segunda-feira, 24 de junho de 2024

Sílvio Romero (Os três conselhos)


(Folclore do Sergipe)

HAVIA UM HOMEM QUE TINHA muitos filhos, e tão pobre que não tinha que comer. 

Um dia despediu-se desapontado da mulher e dos filhos, e saiu dizendo que ia procurar meios de vida, e que só voltaria trazendo muito dinheiro. 

Depois de muitos anos, não tendo ele ainda encontrado meios de ganhar dinheiro e já muito saudoso da família, voltava este pobre homem para casa, quando apareceu-lhe um ricaço, e perguntou-lhe se ele queria ir trabalhar em sua casa, com a condição porém de só receber dinheiro depois de um ano trabalhado.

No fim do ano, o ricaço chegou-se a ele, e disse-lhe que o pagamento que tinha para dar-lhe era um conselho. 

O homem ficou muito triste, dizendo que não queria o conselho, e sim o seu dinheiro, que era com que ele ia sustentar sua família. 

O ricaço respondeu que aquele conselho valia mais do que dinheiro, e insistiu para ele aceitar, prometendo que no outro ano lhe pagaria melhor. 

Então deu-lhe o seguinte conselho: “Nunca deixes atalho por arrodeio.” ((não trocar o atalho pelo caminho mais longo) 

O velho aceitou o conselho e continuou a trabalhar. No fim do segundo ano, quando esperava receber algum dinheiro, vem de novo o ricaço dando-lhe outro conselho. 

O velho desapontado disse-lhe que não queria conselho, mas o ricaço convenceu-o de que não se arrependeria e que aquele conselho lhe serviria mais do que dinheiro, e então disse-lhe que não se hospedasse em casa de homem velho casado com mulher moça. 

O velho aceitou este conselho e trabalhou mais um ano, no fim do qual o ricaço tornou a dar-lhe outro conselho, que foi o seguinte: “Hás de ver três vezes pra creres.” 

E deu-lhe um pão, dizendo que ele só o partisse quando estivesse em casa com a família. 

Despediu-se o velho levando os três conselhos e o pão. No caminho, encontrou ele um atalho e um arrodeio (caminho mais longo). Então lembrou-se do conselho que o ricaço tinha-lhe dado e seguiu pelo atalho. 

Nisto apareceu um sujeito e lhe disse que a estrada que ia ter à casa dele era outra, mas o velho não o ouviu e seguiu seu caminho. 

No fim do caminho encontra ele o mesmo sujeito muito espantado, o qual disse-lhe ter encontrado no caminho de onde veio um homem morto por muitos ladrões, tendo ele escapado por milagre. 

O velho, ouvindo isto, compreendeu que tinha sido muito bom o conselho que o ricaço tinha-lhe dado. 

Mais  adiante, estando já muito cansado, chegou-se a uma casa e pediu hospitalidade. O dono da casa acolheu-o muito bem, mas como era velho e casado com uma mulher moça, lembrou-se ele do segundo conselho do ricaço, e à noite, quando já todos dormiam, ele saiu e agasalhou-se debaixo de um carro que ficava defronte da casa. 

Lá pela madrugada ele viu a mulher do velho, onde ele tinha-se hospedado, abrir a porta e dirigir-se em companhia de um frade para o carro. Aí chegando principiaram a conversar, e o velho ouviu da mulher o seguinte: “Hoje podemos matar meu marido, porque temos um hóspede e eu digo que ele foi o assassino.” 

O velho, que estava debaixo do carro ouvindo, cortou com uma tesoura um pedaço da batina do frade, dizendo consigo que com aquilo se defenderia. 

No  dia seguinte muito cedo começou a mulher do velho a gritar por socorro, dizendo que um hóspede tinha morto seu marido. Vem a polícia e prende logo o velho, que estava debaixo do carro. 

Na ocasião de ser condenado à forca, pediu ele que queria se confessar com o padre Fulano, o tal que ele tinha cortado a batina. 

Vindo o padre, o velho declarou que a confissão que tinha a fazer era que aquele padre é que tinha assassinado o homem e para prova mostrou o pedaço da batina, reconhecendo todos ser verdadeira aquela e sendo ele imediatamente solto e o padre condenado. 

