quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

Ruth Farah (1932 - 2017)


Ruth Farah Nacif Lutterback nasceu em Cantagalo/RJ, em 11 de abril de 1932 e faleceu em Nova Friburgo/RJ, a 21 de fevereiro de 2017. Filha dos libaneses Assad Miguel Nacif e Anna Farah Nacif.

Foi Rainha dos Estudantes e Rainha da Primavera de Cantagalo. Estudou em Cantagalo e fez vários Cursos de Especialização para o Magistério Primário em Niterói e Rio de Janeiro. Lecionou e dirigiu várias Escolas do Município,vindo se aposentar com 39 anos de efetivo exercício. 

Participou do Colóquio Internacional “Caminhos da Memória” a convite da UNESCO. 

Fez parte da Coletânea “DEVEMOS VER COM OS OLHOS LIVRES” da ABL e FD (75º lugar dos 6000 professores concorrentes) e de várias Antologias Literárias, entre as quais,“BRAZILA ESPERANTO PARNASO”, de Syla Chaves
e Neide Barros Rego. 

Obteve aproximadamente duzentas premiações em prosa e verso.

Delegada da UBT (União Brasileira de Trovadores), realizava anualmente os Jogos Florais de Cantagalo.

Responsável pelo Departamento Cultural da ASSEXCA (Associação dos Experientes de Cantagalo) em parceria com a JUVENTROVA, promovia concurso para estudantes a fim de despertar novos talentos trovadorescos.

Escreveu “Um pingo de OS SERTÕES” a fim de facilitar o entendimento do fato que deu origem à grande obra de Euclides da Cunha.

Em sua homenagem, a biblioteca da escola municipal Ewandro do Valle Moreira foi batizada com o nome "Sala de Sonhos Ruth Farah Nacif Lutterback".

Fontes:
União Brasileira de Trovadores - Seção Porto Alegre/RS. Trovas de Ruth Farah e Milton Nunes Loureiro. 
Coleção Terra e Céu LIV. Cachoeirinha/RS: Texto Certo, 2016.


Mario Quintana em Prosa e Verso 7



A BELA E O DRAGÃO

As coisas que não têm nome assustam, escravizam-nos, devoram-nos... Se a bela faz de ti gato e sapato, chama-lhe, por exemplo, A BELA DESDENHOSA. E ei-la rotulada, classificada, exorcizada, simples marionete agora, com todos os gestos perfeitamente previsíveis, dentro do seu papel de boneca de pau. E no dia em que chamares a um dragão de JOLÍ, o dragão te seguirá por toda parte como um cachorrinho...

APARIÇÃO

Tão de súbito, por sobre o perfil noturno da casaria, tão de súbito surgiu, como um choque, um impacto, um milagre, que o coração, aterrado, nem lhe sabia o nome: a lua! - a lua ensanguentada e irreconhecível de Babilônia e Cartago, dos campos malditos de após-batalha, a lua dos parricídios, das populações em retirada, dos estupros, a lua dos primeiros e dos últimos tempos.

EPÍLOGO

Não, o melhor é não falares, não explicares coisa alguma. Tudo agora está suspenso. Nada aguenta mais nada. E sabe Deus o que é que desencadeia as catástrofes, o que é que derruba um castelo de cartas! Não se sabe... Umas vezes passa uma avalanche e não morre uma mosca... Outras vezes senta uma mosca e desaba uma cidade.

ESTUFA

Que imaginação depravada têm as orquídeas! A sua contemplação escandaliza e fascina. Vivem procurando e criando inéditos coloridos, e estranhas formas, combinações incríveis, como quem procura uma volúpia nova, um sexo novo...

INFERNO

Em suave andadura de sonho, sob uma infinita série de arco-íris celestiais, anjos me conduziam num palanquim dourado, entre um curioso povo de profetas e virgens, que formavam alas para me ver passar. Mas eu me debruçava inquieto a uma e outra janela: faltava-lhe alguma coisa. Faltava... Faltavam os meus desafetos. Eu só queria era ver a cara deles, ver a cara que eles fariam quando me vissem passar, tirado por anjos num palanquim de ouro!

O ESPIÃO

Bem o conheço. Num espelho de bar, numa vitrina ao acaso do footing, em qualquer vidraça por aí, trocamos às vezes um súbito e inquietante olhar. Não, isto não pode continuar assim. Que tens tu de espionar-me? Que me censuras, fantasma? Que tens a ver com os meus bares, com os meus cigarros, com os meus delírios ambulatórios, com tudo o que não faço na vida!?

TRÁGICO ACIDENTE DE LEITURA

Tão comodamente que eu estava lendo, como quem viaja num raio de lua, num tapete mágico, num trenó, num sonho. Nem lia: deslizava. Quando de súbito a terrível palavra apareceu, apareceu e ficou, plantada ali diante de mim, focando-me: ABSCÔNDITO. Que momento passei!... O momento de imobilidade e apreensão de quando o fotógrafo se posta atrás da máquina, envolvidos os dois no mesmo pano preto, como um duplo monstro misterioso e corcunda... O terrível silêncio do condenado ante o pelotão de fuzilamento, quando os soldados dormem na pontaria e o capitão vai gritar: Fogo!

