segunda-feira, 4 de março de 2024

Versejando 133

 

Monsenhor Orivaldo Robles (Na infância tudo se decide)

Entre as muitas coisas que aprendi em criança, uma, que me marcou de modo indelével, foi a preocupação com o bem-estar alheio, com o respeito devido aos outros. Já tive oportunidade de comentar o conselho que o pai não se cansava de nos repetir: “Não sejais pesados a ninguém”. Embora homem do campo, que não frequentara bancos escolares, havia conquistado, não sei onde nem como, uma sabedoria que universidade nenhuma ensina. Era incapaz de conduta ou gesto que ferisse o direito ou até a simples preferência de alguém. Não que ele assumisse postura subserviente. Possuía clara consciência de seus direitos. Se deles chegava a abrir mão – como, mais de uma vez, pude comprovar, – fazia-o em razão de uma naturalidade que lhe brotava de dentro, de uma generosidade inata; nunca por covardia ou temor. Com tal protótipo sempre ao lado, enquanto nós crescíamos, seria mesmo difícil não nos deixarmos moldar por ele. Há gestos que ainda agora, a três décadas de sua morte, os filhos recusam praticar. Não tanto, creio, por virtude própria, senão mais pelo que ele nos deixou como exemplo. Vimos nele a importância de crer, desde muito cedo, que a grandeza de alguém independe de certos atributos hoje, infelizmente, muito valorizados.

Uma lição que o pai transmitiu com muita serenidade foi que todos nós somos iguais em natureza, mas cada um possui a própria individualidade. Aprendemos que é tolice comparar pessoas, pois, como dizem, “cada um é cada um”. Não me lembro de termos argumentado com ele que fulano tivesse algo e nós não. Ou que outros fizessem coisas que a nós não eram permitidas. Noções do dever e da consequente responsabilidade pessoal foram-nos incutidas de maneira suave, mas firme e diuturna. Mais com o jeito de agir do que com o uso de palavras.

Hoje mantenho hábitos vistos talvez como excêntricos. Se, na pressa, derrubo uma peça de roupa, ou água, leite ou suco, posso até seguir adiante, certo de que a empregada cuida disso. Mas não adianta: tenho que voltar para ajeitar, eu mesmo, as coisas. Quando estaciono o carro, observo se deixei espaço suficiente para o vizinho. Muitas vezes volto para estacionar melhor: vá que ele dirija mal como eu. Evito bater porta com força, falar alto, fazer ruído desnecessário: por que incomodar os outros? Cultivo ainda um monte de esquisitices de que não me consigo livrar. Fazer o quê? Desde criança aprendi que o outro é igual a mim. Não gosto de gente espaçosa, dona do mundo, que não respeita ninguém. Acredito que os outros também não gostem.

Não pretendo passar imagem de “bonzinho”. Nem ser melhor que ninguém. Tenho suficiente idade para não cultivar vaidades tolas. É que tive a felicidade de aprender em casa princípios válidos para qualquer tempo ou lugar.

Vivemos reclamando da violência que toma conta do mundo atual. Temos razão de reclamar. Do jeito que as coisas vão, que mundo as crianças de hoje vão encontrar quando forem adultas? Mas torná-lo menos violento depende de nós. Não há como fugir dessa evidência. Cada um é obrigado a pôr em prática aquilo que dele todos têm direito de esperar.

Começando pelos pais, que precisam convencer-se disto: tanto para o bem quanto para o mal, são eles os modelos para os filhos.