Mais uma vez viu o velho que o conselho do ricaço lhe serviu mais do que dinheiro. Continuou a sua viagem, chegando perto de sua casa já de noite. Vendo que estava fechada, espiou pela fechadura e viu sua mulher muito alegre conversando com um moço. 

Ele armou logo a espingarda para atirar em ambos, mas lembrou-se do conselho do ricaço, deixou a espingarda e espiou de novo. Vendo-os ainda na mesma alegria, pegou de novo na espingarda e ia atirar, quando lembrou-se de novo do conselho do ricaço e então quis ver e ouvir mais uma vez. 

Então ouviu a mulher dizer a uma negra que deitasse um banho para seu filho, que tinha chegado muito cansado. 

Aí o velho lembrou-se que quando saiu de casa tinha deixado a mulher grávida e com efeito aquele moço era seu filho, que já era padre e tinha vindo do seminário naquele dia. 

O velho bateu na porta e a mulher recebeu-o com alegria, pois já o julgava morto. Os filhos também o receberam com satisfação e, depois de muito conversarem, disse-lhes o velho que nada tinha arranjado, trazendo somente no baú um pão que um homem tinha-lhe dado, para ele só o abrir quando estivesse em casa com a família. 

Partiram então o pão, e ainda mais alegres ficaram, quando viram cair do mesmo uma quantidade enorme de moedas de ouro.

Fonte: Sílvio Romero. Contos populares do Brasil. Publicado originalmente em 1885. Disponível em Domínio Público.

Recordando Velhas Canções (Maracangalha)

Compositor: Dorival Caymmi


Eu vou pra Maracangalha eu vou
Eu vou de uniforme branco eu vou
    Eu vou de chapéu de palha eu vou
    Eu vou convidar Anália eu vou
2x      

    Se Anália não quiser ir eu vou só
    Eu vou só    eu vou só
    Se Anália não quiser ir eu vou só
Eu vou só   eu vou só
Sem Anália mas eu vou

Paparara(2x) Paparara(2x) Paparara(2x) Papararapapa
Paparara(2x) Paparara(2x) Paparara(2x)Papararapapa  

Eu vou pra Maracangalha, eu vou pra Maracangalha,
Eu vou pra Mara, pra Mara, pra Maracangalha,
Maracangalha!
Eu vou pra Maracangalha, eu vou pra Maracangalha,
Eu vou pra Mara, pra Mara, pra Maracangalha,
Maracangalha!
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Sobre a canção “Maracangalha”
Zezinho, grande amigo de Dorival Caymmi, falava muito em Maracangalha. Quando não tinha um bom pretexto para sair de casa, dizia pra mulher: "Eu vou pra Maracangalha". 

Maracangalha era um lugarejo onde havia uma usina de açúcar, a Cinco Rios, em que Zezinho fazia negócios em 1955, Caymmi estava em casa, na rua Cesário Mota Júnior, em São Paulo, pintando um auto-retrato quando de repente veio-lhe à lembrança a frase de Zezinho.

Daí" - conta o compositor - "comecei a cantarolar a música e letra nascendo ao mesmo tempo: ‘Eu vou pra Maracangalha, eu vou / eu vou de liforme (uniforme) branco, eu vou / eu vou de chapéu de palha, eu vou...'; estava bom, eu estava gostando. Então continuei e quando cheguei à parte que diz ‘Eu vou convidar Anália', uma vizinha, dona Cenira, perguntou lá de sua janela para a minha mulher: - ‘Dona Stela, o que é que seu Dorival está cantando aí, tão bonitinho?' E Stela: - ‘Caymmi, dona Cenira quer saber o que é que você está cantando'. Respondi: ‘Estou fazendo uma música que fala de um sujeito, que sai de casa feliz para se divertir. Ele vai pra Maracangalha, vai convidar Anália...' ao que interrompeu a vizinha: ‘E por que o senhor não põe Cenira, em lugar de Anália?' Aí não dava mais pé. – ‘Fica pra outra vez, dona Cenira...', eu lhe disse, me desculpando".

