sábado, 22 de janeiro de 2011

Jandi Fabian Barbosa e Tania M. K. Rosing (A Literatura Infanto-Juvenil: do Acesso ao Livro até a Formação do Leitor)


RESUMO: O presente trabalho – A Literatura Infanto-Juvenil: Do acesso ao livro até a formação do leitor – reúne reflexões acerca de um tema com linha tríplice, ou seja, o estudo de algumas particularidades referentes ao desenvolvimento da literatura infanto-juvenil em sala de aula. Em primeiro plano a abordagem segue a linha que envolve a problematização de acesso a obra literária. Em segundo momento a questão da formação de mediadores de leitura e, a importância desse mediador consolidar-se como um eu - leitor e, assim, construir uma fortuna literária adequada para realizar sua função de formar leitores literários críticos. Assumindo o leitor um papel de pronunciar sua percepção sobre o que encontrou por meio da leitura e e/ou ampliar sua organização intelectual a respeito do contingente social que o cerca.

PALAVRAS - CHAVE: Acesso – mediadores – leitura – leitor.


1- Introdução

O presente trabalho – A Literatura Infanto-Juvenil: Do acesso ao livro até a formação do leitor – reúne reflexões acerca de um tema com linha tríplice, ou seja, o estudo de algumas particularidades referentes ao desenvolvimento da literatura infanto-juvenil em sala de aula. Em primeiro plano a abordagem segue a linha que envolve a problematização de acesso a obra literária, não somente dos livros tradicionais, mas também, a inclusão das novas e mais diversas ferramentas como: Hqs, Dvds, quadrinhos, entre outros que servem como suporte de alto grau de interesse dos jovens estudantes. Em segundo momento a questão da formação de mediadores de leitura e, a importância desse mediador consolidar-se como um eu - leitor e, assim, construir uma fortuna literária adequada para realizar sua função de formar leitores literários críticos.

Por fim o objetivo primordial que alimenta essa proposta cientifica é demonstrar as possibilidades em que o mediador de leitura pode desenvolver o seu trabalho buscando debruçar a ênfase na forma de apresentar a obra literária aos leitores, pois é por meio de seu entusiasmo, de sua paixão e dedicação que essas novas peças do mundo da leitura conseguirão desenvolver a capacidade de conhecer e lidar com as realidades que convivem. Nesse sentido procura-se principalmente em evidenciar os recursos que podem ser retirados da obra escolhida e a forma de aplicação que consiste em uma ferramenta extremamente eficaz no processo de emancipação intelectual e cultural desse individuo.

2- Por onde caminha a literatura infanto-juvenil

É costume de qualquer cidadão manifestar opiniões sobre os mais diversos temas que transitam entre nossa sociedade, informações de um conhecimento empírico que na maioria das vezes não são sistematizados e muito menos críticos. No entanto, quando nos deparamos com professores, responsáveis pela boa formação e informação daqueles que logo formarão os pensamentos da futura sociedade, manifestando opiniões dispersas e sem qualquer embasamento teórico sobre as reais condições da propagação da literatura infanto-juvenil; acabamos por perceber as dificuldades que esse profissional tem de assimilar as realidades e condições que circulam em seu ambiente de trabalho e/ou o próprio descomprometi mento com a função de formar um cidadão capaz, leitor, critico e emancipado das grades da ignorância. O contexto é outro e novas atitudes precisam ser traçadas como mostra o excerto:

A movimentação pela formação de leitores no Brasil identifica uma primeira necessidade: reconhecendo-se, na atualidade, a importância da instituição escola como centro de difusão educacional, cultural e tecnológica, onde deve ocorrer o processo de formação de dados em informações e de informações em conhecimento entre professores e alunos, impõe-se urgentemente a formação de professores leitores no exercício da docência a partir de novos parâmetros. (ROSING, 2009, p.129).

Tânia Rosing afirma no trecho supracitado a necessidade de o professor agregar em sua vida mais uma atividade que na verdade já deveria fazer parte de seu cotidiano, a um bom tempo. Ou seja, a importância do educador ir alem dos limites da sala de aula e configurar-se como um leitor competente, integrado e conhecedor da capacidade de envolver o aluno que recai sobre sua função; assim capacitando-se para dialogar com competência sobre as diversas obras que fazem parte de sua fortuna literária.

Experiências de leitura que provavelmente formarão junto com o entusiasmo do professor e sua vontade de romper barreiras um mecanismo eficiente contra a atual situação em que se encontra a escola e os jovens, esses sem interesse algum pelo conhecimento literário, muito provavelmente originado pelas maneiras arcaicas e pouco interessantes em que à literatura e suas obras são apresentadas em sala de aula.

A criança, o jovem, enfim, o aluno precisa ser cativado, ser conquistado, direcionado para o caminho da leitura, se a pessoa se sente pouco à vontade em

aventurar-se na cultura letrada devido à sua origem social, seu distanciamento dos lugares do saber, a dimensão do encontro com um mediador, das trocas, das palavras “verdadeiras”, é essencial. (PETIT, 2008). Muito provavelmente o ato de despertar para o mundo da leitura, do conhecimento acontece por meio de certo amor, de uma admiração resultante do contato com uma bibliotecária, professor, pai, mãe, amigo que independente do grau de aproximação mostra-se como um cidadão comprometido com o conhecimento letrado e demonstra sua satisfação de tal forma que acaba contagiando muitos daqueles que o cercam. Como evidencia o relado da jovem Bopha em pesquisa realizada por Michele Petit.

Lembro-me muito bem como foi que tomei gosto pela leitura: apresentando um livro a meus colegas de classe (tinha uns onze anos). Escolhi Ratos e homens, de Steinbeck. Era a historia de um retardado mental, a historia da amizade entre dois homens. Esse livro me marcou muito, e a partir dele comecei realmente a ler outras coisas, a ler livros sem figuras, a ler autores. Comecei a freqüentar bibliotecas, acompanhando minha irmã, para ver livros, folhear, olhar. (PETIT, 2008, p. 154).

A criança, o jovem precisa estar em contato com o livro, com as revistas, enfim, com todo acervo de leitura possível e realizar ação desde um simples folhear páginas até as leituras, mas intensas. No entanto, acaba sendo na escola que o leitor deixa de ler ou não desenvolve suas leituras. Nas páginas seguintes essa pesquisadora francesa Michele Petit mostra que a jovem bopha que aos onze anos despertou para leitura quando entrou para o ensino médio devido o acumulo de atividades, de matérias e a obrigatoriedade de leitura de algumas obras que exigiam maior poder de compreensão ela acaba distanciando-se do prazer de ler. Essa informação remonta sobre a necessidade de desenvolver uma urgente reformulação no sistema de ensino nas escolas e também a adesão do professor em agregar com competência a importância de apropriar-se do titulo de professor-leitor; e dessa forma conseguir despertar a criança para leitura e conseguir desenvolver esse gosto e crescimento intelectual por toda sua carreira escolar. Zilberman (2009) já afirmava que a crise da leitura é igualmente uma crise da escola, e vice-versa.

3- O Livro ao alcance do leitor

Mais adiante retomaremos a questão de mediação de leitura, afim de, apresentar maneiras de desenvolver essa prática. Agora outro fator que aparece como grande problema para disseminação da leitura é o acesso que as crianças tem aos materiais, não somente o livro em sua forma tradicional, mas também, as mais novas e modernas tecnologias de acesso à leitura como: Quadrinhos, hqs, dvds, internet, televisão entre outros.

É, contudo, pois, que Regina Zilberman, afirma que o livro didático exclui a interpretação e, com isso, exila o leitor [...] Consequentemente, a proposta de que a leitura seja enfatizada na sala de aula significa o resgate de sua função primordial, buscando, sobretudo a recuperação do contato do aluno com a obra de ficção. O estudo de trechos de obras literárias, o uso da literatura para conhecer a sintaxe, como realiza a maioria os livros didáticos, pouco oferecem para o desenvolvimento da leitura. Limitando-se a atividades de cunho estritamente pragmático. O contato com o livro, em sua integridade, deve ser constante, as estimulações por meio das imagens, a criação de histórias, as comparações com a realidade, à leitura da obra pelo professor, juntamente com o ato de folhear e manusear o livro que conseguirão despertar a curiosidade e instigar o estudante a disseminar o gosto pela leitura. É de suma importância o contato com o objeto, com a obra de ficção, essas devem estar a todo o momento ao alcance dos pequenos leitores, para que assim consigam busca-las sempre que desejarem e acabem como afirma o trecho abaixo realizando uma descoberta:

Com efeito, o recurso à literatura pode desencadear com eficiência um novo pacto entre estudantes e o texto, assim como entre aluno e professor. No primeiro caso, trata-se de estimular uma vivência singular com a obra, visando ao enriquecimento pessoal do leitor, sem finalidades precípuas ou cobranças ulteriores. Já que a leitura é necessariamente uma descoberta de mundo. (ZILBERMAN, 2009, p.36).

A constante aproximação dos alunos com a obra literária como antes evidenciado é imprescindível, mas, se faz necessário nesse novo contexto, de constantes descobertas tecnológicas, da televisão, da internet, em que esta envolvida a escola e a educação apresentar para os alunos as outras ferramentas que hoje facilitam o acesso ao mundo da leitura. Ferramentas essas que muitas vezes proporcionam um envolvimento mais rápido e cativante para os pequenos em processo de apropriação da leitura.

Um grande exemplo dentre as novas mídias que cativam de forma gigantesca os jovens, crianças e o público de forma geral é a televisão, que acaba sendo duramente criticada pela pedagogia devido à qualidade de sua programação e seu poder de deformação de caráter, no entanto, assistir televisão é um grande hábito da sociedade contemporânea. E existem programas diversos que o educador pode levar para sala de aula e juntamente com o livro desenvolver um trabalho pedagógico de ensino-aprendizagem altamente produtivo.

Ocupar um espaço na televisão com um programa educativo infantil também despertou, na equipe responsável pelo Mundo da Leitura (*), o cuidado de não reduplicar e reforçar a cultura de massas, tão fortemente enraizada nessa mídia. Em contraposição a isso, elegeu-se como foco do programa a difusão das produções literárias e artísticas provenientes da cultura erudita e da cultura individual criadora e dos conhecimentos gerados pelas ciências modernas; por outro lado, buscou-se resgatar as manifestações da cultura popular, depositária da sabedoria secular do povo iletrado. (BECKER, 2009, p.261).

(*) Mundo da Leitura é um programa de TV produzido pela Universidade de Passo Fundo e exibido nacionalmente no Canal Futura. As aventuras de Gali-Leu e sua turma são elaboradas por uma equipe interdisciplinar que envolve os cursos de Letras, Artes e Comunicação , Educação, Ciências Exatas, e a UPFTV. De forma lúdica e dinâmica, as diversas linguagens apresentadas - manipulação de bonecos, leitura e encenação de textos infantis, artes gráficas, música, entre outros - servem de incentivo para o desenvolvimento da criatividade, do raciocínio lógico e, principalmente, para a criação do hábito da leitura entre as crianças.