Baú de Trovas 80


Havia à noite um poema:
as luzinhas em cardumes...
Hoje sequer no cinema
pisca-piscam vaga-lumes.
A. A. de Assis
Maringá/PR
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Quem seu ciúme proclama,
fazendo questão de expô-lo,
insulta aquela a quem ama,
e ainda faz papel de tolo…
Adalberto Dutra Resende +
Bandeirantes/PR
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Deus - escreve em linhas tortas...
As nossas vidas por certo -
sem jamais, fechar as portas...
Quando o amor está por perto!!!
Ana Maria Guerrize Gouveia
Santos/SP
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“Cara-de-pau!” E o grã-fino 
não se abala, não se afoba;
e no rosto, enfim, ladino,
passa um óleo de peroba…
Antonio Colavite Filho
Santos/SP
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Prato de vidro, vazio,
feito um espelho, em teu fundo
refletes o olhar sombrio
das injustiças do mundo!
Antônio de Oliveira
Rio Claro/SP
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Perdão no amor que se apruma
sem guardar mágoas, constrói.
É flor que enfeita e perfuma 
as mãos de quem o destrói.
Antonio Juraci Siqueira 
Belém/PA
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Eu vejo a terra cansada,
a cada passo mais linda,
sofrendo golpes de enxada,
e dando frutos ainda.
Antonio Salomão +
Curitiba/PR
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Com um abraço agradeço
as letras do meu saber;
contudo, não desmereço
as que deixei de aprender.
Ari Santos de Campos
Balneário Camboriú/SC
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Meu sogro cheio de medo,
tenta a peruca esconder
e o que ele guarda em segredo
"tô" careca de saber!
Arlindo Amadeu Hagen
Juiz de Fora/MG
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"O cão que ladra não morde".
Permitam que nesta quadra
eu do provérbio discorde:
sim, não morde... enquanto ladra.
Bastos Tigre +
Rio de Janeiro/RJ
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As almas de muita gente
são como o rio profundo:
- A face tão transparente,
e quanto lodo no fundo!…
Belmiro Braga +
Juiz de Fora/MG
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A receita é de colírio
mas o bebum se apavora
e lê, cheio de delírio:
- pinga, só uma vez por hora?
Campos Sales +
São Paulo/SP
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Nós somos duas tipoias
na ajuda às forças escassas
- quando fracasso, me apoias,
te apoio, quando fracassas!...
Carolina Ramos
Santos/SP
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É verdade, neste inverno,
vou dar tudo a quem não tem,
porque sei que para o inferno
nunca vai quem faz o bem.
Cecim Calixto +
Tomazina/PR
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– “Eu volto um dia” – juraste.
– “Não te espero” – me zanguei…
– “Mentiste: nunca voltaste…
Menti: eu sempre esperei…”
Cícero Acayaba +
Cambuquira/MG
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Palhaços de profissão?
Ah, Como é bom, fazem bem.
O triste é ter coração
e ser palhaço de alguém!
Cláudio de Cápua + 
Santos/SP
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Os passarinhos da praça
não podem nem ver um calvo:
- Na careca de um que passa
praticam... "titica ao alvo"!
Cleber Roberto de Oliveira
São João de Meriti/RJ
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Na minha "Melhor Idade",
sendo  velho, sou criança.  
Vivendo a felicidade...
No carrossel  "Esperança"!
Décio Rodrigues Lopes
Mogi das Cruzes/SP
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Mãe! criatura querida,
santa heroína sois vós;
quando nos destes a vida,
destes o sangue por nós.
Décio Valente
São Paulo/SP
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O marido agonizante,
insistindo quer saber:
– Fui traído? – e ela, hesitante:
– E se você não morrer?…
Domitilla Borges Beltrame
São Paulo/SP
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Que as estrelas com seu brilho,
   e o sol, com seu loiro raio,
        iluminem cada filho 
 do adorável mês de Maio!
Dorothy Jansson Moretti +
Sorocaba/SP
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O amor se faz infinito,
longe do bem e do mal,
quando brota do granito
e se transforma em cristal!
Eduardo A. O. Toledo 
Pouso Alegre/MG
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O teu amor me conforta,
teus braços sabem a mel,
mesmo tendo - que me importa?
- frágil corpo de papel.
Elisabete Aguiar
Mangualde/Portugal
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Que bom se a gente pudesse
fazer tudo que não fez…
e a vida, a chance nos desse,
de ser criança outra vez!…
Ercy Maria M. de Farias 
Bauru/SP
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A bela flor de papel
que tu me deste, outro dia...
Foi tão perfeita e fiel,
que o cheiro dela eu sentia!
Eva Garcia
Caicó/RN
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Um sonho é sonho, mais nada,
mas, às vezes, na emoção,
deixa marcas na calçada
das ruas do coração.
Flávio R. Stefani 
Porto Alegre/RS
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Dos artigos que componho
nas minhas noites sozinhas,
fazes parte do meu sonho
abraçada às entrelinhas.
Francisco José Pessoa +
Fortaleza/CE
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A todos respeito e ensino
a minha definição.
O beijo é o til pequenino
da palavra coração.
Godofredo Mendes Viana + 
São Luís/MA
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A vida o tempo devora;
o próprio tempo não dura.
Colhe a alegria de agora,
para a saudade futura!
Helena Kolody +
Curitiba/PR
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Pombas-da-paz prometidas
pelos países mais ricos,
não portam ramas floridas
e sim ogivas nos bicos.
Heribaldo Gerbasi
São Paulo/SP
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Quem come pizza demais,
pode saber, com certeza,
que os efeitos especiais
vão ser sua sobremesa.
Ialmar Pio Schneider
Porto Alegre/RS
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Só três?! (o paizão lamenta),
vendo os bebês no bercinho.
Ah, se a rede não rebenta,