Fonte:
Mario Quintana. Sapato florido. São Paulo: Globo, 2005.

Vinicius de Moraes (Batizado na Penha)



Eu sou um sujeito que, modéstia à parte, sempre deu sorte aos outros (viva, minha avozinha diria: "Meu filho, enquanto você viver não faltará quem o elogie..."). Menina que me namorava casava logo. Amigo que estudava comigo, acabava primeiro da turma. Sem embargo, há duas coisas com relação às quais sinto que exerço um certo pé-frio: viagem de avião e esse negócio de ser padrinho. No primeiro caso o assunto pode ser considerado controverso, de vez que, num terrível desastre de avião que tive, saí perfeitamente ileso, e numa pane subsequente, em companhia de Alex Viany, Luís Alípio de Barros e Alberto Cavalcanti, nosso Beechcraft, enguiçado em seus dois únicos motores, conseguiu no entanto pegar um campinho interditado em Canavieiras, na Bahia, onde pousou galhardamente, para gáudio de todos, exceto Cavalcanti, que dormia como um justo. 

Mas no segundo caso é batata. Afilhado meu morre em boas condições, em período que varia de um mês a dois anos. Embora não seja supersticioso, o meu coeficiente de afilhados mortos é meio velhaco, o que me faz hoje em dia declinar delicadamente da honra, quando se apresenta o caso. O que me faz pensar naquela vez em que fui batizar meu último afilhado na Igreja da Penha, há coisa de uns vinte anos. 

Éramos umas cinco ou seis pessoas, todos parentes, e subimos em boa forma os trezentos e não sei mais quantos degraus da igrejinha, eu meio céptico com relação à minha nova investidura, mas no fundo tentando me convencer de que a morte de meus dois afilhados anteriores fora mera obra do acaso. Conosco ia Leonor, uma pretinha de uns cinco anos, cria da casa de meus avós paternos. 

Leonor era como um brinquedo para nós da família. Pintávamos com ela e a adorávamos, pois era danada de bonitinha, com as trancinhas espetadas e os dentinhos muito brancos no rosto feliz. Para mim Leonor exercia uma função que considero básica e pela qual lhe pagava quatrocentos réis, dos grandes, de cada vez: coçar-me as costas e os pés. Sim, para mim cosquinha nas costas e nos pés vem praticamente em terceiro lugar, logo depois dos prazeres da boa mesa; e se algum dia me virem atropelado na rua, sofrendo dores, que haja uma alma caridosa para me coçar os pés e eu morrerei contente. 

Mas voltando à Penha: uma vez findo o batizado, saímos para o sol claro e nos dispusemos a efetuar a longa descida de volta. A Penha, como é sabido, tem uma extensa e suave rampa de degraus curtos que cobrem a maior parte do trajeto, ao fim da qual segue-se um lance abrupto. Vínhamos com cuidado ao lado do pai com a criança ao colo, o olho baixo para evitar alguma queda. Mas não Leonor! Leonor vinha brincando como um diabrete que era, pulando os degraus de dois em dois, a fazer travessuras contra as quais nós inutilmente a advertimos. 

Foi dito e feito. Com a brincadeira de pular os degraus de dois em dois, Leonor ganhou momentum e quando se viu ela os estava pulando de três em três, de quatro em quatro e de cinco em cinco. E lá se foi a pretinha Penha abaixo, os braços em pânico, lutando para manter o equilíbrio e a gritar como uma possessa. 

Nós nos deixamos estar, brancos. Ela ia morrer, não tinha dúvida. Se rolasse, ia ser um trambolhão só por ali abaixo até o lance abrupto, e pronto. Se conseguisse se manter, o mínimo que lhe poderia acontecer seria levantar voo quando chegasse ao tal lance, considerada a velocidade em que descia. E lá ia ela, seus gritos se distanciando mais e mais, os bracinhos se agitando no ar, em sua incontrolável carreira pela longa rampa luminosa. 

Salvou-a um herói que quase no fim do primeiro lance pôs-se em sua frente, rolando um para cada lado. Não houve senão pequenas escoriações. Nós a sacudíamos muito, para tirá-la do trauma nervoso em que a deixara o tremendo susto passado. De pretinha, Leonor ficara cinzenta. Seus dentinhos batiam incrivelmente e seus olhos pareciam duas bolas brancas no negro do rosto. Quando conseguiu falar, a única coisa que sabia repetir era: "Virge Nossa Senhora! Virge Nossa Senhora!" 

Foi o último milagre da Penha de que tive notícia.

Fonte:
Vinícius de Moraes. Para uma menina com uma flor. 
Rio de Janeiro: Ed. do Autor, 1966.