A preocupação dos editores da programação do Mundo da Leitura mostra como essa mídia, a televisão, pode ser extremamente relevante no processo de formação e acesso á leitura dos estudantes. Somente se faz necessário à habilidade do professor em escolher as obras, os programas, as atividades que realmente poderão proporcionar o enriquecimento das aulas e do prazer em conhecer a literatura. Da mesma forma pode o educador utilizar-se das inúmeras páginas na internet que fazem referências as obras infantis, ao despertar da curiosidade, trabalhando as imagens em conjunto com o texto escrito. Transitar pelos quadrinhos, pelas hqs, que por suas diversas cores e formatos despertam intensa curiosidade dos alunos. Ou seja, os materiais disponíveis para facilitar a compreensão da literatura e desenvolver o gosto pela leitura são os mais variados, mas, relembramos a necessidade de estarem absolutamente ao alcance dos alunos, devem fazer parte de seu dia-a-dia na escola e principalmente da mediação realizada pelo professor entre esses materiais e os jovens leitores.

4- Transmitir literatura com amor: Formação de Mediadores de leitura

A escritora Michele Petit em seu livro, Os Jovens e a Leitura – Uma nova perspectiva, afirma que o mediador, ou no termo utilizado pela autora, o iniciador aos livros, é aquele que pode legitimar o desejo de ler. Que ajuda a ultrapassar os umbrais em diferentes momentos, que acompanha o leitor no momento difícil de escolher o livro, aquele que possibilita fazer descobertas por meio de seus conselhos sem pender para uma mediação pedagógica. Ë evidente a importância da atuação continua do mediador, entusiástica, mantendo-se de forma persistente ao lado desse jovem que começa a desenvolver o prazer pela leitura.

No entanto, não é esse profissional que encontramos na grande maioria das escolas brasileiras, é comum encontrar educadores voltados às reclamações sobre má remuneração, carga excessiva de aulas, indisciplina dos alunos, e bitolados as mais arcaicas formas de promover o encontro com o conhecimento. Em sua grande maioria, e não falo somente do professor de língua portuguesa, mas também de matemática. Física, geografia, história, química, biologia, entre outras, que não se configuram como leitores assíduos, em que parece terem abandonado o hábito da leitura juntamente com o final de suas graduações. O professor independente da disciplina que leciona precisa posicionar-se como um cidadão literalmente emancipado em termos de leitura, e todos os tipos de leitura como diz Celso Sisto:

Para se chegar a reconhecer um bom livro, é preciso ter lido maus livros! É preciso ter lido livros mais ou menos. É preciso ter descoberto bons livros. É preciso estar atento ao que esta aí no mercado, freqüentar livrarias, mexer nos livros, fuçar nas estantes das bibliotecas. Seja qual for à experiência de escolha dos livros (a táctil não deveria estar descartada, como em algumas bibliotecas!), o histórico das leituras esta lá, latente, guardado (e grudado!) no leitor, e se põe em movimento cada vez que se começa a ler um livro. (SISTO, 2009, p.123).

É, contudo, pois, ainda utilizando-se dos apontamentos de Sisto que se o leitor alcança o estágio de leitor crítico, ele não deixara, ou seja, não é possível voltar atrás, abandonar a leitura e esquecer sua fortuna literária, mas lembra, existe apenas um caminho para atingir esse ideário, lendo! Reflexões dessa magnitude nos levam a imaginar que os educadores que compõe o quadro de trabalho das escolas de hoje, como não desenvolvem o hábito da leitura e apresentam enorme dificuldade em indicar as obras aos alunos; encaminhá-los por um caminho interessante, recheado de descobertas, de reconhecimento de si e do mundo que o cerca, evidencia que esse profissional nunca chegou a se tornar um leitor.

Procuramos demonstrar a necessidade do educador se converter em uma pessoa leitora, em um cidadão leitor e principalmente em professor leitor. E para atingir esse objetivo considera-se prioritário atentar as seguintes questões:

a) Criar o hábito da leitura diária.

b) Desenvolver o letramento necessário para a leitura das diversas fontes existentes na contemporaneidade.

c) Conhecer as novidades em autores e obras da literatura.

d) Participar de encontros de leitura, mesas redonda, congressos, seminários, entre outros.

e) Trocar experiências e apontamentos com os professores das outras áreas do conhecimento.

f) Favorecer a interatividade entre as matérias.

g) Proporcionar o desenvolvimento de uma biblioteca pessoal

h) Ser freqüentador assíduo de bibliotecas, livrarias e revistarias.

Permitindo-se participar dessa grade de recomendações muito provavelmente o professor alcançara um ritimo de trabalho e de leitura capaz de contagiar inúmeras almas que estão lá nas salas de aulas esperando um mediador, um contador de histórias, alguém que desenvolva um caminho perspicaz em direção a construção do cidadão emancipado, dono de suas ideologias, recheado de argumentos, e que chegara a sua vida adulta já consolidado como um leitor crítico e com uma visão próxima ao que vislumbra Teresa Colomer:

Como quem aprende andar pela selva notando as pistas e sinais que lhe permitirão sobreviver, aprender a ler literatura dá oportunidade de se sensibilizar os indícios da linguagem, de converter-se em alguém que não permanece à mercê do discurso alheio, alguém capaz de analisar e julgar, por exemplo, o que se diz na televisão ou perceber as estratégias de persuasão ocultas em um anúncio. [...] se alude isso com a aquisição de uma capacidade crítica de “desmascaramento” da mentira, um meio para não cair nas armadilhas discursivas da sociedade.(COLOMER, 2007, p. 71).

Esse é o ideal de mediador de leitura que carece nosso Brasil, capaz de reconhecer as grandes estratégias discursivas nos mais diversos meios de comunicação, por isso a importância do letramento, e dessa forma conseguir encantar os estudantes que à medida que conseguem reconhecer a eles próprios entendem a complexidade do contexto social ao qual estão inseridos.

É evidente que o governo poderia propiciar inúmeros projetos para formação de mediadores de leitura, afim de que, os professores conseguissem alcançar os níveis de conhecimento e habilidades até aqui comentados, no entanto, esse capitulo priorizou demonstrar como o educador pode por uma atitude sua, independente tornar-se um mediador competente e, quem sabe, contaminar com sua energia e entusiasmo aqueles que o cercam, e provavelmente quando o sistema político de nosso país acordar para a necessidade de embalar com mais dedicação à leitura e educação, esse mediador já estará preparado para aplicar com gigante eficiência o trabalho de formar leitores, uma vez que já é um professor-leitor, um mediador de leitura.

5- Como e o que explorar no livro

A necessidade de saber “mais” para entender “melhor” é algo próprio a qualquer processo de compreensão, inclusive, é claro, a leitura. No entanto, para crianças menores, o livro se cria em suas mãos. (COLOMER, 2007). É uma afirmação interessante para começarmos a desenvolver reflexões sobre como apresentar e o que explorar nos livros de literatura infanto-juvenil. Como já mencionado no inicio deste trabalho o contato com livro e as outras formas de leitura, o ato de manusear, folhear é imprescindível, a criança precisa desenvolver gradativamente o gosto por esse conhecimento. Inicialmente o reconhecimento das imagens, daquilo que ela possa relacionar com o seu mundo, para depois integrar imagem e texto e futuramente preocupar-se com o nome do autor, características, estilo, crítica e demais especificidades, ou seja, a criança precisa despertar o interesse em saber essas questões, que no momento certo são apresentadas pelo mediador.

Certamente além do contato imediato do aluno com a obra de ficção a contação de histórias, a leitura em voz alta pelo mediador de poemas que vislumbrem situações possíveis de serem reconhecidas pelos pequenos leitores despertam a vontade de continuar escutando e muitas vezes de compartilhas histórias, vejamos um exemplo:

Este pequeno mundo

Sei que o mundo é mais que a casa,
Mais que a rua, mais que a escola,
Mais que a mãe e mais que o pai.
Vão alem do horizonte,

Que eu desenho no caderno
Como linha reta e preta,
Que separa o azul do verde.
Sei que é muito, sei que é grande,

Sei que é cheio, sei que é vasto.
Me disseram que é uma bola
Que flutua pelo espaço,
Atirada pelo chute

De um gigante poderoso;
Vai direto para um gol
Que ninguém sabe onde é.

Mas para mim o que mais conta
É este mundo que eu conheço
E que cabe direitinho
Bem debaixo do meu pé!

(BANDEIRA, Pedro. Cavalgando o arco-íris. São Paulo: Moderna, 2002. )

A riqueza da linguagem literária deve aqui ser ressaltada pelo mediador, fazer o aluno perceber as dessemelhanças entre as falas do cotidiano e apreciar o enriquecimento que a linguagem elaborada acarreta ao texto. Sem necessidade de trabalhar com os clássicos da literatura inicialmente, pois existem inúmeras formas de textos modernos que podem suprir essa necessidade inicial. (ROSING, 2009).

Cada verso do poema de Pedro Bandeira pode ser transfigurado e transformado pelas crianças, no entanto, exige do professor um real comprometimento com o conhecimento, que de ser literalmente dominado, estar integrado com as novas formas de leitura e principalmente comas novas tecnologias que permitem uma interação mais rápida e instigante para os alunos. Essa ampliação dos mecanismos que pode o professor estar utilizando em sala de aula proporciona uma efetiva elaboração de encontros realmente produtivos e, voltados ao comprometimento do texto literário não mais de forma aleatória e sim a utilização do texto integral.

Após ler o poema e analisar com os alunos, sob a orientação do professor, pode esse propor a fim de evidenciar o gosto pelo texto, um pequeno questionário de forma oral mesmo, simplesmente envolvendo todos em uma brincadeira de compreensão utilizando-se das seguintes questões:

a) Como é o mundo que vocês imaginam?

b) Ele é maior que a escola e a casa mesmo?

c) Que coisas fazem parte do mudo?

d) O mundo é igual a uma bola?

e) O que tem debaixo de seu pé?

Ao responderem questionamentos como estes, o aluno aciona seus referentes culturais e seu conhecimento de mundo, que passa a ser compartilhado com os demais colegas e o professor, o qual facilita o processo de compreensão realizando pontes entre o mundo cotidiano e o mundo figurado apresentado pelo poema. Gerando uma atmosfera extremamente interessante para aluno, em que ele conseguira desenvolver habilidades para interar-se com os demais texto que possa encontrar, muitos desses que logicamente serão apresentados pelo professor.

6- Considerações finais

Um bom livro é aquele que agrada, não importando se foi escrito para crianças ou adultos, homens ou mulheres, brasileiros ou estrangeiros. E ao livro que agrada se costuma voltar, lendo-o de novo, no todo ou em parte, retornando de preferência àqueles trechos que provocaram prazer particular." (ZILBERMAN, 2005). Essa definição ressalta a importância da boa formação do mediador de leitura, pois é através de suas indicações que o aluno vai encmainhar-se para o processo de desenvolver o gosto pela leitura. Conseguir reconhecer a riqueza de linguagem que oferece o texto literário.

Enquanto um texto didático procura uma convergência, todos os leitores chegando a uma mesma resposta, apontando para um único ponto, o texto literário procura a divergência. Quanto mais diversificadas as considerações, quanto mais individuais as emoções, mais rico se torna o texto. Digo sempre que o livro é um objeto, e o leitor um sujeito. (QUEIRÓS, 2005, p.171).

Sendo assim o leitor assume o papel de pronunciar sua percepção sobre o que encontrou por meio da leitura, ou seja, não é o que o texto quis dizer e sim aquilo que o leitor, emancipado e crítico, percebeu, conseguiu captar, e dessa forma pode utilizar esse conhecimento apreendido para melhorar e/ou ampliar sua organização intelectual a respeito do contingente social que o cerca.