"nóis enchia esse quartinho!"
Jaime Pina
São Paulo/SP
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Na clausura da existência,
das prisões que nos impomos,
um devaneio é a essência
do que pensamos que somos!
JB Xavier 
São Paulo/SP
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Até nas flores se encontra
a diferença da sorte:
umas enfeitam a vida,
outras enfeitam a morte!
Jerônimo Guimarães +
Rio de Janeiro/RJ
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Após vencer vendavais,
meu coração navegante
retorna à brisa do cais
que teu abraço garante. 
Jérson Lima de Brito 
Porto Velho/RO
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Me esculpindo a cada dia,
vendo no Mestre o padrão,
tento chegar - que utopia! -
mais perto da perfeição.
Jessé Nascimento
Angra dos Reis/RJ
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Saudade... é igual à tristeza
 de quem,  ao partir num trem,
na estação deixa a incerteza
e, no lenço...o amor de alguém!
José Feldman
Campo Mourão/PR
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Estes carecas sofridos,
sem cabelos ... que ironia,
deixam piolhos perdidos
por falta de moradia!
José Reginaldo Portugal
Bandeirantes/PR
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Nosso motel não tem cama,
mas tem rede ... Vão topar?
E o jovem casal exclama:
- Nós não viemos pescar...
José Tavares de Lima
Juiz de Fora/MG
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A Mãe, somente, perdoa
o mal que um filho lhe faça,
embora o coração doa
dá-lhe um sorriso e o abraça!...
Lacy José Raymundi +
Garibaldi/RS
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É no afago dos seus braços
que me enlaçam com calor,
que eu me esqueço dos cansaços
quando chego do labor.
Licínio Antonio de Andrade 
Juiz de Fora/MG
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As outras brincam de roda…
E a olhar a brincadeira
a menina se acomoda
sobre as rodas da cadeira…
Luna Fernandes +
Rio de Janeiro/RJ
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Tantas corridas levou
dos pais de suas gatonas,
que finalmente virou
corredor de maratonas.
Márcia Jaber 
Juiz de Fora/MG
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Ventre Materno… o espaço
da semente em gestação,
onde Deus fez Seu regaço
em amor à Criação!
Maria da Conceição Fagundes
Curitiba/PR
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Na corrida e sem atrasos
nós levamos os canecos
e a cada cem metros rasos
uma pausa... nos botecos!!
Maria Lúcia Daloce 
Bandeirantes/PR
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Não teimes, se algum transtorno
teu caminho atravancar!
- Antes, procura um retorno
que te permita voltar!
Maria Madalena Ferreira 
Magé/RJ
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"Dez filhos do mesmo leito?!"
pergunta o padre e ela fala:
"Acho que não, pois suspeito
que um é da rede da sala..."
Marina Bruna +
São Paulo/SP
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É magia que me encanta
e que a Deus mais enaltece:
a raiz sustenta a planta,
mas quase nunca aparece!
Mauro Macedo Coimbra
Juiz de Fora/MG
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Quando a vida fica tensa,
na iminência de um perigo,
como faz a diferença 
a presença de um Amigo.
Nei Garcez
Curitiba/PR
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Dizem, com propriedade,
que a saudade é inexplicável;
explica-se: na verdade,
o senti-la é indecifrável!
Nemésio Prata
Fortaleza/CE
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Tira a roupa, e, quase nua
diz ao marido, emburrada:
- Pareço ainda "Perua "?!
- Parece, sim... depenada!
Newton Meyer Azevedo
Pouso Alegre/MG
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Uma lágrima reluz
numa pétala dourada.
Orvalho cheio de luz,
clareando a madrugada.
Paulo Walbach Prestes +
Curitiba/PR
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O passado é vento morno,
afaga nossa lembrança:
estéril, não tem retorno;
atado, não nos alcança.
Pedro Oliveira Dutra Neto 
São José de Ribamar/MA
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Mãe! quisera eu me deitar
junto à parede, aos teus pés.
adormecer e sonhar,
sentindo os teus cafunés.
Professor Garcia
Caicó/RN
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Ao deitar na rede, o Guido
morreu de uma forma tétrica,
porque, de tão distraído,
deitara na rede elétrica!
Renata Paccola
São Paulo/SP
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Em Páscoa feliz tem ovo,
sonho doce de criança,
buscando um mundo bem novo
e redondo de esperança!
Roberto Nini
Mogi-Guaçu/SP
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Sobre a parreira, o luar
no sereno te retrata…
E os teus olhos a brilhar:
“Duas uvas”… cor de prata…
Roberto Tchepelentyky
São Paulo/SP
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Nos mais difíceis momentos,
tuas virtudes revelas:
quando o barco enfrenta os ventos,
mostra a beleza das velas!
Sérgio Ferreira da Silva 
São Paulo/SP
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Mãe, o teu riso gostoso, 
eterno, presente em mim, 
é o legado mais saudoso... 
Uma saudade sem fim. 
Solange Colombara 
São Paulo/SP 
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Muitas rosas só não falam.
      Não nos ferem com espinhos.
      Um doce perfume exalam
      e nos cobrem de carinhos.
Suely Braga
Osório/RS
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– Depressa!… A bolsa ou a vida.
– Mas, que sufoco, senhor!…
Diz a livreira polida.
– Não sabe o nome do autor?
Therezinha Dieguez Brisolla
São Paulo/SP 
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A tua ausência é o refrão
de uma tristeza sem fim,
onde o tempo ao dizer não,
permite à dor dizer sim.
Walneide Fagundes de S. Guedes
Curitiba/PR
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Na corrida certa vez,
deu-se um caso singular .
Em prova que tinha três,
cheguei em quarto lugar!
Zunir Pereira Andrade Filho 
Ponta Grossa/PR
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Humberto de Campos (As cruzes)