Assim nasceu "Maracangalha", sem maiores pretensões, de uma só vez, ao contrário de outras composições de Caymmi em que ele passa meses, às vezes anos, burilando, aperfeiçoando. Nasceu e ficou guardada até o ano seguinte, quando o compositor voltou para o Rio e gravou-a na Odeon, com extraordinário sucesso, que se estendeu ao carnaval, para a sua surpresa. (http://cifrantiga3.blogspot.com.br/2006/05/maracangalha.html)

A Alegria e a Simplicidade de 'Maracangalha'
A música 'Maracangalha', composta em 1956, é uma expressão da alegria e simplicidade da vida no interior da Bahia. A letra da canção é um convite à descontração e ao desapego das preocupações cotidianas, simbolizado pela viagem à Maracangalha, uma vila no estado da Bahia. O eu lírico expressa sua intenção de ir para Maracangalha vestido de forma simples e confortável, com 'uniforme branco' e 'chapéu de palha', elementos que remetem à vestimenta típica do nordeste brasileiro e à leveza do ser.

A repetição do verso 'Eu vou só!' enfatiza a determinação do personagem em desfrutar da viagem, mesmo que sua companhia, Anália, opte por não acompanhá-lo. Essa atitude reflete um espírito independente e a importância de se estar bem consigo mesmo, valorizando a própria companhia. A música também pode ser interpretada como uma celebração da liberdade individual e da capacidade de encontrar felicidade nas coisas simples da vida.

Dorival Caymmi, conhecido por suas canções que retratam o mar e a vida baiana, compõe em 'Maracangalha' um retrato lúdico e afetuoso do cotidiano e da cultura do povo baiano. A canção se tornou um clássico da música popular brasileira, sendo um exemplo da habilidade de Caymmi em capturar a essência da Bahia em suas melodias e letras. (https://www.letras.mus.br/dorival-caymmi/45579/significado.html

domingo, 23 de junho de 2024

Varal de Trovas n. 604

 

Silmar Bohrer (Croniquinha) 115


O viver, quantas existências? 

A vida é feita de bem-querências, boas referências, essências, anuências, também reminiscências, mal-querências, solvências, pendências, excrescências, grandiloquências, flatulências, evidências, dependências, clarividências, prudências, benemerências, independências . . . 

Vida também de instâncias, relevâncias, abundâncias, consonâncias, circunstâncias, substâncias, inconstâncias, alternâncias, discrepâncias, fragrâncias, ganâncias, distâncias, vacâncias, vivências . . . 

Coincidências? Concordâncias? A vida é feita de -ências e - âncias, e o cronista segue enchendo as paciências sem importâncias. 

Fonte: Enviado pelo autor.

Vereda da Poesia = 42 =


Trova Humorística de Sete Lagoas/MG

WANDERLEY GUEDES DA SILVA

Um fantasma estarreceu,
espantou, gelou o sol.
Minha sogra apareceu
enrolada num lençol.
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Poema de Paranavaí/PR

DINAIR LEITE

Acordei

Hoje acordei...
Então vi há quanto tempo dormia
e não via a vida fluir...

Os momentos perdidos de viver
outro amor, outra vida, amores...

Eu me achava condensada
em paixão. Respirando você
que não olha e não vê esse amor
que envolve meu ser
me fazendo sofrer em anseios
de ter o meu corpo em seus braços
e sua boca, a minha, a beijar.

Acordei e deixei você ir.
Esvaziei o meu ser de você.
O meu ventre e o meu coração
nunca mais sofreram a carência
ilusão do sonhar...preencher
um vazio com ar.
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Aldravia do Rio de Janeiro/RJ

MARILZA DE CASTRO

Pierrô
arlequim
colombina
amor
em
trilogia
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Soneto do Rio Grande do Sul

ALMA WELT
Novo Hamburgo/RS, 1972 – 2007, Rosário do Sul/RS

A Travessia

 "O mundo é um moinho... " (Cartola) 

Todos nós temos corda onde agarrar,
A vida nos dá sempre uma saída
Que nos evite o risco de abismar
No medo natural da própria vida.

Por certo cada um pega o que pode:
Um amor, uma paixão ou mesmo um vício;
Um poema, um soneto ou uma ode,
Um portal com a cruz no frontispício,

Ou então, o que é pior, com um convite
Para entrar mas deixando a Esperança, 
Última paz que o mundo nos permite... 