A formação desse futuro leitor certamente enfrente um contexto de enormes contradições e desafios, em meio a tecnologias e resistências do passado, mas cabe principalmente ao professor conscientizar-se como um cidadão leitor e inserido no mundo literário apresentar as portas do saber e da viagem maravilhosa que representa a leitura na vida de todos.

Referências bibliográficas

BANDEIRA, Pedro. Cavalgando o arco-íris. São Paulo: Moderna, 2002.
COLOMER, Teresa. Andar entre Livros. A leitura literária na escola. 1. ed. São Paulo: Ed. Global, 2009.
PETIT, Michele. Os jovens e a leitura: uma nova perspectiva. São Paulo: Editora 34, 2008.
QUEIRÓS, Bartolomeu Campos de. Leitura, um diálogo subjetivo. In: O que é qualidade em literatura infantil e juvenil?: com a palavra o escritor. São Paulo: DCL, 2005.
ROSING, Tânia M.K. Do currículo por disciplina à era da educação – cultura-tecnologia sintonizadas: processo de formação de mediadores de leitura. In: Mediação de Leitura – discussões e alternativas para a formação de leitores. São Paulo: Global, 2009.
SISTO, Celso. A pretexto de se escrever, publicar e ler bons textos. In: O que é qualidade em literatura infantil e juvenil? Com a palavra o escritor. São Paulo: DCL, 2005.
ZILBERMAN, Regina. A leitura na escola. In: ROSING, M.K. e ZILBERMAN, Regina (Org.). Escola e Leitura: velha crise, novas alternativas. São Paulo: Global, 2009.
ZILBERMAN, Regina. Como e por que ler a literatura infantil brasileira. Rio de Janeiro: Objetiva, 2005.
–––––––––––––––
Sobre as autoras
Jandi Fabian Barbosa, Mestrando em Letras – Concentração em Estudos Literários – Universidade de Passo Fundo – UPF – jandibar@hotmail.com

Tania M. K. Rosing, Graduada em Letras (UPF, 1969) e Pedagogia (UPF, 1977), Mestre em Teoria Literária (PUCRS, 1987), Doutora em Teoria da Literatura (PUCRS, 1994). Professora do PPGL e do Curso de Letras, atua na linha de pesquisa “Leitura e formação do leitor”.

Fonte:
II Seminário Nacional em Estudos da Linguagem: Diversidade, Ensino e Linguagem
06 a 08 de outubro de 2010
UNIOESTE - Cascavel / PR

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Carlos Drummond de Andrade (Balada do Amor através das Idades)


Eu te gosto, você me gosta
desde tempos imemoriais.
Eu era grego, você troiana,
troiana mas não Helena.
Saí do cavalo de pau
para matar seu irmão.
Matei, brigámos, morremos.

Virei soldado romano,
perseguidor de cristãos.
Na porta da catacumba
encontrei-te novamente.
Mas quando vi você nua
caída na areia do circo
e o leão que vinha vindo,
dei um pulo desesperado
e o leão comeu nós dois.

Depois fui pirata mouro,
flagelo da Tripolitânia.
Toquei fogo na fragata
onde você se escondia
da fúria de meu bergantim.
Mas quando ia te pegar
e te fazer minha escrava,
você fez o sinal-da-cruz
e rasgou o peito a punhal...
Me suicidei também.

Depois (tempos mais amenos)
fui cortesão de Versailles,
espirituoso e devasso.
Você cismou de ser freira...
Pulei muro de convento
mas complicações políticas
nos levaram à guilhotina.

Hoje sou moço moderno,
remo, pulo, danço, boxo,
tenho dinheiro no banco.
Você é uma loura notável,
boxa, dança, pula, rema.
Seu pai é que não faz gosto.
Mas depois de mil peripécias,
eu, herói da Paramount,
te abraço, beijo e casamos.

André Luiz Nakamura (Mitos e Lendas do Folclore Brasileiro) Parte IV, final


MÃO-DE-CABELO

Fantasma que assombra, em Minas Gerais e em São Paulo, as crianças que uniram na cama. Tem forma humana, envolta num lençol branco. Suas mãos são feixes de cabelos louros, que passa pelo órgão sexual das crianças que urinaram enquanto dormiam, acordando-as, ameaçando mutilá-lo. É comum a advertência de que “se mijar na cama, a Mão-de-cabelo vem te pegar”.

Há uma variante, bem menos conhecida, apesar de registrada por Alceu Maynard Araújo (“Folclore Nacional”, vol. 1): “Quando não se consegue dormir, uma velha magra, alta, vestida de branco, cujos dedos são macios como cabelo, vem passar as mãos no rosto para que se concilie o sono”.

Prevalece, no entanto, o propósito disciplinador, visto que a versão assombrosa é, de longe, a mais conhecida.

Acrescente-se, ainda, que esse mito foi mencionado por Gilberto Freyre no Clássico “Casa Grande e Senzala”.

MÃO-PELADA

É um fantástico animal que espalha o medo nas matas e florestas do Estado de Minas Gerais.


É uma espécie de um lobo avermelhado, com a altura de um bezerro novo, de cujos olhos sai uma luz parecendo um fogo azulado. Uma de suas patas dianteiras é deformada e “pelada”.

MÃOZINHA-PRETA

Assombração corrente no Sudeste Brasileiro, conhecida também por “Mãozinha-de-Justiça”, trata-se de uma mão negra, pequena, solta pelo ar, que efetua os trabalhos domésticos com assombrosa velocidade e perfeição.

Mas, a Mãozinha-Preta também é capaz de bater e castigar, se necessário, concluindo, porém, a tarefa quando lhe dizem “Chega, Mãozinha de Justiça”.

De acordo com o preclaro folclorólogo Câmara Cascudo, “como a mão é negra, não castigava nem atormentava os escravos. Daí sua popularidade entre eles”.

MAPINGUARI

É um macaco grande, muito peludo, com uma bocarra verticalizada, que vai do nariz ao estômago, num medonho rasco que ostenta lábios vermelhecidos de sangue, por onde engole cabeças humanas (só come a cabeça). Ele atrai suas vítimas por meio de seus gritos, que parecem humanos.

Os pés do Mapinguari são como os de burro, e sua pele é semelhante ao casco de jacaré.

Sempre faminto, assombra o Amazonas, o Acre e o Pará. Até os mais valentes guerreiros morrem de medo do Mapinguari.

É também vulnerável em seu umbigo.

MATINTA PERERA

Uma velha feia, assombrosa, toda vestida de negro, cujo rosto é ocultado por uma cabeleira negra e revolta, que anda acompanhada de um pássaro agourento. Existe também a versão da Matinta Perera com asas, capaz de voar, e que se transforma nesse pássaro, chamado “rasga-mortalha”. O assobio estridente dessa ave assusta as crianças e não deixa ninguém dormir.

Mulheres idosas da região amazônica teriam a sina de se tornar essa criatura.
Quando está prestes a morrer, ela pergunta: “Quem quer? Quem quer? Quem quer?
Quem responder, acreditando tratar-se de algo valioso, transformar-se-á em Matinta Perera.

Walcyr Monteiro, em “Visagens e Assombrações de Belém”, explica que para “prender” a Matinta Perera é preciso enterrar uma tesoura virgem, aberta, colocar-lhe no meio uma chave e por cima desta um terço e rezar algumas orações. Assim ela fica presa ao local.

MENINO DOURADO

Menino loiro que em noites enluaradas aparece no Rio São Francisco, emergindo desse rio e mergulhando em suas águas, sucessivamente, montado nas costas de um enorme e mágico peixe dourado, que o teria salvo do afogamento e se encarregado de sua criação.

MOÇA DE BRANCO

Moça vestida de branco que à noite aparecia pedindo carona aos caminhoneiros na antiga estrada Rio-São Paulo.

Os motoristas de caminhão, sempre solícitos com mulheres, estacionavam o veículo e abriam a porta para o ingresso da bela jovem.

A viagem prosseguia. A moça, retraída, estranha, sombria, calada; limitava-se a responder com monossílabos ao que lhe perguntavam.

Entretanto, algum tempo depois, os motoristas se arrepiavam de pavor ao notares que a moça havia simplesmente desaparecido.

Contavam os caminhoneiros que ela fora morta atropelada por um caminhão ao dirigir-se à igreja no dia de seu casamento.

Lenda paulista, segundo Alceu Maynard Araújo (op. Cit.).

MULA-SEM-CABEÇA

É uma enorme mula, acéfala como diz o próprio nome, que solta fogo pelo pescoço.
O estrondoso galopar da Mula-sem-cabeça faz tremer o chão, ouvindo-se de longe seu mórbido e estridente relincho. Seus possantes coices que cortam como navalha ferem mortalmente os homens e animais que cruzam seu caminho. Pela madrugada, volta à forma humana, suja, desgrenhada, toda machucada.

Quem defrontar com a Mula-sem-cabeça deve esconder as unha, pois estas têm para o monstro grande brilho, atraindo-o.

A mais tradicional das versões sobre esse mito nacionalmente conhecido conta que a Mula-sem-cabeça é aquilo em que se transformam, como punição, as amantes de padres católicos, Estes, para evitar que o seu amor sofra essa triste sina devem amaldiçoa-lo sete vezes antes de celebrar a missa. Já o desencantamento da Mula-sem-cabeça, a exemplo do Lobisomem, requer um ferimento que lhe tire sangue. O encanto também pode ser desfeito se lhe for tirado o freio de ferro que traz no pescoço.

Outras há, entretanto, que dizem ter sido o costume de passear de madrugada pelo cemitério. Esse estranho hábito despertou a curiosidade do rei, que numa ocasião a seguiu e a flagrou comendo o cadáver de uma criança que havia morrido na noite anterior. Vendo-se descoberta, transformou-se naquele bicho (Theobaldo Miranda dos Santos, “Lendas e Mitos do Brasil”).

Alceu Maynard Araújo (em “Folclore Nacional”) acrescenta outras causas para a malsinada transformação: as moças namorarem na Sexta-feira santa; moças solteiras terem relação sexual antes do casamento.

O mesmo autor pontifica que a versão mais tradicional, no passado, “era uma forma de proibição, de sanção que se inventou para que as mulheres não ‘tentassem’ os padres”, considerando interessante que “esse castigo é só para a mulher”. O padre “representa o sagrado, ela , a tentação, o demônio”.

Entretanto, é oportuno mencionar que o Prof. José Sant´anna (criador do Festival do Folclore”, a exemplo de Câmara Cascudo (“Dicionário do Folclore Brasileiro”), registra a figura do CAVALO-SEM-CABEÇA (São Paulo, Mato Grosso e Minas Gerais) que representaria a sanção contra o padre, sendo “uma réplica à mula-sem-cabeça”, diferenciando-se desta “pela morfologia do corpo”.

Como se pode constatar, o problema, na realidade, não eram só as mulheres, tanto que foi preciso que criassem outra fantástica figura.

NEGRINHO DO PASTOREIO

Um escravo, ainda menino, sem pais, sem padrinhos, que se dizia afilhado de Nossa Senhora, e a quem chamavam Negrinho, era encarregado de pastorear o rebanho de um cruel estancieiro, seu senhor.

Numa noite em que estava a exercer esse mister, com medo do som das corujas, acabou adormecendo.

O filho do malvado senhor, tão perverso como o pai, fez com que os cavalos escapassem, pondo a culpa no Negrinho.