As senhoras grazinavam, como periquitos em roçado, em torno da mesa do chá, quando Mme. Gama Simpson se curvou, rindo com alarido, sobre a toalha de linho bordada de cegonhas vermelhas, numa escandalosa explosão de alegria. Segurando em uma das mãos a taça de porcelana e na outra, fechadinha como um botão de rosa, uma torradinha cor de ouro, a linda criatura ria despreocupadamente, agitando-se na cadeira, quando, com o movimento do corpo, lhe saltou do colo de neve e rosa, pela janela de seda do decote, a sua custosa cruz de brilhante, fugindo-lhe para o ombro, com o risco de perder-se.

- Cuidado com a cruz, madame! - avisou, atencioso, do outro lado da mesa, o conselheiro Atanásio, que observava, sem perder um movimento do solo, as ondulações do Calvário e os arredores da Jerusalém.

D. Lisete olhou o decote, apanhou a cruz fugitiva, e, aconchegando-a à carne rosada, queixou-se, risonha:

- Também, que ideia esta, de inventar cruzes para o colo da gente!

- Vossa Excelência não sabe, então, o que elas significam, na opinião de Tabarin?

As senhoras mostraram-se curiosas de conhecer a origem daquele costume, e o antigo palaciano começou, medindo as palavras:

- Na Idade Média, quando eram deficientes os meios de comunicação de cidade para cidade, de aldeia para aldeia, de um castelo para outro castelo, os monges, que dominavam nos países barbarizados da Europa tomaram a si a incumbência de marcar os caminhos, cujas direções eram assinaladas por meio de cruzes. Ao deparar, na mata ou na montanha, um destes símbolos da cristandade, o viajante já sabia que não errara o seu roteiro, e que a estrada era, mesmo, por ali...