Nilto Maciel (O Fim do Mundo de Sinhá)


A peste havia levado para a terra dos pés juntos quase todo o povo do lugar. Menos os filhos ingratos, sem amor ao chão, e os mais duros, de corpo fechado. Muita carniça para os urubus. Uma praga de bicho morto. Plantação nenhuma resistiu. A terra se esturricou. Quem escapou e não esperou pela morte, fugiu para bem longe, tomou o oco do mundo. Menos Sinhá. Essa ficou para enfrentar o cão. Comia raiz, qualquer coisa da terra nascida. Gafanhoto, formiga, besouro. Depois apareceram, não soube ela como, pés de pau, porco, galinha, toda sorte de bicho. Porém de quase nada disso ela se servia. Continuava a enfiar as mãos trêmulas na terra, à cata de comida do chão. Se enxergava ainda? Divertia-se a espiar as galinhas comerem minhocas, os porcos fuçarem a lama e os frutos apodrecerem em cima da terra. Sozinha no sitiozinho, na choupana velha, dos bons tempos, conversava com os bichos, a chuva, os ventos, a noite, os meninos que malinavam no terreiro e metidos no mato. Não haverá de abandonar a terrinha, porque, o que de que carecia, ela dava em abundância. Dava e levava. Nas suas falas, porém, Sinhá muito se queixava de abandono e rogava pragas aos que a deixaram só, como se estivesse leprosa. Maldizia-se dia e noite, a gritar e blasfemar em miúda voz. Talvez não a ouvissem. Certamente viviam por ali, enfiados nas cabanas escondidas ou nas roças distantes. Tangiam porcos e galinhas, que não cessavam de fuçar o chão, em tempo de derrubar as casas. Ouvia de madrugada o canto dos galos. Sim, eles viviam por ali. E nunca se mostravam. Tinham medo da lepra que ela não carregava. Orgulhosos! A terra havia de papar um a um amanhã, antes da safra, depois de São João.

Passo manso e torto, olhos nas pontas dos pés, amaldiçoava os bichos que a perseguiam, encostada na bengala lisa e ensebada. Pela primeira vez, depois de tanta solidão, pisava novos rastros. Vontade doida de dar um passeio, conversar de frente, recordar o antigamente, até aquela peste danada e tão passada, falar da chuva que sempre vinha e sempre ia. Buscou as veredas cobertas de mato, para cá e para lá, avistou a cabana de Meranda. Por que aquela criatura nunca mais havia aparecido? Oi de casa. Nem um só pio. Apurou os ouvidos. Pio, pio, pio. Escancarou a porta, passou, passou, trambecou, perguntou pelo café, nada de fogo nem de lenha. Decerto o povo andava na roça ou na cidade a comprar fazenda por mor de fazer roupa para os meninos. O mofo no canto da cozinha cobria o pote. Fogão apagado, panela nenhuma. De tamborete só a sombra. Esburacadas as paredes, furado o céu no telhado.

Sem jeito, saiu pela porta dos fundos, a tropeçar no passado. Essa Meranda! Cansada de carregar o tino, grudou-se à bengala lisa e vergou o corpo, murcho e leve, e só não conseguia voar, feito os passarinhos que beliscavam a mata branca de sua cabeça, porque nada a despegava da terra. Nem mesmo o abandono de parentes e aderentes. Fugir também? Não, não sentia medo de nada. Ora, se já ninguém existia no mundo, nada de fazer medo havia. Tudo morto, até o tempo. Fim de mundo, sim senhor. Pois donde nascer curumim, se não se via mais homem nem mulher? Ela? Não, nada daquilo era, nem mulher nem homem. Nem nunca tinha sido. Então só queria a fianga para se estender, descansar e dormir. Bem muito.

Fonte:
Nilto Maciel. Babel (contos). Brasília/DF: Editora Códice, 1997.

ACLAPTC-CTC (Programação Março/Abril)


ACLAPT-CTC - Academia Capixaba de Letras e Artes de Poetas Trovadores -Clube dos Trovadores Capixabas

Dia 14 de março  
Data de nascimento do Poeta Castro Alves

Início às 18 (Dezoito) horas. 

Início das atividades Acadêmicas da ACLAPT-CTC em 2019. 

Comemoração do Aniversário de Castro Alves, 

Posse Acadêmica e Juramento e Posse dos Acadêmicos Infanto Juvenis da ACLAPTCTC. 

Sessão Magna da Saudade homenageando os Acadêmicos Falecidos: Vera Maria da Penha e Agostinho Rodrigues. 

Lançamento do Concurso Nacional e Estadual de Poesias com o tema, “Maravilhas da Cidade de Anchieta” e 

Concurso Nacional e Estadual de Trovas, “Anchieta Berço da Cultura”, com obrigatoriedade apenas da colocação das palavras Anchieta e Cultura, com a entrega de prêmios no XVI Congresso Brasileiro de Poetas Trovadores. 

Local do Evento : 
Auditório do Centro Cultural Frei Ubaldo Favagallo da Civitella Del Trento, na Avenida Expedito Garcia, próximo ao supermercado Carone, Campo Grande, Cariacica, ES.  

Dia 29 de Março, sexta feira. 

