segunda-feira, 14 de julho de 2008

Entrevista com Leonilda Hilgenberg Justus

Leonilda Hilgenberg Justus é a única mulher do interior do Paraná a integrar a Academia Paranaense de Letras

A beleza, a harmonia, o amor, a dor, a alegria. A vida bem vivida, cheia de emoções e sentimentos, é a musa inspiradora da maior poetisa de Ponta Grossa, Leonilda Hilgenberg Justus. Cheia de histórias para contar, Leonilda sempre foi uma das maiores entusiastas da cultura local. Fundou entidades, liderou movimentos, integra e participa ativamente de centros literários. Enfim, além de dedicar amor sem fim a seu marido Germano e seus filhos Ipuran e Ipojuçan (os três já falecidos), Leonilda sempre guardou espaço privilegiado em seu coração para as letras e artes. Agora, ela se dedicou a compor a sua 15ª obra, ‘Fortuna Crítica’, na qual reune críticas sobre sua obra provenientes das mais variadas partes do Brasil e do exterior, e reestreiou agora na Revista Urbe, uma coluna semanal.

URBE Como a senhora começou a escrever?
LEONILDA
Comecei a escrever num dia de insônia. Eu nunca tinha escrito nada. Nós estávamos na fazenda, e eu adoro a fazenda, porque até o meu marido [Germano Justus] perguntou para mim um dia: ‘Leonilda, você tanto tempo ficou esperando a casa nova, onde é que você quer, aqui em Ponta Grossa ou na fazenda?’ Na mesma hora eu falei: ‘Na fazenda’. ‘Meu Deus, é tanto assim?’, ele disse. Eu digo: ‘é tanto assim.’ Eu queria muito. E daí eu não podia dormir, não podia dormir, e me veio uma poesia sobre a fazenda. ‘Meu presente’ é nome da minha primeira poesia. No dia seguinte, acordei e falei para o Germano: ‘Germano, fiz uma poesia à noite’. ‘Você? Você nunca escreveu nada?!’. E o ‘Meu Presente’ escrevi como aconteceu, que o Germano um dia me perguntou se eu queria aqui ou lá, daí eu disse que me desse uma casa nova na fazenda, uma sede bonita. Foi um agradecimento ao meu marido.

URBE Quais as formas poéticas que a senhora trabalha?
LEONILDA
Todas as manifestações poéticas eu domino e já fui premiada. Haicai, que é aquela forma com três linhas, que eu ganhei um primeiro lugar em São Paulo. Soneto eu já ganhei alguns prêmios primeiros lugares. Poemas, prosa - vou muito bem na prosa – e trova também. Por isso eu acho que sou muito querida e muito protegida pelos anjos e santos que estão lá em cima. Às vezes, eu estou na cama, vendo um filme, de repente, parece que me sopram, eu levanto ligeiro, pego o caderno e vou escrevendo. É uma coisa maravilhosa.

URBE Como a senhora define poesia?
LEONILDA
Foi uma coisa muito linda que me aconteceu. Eu estava fazendo uma apresentação lá no Colégio Sagrada Família, fazendo uma palestra para as alunas, contando minha vida. Tinha mais de 300 naquele salão enorme. E uma delas, uma menina muito inteligente, me fez uma pergunta que eu nunca sonharia em fazer. ‘Dona Leonilda, posso perguntar uma coisa?’. Eu disse ‘claro, pergunte sobre o que você quiser. Se eu puder responder eu respondo. ‘O que é poesia?’. ‘Eu respondi na hora. Foi Deus ou algum poeta que me soprou. Eu disse poesia é som da vida, minha querida’. Você veja que coisa mais linda. E de fato, qualquer coisa, cai uma florzinha e eu faço [a poesia] em cima daquilo que me vem a inspiração. Se eu vejo uma criança chorando, chego em casa e vou bolando e escrevo sobre aquilo. É tudo que eu presencio andando pela vida.
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URBE Quantos livros a senhora já publicou?
LEONILDA
Agora, o 14º o Coletânea. O primeiro, ‘Se me amasses’, lancei por volta de 1983.

URBE Entre eles, quais são seus trabalhos principais, que a senhora mais gosta?
LEONILDA
Acho que quase todos. São filhos meus, né? Eu pergunto: você vai ter dez filhos, qual é o que você prefere? Não tem. Um pode ser mais bravo, outro pode ser mais carinhoso. Mas não tem: todos são meus filhos.

URBE Quais são seus próximos projetos
LEONILDA
Um dos meus projetos é um espaço maravilhoso no Jornal da Manhã (risos). A minha coluna, que estará também nessa nova fase do jornal.