- Mas... - interrompeu, impaciente, Mme. Souza Batista.

- Espere... - implorou o conselheiro.

E continuou:

- Mais tarde, com o advento das modas femininas, e com o aproveitamento, por parte das mulheres, de todas as conquistas do homem, entenderam elas de utilizar o mesmo símbolo, com a mesma significação.

- A cruz no colo das mulheres quer dizer, então, alguma coisa? - interrompeu, franzindo a testa, Mme. Werther.

- Evidentemente, minha senhora! - tornou o conselheiro.

E explicou:

- Elas estão dizendo, como nas montanhas antigas, que... o caminho é por ali!

Quando o conselheiro terminou a sua narrativa, Mme. Simpson procurou a sua cruz de brilhantes, e tomou um susto. Com os seus modos estabanados, a cruz havia, de novo, abandonado o decote, e fugido para trás…

Fonte> Humberto de Campos. A Serpente de Bronze. Publicado originalmente em 1925. Disponível em Domínio Público.  

Hinos de Cidades Brasileiras (Araripina/PE)


Nos caminhos do Sertão andou teu povo
E, pairando sobre ti, terra querida,
Pode ver então surgir um mundo novo
Que ganhou, com trabalho, força e vida.

Não se esquece tua luta no passado,
Os teus filhos, com muita sapiência,
Defenderam o teu nome perante o Estado
Conseguindo conquistas a independência.

Salve, salve, salve, Araripina
Nossa história, nossa cultura!
Viva o seu verde, as suas minas.
E o teu povo, sua bravura.

És das flores do sertão a mais bonita,
Oásis do deserto brasileiro.
Tuas praças, teus jardins ninguém imita,
Teus o céu dos mais azuis o ano inteiro.

Há muito mais beleza nos teus vales,
Na cidade e no olhar de tua gente,
Tu enfrentas, com coragem, muitos males
E, por isso, o amor do teu filho é mais ardente.

Salve, salve, salve, Araripina
Nossa história, nossa cultura!
Viva o seu verde, as suas minas.
E o teu povo, sua bravura.

Mais se um dia precisares de defesa,
De justiça, da paz e liberdade.
O filho teu fará tremer a natureza
Levantando a espada, mestra da verdade.

Se há tristeza é porque falta sorriso
Há saudades antes de despedir
A lembrança irá consigo ao infinito,
É um filho que acaba de partir.

Salve, salve, salve, Araripina
Nossa história, nossa cultura!
Viva o seu verde, as suas minas.
E o teu povo, sua bravura.

Mitos Indígenas (Potyra - as lágrimas eternas)

A linda e meiga Potyra amava o jovem e valente chefe da tribo, o guerreiro Itajibá ( braço de pedra ). Ambos encontravam-se frequentemente nas areias brancas do rio, onde permaneciam durante horas admirando a natureza e trocando juras de amor, enquanto aguardavam o casamento. 

Certo dia veio a guerra. A tribo foi atacada por inimigos, partindo Itajibá para a luta. 

Ansiosa, Potyra esperava sua volta, caminhando às margens do rio. 

Muito tempo depois, os guerreiros regressaram, informando à jovem que o chefe guerreiro havia morrido. 

Inconsolável, Potyra voltava todos os dias à praia a chorar sua grande perda. 

Sensibilizado com sua dor, Tupã, o Deus do Bem, transformou suas lágrimas em diamantes. Desta maneira, as águas levavam as preciosas pedrinhas até a sepultura do guerreiro, como prova de seu eterno amor.

Fonte> Adaptação do Texto de Jayhr Gael in O Caminho de Wicca - http://www.caminhodewicca.com.br (desativado). acesso em 13/10/2023.

domingo, 3 de março de 2024

Dorothy Jansson Moretti (Álbum de Trovas) 37

 
Imagem com a trova obtida no facebook da trovadora

Carolina Ramos (Ming)

Devagarinho… chego ao último cãozinho que encantou a existência de quem muitas vezes o abraçava, a enxugar naquele pelo macio algumas lágrimas, em fuga aos inevitáveis desacertos da vida, calados por conveniência.