Data destinada a Visitas Técnicas, pelos Historiadores da ACLAPT-CTC, em Edificações históricas e erguidas pelos Jesuítas em Viana, Cariacica, Serra e Vila Velha. 

Aberta a participação de todos Acadêmicos. 

IGREJA DE NOSSA SENHORA DA AJUDA DE ARAÇATIBA. Edificada sobre uma colina às margens do rio Jacarandá. A igreja apresenta, de um lado, as ruínas do antigo convento, onde, há séculos passados, teriam vivido os jesuítas que plantaram em nossas plagas a árvore da civilização cristã. 

Contatos: robertovasco@hotmail.com – 9 9963 0471.

ABRIL

06 de abril. 
Início: 19 horas.

Auditório do Teatro Municipal de Vila Velha, "Elio de Almeida Vianna", localizado no prédio da antiga sede da Prefeitura, na Praça Duque de Caxias, Centro de Vila Velha. 

Evento: Show “Poemas Musicados” constante do CD de mesmo nome, do compositor e cantor Carlos Bona, em Parceria com 13 Acadêmicos da Academia de Letras de Vila Velha e ACLAPT-CTC. 

Dia 13 de abril, em Belo Horizonte 
Primeiro encontro de Escritores e Delegados Culturais. 

Local: Inconfidente Mineiro 

(Contato: Lea Lu: 31-99665-0965 e 31-3396-0206).

Final de Abril em data a ser informada. 
Cerimônia de Posse acadêmica na ACL – Academia Cariaciquense de Letras, dos novos acadêmicos Correspondentes: Roberto Vasco, Edilson Celestino, Magnólia Pedrina Silvestre. 

27 de Abril, Sábado 
Início às 16 horas

Segunda Reunião Trimestral da ACLAPT-CTC 
Rua dos Pombos, 2 Eurico Salles, Carapina, ES.

Fonte:
Clério Borges
Presidente da ACLAPT-CTC,

segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

Teixeira de Pascoaes (Livro D'Ouro da Poesia Portuguesa vol. 9) II



NO SEU TÚMULO

Sobre o seu frio berço sepulcral,
Meu espirito reza ajoelhado;
E sente-se perfeito e virginal
Na sua dor divina concentrado.

Caí, gotas de orvalho matinal!
Astros, caí do céu todo estrelado!
Secas flores do zéfiro outonal,
Vinde enfeitar-lhe o túmulo sagrado!

Ó luar da meia noite, encantamento
De sombra, vem cobri-lo! Ó doido Vento,
Dorme com ele, em paz religiosa...

Sobre ele, ó terra, sê brandura apenas;
Faze-te luz, toma o calor das penas;
Sê Mãe perfeita, boa e carinhosa.

DELÍRIO

Não posso crer na morte do Menino!
E julgo ouvi-lo e vê-lo, a cada passo...
É ele? Não. Sou eu que desatino;
É a minha dor sofrida, o meu cansaço.

Delírio que me prendes num abraço,
Emendarás a obra do Destino?
Vê-lo-ei sorrir, de novo, no regaço
Da mãe? Verei seu rosto pequenino?

Mistério! Sombra imensa! Alto segredo!
Jamais! jamais! Quem sabe? Tenho medo!
Que vejo em mim? A treva? a luz futura?

Ah, que a dor infinita de o perder
Seja a alegria de o tornar a ver,
Meu Deus, embora noutra criatura!

REMORSOS

Onde contigo, um dia, me zanguei,
É hoje um sitio escuro que aborreço;
E sempre que ali passo, eu anoiteço!...
Ah, foi um crime, sim, que pratiquei!

Quantas negras torturas eu padeço
Pelo pequeno mal que te causei!
Se, ao menos, pressentisse o que hoje sei?
Mas não; fui mau; fui bruto; reconheço!

E sofro mais, por isso, a tua morte,
E dou mais choro amargo ao vento norte,
Mais trevas se acumulam no meu rosto...

Ó vós que neste mundo amais alguém,
Seja linda criança ou pai ou mãe,
Não lhe causeis nem sombra de desgosto!

NO CREPÚSCULO

Nasce a luz do luar dos derradeiros,
Ermos, soturnos píncaros sozinhos...
Andam sombras no ar e murmurinhos
E vagidos de luz... e os Pegureiros
Descem, cantando, a encosta dos outeiros...

Tangendo amenas frautas amorosas,
Seus vultos, no crepúsculo, desmaiam
E assim como os seus cânticos, se espraiam
Em ondas de emoção. As fragorosas
Quebradas que o luar beija, misteriosas
Furnas, bocas de terra, murmurantes,
Arvoredos extáticos orando,
Rochedos, na penumbra, meditando,
Desfeitos em ternura, esvoaçantes,
Pairam também no espaço comovido,
Das primeiras estrelas já ferido,
Todo em luar e sombra amortalhado...

E eu choro sobre um monte abandonado...

E o Fantasma divino da Criança,
Sombra de Anjinho em flor,
Nos longes dos meus olhos aparece,
Como se, por ventura, ele nascesse
Da minha incerta e trémula esperança,
E não da minha firme e eterna dor!