Depois de ter mandado que seus feitores açoitassem o Negrinho, o senhor ordenou a este que no escuro da noite reunisse os cavalos. Nossa Senhora, então, atendendo ao pedido de ajuda de seu afilhado, iluminou as coxilhas por onde ele cavalgava à procura dos animais, fazendo com que estes pudessem ser vistos e finalmente reunidos no potreiro pelo Negrinho.

O filho do estancieiro, não satisfeito, soltou novamente os cavalos.

Dessa vez, a surra foi impiedosa e o Negrinho, depois de atirado num formigueiro, acabou morrendo.

Salvo por Nossa Senhora, e usufruindo da liberdade que lhe trouxe a morte, dizem que ele cavalga até hoje pela terra e pelo céu.

Quem acender uma vela para o Negrinho do Pastoreio encontrará o que perdeu: amor, felicidade ou objetos”, diz Alceu Maynard Araújo, em “Lendas Brasileiras”.

Do sul do Brasil.

“OS OLHOS DO MENINO”
(A LENDA DO GUARANÁ)

Um casal de índios que não conseguia ter filhos implorou a Tupã que lhes concedesse essa graça.

O pedido foi atendido. Tiveram um lindo, bondoso e inteligente menino, que logo conquistou a amizade de todos da aldeia.

O espírito do mal ficou com inveja e com ódio do menino e acabou matando-o ao tomar a forma de uma cobra.

Ao darem sua falta, toda a tribo saiu à sua procura até encontrá-lo morto, caído ao lado de uma árvore.

Nesse momento, a mãe da criança ouviu Tupã lhe dizer para plantar ali os olhos do menino, que deles nasceria um fruto maravilhoso.

Assim nasceu o guaraná, cujas sementes negras, envoltas numa película branca, realmente se assemelham a um olho humano.

PAI-DO-MATO

Bicho gigantesco, de corpo todo piloso, cabelos até o chão, barbicha, mão de macaco, pé de cabra e orelhas de cavalo.

Seus urros e seu riso macabro reverberam por toda a mata.

Tiros e facadas não o matam, exceto se lhe atingir o umbigo.

É também comedor de gente.

PAPA-FIGO

Um preto velho carregando um saco de estopa nas costas, muito feio, banguela, barbudo, esmolambado, leproso, que para se tratar desse terrível enfermidade mata crianças mentirosas para lhes comer o fígado.

A gente simples do povo acredita que a lepra altera os caracteres do sangue, sendo por isso chamada também de mal de fígado ou mal do sangue. Para se purificar é preciso um novo fígado, cru, de criança sadia e forte.

Esse foi o ponto de partida para o surgimento do temível Papa-figo, o comedor de fígado, que atemoriza as crianças nas narrativas dos pais.

Dizem que ele costuma rondar as escola, jardins e parques, atraindo as crianças, jardins e parques, atraindo as crianças desobedientes e mentirosas com doces e brinquedos, aí as mata arrancando lhes o fígado (“fico para o povo”).

De acordo com uma versão de que o Papa-figo teria sido uma pessoa rica que contraiu a terrível doença, ele costuma deixar dentro da barrida da vítima uma grande quantia em dinheiro para os familiares e para o sepultamento.

Mito conhecido em todo o Brasil.

PISADEIRA

Acredita-se que o pesadelo resulta da ação maléfica de um demônio ou espírito ruim.
A Pisadeira seria, então, para o povo, a personificação do pesadelo numa velha feia, gorda, pesada, que sentaria na boca do estômago de quem está a dormir, oprimindo-lhe o tórax de modo a dificultar a respiração. A ela atribuem a causa de malfadados sonhos. Suas presas mais fáceis, dizem, são as pessoas que dormem de costas ou com o estômago cheio.

É curioso notar que o vocábulo pesadelo deriva de “peso”, “pesado”.

PORCA DOS SETE LEITÕES

É uma porca, que costuma aparecer atrás de igrejas antigas e de cruzeiros de estadas, acompanhada de sete leitões. É branca e solta fogo pelos olhos, pelo focinho e pela boca. Ela teria sido uma rainha que, com seus filhos pequenos, sofreu essa transformação por vingança de um horrível feiticeiro.

De acordo com outra versão, seria a alma de uma mulher que praticara sete abortos.
(Chamada de lenda, mito, e até mesmo de superstição).

A PRINCESA DA CIDADE ENCANTADA

Em Jericoacara, os moradores contam que existe uma cidade encanta, perto da praia, sob o farol, onde só se pode chegar na maré baixa. A entrada, numa caverna, é fechada por uma enorme grade de ferro.

Nessa cidade vive uma linda princesa, que por um feitiço de um bruxo malvado com quem ela não quis se casar teve o seu corpo transformado numa espécie de serpente de escamas douradas. Apenas seu rosto e seus pés se mantiveram a salvo da terrível bruxaria.

Dizem que para quebrar esse encanto, é preciso banhá-la com sangue humano e que o herói que a salvar ficará com ela e com todo o ouro que existe na cidade, a qual também renascerá.

Mas, os que até hoje tentaram, correm aterrorizados ao ouvirem, logo na entrada da cidade, os sons apavorantes de fantasmas, de gemidos e gritos humanos, e de urros de monstros ferozes.

Lenda mais conhecida do Ceará.

QUIBUNGO

Bicho-papão, meio homem, meio maçado, cabeça muito grande e uma enorme boca nas costas – por onde devora as crianças – a qual se abre e fecha à medida que ele movimenta sua cabeça para cima ou para baixo.

Acredita-se que os negros, quando ficam muito velhos, “viram” Quibungo.

Diversamente dos outros que integram o chamado ciclo dos monstros, como o Pai-do-Mato e o Mapinguari, o Qujibungo não é invulnerável às armas do homem, de modo que pode ser ele abatido à faca, tiro ou pauladas.

Mito baiano, de origem africana.

SACI-PERERÊ

De acordo com a configuração mais popular, o Saci-Pererê é representado por um negrinho de uma perna só, com orelhas de morcego e a mão furada, que usa uma carapuça vermelha na cabeça, cujo poder mágico lhe confere a prerrogativa de ficar invisível e de aparecer e desaparecer como fumaça. Se lhe for tirada a carapuça ele perde seus poderes.

Ele se faz anunciar por um assobio estridente e adora fumar, sendo esta uma forte característica do Saci, pois é difícil imagina-lo sem seu cachimbo.

O Saci é daqueles fumantes que nunca trazem consigo palitos de fósforos ou isqueiro e, por isso, sempre assombra os viajantes pedindo-lhes fogo para seu pito.

Matreiro, traquinas, o Saci pratica todo tipo de diabruras: da nó nos rabos dos cavalos, faz queimar a comida, esparrama as brasas do fogão, joga farinha em toda a cozinha, derruba o chapéu dos viajantes (depois de quase matá-lo de susto ao montar na garupa de seus cavalos), faz cócegas e puxa as cobertas de quem está dormindo e outras molecagens ainda piores.

O remédio mais eficaz para espantar o Saci é rezar o Credo.

Amadeu Amaral, (em “Tradições Populares”) pontifica que “o Saci, que é certamente indígena em parte, revelando amálgama de elementos de outros mitos aborígines (Curupira, Caapora, etc), sofreu influência do negro, patente na transformação do personagem num moleque travesso, e ao mesmo tempo incorporou não pouca coisa de procedência européia. De modo que o Saci marca um momento importante, uma encruzilhada da nossa viagem histórica. O Saci é talvez um símbolo...

UIRAPURU

O que mais no fenômeno me espanta
É ainda existir um pássaro no mundo
que fique a escutar quando outro canta
”.

Segundo a lenda, duas índias muito amigas se apaixonaram pelo mesmo homem, o novo cacique da tribo onde viviam. Como eram amicíssimas, deixaram para que o cacique decidisse com qual das duas iria ficar. Ele, porém, gostava de ambas as rivais, e não se decidia. Para solucionar o impasse, propôs um duelo, uma competição de arco e flecha: a pretendente que acertasse um pássaro, indicado por ele, em pleno vôo, seria sua mulher.

As duas amigas dispararam, então, suas flechas. Uma delas acertou o alvo e se casou com o cacique, A outra, embora se mostrasse conformada, derramava seu prato de dor às ocultas. Suas lágrimas formaram um rio.

Tupã, o deus dos índios, vendo nascer aquele rio que desconhecia, foi saber o que se passava. A índia lhe contou e pediu que a transformasse num pássaro a fim de que dessa forma pudesse matas as saudades de seu amor.

Ao ver que o cacique e sua amiga formavam um casal muito feliz, ficou ainda mais triste. A índia, então, voando de volta para sua tribo, começou a cantar um canto tão lindo que toda a mata parou para ouvi-lo. Tupã, ao surpreender-se com o silêncio da mata, encantado com o canto, deu à índia o nome de Uirapuru (pássaro que não é pássaro), e lhe disse que quando se sentisse triste, que cantasse, que a tristeza passava.

URUTAU (ou Mãe-da-Lua)

À noite, na mudez da mata escura, solta o Urutau seu grito de saudade.
Pranto ou soluço, pleno de amargura, de quem a nostalgia à noite invade
”.
Orlando de Almeida Sales

Pássaro sinistro, estranho, esquivo, que nas sombras e no escuro da noite se refugia, com seu triste canto, tão triste que parece ressoar um plangente e desesperado grito de dor, uma dor que nada cura.

É cercado de mistérios e de lendas (“personalizando fantasmas e visagens pavorosas”, segundo Luís da Câmara Cascudo) dentre as quais ficamos com três, que convergem num ponto: transformaram-se em Urutau enamorados que à dor sucumbiram, por causa de um amor perdido:

- a índia Imaeró, preterida pela irmã Denaquê, na disputa pelo coração de Tainá-Can;

- a guarani Nheambiu, derrotada pela morte, que levou seu namorado Quimbae (registradas por Câmara Cascudo, em “Dicionário do Folclore Brasileiro”);

- um jovem caboclo que na mata se entranhou tentando encontrar, sem jamais conseguir, a linda moça que lhe dissera ser o seu grande amor, antes de desaparecer (registrada por Benedicto Pires de Almeida, em “Folclore de Tietê”).

VAQUEIRO MISTERIOSO

Por todo o Nordeste brasileiro contam histórias sobre um vaqueiro muito humilde, aparentemente frágil, mal vestido, montado num cavalo velho, com um chapéu gasto a lhe ocultar o rosto. Não se sabe de onde vem, nem seu verdadeiro nome.

Ninguém lhe dá atenção nem dá nada por ele.

Quando se oferece para participar de vaquejadas ou outros certames com gado, zombam e caçoam do forasteiro.

Acontece, porém, que na hora das disputas ele se revela um vaqueiro hábil como ninguém, conhecedor de grandes segredos. Seu cavalo torna-se então, um veloz e belígero ginete. Ele reúne todo o gado, no curral, sozinho e em pouco tempo. Domina facilmente os mais ferozes touros. Nas vaquejadas, não há novilho, não há garrote, que escape à derrubada do vaqueiro misterioso. Enfim, acaba sendo ele o grande campeão.

Terminados os torneios e as festas, ele, alegre, bom garfo e grande bebedor, recusa os sedutores convites das mulheres, assim como as ofertas dos fazendeiros de bem remunerados trabalhos; apenas recebe os prêmios e se vai, para reaparecer depois em outras paragens.

Câmara Cascudo o registrou como mito (“Mitos Brasileiros”); Alceu Maynard Araújo, como lenda (“20 Lendas Brasileiras”).