Testemunhos espontâneos, como este, comprovam que, os animaizinhos que acompanham nossos passos, vida afora, fazem parte do maravilhoso acervo que não apenas consola, mas também enfeita o dia a dia de quantos, por saberem amá-los, conseguem o privilégio de por eles também muito serem amados.

O último "bichinho" de estimação desta narrativa, é um cãozinho pequinês. Chamava-se Ming, graças ao nariz arrebitado, que nada tinha a ver com a personagem de Lobato, mas fazia lembrar distantes terras chinesas e suas dinastias milenares, de acordo com a origem da sua raça.

Ming foi comprado em Riacho Grande, cidadezinha à beira da represa Billings, entre São Paulo e Santos. Era o menor cãozinho da ninhada. Por isso mesmo, o escolhido, passando a ser meu companheiro inseparável, a partir daquela data!

Em 1965, a ciática apanhou-me de jeito agudíssimo. Engessada de meio corpo, fiquei presa ao leito por três dias, entre ais e uis de intensidade alarmante. Foi então que o meu querido Ming perdeu a noção de tudo, inclusive do próprio tamanho!

Ao ouvir-me gemer, postava-se de guarda no corredor, à entrada do meu quarto, latindo desesperadamente para impedir que alguém se aproximasse de mim.

Sua veemência sempre foi maior que o porte! Mais tarde, o mesmo aconteceria, quando trocada a casa pelo apartamento fronteiro ao mar.

Eu descia com ele para passear a fim de que não sentisse falta do amplo quintal a que estava acostumado. E então as coisas mais se complicavam!

Era só ver pelas imediações um cão qualquer, geralmente três ou quatro vezes maior do que ele, meu minúsculo defensor, o Ming, agigantava-se, atirando-se ao pretenso adversário com ímpeto de alarmar!

Naqueles instantes, que me apavoravam, eu procurava salvar aquela desvairada "formiguinha" da sanha das feras que encontrava pelo caminho e contra as quais se atirava desafiante, como se nunca tivesse visto a própria imagem num espelho!

Temendo vê-lo estraçalhado por algum "pitbul" adversário, eu o erguia, pelo peitoral, até onde meu braço podia alcançar, enquanto aquela "coisinha" minúscula e esperneante, lembrava pequena aranha pendente de um fio, a esbravejar e a desafiar canzarrões que simplesmente o ignoravam, quando poderiam calar aquele valente escarcéu com uma só dentada.

Ming... Que saudade desse cãozinho querido - único modelo que posou ao vivo para uma de minhas telas. E como era difícil conseguir que aquele irrequieto cachorrinho permanecesse imóvel, por instantes, em cima de uma cadeira, para que meus pincéis, pouco destros, pudessem captar o brilho dos seus olhos, o tom da sua pelagem cor de mel e a rebeldia daquele narizinho arrebitado que o destacava dentre os demais cãezinhos já citados.

Apesar dos percalços, o retrato conseguiu ficar bastante fiel, merecedor de elogios da consagrada pintora Guiomar Fagundes, que, ao ver a tela, enviou-me um recado, muito especial, afirmando que me queria para sua aluna.

Embora, naquela ocasião, isto fosse absolutamente impossível, segui à risca o sábio conselho que ela graciosamente acrescentou: - "dê uma leve pincelada branca na ponto do nariz do seu cãozinho" - o que, fielmente executado, acrescentou um brilho úmido e muito especial àquele narizinho petulante.

E aquela pincelada especial, que acrescentou vida ao retrato do meu Ming, sempre me reportará à grande Guiomar Fagundes e, também, à preciosa oportunidade por mim perdida, de não poder aceitar, momentaneamente, aquele seu espontâneo convite, bastante significativo quanto honroso e que, lamentavelmente, não teve ocasião de ser repetido, já que a mestra partiu, em definitivo, não muito depois.

A foto da tela que retrata o Ming enfeita a capa deste livro. E a pincelada sugerida pela grande Guiomar Fagundes, lá está, valorizando-a.

Sigo a discorrer sobre o meu pequenino-grande amigo, lembrando o enorme susto que um dia ele meu deu! Morávamos ainda na Ponta da Praia, quando, num fim de tarde, eu abrira o portão com cuidado, com o Ming trançando meus pés, como sempre. E foi quando, de repente, aquele cãozinho indisciplinado viu um gato qualquer saltar no passeio oposto. Sem perda de minuto, Ming agilizou suas perninhas curtas saindo-lhe ao encalço e atravessando intempestivamente a rua.