E choro; e além das lagrimas, eu vejo
Aquele doce Vulto pequenino,
Em seu leito de morte e sofrimento;
Jesus martirizado, inda Menino...
E é como cinza morte o meu desejo
E como extinta luz meu pensamento!

Depois, a sua Imagem sofredora
Regressa á Vida, veste-se de aurora;
Os seus lábios sorriem para mim...
E aqueles verdes olhos cristalinos
Abrem-se radiosos e divinos,
E vejo-o então brincar no meu jardim!

Vejo-o como ele foi, como ele existe
No coração da Mãe por toda a vida!
Anjinho tutelar da nossa casa!
A divina Esperança florescida,
Brilhando além de tudo quanto é triste...
Longínquo Alívio, protetora Asa!

Mas de que serve? Eu choro sem descanso,
No meio da tristeza indiferente
Das Cousas que têm a alma sempre ausente...

Só eu na minha dor nunca me canso.

Ó bruteza das Coisas! No infinito
E gélido silencio, eu ouço um grito!
Na funda solidão que me rodeia,
Um ser apenas, tétrico, vagueia...

Quem grita? O meu espirito. E que importa?
É ele a errar no mundo solitário,
Sem principio nem fim, sem pai nem mãe!

Ó céu indiferente! Ó terra morta!
Ó grito de Jesus sobre o Calvário,
A subir no Infinito, cada vez
Mais cercado de trágica mudez,
Mas aflito, mais alto, mais além!...

Cousas que já fizestes companhia
A este espirito meu que, em vós, se via,
Porque me abandonastes? Ermo Vento,
Insonia do ar correndo o Firmamento,
Só vejo, em ti, loucura inanimada,
Revolta inconsciência destruidora!

Alta estrela, na noite, incendiada,
Passarinhos do céu, cantos da aurora,
Já não palpita em vós meu coração...
Sois o silencio, a treva, a solidão.

Além de mim já nada avisto. As cousas,
Arvores, nuvens, serras pedregosas,
São penumbras que á luz do meu olhar
Se dissipam, de súbito, no ar.

De tal forma meu ser se concentrou
Na visão da Criança, que além dela,
Não vejo flor ou ave ou luz de estrela,
Límpido céu azul, verde paisagem!
Dir-se-á que o seu Espectro reencarnou
Em mim, - que não sou mais que a sua Imagem!

SOBRESSALTO

Quantas horas passava contemplando
Seu pequenino Vulto. Era um Anjinho
Dentro de nossa casa, abençoando...
Era uma Flor, um Astro, um Amorzinho.

Um dia, em que ele, ao pé de mim, sozinho
Brincava, estes meus olhos inundando
De graça, de Inocência e de carinho,
De tudo o que é celeste, alegre e brando,

Vi tremer sua Imagem, de repente,
No ar, como se fora Aparição.
E para mim eu disse tristemente:

"Pertences a outro mundo, a um céu mais alto;
Partirás dentro em breve." E desde então
Eu fiquei num constante sobressalto!

ENCANTAMENTO

Quantas vezes, ficava a olhar, a olhar
A tua doce e angelica Figura,
Esquecido, embebido num luar,
Num enlevo perfeito e graça pura!

E á força de sorrir, de me encantar,
Diante de ti, mimosa Criatura,
Suavemente sentia-me apagar...
E eu era sombra apenas e ternura.

Que Inocência! que aurora! que alegria!
Tua figura de Anjo radiava!
Sob os teus pés a terra florescia,

E até meu próprio espirito cantava!
Nessas horas divinas, quem diria
A sorte que já Deus te destinava!

O QUE EU SOU

Noturna e dúbia luz
Meu ser esboça e tudo quanto existe...
Sou, num alto de monte, negra cruz,
Onde bate o luar em noite triste...

Sou o espirito triste que murmura
Neste silencio lúgubre das Cousas...
Eu é que sou o Espectro, a Sombra escura
De falecidas formas mentirosas.

E tu, Sombra infantil do meu Amor,
És o Ser vivo, o Ser Espiritual,
A Presença radiosa...
                        Eu sou a Dor,
Sou a trágica Ausência glacial...

Pois tu vives, em mim, a vida nova,
E eu já não vivo em ti...
                        Mas quem morreu?
Foste tu que baixaste á fria cova?
Oh, não! Fui eu! Fui eu!

Horrível cataclismo e negra sorte!
Tu foste um mundo ideal que se desfez
E onde sonhei viver apos a morte!
Vendo teus lindos olhos, quanta vez,
Dizia para mim: eis o lugar
Da minha espiritual, futura imagem...
E viverei á luz daquele olhar,
Divino sol de mistica Paisagem.