VITÓRIA-RÉGIA

Era uma vez uma jovem e muito bonita índia, chamada Naiá, que se apaixonou pela lua ao ouvir as histórias de que esta era um belíssimo e poderoso guerreiro que, quando se enamorava de alguma índia, levava-a consigo para o céu e a transformava numa linda estrela.

Naiá, depois de se apaixonar pela lua, passou a não se interessar por nenhum dos seus inúmeros pretendentes, mantendo-se fiel a seu sonhado guerreiro.

Numa das noites em que vagava pelas matas, ao ver a imagem da lua refletida num lago, acreditando ser o seu amado, atirou-se nas águas profundas do lago e morreu afogada.

A lua, então, que não fizera de Naiá uma estrela no céu, transformou-a numa estrela das águas, fazendo com que seu corpo de índia se tornasse uma imensa e linda flor, cujas pétalas à noite se abrem, para que o luar ilumine sua corola rosada.
Essa flor é a vitória-régia.

Fonte:
http://www.folcloreolimpia.com.br/?pagina=folclore=mitoselendas

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n.102)


Uma Trova Nacional

O meu amor te ocultei!
Seguimos rumos diversos...
Passou-se o tempo, e, hoje, eu sei:
- permaneceste em meus versos!
(JOÃO FREIRE FILHO/RJ)

Uma Trova Potiguar

Ao longo passar dos anos,
vi o tempo caminhar,
amontoei desenganos;
mas inda tento sonhar.
(FRANCISCO BEZERRA/RN)

Uma Trova Premiada

1995 > Nova Friburgo/RJ
Tema > VERSO > 3º Lugar.

Qual poema improvisado,
nosso amor se transformou,
num verso de pé quebrado
que o destino publicou.
(ANA MARIA MOTTA/RJ)

Simplesmente Poesia
"SE HÁ POESIA, HÁ ESPERANÇA!"

– Sergio Augusto Severo/RN –
Euphoria

Hoje acordei feliz
e renovei o vermelho dos cravos do jardim,
ativei o verde das gramíneas do quintal
e poli o dourado das folhas outonais.
Troquei a água de antigas fontes,
branqueei os mil capuchos dos algodoeiros...
redesenhei a linha do horizonte.
E,
trás os montes,
a tarde me pegou lavando a piçarra das estradas. -

Uma Trova de Ademar

Minha maior alegria,
o meu desejo mais nobre,
é poder ver todo dia
café na mesa do pobre.
(ADEMAR MACEDO/RN)

...E Suas Trovas Ficaram

Nenhuma alegria enxuga
essa lágrima dorida
que deixo, de fuga em fuga
nos quatro cantos da vida!
(DURVAL MENDONÇA/RJ)

Estrofe do Dia

No meu verso, dia a dia
eu busco a minha obra-prima;
sei que é difícil encontrá-la
mas nada me desestima,
e quando a inspiração brota
no meu verso já se nota
metrificação e rima.
(ADEMAR MACEDO/RN)

Soneto do Dia

– Dorothy Jansson Moretti/SP –
SONETO À TROVA

Atrai-me um bom poema modernista,
embora eu mais o sinta como prosa;
por mais encanto nele, à minha vista,
é como se faltasse aroma à rosa.

Poesia clássica... há quem lhe resista,
dizendo que é cerceada e artificiosa.
Não é verdade; o poeta nasce artista,
brunir seu verso é lide venturosa.

Por isso à trova eu mais me delicío;
a rima, o metro, o ritmo, o desafio
de dizer tudo em quadra pequenina...

Para cumprir tão exigente prova
e compor essa jóia que é uma trova,
certamente nos guia... mão divina.

Fonte:
Ademar Macedo

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

André Luiz Nakamura (Mitos e Lendas do Folclore Brasileiro) Parte III


COBRA GRANDE

Réptil repugnante que atemoriza o homem desde sempre, na ficção e na vida real, a cobra não poderia deixar de inspirar no Brasil esse monstro amazônico: A “Cobra Grande”, também chamada ~Boiúna~.

Gigantesca, de olhos que semelham enormes faróis, ela faz naufragar até mesmo grandes embarcações, devorando, após, a tripulação e os passageiros.

Na capital paraense, informa-nos Walcyr Monteiro, existe a crença de que essa cidade foi fundada sobre a casa de uma enorme cobra: “Se a Cobra Grande se mexe, Belém estremece”. “Se a Cobra Grande sair de seu lugar, Belém vai se afundar”(“Visagens e Assombrações de Belém”).

COBRA-JABUTI

Catalogada como lenda por Domingos Vieira Filho (“Folclore Brasileiro-Maranhão”) é um cágado que depois de tomado como bicho de estimação revela-se um monstro de cujos cascos saem horripilantes cabeças de cobras.

COBRA NORATO

Engravidada pela Cobra Grande, uma índia deu ä luz dois bebês encantados, que não tinham forma humana. Atirou-os no rio, a conselho do pajé.

Eram Cobra Norato (ou Honorato) e Maria Caninana. Esta era má, virara embarcações, matava náufragos e animais. Norato era bondoso e sempre procurava interceptar as maldades da irmã.

Certa feita, num duelo para salvar uma vítima da Maria Caninana, acabou matando esta última.

Assim, graças ä sua bondade, Norato adquiriu o dom de poder desencantar-se durante à noite, tornando-se homem bonito, simpático e elegante.
Nas ocasiões de festa nos povoados ribeirinhos, Norato deixava seu couro de serpente e ia bailar com as moças.

Ao amanhecer, porém, retomava a forma de serpente.
Para quebrar definitivamente o encanto era preciso que se dessem pancadas com ferro virgem na cabeça da cobra, derramando-se-lhe, após, a boca, três gotas de leite materno.

Mas, ao ver a cobra, todos perdiam a coragem, até que um soldado impávido, com quem Norato fizera amizade, conseguiu quebrar esse encanto, libertando o amigo.
(Do norte do Brasil, especialmente do Pará).

CORPO SECO

Criatura perversa que em vida semeou o mal cometendo toda sorte de crueldades, inclusive a de fustigar a própria mãe.

Ao morrer, sua alma foi recusada tanto por Deus como pelo Diabo, e seu corpo nem a terra o quis, ficando este, depois de reunido a sua alma, a putrefazer-se insepulto.

O Corpo Seco é corpo e alma penados – de quem nem os insetos se aproximam – que perambulam, vagabundos, pelos cemitérios e pelas ruas, assombrando os viventes.

CUCA

Mulher velha e feia, espécie de bruxa, tal qual é está descrita nos contos de fadas.

Bicho-papão feminino mencionado para se assustar crianças.

Velha feia e esfarrapada que vive a intrigar os casais, despertando-lhes o “ciúme”, sempre acompanhada de “sapos, lacraus, cobras e aranhas venenosas”, na descrição da folclorista Gilda Helena em “Lendas da Nossa Terra”.

É muito citada em acalantos:
Dorme, nenê, que a Cuca vem pegar, papai foi na roça, mamãe foi trabalhar. Bicho-papão, sai de cima do telhado, deixa o nenê dormir sossegado”.

É válido lembrar que a Cuca foi muito popularizada na série de televisão “Sítio do Pica-Pau Amarelo”, baseada na obra de Monteiro Lobato, na qual, aliás, se verifica a citação de muitos dos nossos mitos, a exemplo do Saci, do Boitatá, da Mula-sem-cabeça, do Lobisomem, etc. Na aludida série, tal como nas ilustrações de livros do consagrado autor, a Cuca era apresentada como uma jacaroa bípede e falante, feiticeira poderosa, cercada de bichos peçonhentos. Dada a fora da propagação televisiva, quando se fala em Cuca, a imagem que se nos afigura é a da jacaroa da referida série.

CURAGANGA

Tal qual ocorre com o Lobisomem, a Curaganga ou Cumanganga, é no que se torna a sétima filha de um casal. É uma errante cabeça de fogo, em forma de bola.

Nas horas mortas, a cabeça da portadora desse mal separa-se-lhe do corpo e sai em chamas a vagar pelas matas. Apavora os que a encontram. Às vezes ataca a dentadas.
É chamada Curacanga, no Maranhão, e Cumacanga, no Pará.

Basílio de Magalhães (“Folclore no Brasil”) nos informa que para evitar esse horrível fadário “’e tomar a mãe a filha mais velha para madrinha da ultimogênita.
.

CURUPIRA

De procedência tupi-guarani (de curu, curruptela de curumim + pira, corpo = corpo de menino), o Curupira tem ligações originárias com o homem primitivo e atributos heróicos na proteção da fauna e da flora.

Ele tem como principal característica a direção contrária dos pés em relação ao próprio corpo, o que constitui um artifício natural para despistar os caçadores, colocando-nos numa perseguição a falsos rastros.

Possui extraordinários poderes e é implacável com os caçadores que matam pelo puro prazer de faze-lo; quando estes não acabam mortos, ficam loucos.
Dizem também que quando os caçadores não acertam seu alvo ou quando se perdem na mata, é certo que foi uma intervenção do Curupira.

É descrito de várias maneiras: como um curumim, um duende, um anão, um caboclinho, dentes verdes, cabelos vermelhos, mas sempre com os pés contrário (calcanhares para a frente).

Existem, no entanto, variantes que divergem dessas idéias, em que o Curupira é um ser medonho e perverso. “O demônio das Florestas”. Mas sobrelevam as lendas que fazem dele o protetor das matas.

FAMALIÁ

Originário da tradição européia de fabricar uma espécie de demônio caseiro, “familiar” (acabou famaliá para os sertanejos) é um pequenino diabinho guardado dentro de uma garrafa. Para cria-lo é preciso chocar na axila esquerda, durante toda a quaresma, um ovo de galo (!), que, segundo o povo, com muita persistência pode ser encontrado (às vezes leva anos). Desse ovo nascerá, ao final da quarentena, um diabinho que atenderá a todos os pedidos de quem o produziu. Não se pode, todavia, dar esmolas aos pobres com dinheiro vindo do Famaliá.

Quem o detiver, no entanto, pagará com sua alma pelos benefícios obtidos, pois criar um Famaliá.

Quem o detiver, no entanto, pagará com sua alma pelos benefícios obtidos, pois criar um Famaliá não deixa de ser um pacto com o Diabo.

Já registrado como mito e como lenda, essa história muito se popularizou quando da exibição, e da reprise, da telenovela global “Paraíso”, em que um dos protagonistas, - dizia a população da fictícia cidade de Paraíso – tinha um diabinho guardado em uma garrafa, produzindo tal como aqui dissemos.

GORJALA

Negro gigantesco, com um único e grande olho, que habita as serras cearenses.

Implacável perseguidor dos humanos, coloca-os sob o braço, quando os captura, devorando-os a dentadas.

GRALHA AZUL

Para o povo paranaense a gralha azul é a responsável pelo agrupado reflorestamento de pinheiros, tendo-se em vista a estranheza que causava o fato de estes aparecerem em grupos, em pontos afastados, sem que o homem os plantasse.

Diz o povo que essa ave encontrada nos planaltos do Paraná se alimenta de sementes dos pinheiros, e que, precavida, enterra-os, em pontos diversos e em considerável quantidade, para posteriormente saciar sua fome. Como nem todos os pinhões enterrados se consomem, estes germinam e fazem surgir os amplos pinhais agrupados. Assim se explicam as grandes florestas só de pinheiros.