Mas pra saíres vivo do moinho,
Não como Don Quixote e Sancho Pança,
Terás que atravessar a ti sozinho...
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Trova Premiada em Nova Friburgo/RJ, 1998

SELMA PATTI SPINELLI 
(São Paulo/SP)

Até no “terreiro” em prece,
é preguiçoso, o farsante: 
quando o “santo” dele desce,
só vem… de escada rolante!
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Poema de Lisboa/Portugal 

ARY DOS SANTOS
 1937 – 1984

Estigma 

Filhos dum deus selvagem e secreto
E cobertos de lama, caminhamos
Por cidades,
Por nuvens
E desertos.
Ao vento semeamos o que os homens não querem.
Ao vento arremessamos as verdades que doem
E as palavras que ferem.
Da noite que nos gera, e nós amamos,
Só os astros trazemos.
A treva ficou onde
Todos guardamos a certeza oculta
Do que nós não dizemos,
Mas que somos.
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Quadra Popular

Esta noite dormi fora, 
na porta do meu amor;
deu vento na roseira
me cobriu todo de flor.
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Soneto de Portugal

MANUEL DE ARRIAGA
(Manuel José de Arriaga Brum da Silveira e Peyrelongue)
Horta/Açores/Portugal, 1840 – 1917, Lisboa

Alvorada

      Algures brilha o sol no azul do firmamento,
      E expõe com resplendor das coisas o espetáculo!
      Aqui, na escuridão, o mundo é tabernáculo
      Onde os frágeis mortais descansam um momento!...

      Além, o Sol incita o mundo ao movimento,
      Á luta pela Vida, o esteio e o sustentáculo
      Desde o ser da Razão ao mínimo animáculo,
      Aqui, o sono esparsa em todos novo alento!

      Ó Luz! tu és do mundo a Força, a Alma, a Vida,
      A essência do meu Ser, a minha própria Ideia,
      O próprio Deus, talvez!... Beleza, Amor, Verdade!

      Atrás de Ti caminha a Terra, mãe querida!
      Bendito caminhar! Por Ti minha alma anseia!...
      Bem vinda sejas, pois, oh doce claridade!
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Trova Humorística de São Paulo/SP

THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA

O trovador tá empolgado
e até troféu quer ganhar!...
O tema é “Mar” e eis o “achado”:
- És meu mar... mas não faz mar!
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Poema de Lisboa/Portugal

FERNANDO PESSOA
(Fernando António Nogueira Pessoa)
1888 – 1935

Poema de amor

O amor, quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar pra ela,
Mas não lhe sabe falar.

Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há de dizer.
Fala; parece que mente...
Cala: parece esquecer...

Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
Pra saber que a estão a amar!

Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!

Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar...
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Haicai de Pedro Leopoldo/MG

WAGNER MARQUES LOPES

Vão crescendo as plantas: 
amor de um agricultor 
a doar mãos santas. 
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Sextilha do Rio Grande do Sul

MILTON SEBASTIÃO SOUZA
Porto Alegre/RS, 1945 – 2018, Cachoeirinha/RS

O sextilheiro padece
para se manter na trilha,
ou a internet demora
para trazer a sextilha,
ou, quando menos espera,
traz duas, três, uma pilha…
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Trova de Saquarema/RJ

JOÃO COSTA

 Lá vou eu, de verso em verso
- seja suave ou dura a lida -,
compondo pelo Universo
o poema da minha vida!…
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Glosa de Porto Alegre/RS

GISLAINE CANALES
Herval/RS, 1938 – 2018, Porto Alegre/RS

MOTE:
Se essa aventura sonhada
se tornasse realidade,
com a carícia esperada
viria a felicidade!
Carmen Patiño Fernandes 
Coruña/Espanha

GLOSA:
Se essa aventura sonhada
um dia chegasse ao fim,
a minha alma, apaixonada,
sinto, explodiria em mim!

Se esse sonho que sonhei
se tornasse realidade,
tu serias o meu rei
e eu a tua deidade!

Fico até emocionada,
ardendo no meu desejo,
com a carícia esperada
com o calor do teu beijo!