Era minha ambição primordial
Legar-lhe a minha imagem de saudade;
Mas um vento cruel de temporal,
Vento de eternidade,
Arrebatou meu sonho! E fugitiva
Deste mundo se fez minha alegria;
Mais morta do que viva,
Partiu contigo, Amor, à luz do dia
Que dourou de tristeza o teu caixão...
Partiu contigo, ao pé de ti murmura;
É magoada voz na solidão,
Doce alvor de luar na noite escura...
E beija o teu sepulcro pequenino;
Sobre ele voa e erra,
Porque o teu Ser amado é já divino
E o teu sepulcro, abrindo-se na terra,
Penetrou-a de luz e santidade...
E para mim a terra é um grande templo
E, dentro dele, a Imagem da Saudade...
E reso de joelhos, e contemplo
Meu triste coração, saudoso altar
Alumiado de sombra, escura luz...
Nele deitado estás como a sonhar,
Meu pequenino e mistico Jesus...
Lagrimas dos meus olhos são as flores
Que a teus pés eu deponho...
Enfeitam tua Imagem minhas dores,
E alumia-te, ás noites, o meu sonho.

Todo me dou em sacrifício á tua
Imagem que eu adoro.
Sou branco incenso á triste luz da lua:
Eu sou, em nevoa, as lagrimas que choro...

Fonte:
Teixeira de Pascoaes. Elegias. 1912.

Carlos Drummond de Andrade (Premonitório)



Do fundo de Pernambuco, o pai mandou-lhe um telegrama:
Não saia casa 3 outubro abraços.

O rapaz releu, sob emoção grave. Ainda bem que o velho avisara: em cima
da hora, mas avisara. Olhou a data: 28 de setembro. Puxa vida, telegrama com a nota de urgente, levar cinco dias de Garanhuns a Belo Horizonte! Só mesmo com uma revolução esse telégrafo endireita. E passado às sete da manhã, veja só; o pai nem tomara o mingau com broa, precipitara-se na agência para expedir a mensagem.

Não havia tempo a perder. Marcara encontros para o dia seguinte, e precisava cancelar tudo, sem alarde, como se deve agir em tais ocasiões. Pegou o telefone, pediu linha, mas a voz de d. Anita não respondeu. Havia tempo que morava naquele hotel e jamais deixara de ouvir o “pois não” melodioso de d. Anita, durante o dia. A voz grossa, que resmungara qualquer coisa, não era de empregado da casa; insistira: “como é?”, e a ligação foi dificultosa, havia besouros na linha. 

Falou rapidamente a diversas pessoas, aludiu a uma ponte que talvez resistisse ainda uns dias, teve oportunidade de escandir as sílabas de arma virumque cano, disse que achava pouco cem mil unidades, em tal emergência, e arrematou: “Dia 4 nós conversamos”. 

Vestiu-se, desceu. Na portaria, um sujeito de panamá bege, chapéu de aba larga e sapato de duas cores levantou-se e seguiu-o. Tomou um carro, o outro fez o mesmo. Desceu na praça da Liberdade e pôs-se a contemplar um ponto qualquer. Tirou do bolso um caderninho e anotou qualquer coisa. Aí, já havia dois sujeitos de panamá, aba larga e sapato bicolor, confabulando a pequena distância. Foi saindo de mansinho, mas os dois lhe seguiram na cola. 

Estava calmo, com o telegrama do pai dobrado na carteira, placidez satisfeita na alma. O pai avisara a tempo, tudo correria bem. Ia tomar a calçada quando a baioneta em riste advertiu: “Passe de largo”; a Delegacia Fiscal estava cercada de praças, havia armas cruzadas nos cantos. Nos Correios, a mesma coisa, também na Telefônica. Bondes passavam escoltados. Caminhões conduziam tropa, jipes chispavam. As manchetes dos jornais eram sombrias; pouca gente na rua. Céu escuro, abafado, chuva próxima.

Pensando bem, o melhor era recolher-se ao hotel; não havia nada a fazer. Trancou-se no quarto, procurou ler, de vez em quando o telefone chamava: “Desculpe, é engano”, ou ficava mudo, sem desligar. Dizendo-se incomodado, jantou no quarto, e estranhou a camareira, que olhava para os móveis como se fossem bichos. Deliberou deitar-se, embora a noite apenas começasse. Releu o telegrama, apagou a luz.

Acordou assustado, com golpes na porta. Cinco da manhã. Alguém o convidava a ir à Delegacia de Ordem Política e Social. 

“Deve ser engano.” 

“Não é não, o chefe está à espera.” 

“Tão cedinho? Precisa ser hoje mesmo? Amanhã eu vou.” 

“É hoje e é já.” 

“Impossível.” 

Pegaram-lhe dos braços e levaram-no sem polêmica. A cidade era uma praça de guerra, toda a polícia a postos. 

“O senhor vai dizer a verdade bonitinho e logo” — disse-lhe o chefe. — “Que sabe a respeito do troço?” “Não se faça de bobo, o troço que vai estourar hoje.” 

“Vai estourar?” 

“Não sabia? E aquela ponte que o senhor ia dinamitar mas era difícil?” 

“Doutor, eu falei a meu dentista, é um trabalho de prótese que anda abalado. Quer ver? Eu tiro.” 

“Não, mas e aquela frase em código muito vagabundo, com palavras que todo mundo manja logo, como arma e cano?” 