Por isso, as armas dos caçadores negam fogo, ou, pior, os tiros saem pela culatra, se a ave contra a qual miram é a gralha azul.
Lenda paranaense.

IARA

Outra celebridade nacional, a Iara é apresentada como uma esplêndida sereia das águas amazônicas (mulher cujo corpo, da cintura para baixo é uma cauda de peixe) linda, de pele alva, olhos verdes e cabelos cor de ouro. Seu canto, de uma encantadora voz, enfeitiça e atrai índios e pescadores enamorados que, sem a menor possibilidade de lhe resistirem, mergulham nos rios e são por ela arrastados para o fundo das águas. Nem seus corpos são encontrados.

Deve-se fechar os olhos e tapar os ouvidos assim que se notar a presença da Iara nos rios e lagos. Um talismã feito com escama de boto vermelho também pode livrar seu portador da sedução da Iara.

No entanto, nem toda as narrativas sobre a Iara retratam-na dessa forma. Em algumas, há finais felizes, como essa registrada por Theobaldo Miranda dos Santos em “Lendas e Mitos do Brasil”, na qual o índio Jaraguari desaparecera depois de mergulhar num rio encantado pela linda sereia. Foi ele posteriormente visto abraçado com ela a namorar.

“Tia Regina”, em “Histórias e Lendas do Brasil”, conta uma versão semelhante, na qual a Iara vive um forte romance com o índio Jaraguari e acaba por leva-lo para viver com ela em seus palácios subaquáticos. Seus poderes sobrenaturais mantê-lo-iam vivo debaixo d’água.

Outras lendas falam de índios que com a Iara mantinham relacionamentos amorosos, a exemplo de Inaiê:
Diziam-no manorado da Iara, pois desprezava as belas cunhantãs, que lhe ofereciam seu amor” (Gilda Helena em “Lendas da Nossa Terra”).

Luiz Caldas Tibiriçá, em “Contos e Lendas Brasileiras”, narra até um casamento da Mãe D’Água com um índio no conto “O Marido da Mãe D’Água”.

Domingos Vieira Filho, em “Folclore do Maranhão”, ao falar da lenda da Praio do Olho-d’água, cujas nascentes de água teriam se originado das lágrimas de uma índia que perdera o seu amor para a linda sereia, relata:

Sucede que pelo mesmo índio se apaixonara a mãe-d’água. Um belo dia, a iara traiçoeira empolga o rapaz e o leva para o fundo das águas, deixando o cunhatã alucinada de dor”.

Pescadores, que garantem que ela existe, costumam contar que já houve casos de se fisgarem chumaços de cabelos louros com mais de um metro de comprimento.

Obs: A Iara ou Uiara é também comumente chamada “Mãe d’Água”, mas preferimos a denominação Iara, tendo em vista que quando se fala em “Mãe d’Água”, nas inúmeras lendas, há outros aspectos além da sensualidade e da sedução (as grandes marcas desse mito), enquanto que tais características representam o cerne das descrições narrativas se o nome mencionado for Iara

JOÃO GALAFOICE

Semelhante ao Papa-Figo, é um preto velho. Ele ronda as residências à procura de crianças que se encontram fora de suas casas pra leva-las embora consigo.


Alfredo Brandão (“Os Negros na História de Alagoas” ) informa que a lenda do João Galafuz (veja abaixo), em Alagoas, foi alterada na história de João Galafoice, esse “nego véio”raptor de crianças.

JOÃO GALAFUZ

Duende que habita as águas dos mares e se manifesta como um facho luminoso e colorido que rutila sobre as ondas.

Os pescadores acreditam que é o espírito de um caboclo que morreu sem ser batizado.
De Pernambuco e Sergipe.

LABATUT

Homenzarrão monstruoso, de pés redondos, conhecido nos Estados do Ceará e Rio Grande do Norte. Tem pés redondos, longos e revoltos cabelos, só um olho na testa, mãos compridas, corpo cabeludo como o do porco-espinho, dentes como as presas de elefante. Devora crianças.

Conta-se que se transformou nesse monstro um sanguinário general francês que, no Ceará, promoveu uma verdadeira carnificina quando da repressão à insurreição de Joaquim Pinto Madeira.

LOIRA DO BANHEIRO

O horror das crianças nas escolas era uma mulher que, diziam, costumava aparecer nos banheiros. Era loira, cabelos compridos, com as cores próprias dos defuntos e com algodões em suas narinas: um cadáver ambulante, distinguindo-se o aspecto deste apenas pelo fato de escorrer sangue de seus lábios.

O encontro de pedaços de algodão no chão do banheiro, sujos de sangue, era sinal de que a “Loira” estivera por ali. O medo de encontrá-la era tanto que as crianças não iam ao banheiro desacompanhadas.

Quem conta sobre a “Loira”diz que ela era uma jovem que foi violentada e morta num banheiro de uma escola pública.
(Lenda?)

LOBISOMEM

Meio bicho, meio humano, o Lobisomem é mito universal que protagoniza muitas narrativas populares desde a Antiguidade, trazido às terras brasileiras pelos europeus, que morriam de medo dos lobos.

O lobisomem abrasileirado pode ser o sétimo filho homem de um casal; o que nasceu depois de sete filhas; o que não foi batizado; o filho de comadre e compadre, padrinho e afilhada, ou de união incestuosa.

Enquanto homem é sempre magro, pálido, que nunca adquire aspecto de pessoa saudável.
A transformação acontece nas noites de lua cheia e nas noites de quinta para sexta-feira: seu corpo começa a se cobrir de pêlos espessos; seu semblante toma a forma do de um morcego; suas orelhas crescem; as mãos se tornam garras; corre com os joelhos e cotovelos, que, pela manhã, após a transformação, se vêem feridos e ensangüentados.

Ao metamorfosear-se, sai em busca de sangue. Suas vítimas, se viverem, podem contagiar-se dessa maldição.

O lobisomem é morto através de uma bala de prata.

O encanto do monstro, por sua vez, pode ser desfeito por meio de algum ferimento que lhe arranque sangue, mas o autor do ferimento que evite se sujar com o sangue; senão se contagiará da triste sina.

Segundo Oliveira Martins (em “Sistema dos Mitos”) “os sacerdotes do Sorano Sabino, nos bosques da Itália primitiva, vestiam-se com as peles do lobo, animal do deus; a imagem confunde-se com o objeto da imaginação infantil, o sacerdote com o deus, a profissão com o fado. Por ventura o mito nasceu do rito”.

MÃE-DO-OURO

Senhora das minas, a Mãe-do-Ouro é um mito multiforme: no Paraná, é uma mulher sem cabeça; “no Rio Grande do Sul é informe, agindo com trovões, fogo, vento, dando o rumo da mudança (...) a Mãe-do-Ouro passeia luminosa, pelos ares, mas vive debaixo d’água, num palácio” (Câmara Cascudo, em “Mitos Brasileiros”); formosa mulher, de pele branca como a neve e com uma linda cabeleira cor de fogo, segundo Ruth Guimarães, em “Lendas e Fábulas do Brasil”; “fada formosíssima, filha do sol e irmã da aurora” (Luiz Caldas Tibirçá, “Folclore – Contos e Lendas Brasileiras”); em São Paulo é descrita como uma grande bola de fogo de ouro que atravessa o céu; onde ela cair, há ouro (Alceu Maynard Araújo, em “Folclore Nacional”).

Mito ígneo, informe, pertence ao número dos fenômenos metereológicos, confundindo com a estrela cadente (...)esconjurada e tida, num só tempo, como capaz de satisfazer votos formulados durante sua trajetória cintilante”(Câmara Cascudo, op. Cit.).

De acordo com o consagrado autor, esse mito também infiltrou-se no ciclo das Mães-d’Água, assimilando-lhe o poder sensual: “os homens deixam a família e amigos, arrastados pela Mãe-do-Ouro”(talqualmente as perigosas sedutoras Iara e Alamoa).

Há muitas lendas sobre a Mãe-do-Ouro, uma das mais conhecidas fala de sua intervenção para ajudar um escravo a encontrar ouro para entregar ao seu senhor, homem mau e ganancioso, a fim de assim evitar duro castigo. A Mãe-do-Ouro, no entanto, lhe impôs a condição de não revelar a ninguém o lugar onde encontrou ouro. O Fazendeiro torturava-o no tronco para lhe arrancar o segredo, até que a Mãe-do-Ouro permitiu ao escravo que o revelasse. O fazendeiro, fascinado diante de tanta riqueza, começou ele próprio a cavar aquela vastidão de ouro. Tanto cavou que morreu soterrado.

MANI (A LENDA DA MANDIOCA)

Numa tribo indígena, uma mulher deu à luz uma menina de pele muito alva. Seu marido, desconfiado e com raiva, queria matar a ambas. O feiticeiro da tribo, no entanto, interveio, e disse ao índio que a mulher era inocente, o que seria muito castigo se tentasse qualquer coisa contra as duas.

A criança, a que deram o nome Mani, cresceu, linda, inteligente, querida por todos na tribo. Mas ela não viveu muito tempo.

Seus pais a sepultaram dentro de sua própria maloca e a regavam todos os dias com suas lágrimas.

No local, nasceu uma planta que, descascada, era branca como a pele de Mani. Os índios julgaram ter sido um milagre de Tupã (deus dos índios), pois a planta revelou-se saboroso e nutritivo alimento, e de suas raízes se vez um vinho delicioso.

Deram-lhe, então, o nome “mandioca” ou “manioca”, que significa “corpo de mani”.
-----------------------


continua...


Vicência Jaguaribe (Por uma Nota de Dez Reais)


Quando a menina chega do colégio, a mãe manda-a trocar a roupa: tire a farda e vista o vestido mais novo que encontrar. Quer levá-la à casa de um amigo, que deseja conhecê-la. A menina ainda objeta: tem que ir para a casa da dona Railda, ajudá-la, como faz toda tarde. A mãe grita com ela e diz que, a partir daquele dia, ela não precisa mais ajudar aquela exploradora de menores. A menina assusta-se com o grito e tem medo do que a mãe está planejando. Só pode ter alguma coisa em mente para querer sair com ela naquele horário.

Ela tem nove anos, no entanto parece bem mais nova. Seu corpinho raquítico e seu rostinho de feições miúdas não permitem que lhe deem mais de seis anos. Mora com a mãe em um barraco perto da linha do trem e estuda na escola pública do bairro. Logo que foi morar ali, acordava todas as vezes que o trem passava e tinha medo que ele descarrilhasse e caísse sobre o barraco. Com o tempo, porém, acostumou-se, e nem o apito da locomotiva nem o barulho que ela provoca ao deslocar-se a perturbam mais. Agora, em vez de ter medo, ela fantasia em torno do trem. Aquele é um trem mágico, que vai levá-la a uma terra distante, onde não existe bebida, nem droga, nem mãe violenta, com namorado asqueroso.

Acorda cedo, come alguma coisa, quando há o que comer em casa. Sai na ponta dos pés para não acordar a mãe, que chegou de madrugada, com cara de quem andara usando aquelas porcarias, que a menina bem sabe o que são, mas evita dizer o nome. Ainda bem que há o colégio onde ela passa a manhã inteira, e lá ela pode contar com a merenda escolar. Enquanto está na escola, esquece-se da mãe, do barraco, da fome e do namorado da mãe, que de vez em quando tentava agarrá-la.