Quero te amar com paixão
pois o amor não tem idade,
com ele, ao meu coração
viria a felicidade!
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Aldravia de Juiz de Fora/MG

CECY BARBOSA CAMPOS

chuva
chorando
tristeza
invade
minha 
alma 
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Soneto de Ilhavo/Portugal

DOMINGOS FREIRE CARDOSO

“As palavras perfumadas da confidência”
(Verso de Maria Goreti Andrade Carneiro Dias in “Textos de Amor", p. 40)

Palavras perfumadas de confidência
Dizias tu baixinho ao meu ouvido
E eu, delas tão sedento e atrevido
Ia perdendo, aos poucos, a inocência.

O amor ardia em nós com tal urgência
E como quase nada era proibido
Sem saber o caminho percorrido
Quase demos às portas da demência.

Dormem os nossos corpos saciados
Perdidos nos lençóis amarrotados
Envoltos numa paz que nos aquece.

Em redor tudo é calmo e é perfeito.
E eu sinto em mim que o mundo é o nosso leito
Como se nele nada mais houvesse.
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Trova Premiada em Bandeirantes/PR, 2020

ALBANO BRACHT 
Toledo/ PR

Decisão é coisa séria.
Convencido agora estou.
Quem concorda com miséria,
decidiu, mas não pensou.
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Poema de São Paulo/SP

RENATA PACCOLA

A espera angustia

A espera angustia.
Você para,
a mente se esvazia.
Aí você acende um cigarro,
começa uma poesia,
e alguém,
que você nunca viu,
começa a encará-lo.
Aí você perde o embalo,
fica sem graça,
coça o braço,
e olha para o outro lado.

A saudade angustia.
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Triverso de Curitiba/PR

ÁLVARO POSSELT

Esta vida é um mistério.
Perto da maternidade
também tem um cemitério.
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Setilhas para o Médico, de Fortaleza/CE

NEMÉSIO PRATA

Todo Médico ao se formar 
jura "Hipocraticamente" 
de todo mundo tratar 
com cuidado, infelizmente 
médico também se esquece, 
e quando isto lhe acontece, 
quem paga o pato é o indigente! 

Tirante a graça dos versos, 
sou mui grato ao "Doutor", 
que luta em campos diversos 
para amenizar a dor, 
seja do rico ou do pobre, 
um gesto deveras nobre, 
que o faz ser nosso credor!
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Trova de Curitiba/PR

JANSKE NIEMANN SCHLENKER

Acordei (tinhas partido)
e me deixaste na estrada:
um pobre arbusto perdido
sem luz, sem pranto, sem nada…
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Ramalhete de Trovas sobre Palhaço, de Mogi-Guaçu/SP

OLIVALDO JÚNIOR

Quando o circo baixa a lona,
todo artista é feito o "clown":
cara em branco, bem pidona,
com tendência a ficar "down".
 
De carona num fusquinha,
com a mala colorida,
o palhaço é o "flanelinha"
no semáforo da vida.
 
Ao pintar o rosto pálido,
um Quixote em sofrimento
- o palhaço - torna válido
todo esforço contra o vento. 
 
O palhaço sempre insiste
numa alegre melodia,
sem saber que só existe
sua triste alegoria.
 
Palhacinho de mentira,
fui poeta de verdade,
que, no meio dessa lira,
foi embora da cidade.
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Poetrix de Belo Horizonte/MG

JUCINEIA GONÇALVES

esperança

Arranco pétala,
por pétala,
os mal-me-queres dessa vida
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Soneto de Portugal

DIOGO BERNARDES
Ponte da Barca, 1530 – 1594, ??

Da branca neve, e da vermelha rosa
O Céu de tal maneira derramou
No vosso rosto as cores, que deixou
A rosa da manhã mais vergonhosa.

Os cabelos (d’amor prisão formosa)
Não d’ouro, que ouro fino desprezou,
Mas dos raios do Sol vos os dourou,
Do que Cíntia também anda invejosa.