“Sou professor de latim, e corrigi a epígrafe de um trabalho.” 

“Latim, hem? E a conversa sobre os cem mil homens que davam para vencer?” 

“São unidades de penicilina que um colega tomou para uma infecção no ouvido.” 

“E os cálculos que o senhor fazia diante do palácio?” 

Emudeceu. 

“Diga, vamos!” 

“Desculpe, eram uns versinhos, estão aqui no bolso.” 

“O senhor é esperto, mas saia desta. Vê este telegrama? É cópia do que o senhor recebeu de Pernambuco. Ainda tem coragem de negar que está alheio ao golpe?” 

“Ah, então é por isso que o telegrama custou tanto a chegar?” 

“Mais custou ao país, gritou o chefe. Sabe que por causa dele as Forças Armadas ficaram de prontidão, e que isso custa cinco mil contos? Diga depressa.” 

“Mas, doutor…” 

Foi levado para outra sala, onde ficou horas. O que aconteceu, Deus sabe. Afinal, exausto, confessou: 

“O senhor entende conversa de pai pra filho? Papai costuma ter sonhos premonitórios, e toda a família acredita neles. Sonhou que me aconteceria uma coisa no dia 3, se eu saísse de casa, e telegrafou prevenindo. Juro!”.

Dia 4, sem golpe nenhum, foi mandado em paz. O sonho se confirmara: realmente, não devia ter saído de casa.

Fonte:
Carlos Drummond de Andrade. 70 Historinhas. 
São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

Contos e Lendas do Mundo (África: A Corrida para ser Rei)


Existem muitos mitos africanos acerca de animais. Nalguns, eles têm um comportamento animal. Noutros, parecem pessoas. Em certos mitos, até, são meio animais, meio gente. Neste mito Alur, há um sapo e um lagarto que são príncipes irmãos.

 Lagarto e Sapo, seu irmão, estavam sentados a olhar um para o outro. Lagarto deleitava-se ao sol do meio-dia, absorvendo os raios solares. Sorria de contentamento. A pedra macia e negra sobre a qual se encontrava era tão bonita e estava tão quente que ele era obrigado a levantar uma pata de cada vez. Deste modo, as quatro patas podiam esfriar um pouco antes de voltarem a ficar deliciosamente aquecidas sobre a sua pedra preferida.

Sapo mantinha-se à sombra, meio dentro, meio fora da água. Gostava de umidade, de se manter fresco. Se permanecesse ao sol demasiado tempo, ficaria esturricado.

Sapo tinha os enormes olhos redondos fixos em Lagarto.

 - Em que pensas, irmão? - perguntou-lhe. - Pareces muito satisfeito contigo mesmo.

- Estava a pensar que, quando o rei, nosso pai, morrer, eu assumirei o seu lugar - respondeu Lagarto.

- Quem o decide é o nosso pai - retorquiu Sapo, fazendo tremular a superfície da água da poça com o sopro da sua voz roufenha.

- Certamente não te passa pela cabeça ser o escolhido para ocupar o trono, pois não? - perguntou Lagarto, levantando uma das patas traseiras da pedra escaldante.

- É a ele que cabe a escolha - lembrou-lhe Sapo. - Mas está a ficar velho e já não deve tardar a fazer essa comunicação.

- Eu sou belo, rápido e forte - declarou Lagarto, agitando a língua. A minha voz é calma mas firme. Tu, no entanto, não possuis nenhuma destas qualidades.

- Tanto tu como eu somos filhos do mesmo pai - lembrou Sapo -, e, escolha ele quem escolher para o substituir, eu respeitarei a sua decisão.

- Mas tu és feio, pegajoso e andas aos pulos! - protestou Lagarto. A tua voz de cana rachada é feia e irritante. Nunca poderias ser rei.

Nesse momento chegou um mensageiro.

- Príncipe Lagarto - cumprimentou, fazendo uma vênia e pestanejando para o lagarto que se encontrava sob o sol brilhante. - Príncipe Sapo acrescentou, com nova mesura, franzindo os olhos para a zona sombreada. Vosso pai convoca-vos para vos deslocardes ao palácio real.

- Para me proclamar seu sucessor, sem dúvida - observou Lagarto, sorrindo.

- A sua mensagem diz que o primeiro a chegar ao palácio será o rei sucessor - acrescentou o mensageiro, retirando-se em seguida.

- Ora aí está! - exclamou Lagarto saltando da pedra ensolarada com a rapidez fantástica que era comum à sua espécie. - Bem te disse, Sapo, que é a mim que o pai quer para lhe suceder. Eu serei o próximo rei desta terra!

Sapo mergulhou dentro de água, a fim de molhar a pele, vindo ao de cima logo a seguir.

- O que te leva a fazer essa suposição, irmão? - perguntou.

- Porque sou capaz de correr muito mais depressa do que tu, com essas pernas bamboleantes e esse corpanzil gorducho - troçou Lagarto.

Dito isto, correu a enfiar-se mato adentro, de modo a preparar algumas coisas para levar consigo na viagem para o palácio real.