Mas nem sempre fora assim. Ela se lembra, ainda que vagamente, do tempo em que moravam em uma casa de verdade e sua mãe saía para trabalhar, deixando-a na creche. Passava para pegá-la à tardinha e iam as duas para casa. Ela não tinha aquela cara que tem hoje, nem aquelas crises de violência que a aterrorizam. Era divertida e carinhosa. E a menina adorava ouvi-la cantar e contar histórias. A mudança começou quando ela arranjou um namorado com cara de marginal. Levava-o para dormir em casa e o que ganhava acabava na mão dele. Aí começou a faltar tudo, e a mãe passou a agir de maneira esquisita.

Às vezes, o namorado nojento chamava-a e queria abraçá-la, beijá-la, fazê-la sentar-se em seu colo. Mas a menina fugia dele, corria para os barracos dos vizinhos e só voltava quando, já bêbados ou drogados, os dois adormeciam. Até que a mãe perdeu o emprego e não mais pôde dar dinheiro a ele. Um dia, o maldito simplesmente desapareceu. Foi quando sua mãe resolveu vender a pequena casa onde moravam. Ela precisava de dinheiro para comprar comida e... aquelas porcarias, cujo nome a menina evitava pronunciar.

Ultimamente, quando volta da escola, vai para a casa de uma senhora que mora perto e tem um filhinho pequeno. Ela passa a tarde ajudando com a criança, em troca do jantar. Mas gosta de ficar ali, de brincar com o menino. O ruim era que, agora, só pode preparar os deveres do colégio à noite. Mas, naquela tarde, a dona Railda ia pensar o que dela? Que era uma irresponsável. E não iria mais querer que ela trabalhasse na sua casa.

A mãe arranca-a do barraco puxando-a pelo braço e, sem explicar nada, vai caminhando apressada, entrando em umas ruas que ela não conhece. Até que para em frente a uma casa de muro alto e bate no portão. Um latido de cachorro responde à batida. Logo em seguida, um homem não muito jovem, segurando o cachorro pela coleira, abre o portão e manda-a entrar. Ela puxa-o para um lado e conversa com ele, apontando de vez em quando para a filha. Ele mete a mão no bolso e lhe entrega uma cédula, que ela amassa e depois mete no bolso do vestido.

Despede-se do homem e dirige-se ao portão, seguida pela menina. Sem olhar para trás, grita para a filha: ela deve ficar naquela casa, por uns dias. Aquele senhor cuidará dela. Empurra-a para longe do portão e sai quase correndo. O homem tranca o portão, pega na mão da menina, que chora gritando pela mãe, leva-a para dentro de casa e fecha a porta.

A mulher, caminhando apressadamente, só deixa de ouvir os gritos da filha, quando dobra a esquina. Aí, então, tira de dentro do bolso a nota amassada: dez reais. Dá para comprar somente duas pedras de crack, o suficiente para aquela noite. Na manhã do dia seguinte, arranjará outra coisa para vender.

Fonte:
A Autora

Ademar Macedo (Trovas Engraçadas)



Trabalho só é bacana
se tiver, por sua vez,
uma folga por semana
e férias de mês em mês!

Sempre que eu vou me deitar
acompanhado na cama;
já que eu sei que vou tirar...
– Pra que botar o pijama?

A minha sogra, assanhada,
no barracão da mangueira,
foi muito mais apalpada
do que laranja na feira!...

Você pode acreditar
no que eu digo pra você:
Dívida é pra se pagar...
mas quando se tem com quê!...

Por agir sem ter cautela
um grande mico eu paguei,
investi numa donzela
que na verdade era um gay!...

Visita pra meter medo,
que nem vassoura adianta,
é aquela que chega cedo
e só sai depois que janta!

Adotei o isolamento,
feito um ermitão qualquer.
Pra fugir do casamento
e das manhas de mulher!...

Teve um chilique o Oscar
ao ver seu filho, um nissei,
ser o primeiro lugar
numa passeata gay.

Com sua língua de trapo,
disse, ao ser mandado embora:
– É moleza engolir sapo;
o duro é botar pra fora!

Todo mundo me cobrando,
parece um alto relevo;
a dívida vai aumentando,
quanto mais pago, mais devo!

Pra poder me atazanar,
por vingança ou por castigo,
minha sogra vem morar
parede e meia comigo!...

Inimigo do trabalho,
é meu primo o “Paraíba;”
seu emprego é no baralho:
buraco, truco e biriba.

Pelas “coisas” que fazia,
vive o malandro enjaulado;
usando de noite a dia
o seu “pijama listrado”.

Chega a causar agonia,
uma visita sacana,
que vem pra passar um dia,
passa mais de uma semana!

Plantei um pé de tomate
e fiz tanta adubação,
que ele está dando abacate,
alho, cebola, e melão...

Fonte:
O Autor

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n.101)


Uma Trova Nacional

Amor é... um quase nada,
poucos sabem perceber,
é brincar de madrugada
sem pensar no amanhecer.
(OLYMPIO COUTINHO/MG)

Uma Trova Potiguar

Um dia ela me olhou,
por mera casualidade;
daí nasceu nosso amor
para toda a eternidade.
(CARMO CHAGAS DE OLIVEIRA/RN)

Uma Trova Premiada

1994 > Belo Horizonte/MG
Tema > OÁSIS > Menção Honrosa

Quando a aflição nos alcança,
o Bom Deus, sempre por perto,
planta o oásis da esperança
no coração do deserto!
(MARCELO ZANCONATO PINTO/MG)

Simplesmente Poesia

MOTE: (Ademar Macedo)
Em cada cabelo meu
tem um verso pendurado.

GLOSA:
Finge que já me esqueceu,
chora no canto a coitada.
Diz que a vida é complicada
e, em cada cabelo meu,
amarra um cabelo seu
dando um nó bem caprichado
pra impedir o mau olhado.
Sem meus versos não sossega
e até na porta da adega
tem um verso pendurado.
(GILSON MAIA/RJ)

Uma Trova de Ademar

Ninguém jamais colhe flores,
plantando ódio e maldade;
só faz colheita de amores
quem planta amor de verdade!...
(ADEMAR MACEDO/RN)

...E Suas Trovas Ficaram

Na luta contra a cobiça,
mantendo na alma a esperança,
meu desejo de justiça
é maior que o de vingança!
(ALOÍSIO ALVES DA COSTA/CE)

Estrofe do Dia

Todo poeta se inspira
Na vibração de seu canto,
Embora, às vezes, o pranto
Em seu caminho interfira;
Afeito ao toque da lira,
O som das canções o encanta,
Mas, se um dia a musa santa
De seus sonhos vai embora,
O poeta também chora,
Mas chora como quem canta.
(JOSÉ LUCAS DE BARROS/RN)

Soneto do Dia

Francisco Macedo/RN
UM SONETO FILHO DO SOL

Foi um Raio de sol... Chegou silente!
Engravidou a folha onde escrevia,
e a gestação se fez tão de repente,
... de repente, nasceu essa poesia.

Se fez soneto, tão surpreendente,
sem tema, assunto, assim à revelia,
e crescendo se fez incandescente,
pleno de amor e luz no novo dia.

Filho do sol amando a liberdade,
responsável, lhe dei paternidade,
vou educá-lo para ser moderno.

E com ele vou ter cumplicidade,
para vê-lo atingir posteridade,
conquistar o leitor, e ser eterno!

Fonte:
Ademar Macedo

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

André Luiz Nakamura (Mitos e Lendas do Folclore Brasileiro) Parte II


No estudo do Folclore, mitos e lendas são parte da chamada “Literatura Oral”, que compreende também contos, fábulas, poesia, parlendas, provérvios, frases-feitas, etc. Apresentamos, a seguir, uma coletânea de mitos e lendas de diversos pontos do Brasil.

ALAMOA

Belíssima mulher, loura, misteriosa, olhos neons, que podem ser verdes ou azuis, cabelos lisos e compridos, vestida numa túnica muito transparente que chega quase a tocar o chão.

Assim a chamam porque loria é “alamoa” (alemã) para os habitantes de Fernando de Noronha, onde ela reside, nos altos picos dessa ilha.

À noite, surge nas praias, às vezes dança, nua, iluminada pelos raios que coincidem com sua aparição. Deslumbra, fascina, enche de desejo os desavisados que com ela se defrontam – e de medo os pescadores que já a conhecem e dela correm, espavoridos, pois o apaixonado que ao seu namoro não resiste e se põe a segui-la, nunca mais é visto.

Dizem que a Alamoa atrai com seu fascínio os que por ela se apaixonam, guiando-os para os picos da ilha, onde se transforma numa medonha caveira.
(A ela já se referiram como “lenda da Alamoa” e como “mito da Alamoa”, cf. “Alamoa”, Dicionário do Folclore Brasileiro, de Luís da Câmara Casculdo.)

ANA JANSEN

Assombração de uma mulher deformada pelo fogo que aparece de madrugada nas ruas de São Luís do Maranhão, conduzindo velozmente uma carruagem em chamas, puxada por enormes cavalos sem cabeça.

Conta-se que, quando viva, foi uma perversa mulher que sentia prazer ao fazer seviciarem seus escravos. Ela mandava arrancar os dentes e as unhas de crianças, filhos de escravos, que visse apanhando frutas em seus pomares. Ordenava que açoitassem cruelmente os escravos, às vezes por nenhum motivo.

Tendo em vista uma das distinções entre mito e lenda, segundo a qual esta última seria mais localizada – não obstante a dúvida quanto à extensão territorial que um ou outra precisa alcançar para ser classificado como tal ou qual – atrevemo-nos a dizer que se trata de uma lenda a história de Ana Jansen, pois na bibliografia consultada dela não encontramos referência; tomamo-lhe conhecimento por meio de informantes maranhenses por ocasião do Festival do Folclore de Olímpia/SP, realizado anualmente, em Agosto.

ANHANGÁ

Mito geral no Brasil, o Anhangá é criatura assustadora, um grande veado cujos olhos são lança-chamas. Ele representa um grande pesadelo para os caçadores, que, quando com ele se defrontam, ao tentarem baleá-lo, vêem seus tiros serem desviados em direção a entes queridos e pessoas amigas.
Sua fúria contra os caçadores se amplia quando as vítimas são animais lactantes ou filhotes que ainda precisam ser amamentadas.

Conta uma lenda que um índio perseguia implacavelmente uma veada que amamentava seu filhotinho, tendo sido este gravemente ferido por uma certeira flechada, e depois seguro pelo caçador, que a torturava, atrás de uma árvore, para atrair a veada com os gritos do filhote.

Caindo na emboscada, o animal é trespassado por uma mortífera flecha do índio.

No entanto, ao contemplas sua presa, o índio, desesperado, viu-se vítima de uma ilusão engendrada pelo Anhangá. Era o corpo de sua mãe.

ARRANCA-LÍNGUA

Macacão gigante que atacava os gados em Goiás, matando-os a murros e arrancando-lhes somente a língua, com a qual se alimentava.

Câmara Cascudo informa que a imprensa goiana, carioca e mineira registraram esse mito em várias matérias sobre os assombrados depoimentos de fazendeiros.

Regina Lacerda o catalogou como lenda em “Estórias e Lendas de Goiás e Mato Grosso”.

BARBA RUIVA

Piauiense dos mais famosos, o Barba Ruiva é um homem encantado, de barba e cabelos ruivos, alto, viril, muito branco, que faz morada na Lagoa do Paranaguá, onde teria sido jogado ao nascer, e salvo por uma mãe d´água, diz a lenda.