Tudo aconteceu rápido demais! Gritei... e, desesperadamente, cobri os olhos com as mãos, ao vê-lo sumir sob as rodas de um caminhão, que sequer tivera ocasião de ter o freio acionado.

Desalentado, o motorista deteve o veículo um pouco adiante, vindo ao meu encontro gaguejante, a desfazer-se em desculpas. - "Me perdoe… pelo amor de Deus! Eu nem cheguei a ver o seu cachorrinho... não sei como isto foi acontecer! Me perdoe... Me perdoe, por favor!" - o pobre homem estava arrasado!

A esse tempo, entretanto, eu já sorria... apontando-lhe o Ming, que atravessara a rua entre as rodas do caminhão e, apesar do susto, lá estava, no passeio oposto, a desacatar o gato que sumira ressabiado por detrás de um muro! Ming fazia o seu escarcéu costumeiro, sem a mínima noção do susto que nos pregara. E nem, tampouco, do tremendo risco que enfrentara! São Francisco, naquele instante, estaria tão feliz, quanto eu, com certeza! E quanto o pobre caminhoneiro, também!

E uma reflexão impõe-se, fazendo saltar a pergunta, ainda que tardia:

- Será que em tempos atuais, tão diversos quanto adversos, aquela cena seria a mesma? Será que alguém, certo de ter atropelado um animalzinho de estimação em frente à sua dona, e, tendo possibilidade de escapar, acelerando o carro e fugindo à responsabilidade, teria, em vez disso, sensibilidade e coragem suficientes para estacionar seu caminhão e enfrentar, cara a cara, o desespero de quem, com os próprios olhos, vira o seu querido cãozinho desaparecer sob as rodas do veículo por ele dirigido?!

Não seria bem mais fácil calcar o acelerador, deixando tudo para trás, sem mais problemas?!

Pois é... admiravelmente, não foi isso o que aquele homem simples fez! E, se, displicentemente, agora o chamei de simples, que se leia nobre, sem favor algum. Que Deus tenha recompensado a sensibilidade daquele motorista - é o que pede minha tardia admiração.

E  o tempo passou... Como sempre, depressa demais!

Os filhos cresceram. O Ming, não... Mas, isto não quer dizer que tenha sido poupado pelo implacável peso da idade. Mudamos para o bairro do Boqueirão, Tínhamos, agora, à frente, aquele mar de Vicente de Carvalho, nem sempre verde como cantado pelo poeta, mas sempre encantadoramente lindo!

Mas... O que não é lindo vem agora... a constatar que a vida por vezes é carrasca. E até mesmo bastante cruel.

Apesar de querer muitíssimo bem àquele cãozinho, que tanta ternura trouxe a minha vida, coube, justamente a mim, ter de aceitar, tão só por piedade e sem outra qualquer alternativa, os argumentos do veterinário que garantiu, compungido, que nada mais seria possível fazer para aliviar o sofrimento daquele cãozinho que ganira de dor, por uma noite inteira, sob os olhos atônitos da família que o tentava confortar.

Já bastante velhinho e quase que totalmente cego, nosso tão querido Ming fraturara o maxilar inferior, o que, dolorosamente, o impedia de se alimentar. E sofria demasiado! - Suplício que aquele valente e querido cãozinho estava longe de merecer.

Nada mais poderia ser feito! - A sentença, implacável: - Ming, aquele heroico e fiel companheiro de longa data, precisava ser sacrificado.

Sem mais me alongar na descrição que ainda hoje me faz sofrer, digo que, embora de coração sangrando, eu mesma tive que dar o sim para que tudo fosse consumado.

Drama acontecido no tristíssimo janeiro de 1977 – podendo ser somado ainda como angústia menor, às demais acumuladas nas proximidades daquela mesma data. Mas... esta é uma outra história que não cabe aqui.

Fonte: Carolina Ramos. Meus Bichos, Bichinhos e… Bichanos. Santos/SP: Ed. da Autora, 2023. Enviado pela autora.