Um resplendor ardente, mas suave,
Está nos vossos olhos derramando
Que o claro deixa escuro, o escuro aclara;

A doce fala, o riso doce, e grave
Entre rubis, e perlas lampejando
Não tem comparação por coisa rara.
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Trova de Maringá/PR

A. A. DE ASSIS

Ouça os sons da natureza:
as águas, pássaros, ventos...
- Que orquestra produz beleza
maior que esses instrumentos?
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Poema de Belém/PA

EDVANDRO PESSOATO

Tiro direto

Somos da mesma espécie: manos
Por isso não me ameace: me abrace
Por isso não me confunda: me comova
Por isso não me apague: me navegue
Por isso jamais me ate: desate-me
Por isso não me torture: me ame
Por isso não me desacate: me acate

Somos da mesma árvore: mãe
Por isso não me entristeça: cresça
Por isso não me arranque: me plante
Por isso não me exploda: nem me explore
Por isso jamais me negue: se entregue
Por isso não me recolha: escolha
Por isso não me acabe: me encante
Por isso não fure os olhos: abra-os
Por isso não me afogue: me acenda
Por isso e por tudo mais
Sejamos da mesma espécie: manos

Contos e Lendas da Espanha (O califa, o pastor e a felicidade)

Um dia, o califa de Bagdá saiu para caçar com sua comitiva. Quis a má sorte que seu cavalo se assustasse e partisse em disparada pelos campos, sem que ele pudesse controlá-lo. Os homens que acompanhavam o califa tentaram segui-lo. Mas o cavalo corria tanto, que logo o perderam de vista.

Em vão o califa lutava, puxando as rédeas e gritando para conter o animal. Mas de nada adiantava. De repente, cavalo e cavaleiro se aproximaram de um precipício. Os dois já iam despencar, quando um pobre pastor de cabras, que ali cuidava de seu rebanho, correu e conseguiu segurar o cavalo.

O califa, ao ver o quanto o pastor tinha se arriscado para salvar-lhe a vida, pensou: "Vou oferecer-lhe a felicidade como recompensa por seu ato heroico." E jurou, pela própria barba, que haveria de conceder tudo o que ele lhe pedisse.

No dia seguinte, o pastor se apresentou na corte do califa e foi recebido imediatamente. O pastor se chamava Ben Adab e possuía um rebanho de cinquenta cabras. 

Disse ao califa  que gostaria muito de aumentar o rebanho para cem cabras e, para isso, necessitava de mais cinquenta.

Olhando-o com gratidão, o califa respondeu:

— Vejo que você se contenta com pouco. Portanto, além das cinquenta cabras, eu lhe darei uma pequena casa e um pedaço de terra, onde seu rebanho poderá pastar,

O pastor saiu do palácio muito contente, pensando que aquilo, sim, era a felicidade.,. Ganhar mais do que havia pedido: além das cinquenta cabras, uma casa e um bom pasto.

O pastor instalou-se em seu novo lar, soltou o rebanho de cem cabras nas terras que agora lhe pertenciam e fez amizade com os novos vizinhos. 

Certo dia, um deles lhe contou que tinha uma ótima casa, além de duzentas cabras e vastas pastagens.

Naquela noite, o pastor não conseguiu dormir, pensando no rebanho do vizinho e dizendo a si mesmo: "Como fui estúpido! Por que não pedi mais cabras ao califa? Se eu tivesse feito isso, hoje seria um homem tão próspero quanto meu vizinho..,"

Ficou remoendo esses pensamentos até altas horas. Por fim, vencido pela angústia e pelo cansaço, acabou adormecendo.

Na manhã seguinte, apresentou-se no palácio, cabisbaixo e constrangido. Pediu para ver o califa, que o recebeu cordialmente.

Relutante, o pastor falou sobre os pensamentos que o haviam perturbado durante a noite.

O califa riu:

— Homem, não era preciso ter perdido o sono por uma coisa tão simples.

Depois, o califa contou ao pastor que tinha jurado, por sua barba, que lhe concederia tudo o que desejasse, E concluiu:

— Claro que vou lhe dar mais cem cabras. Assim, você ficará com um rebanho igual ao de seu vizinho.

O pastor saiu do palácio, muito feliz. Mas, no caminho de volta para casa, começou a pensar: "Quer dizer que se eu pedisse duzentas, trezentas ou mil cabras, o califa me daria. Puxa, como sou idiota! Agora tenho somente duzentas."

Passou alguns dias ruminando esses pensamentos. Por fim, animou-se a retornar ao palácio. Disse ao califa que ainda não se sentia completamente feliz. Necessitava de mais cabras e de pastagens maiores para alimentá-las. 

