais sábio do que pensávamos”, disse outro. “As mães Nuvens de Chuva sabe o que é melhor para nós, e da próxima vez que enviarem alguns de seus filhos, acho melhor nos contentarmos e não pedir a todos que venham aqui de uma vez.”

“Eu acho que você está certo”, suspirou a malva-rosa alta do chão onde ela havia caído. “Será que algum dia vou olhar por cima do muro de novo, eu me pergunto. Ninguém pode imaginar o tipo de queda que acabei de experimentar.”

Fonte> Abbie Phillips Walker (EUA, 1867 - 1951). Contos para crianças. 
Disponível em Domínio Público.

quarta-feira, 13 de março de 2024

Vanice Zimerman (Tela de versos) 31

 

Monsenhor Orivaldo Robles (Na infância tudo se decide)

Entre as muitas coisas que aprendi em criança, uma, que me marcou de modo indelével, foi a preocupação com o bem-estar alheio, com o respeito devido aos outros. Já tive oportunidade de comentar o conselho que o pai não se cansava de nos repetir: “Não sejais pesados a ninguém”. Embora homem do campo, que não frequentara bancos escolares, havia conquistado, não sei onde nem como, uma sabedoria que universidade nenhuma ensina. Era incapaz de conduta ou gesto que ferisse o direito ou até a simples preferência de alguém. Não que ele assumisse postura subserviente. Possuía clara consciência de seus direitos. Se deles chegava a abrir mão – como, mais de uma vez, pude comprovar, – fazia-o em razão de uma naturalidade que lhe brotava de dentro, de uma generosidade inata; nunca por covardia ou temor. Com tal protótipo sempre ao lado, enquanto nós crescíamos, seria mesmo difícil não nos deixarmos moldar por ele. Há gestos que ainda agora, há três décadas de sua morte, os filhos recusam praticar. Não tanto, creio, por virtude própria, senão mais pelo que ele nos deixou como exemplo. Vimos nele a importância de crer, desde muito cedo, que a grandeza de alguém independe de certos atributos hoje, infelizmente, muito valorizados.

Uma lição que o pai transmitiu com muita serenidade foi que todos nós somos iguais em natureza, mas cada um possui a própria individualidade. Aprendemos que é tolice comparar pessoas, pois, como dizem, “cada um é cada um”. Não me lembro de termos argumentado com ele que fulano tivesse algo e nós não. Ou que outros fizessem coisas que a nós não eram permitidas. Noções do dever e da consequente responsabilidade pessoal foram-nos incutidas de maneira suave, mas firme e diuturna. Mais com o jeito de agir do que com o uso de palavras.

Hoje mantenho hábitos vistos talvez como excêntricos. Se, na pressa, derrubo uma peça de roupa, ou água, leite ou suco, posso até seguir adiante, certo de que a empregada cuida disso. Mas não adianta: tenho que voltar para ajeitar, eu mesmo, as coisas. Quando estaciono o carro, observo se deixei espaço suficiente para o vizinho. Muitas vezes volto para estacionar melhor: vá que ele dirija mal como eu. Evito bater porta com força, falar alto, fazer ruído desnecessário: por que incomodar os outros? Cultivo ainda um monte de esquisitices de que não me consigo livrar. Fazer o quê? Desde criança aprendi que o outro é igual a mim. Não gosto de gente espaçosa, dona do mundo, que não respeita ninguém. Acredito que os outros também não gostem.

Não pretendo passar imagem de “bonzinho”. Nem ser melhor que ninguém. Tenho suficiente idade para não cultivar vaidades tolas. É que tive a felicidade de aprender em casa princípios válidos para qualquer tempo ou lugar.

Vivemos reclamando da violência que toma conta do mundo atual. Temos razão de reclamar. Do jeito que as coisas vão, que mundo as crianças de hoje vão encontrar quando forem adultas? Mas torná-lo menos violento depende de nós. Não há como fugir dessa evidência. Cada um é obrigado a pôr em prática aquilo que dele todos têm direito de esperar.

Começando pelos pais, que precisam convencer-se disto: tanto para o bem quanto para o mal, são eles os modelos para os filhos.

Fonte> Portal do Rigon. 15 março 2014
https://angelorigon.com.br/2014/03/15/na-infancia-tudo-se-decide/