À margem da já mencionada lagoa, costuma ser visto a repousar, quando da água se farta, despertando a curiosidade das mulheres que lá vão lavar roupa – a cujas perguntas não responde.

Quando dele se aproximam percebem que, fora da água, sua barba, unhas e peito estão em brasa.

Correm, então, assustadas, enquanto ele as persegue querendo abraçá-las e beijá-las.

À vista disso, nenhuma mulher lava roupa sozinha às margens daquela lagoa.
Algumas gotas de água benta na cabeça do Barba Ruiva poderiam quebrar seu encanto.

Mas, apesar de ser ele inofensivo, ninguém ainda teve coragem.
(Registrado como mito e como lenda)

BICHO-HOMEM

Outro gigantesco antropófago, de um olho só, e que também só tem uma perna, cujo pé tem forma redonda, deixando pegadas que lembram o fundo de uma garrafa.

Pode derrubar até uma montanha com seus possantes murros e é capaz de beber um rio inteiro. Vive oculto nas serranias.

Mito corrente, em variantes, em quase todo o Brasil.

Muito se confunde com o chamado Pé-de-Garrafa. Alguns autores, aliás, registram-nos como sendo manifestações de uma mesma entidade: “o mítico Bicho-Homem é também chamado Pé-de-Garrafa” (Câmara Cascudo, “Dicionário do Folclore Brasileiro”).

Entretanto, alguns relatos sobre o Pé-de-Garrafa (df. p. 47), em que se lhe dão outras características, levam-nos a defender que sua existência, na imaginação do povo, se não era, passou a ser independente da do Bicho-Homem.

BOITATÁ

Um dos primeiros mitos registrados no Brasil, segundo nos informa Câmara Cascudo, é uma grande serpente de fogo que habita as margens dos rios, mata animais e lhes devora os olhos, vindo daí o seu intenso brilho.

Do tupi mboi, cobra, e tatá, fogo: cobra de fogo, o fogo em forma de cobra.
Há versões de que o Boitatá destrói com o fogo dos seus olhos, fazendo arder em combustão, aqueles que incendeiam os campos.

A aparição do Boitatá traz cegueira, loucura ou a morte. Para escapar de seu ataque, é preciso atirar-lhe algum objeto de ferro ou, então, ficar quieto, prender a respiração e fechar os olhos.

Dizem que se transformar nesse monstro é o castigo para purificar as almas dos amantes compadres que em vida traíam seus respectivos cônjuges, e daqueles que mantiveram relações incestuosas.

Explica-nos Theobaldo Miranda dos Santos (em “Lendas e Mitos do Brasil”) que “o mito do Boitatá parece ter se originado do fogo-fátuo ou santelmo, pequeno penacho luminoso, que aparece nos mastros dos navios devido à eletricidade, ou, à noite, sobre os pântanos e cemitérios, e que são apenas emanações de fosfatos e hidrogênios, produtos de decomposição de substâncias animais”.

Alguns autores, a exemplo de Crispim Mira (em “Terra Catarinense”), registram uma variante, dentre as inúmeras desse mito geral no Brasil, segundo a qual o Boitatá é um boi ou um touro “com patas como a dos gigantes e com um enorme olho bem no meio da testa, a brilhar que nem um tição de fogo”.

Amadeu Amaral (“Tradições Populares”) retrata essa variante como exemplificativa do fenômeno que se convencionou denominar “etimologia popular”, que designa “as alterações dos vocábulos por efeito de uma errôneas e imaginosa compreensão da respectiva origem”.

No caso dessa variante, a palavra “boi” (mboi), segundo o eminente folclorista, representou o elemento transformador do aludido mito.

BOTO SEDUTOR

Costumam dizer que a maior protagonista das lendas sobre a fauna amazonense, famoso em todo o Brasil, “ele, o Boto”, ao chegar a noite, transforma-se num belíssimo rapaz, alto, branco, robusto, bem vestido, mas sempre de chapéu para esconder o orifício que tem na cabeça, através do qual respira.

O Boto, quando toma a forma humana, comparece triunfalmente aos bailes, onde, com as moças ribeirinhas, conversa, bebe, dança, namora.
Conquistador infalível, adivinha os segredos, os pensamentos e desejos de suas “vítimas”.

Antes que amanheça, porém, ele se retira furtivamente, mergulha num rio, e torna-se de novo em boto.

Às vezes é implacavelmente perseguido ou cercado em emboscadas tramadas por homens enciumados, mas ele nunca se deixa apanhar pois tem um faro mais possante que o de cães caçadores e é rápido como um tiro.

Muitas mulheres costumam também a ele atribuir a paternidade de filhos espúrios e naturais, os denominados “filhos do Boto” (muitas vezes injustamente).

Noutras palavras, quando moças solteiras das populações ribeirinhas engravidam, dir-se-á que o filho é do boto.

Para finalizar, dentre algumas superstições acercado boto, lembremos esta: o olho seco de um boto, para os índios é poderoso instrumento de feitiços amorosos, depois de bem preparado, de acordo com os ritos do pajé-a pajelança, a feitiçaria amazônica. “Não há mulher que resista sendo olhada através do olho de um boto”.

(A ele já se referiram classificando-o como lenda e como mito)

CABEÇA-DE-CUIA

Homem magro, alto, que habita o rio Parnaíba, no Piauí. O nome deriva de sua cabeça que lembra o formato de uma cuia. A cada sete anos, devora uma mulher de nome Maria, e também meninos que brincam nas águas daquele rio. As mães, temerosas, proíbem seus filhos de ali nadarem.

Amaldiçoado por sua mãe, a quem muito maltratara, foi condenado a viver no mencionado rio durante 49 anos. Após comer sete Marias, retomaria seu estado natural.

CABOCLO-D´ÁGUA

Homem pequeno, musculoso, sisudo, da cor do cobre, com mãos e pés de pato, ele habita as águas do Rio São Francisco, aparecendo também em outras localidades fluviais. Atormenta os pescadores, vira embarcações, alaga cargas, provoca ondas, atrapalha pescarias, assombra, mata.

Para afugenta-lo é preciso fincar uma faca no fundo da canoa, ou então nela desenhar um signo-de-salomão.

(Vale registrar aqui a figura do CAVALO-DO-RIO, cavalo encantado que também habitaria o Rio São Francisco exercendo efetivamente o mesmo papel do Caboclo-d´água.)

CAIPORA

“É o Curupira tendo os pés normais. De caá, mato, e porá, habitante, morador”, segundo Câmara Cascudo.

Diz-se que é um caboclinho coberto de pêlos que anda sempre montado num porco-do-mato, protetor dos animais e inimigo dos caçadores (descrição mais comum).

As inúmeras versões sobre o Caipora possibilitam que se apresentem ele e o Curupira (sempre associados e confundidos) como manifestações transformadas de uma mesma entidade, ao mesmo tempo que se admite a coexistência de ambos.

Ruth Guimarães, por exemplo, em “Quatro Histórias do Curupira”, acrescente um parêntesis a esse título: “(Ou Caipora ou Caapora, o Pai do Mato)”.
Basílio de Magalhães (“Folclore no Brasil”), diz que o Curupira e o Caipora “constituem a mesma personificação do gênio das florestas.”.

Pessoalmente, acreditamos que quando não se trata de simples diversidade nominal, alguns mitos – se não tinham – passaram a adquirir identidade própria e personalidades distintas.

No presente caso, embora aparentemente se trate de simples diferença de nome, a figura do Caipora tal como aqui descrita já se criou efetivamente no imaginário popular, desvinculada da do Curupira.

CANHAMBORA

Homem negro, grandalhão, feio, com cabelos compridos até os pés. Às vezes é citado como tendo, ao mesmo tempo, forma humana e animal, metade cavalo e metade homem.
Ele é detentor de poderes capazes de ressuscitar os animais mortos pelos homens brancos, a quem persegue e agride.

Diz o povo que o Canhambora é assombração de escravos mortos a pancadas a mando de seus senhores, aos quais, posteriormente, volta para assombrar.

Mais conhecido em Minas Gerais e em São Paulo.

CAPELOBO

Criatura fantástica, com corpo de homem, cabeça de tamanduá ou de anta, é pés redondos.

Cães e gatos recém-nascidos são seu alimento principal. Mas ele também ataca humanos, “chupando-lhes o miolo”, ou seja, sorvendo-lhe a massa cefálica.

O ponto vulnerável desse monstro é o seu umbigo, através do qual pode ser abatido.
Ìndios muito velhos transformar-se-iam nesse monstro a que costumam chamar de Lobisomem dos índios.

Popular no Maranhão e na região do Araguaia.

CAVALO BRANCO

É um fogoso cavalo branco que em noites enluaradas é visto a pastar as relvas marginais do Valo Branco, em Iguape.

As mães sempre advertem suas filhas para não passarem pelas relvas marginais do Valo Grande porque o Cavalo Branco, ao ver uma moça virgem, faz com que ela caia naquelas águas e depois desaparece com ela.

Quando novamente há lua cheia ele volta para buscar outra moça para viver com ele no fundo do Valo Branco.

CAVALO DAS ALMAS

Segundo a Profª Palmira M. Degásperi Rodrigues (em “Mito, Folclore e Filosofia”), “é um animal miraculoso, que percorre as estradas à procura dos mortos recentes, que o esperam nos moirões das porteiras. As almas vão engarupadas nesse cavalo”.

CHIBAMBA

De origem africana, e conhecido em São Paulo e Minas Gerais, é um negro velho que se veste com folhas de bananeira, ronca como um porco e está sempre a dançar, em ritmo compassado.

Ele amedronta crianças choronas:
“Olha esse choro, que a Chibamba vem te pegar; ele papa criança”.
Acredita-se que ele foi um velho escravo que morreu no tronco, de tanto chicotada.

Informa-nos Rossini Tavares de Lima que ao Chibamba também se atribuía a fama de suprimir a dor dos escravos açoitados, atraindo-a toda para si quando o invocaram.

CHUPA-CABRAS

É relevante registrarmos esse, haja vista sua atualidade. “Novo ser mitológico”, segundo Hitochi Nomura.

O Chupa-cabras teria aparecido nas áreas rurais de municípios vizinhos à cidade de Campinas, por volta de 1997. Os habitantes da mencionada região atribuíram súbitas e misteriosas mortes de ovelhas e bois a uma estranha criatura notívaga.

O jornalista Paulo San Martin, na edição de 8 de junho de 1997 do jornal A Tribuna, de Campinas, relata na matéria intitulada “Chupa-cabras: agora ele se tornou histeria coletiva” que as marcas deixadas pelo bicho não se confundem com a de nenhum predador conhecido, não encontrando o seu ataque referência na zoologia e na biologia. “Praticamente todo o sangue é drenado e as feridas são inconfundíveis, como se tivessem sido feitas por garras longas e afiadas, semelhantes a navalhas. Em alguns casos são retirados, com precisão cirúrgica, órgãos e glândulas nobres”.

A história foi, na época, muito divulgada pelos meios de comunicação. Uma babalorixá campinense, que afirma tê-lo visto, o descreve como uma criatura peluda apenas da cintura para cima, com poucos pelos nas pernas, e com focinho semelhante ao de um lobo.
-----------------
continua...
-----------------
Fontes:
http://www.folcloreolimpia.com.br/?pagina=folclore=mitoselendas
Montagem da trova sobre imagem obtida no site de Rosane Volpatto