O califa, que havia jurado satisfazer todos os desejos de seu salvador, atendeu o pedido.

Entusiasmado, o pastor foi para casa, dizendo a si mesmo que enfim havia encontrado a felicidade.

Mas a certeza durou pouco. Logo o pastor voltou a sentir-se frustrado. Começou a pensar e repensar sua situação, até que decidiu não mais viver no campo e sim na corte. E lá se instalou, com o consentimento e ajuda do califa.

Entretanto, o pastor não mudava nunca... Primeiro, ganhou uma casa confortável perto do palácio. Depois, insatisfeito, manifestou o desejo de ter uma casa maior. Ganhou-a e, pouco tempo depois, pediu um palacete... E logo o palacete pareceu acanhado demais, em comparação com outros, mais luxuosos.

O mesmo aconteceu em relação aos animais: em vez de cabras, preferiu mulas. Depois, em vez de mulas, preferiu cavalos puro–sangue... E o califa, como sempre, satisfez seus desejos.

A ambição do pastor estendeu-se também às relações sociais. Se antes ele se contentava em conversar ocasionalmente com os vizinhos, agora queria promover jantares, recepções e festas dispendiosas, com muitos comes e bebes, para centenas de convidados.

O califa começava a se inquietar com os constantes pedidos do pastor. Mas havia jurado, por sua barba, que o atenderia sempre. Por isso, continuava cedendo.

Nem assim o ambicioso Ben Adab se dava por feliz.

Certo dia, sentindo-se mais frustrado do que nunca, dirigiu-se ao palácio e disse ao califa:

— O senhor se ofereceu para me proporcionar a felicidade. E jurou que me daria tudo o que eu pedisse.

— De fato — respondeu o califa. — E se até agora você não alcançou a felicidade, com certeza não foi por minha culpa.

— Nesse caso... — disse Ben Adab — o que realmente preciso para me sentir feliz é ser califa. Portanto, quero que o senhor me conceda, por algum tempo, seu título e seu posto.

Diante dessas palavras, o califa mandou chamar o barbeiro real e, ali mesmo, ordenou que lhe raspasse a barba.

Depois, dirigiu-se ao pastor:

– Agora, nada mais me obriga a cumprir o juramento, pois já não tenho barba. Consequentemente, você não tem motivos para continuar aqui. Portanto, voltará a ser o que sempre foi.

O califa ordenou aos criados que despojassem Ben Adab de tudo o que possuía. Em seguida, mandou que o levassem de volta ao lugar onde o encontrara pela primeira vez.

Até hoje Ben Adab lá continua, com sua eterna insatisfação e suas cinquenta cabras, pobre como no dia em que conheceu o califa.

Fonte> Yara Maria Camillo (seleção). Contos populares espanhóis. SP: Landy, 2005.

Recordando Velhas Canções (O Rancho da Goiabada)

Compositores: João Bosco / Aldir Blanc

Os boias-frias quando tomam umas biritas
Espantando a tristeza
Sonham com bife à cavalo, batata frita
E a sobremesa
É goiabada cascão, com muito queijo, depois café
Cigarro e o beijo de uma mulata chamada
Leonor, ou Dagmar

Amar, um rádio de pilha um fogão jacaré a marmita
O domingo no bar, onde tantos iguais se reúnem
Contando mentiras pra poder suportar ai

São pais de santos, paus de arara, são passistas
São flagelados, são pingentes, balconistas
Palhaços, marcianos, canibais, lírios pirados
Dançando, dormindo de olhos abertos
À sombra da alegoria
Dos faraós embalsamados
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A Vida dos Trabalhadores na Visão de João Bosco
A música "O Rancho da Goiabada" de João Bosco é uma crônica social que retrata a realidade dos trabalhadores rurais, conhecidos como boias-frias, no Brasil. Através de uma letra poética e carregada de metáforas, o artista descreve o cotidiano árduo desses trabalhadores e seus pequenos prazeres como forma de escapismo da dura realidade.

A referência ao consumo de bebidas alcoólicas ('biritas') sugere uma tentativa de esquecer as dificuldades, enquanto a menção a alimentos simples, mas desejados ('bife à cavalo, batata frita'), e a sobremesa tradicional ('goiabada cascão com muito queijo') simboliza os pequenos luxos que eles anseiam. A figura da 'mulata chamada Leonor, ou Dagmar' representa o amor idealizado, um sonho distante da realidade cotidiana.