Sapo mirou-se na superfície do lago. Seu irmão, Lagarto, tinha razão. Ele, que era um sapo, levaria muito mais tempo a chegar ao palácio real. Lagarto estava tão determinado em ser o primeiro que nada o desviaria desse objetivo.

 Nada, exceto um pouco de chuva, refletiu Sapo.

 Sapo, como era um animal que vivia tanto na terra como na água, sabia o dobro sobre o mundo, ao contrário de Lagarto, seu irmão. O que também significava que Sapo conhecia duas vezes mais tudo o que se relacionava com magia.

Sapo, em vez de se lançar na corrida para o palácio real - a qual, à partida, sabia que perderia -, foi à procura de uma árvore chamada yatkot.

Assim que encontrou a árvore, partiu-lhe um ramo e enterrou-o num pó mágico que depois regou com água. Enquanto isso, o príncipe Sapo foi murmurando umas palavras secretas e o feitiço começou imediatamente a fazer efeito.

Primeiro caiu um pingo de água numa folha em forma de coração, que tinha ao lado... depois outro... e outro... e mais outro. Não tardou que o tamborilar da chuva a cair enchesse o ar e começasse a cheirar a terra molhada. A seguir, o céu abriu-se e começou a chover torrencialmente.

- O tempo ideal para sapos - observou Sapo alegremente, iniciando a sua jornada, aos saltos, para o palácio real.

Entretanto, Lagarto sentia-se todo orgulhoso de si mesmo. Já ia bem adiantado no seu caminho para o palácio.

- Só não percebo por que razão meu pai não anunciou, simplesmente, o meu nome como seu sucessor - disse de si para si. - Para quê propor esta corrida para decidir a sua escolha? Todos sabem que o verde e repugnante do meu irmão Sapo jamais conseguirá competir comigo... além disso, morrerá esturricado com este calor infernal.

Nesse instante, uma enorme nuvem escura tapou o Sol, e a chuva começou a cair abundantemente. Lagarto correu a abrigar-se sob uma pedra alta.

 – “Esperarei aqui até a chuva parar”, pensou. “Nesta altura do ano não durará muito e como estou muito mais adiantado do que Sapo, ele nunca será capaz de me alcançar.”

Lagarto, porém, enganava-se, pois Sapo alcançou-o e até o ultrapassou. Claro que Lagarto não percebeu do fato, porque Sapo tomara outro caminho.

 A certa altura, a chuva parou e o Sol voltou a brilhar, quente, outra vez, pois o feitiço de um ramo de yatkot enterrado no chão dura pouco.

Lagarto apressou-se a sair debaixo da sua pedra e lançou-se, de novo, ao caminho.

- Em breve chegarei ao palácio real - disse, reparando na sua imagem refletida numa poça de água. - Que rei esplêndido darei com as minhas magníficas escamas de lindas cores.

 Mais à frente, o príncipe Sapo chegara já ao portão que dava acesso ao palácio real. À esquerda, sob o sol escaldante, via-se uma fila de lagartos de cores garridas. Eram os arautos de seu irmão, prontos para saudar a chegada de Lagarto com um toque de trombetas. À direita, na sombra fresca, estava uma fila de sapos, que eram os arautos de Sapo. Não precisavam de trombetas porque eram senhores de vozes fortes e coaxantes.

 Ao verem o seu senhor, ergueram a cabeça e anunciaram sonoramente a chegada do seu príncipe e o seu triunfo como vencedor da corrida.

O velho rei aproximou-se rapidamente do portão para saudar o filho.

 - Muito bem, Sapo - elogiou. - Vejo que deves ter usado a inteligência para ganhar esta corrida, e um bom rei está sempre a precisar de recorrer a ela. Quando eu morrer, ocuparás o meu lugar com brio.

 As palavras do rei foram abafadas pelas trombetas dos arautos lagartos a anunciar a chegada do seu senhor. Lagarto entrou no palácio com ar pomposo e de cabeça erguida.

 - Viestes saudar-me, senhor meu pai? - perguntou Lagarto, com ar vagamente convencido. - Estou certo de que ireis dar uma festa especial para celebrar a minha vitória. Além disso, acho que nem valerá a pena esperarmos pelo feioso daquele meu irmão. Nesta altura ainda só deve vir...

 Lagarto não pôde continuar a falar. Olhou, pestanejou e olhou de novo. Não, os seus olhos não o enganavam. Ali, na sombra refrescante do palácio real, estava o pegajoso e feio do seu irmão saltitante. Tal só poderia ter um significado: o de que o pegajoso e feio do seu irmão saltitante o vencera na corrida, o que queria dizer que... que o príncipe Sapo um dia seria o rei Sapo.

- Ora viva - cumprimentou-o Sapo. - Por onde tens andado?

E por essa razão que, sempre que ouvires sapos a coaxar, deves preparar-te para a chuva. Significará que Sapo saiu para fora dos portões do palácio real e anda a fazer a sua magia com os ramos de yatkot... Porque sabes bem como ele aprecia o tempo úmido!

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