A música também aborda a diversidade cultural e social do Brasil, mencionando diferentes figuras como 'pais de santos, paus de arara, passistas' e outros, todos unidos pela necessidade de contar 'mentiras pra poder suportar' a vida dura. A 'alegoria dos faraós embalsamados' pode ser interpretada como uma crítica à sociedade que preserva as aparências enquanto ignora as dificuldades enfrentadas pela classe trabalhadora. João Bosco, conhecido por suas habilidades como compositor e violonista, utiliza sua música para dar voz às lutas e esperanças do povo brasileiro. (https://www.letras.mus.br/joao-bosco/46529/

sábado, 22 de junho de 2024

Isabel Furini (Poema) 63: Na escuridão

 

A. A. de Assis ( O “Estraga-Lar”)

O peixe apimentado ia apimentando cada vez mais o paroleio. Daí a pouco teve início a sessão de queixas e reclamações. O que falou menos mal da cara metade disse que a dita dormia sem dentadura

Quem me contou foi um amigo capixaba. Segundo ele, havia em Vitória um boteco famoso conhecido como “Estraga-Lar” – apelido que botaram nele por conta de um peixinho frito ali servido todo fim de tarde com cerveja ou caipirinha. O freguês saía do trabalho e dava uma passadinha lá pra lubrificar as vias digestivas. Daí que a cônjuja ficava esperando o respectivo em casa, ele não aparecia, e ela de logo dava conta do acontecido: “Encalhou no Estraga”.

Lares vários já haviam sido estragados pelo tal peixinho. Já dera desquite, divórcio, até muita bordoada de mulher nas costelas do desaforoso. O sujeito chegava lá e encalhava mesmo. Quem entrava não saía fácil. Não era talvez nem tanto pelo peixe, nem mesmo pelos repetidos goles. Era mais pela prosa. O pessoal chegava, agarrava na conversa, falava de tudo: de política, de façanhas amorosas, de futebol, até (preferentemente) de intimidades da alheia vida.

Lá um dia, num súbito, entrou no “Estraga” uma insólita presença de saia – Dona Zuca. Pediu peixe, pediu pinga, só ela de mulher na roda barbuda. Os biriteiros estranharam de início, depois fizeram festa. Quem sabe outras tantas resolvessem também frequentar a casa, assim inspirando mais animados papos.

Dona Zuca entrou de sola na conversa. Provocou os papudos para que falassem de suas “puladas”. De cara cheia, eles abriram o baú das confissões. Ela se ria e dava corda. “Mulher é isso”, celebrou lá do fundo um dos bicancas. “Vai ser a rainha do Estraga”, propôs outro.

Machão perto de mulher fica mais empinado ainda. Cada um contava proeza maior.

O peixe apimentado ia apimentando cada vez mais o paroleio. Daí a pouco teve início a sessão de queixas e reclamações. O que falou menos mal da cara metade disse que a dita dormia sem dentadura. Dona Zuca fingia nem imaginar o que ali já falara dela o marido, que naquela tarde ela conseguira prender em casa mediante um purgante servido no almoço.  

“Vamos lá, pessoal”, sarreava ela, desafiando a homarada a encher mais a cuca. E tome peixe, e tome pinga, e deixa a prosa correr solta, que quanto mais solta mais comprometedora. Ela se rindo. Os caras nem desconfiando. Se alguém tentava mudar de assunto, ela cutucava: queria ouvi-los falar o máximo de suas traquinagens adulterinas. 

Até que… tchan-tchan-tchan-tchan… Na televisão do boteco entrou o Cid Moreira com o telejornal. Era a hora combinada. Dona Zuca chegou na porta e deu o sinal com um apito. Umas trinta senhoras, que estavam de tocaia na esquina, invadiram o “Estraga-Lar”.

Maridos cercados, Dona Zuca tirou da bolsa um gravador e fez rodar a fita. A pecadaria gravada arrepiou mais ainda a zanga das traídas. Foi a maior pancadaria já registrada nos anais do botequim.

Fonte: Enviado pelo autor.