URBE E em relação aos seus trabalhos, seus livros?
LEONILDA
Agora estou começando o meu 15º livro, que será ‘Fortuna Crítica’ o título. Quem me deu essa sugestão foi a Luísa Cristina [Santos Fontes]. Então, agora estou fazendo, porque recebo críticas do mundo inteiro. São trechos de críticas que são feitas sobre a minha obra, de acadêmicos do mundo inteiro.

URBE Qual a sua avaliação sobre a produção poética e literária que circula no Brasil?
LEONILDA
Acho que está muito bem, apesar da maioria achar que não, que está muito apática, não tem retorno... eu não posso me queixar. Nunca me faltou, nesses 20 e tantos anos que eu sempre falo sobre livros, nunca me faltou um livro numa semana. Eu leio muita coisa, todo mundo criticando que a poesia e os livros também... mas acho que está muito bem.

URBE E a qualidade?
LEONILDA A qualidade é mesclada. Mas tem coisas muito boas, tem coisas que não são tão boas. Mas mantém sempre uma ‘tabelinha’, entre bons, ruins e médios.

URBE O que a senhora mais gosta é a poesia. Como a senhora se relaciona com outras formas literárias?
LEONILDA
O que eu mais gosto é o soneto, aquele clássico, difícil. O soneto exige muita técnica, cada linha tem que obedecer às regras. Se escapar das regras, não é concursável e não é valorizado. Romance eu nunca fiz. Daqui por diante quem sabe... Eu sou muito fantasista, viajo muito, invento... Quem sabe se de repente... Crônicas eu faço, já ganhei prêmios também.

URBE Uma das suas maiores inspirações também é a sua família, né?
LEONILDA
Muito, muito, muito. Adorava, adoro minha família. Meus pais foram muito bons. Perdi meus pais, perdi minhas irmãs mais moças que eu, perdi meu marido e perdi meus dois filhos. Todo mundo eu perdi, fiquei sozinha. Daí a Margarida [Santos Lima, amiga há décadas]: ‘Você não está sozinha. E nós?’. ‘Vocês sabem disso: estou dizendo sozinha dos meus’.
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URBE E agora a senhora vai reestrear uma coluna no Jornal da Manhã?
LEONILDA
O jornal está muito bom, muito bonito, muito eclético – tem tudo um pouco. Quem não gosta de uma coisa, pula aquilo e vai para outra. Abrange um número de leitores muito grande. Foi a primeira coisa que me saltou à vista. Mas também a aparência do jornal. Você abre e tudo é bonito, as fotos, a diagramação.
Escrevi por 21 anos todos os domingos no Jornal da Manhã. E agora, com muita honra, muita satisfação, muito reconhecimento, continuo nessa nova fase.

URBE Quais as principais entidades que a senhora fundou e das quais faz parte
LEONILDA Aqui em Ponta Grossa, com muita coragem e incentivo do meu esposo, foi o Centro Cultural Professor Faris Michaeli, e também por incentivo do doutor Enno Teodoro Wanke. No começo não tínhamos dinheiro nem para papel. Toda a minha família me ajudava, o doutor David [Pilatti Montes] quantas vezes ajudou! Daí a diretoria sugeriu de passar a cobrar. Daí eu disse não. A cultura tem que ir ao povo e o povo tem que ir à cultura. Tem que ser uma troca, porque se for para pagar ninguém vem. Depois fundei o Soroptimista Internacional de Ponta Grossa, fui uma das primeiras a integrar a Associação das Mulheres de Negócios e Profissionais de Ponta Grossa [BPW]... Pertenço a todas as entidades do Paraná, Centro Literário do Paraná, Academia Feminina de Letras... E sou a única mulher do interior do Paraná a integrar a Academia Paranaense de Letras.

URBE A que se deve o seu trabalho?
LEONILDA Ao incentivo do meu esposo e meus filhos. Nunca vou esquecer uma coisa. Papai tinha uma letra tão linda e quando ele viajava com meu avô para o interior do Paraná ele ia fazendo trova. Eu puxei deles, eu herdei de papai. Acho que é uma coisa que nasceu em mim. [...] Ah, um dia ainda vou escrever um romance sobre minha vida.

URBE Esse é um dos seus projetos?
LEONILDA Meu primeiro projeto é o Fortuna Crítica. Mas faz tempo que estou pensando em escrever minha vida. Tenho tanta coisa linda para falar. Deus foi muito bom para mim. É sinal de que a minha vida tem sido muito bem vivida.

Fonte:
Jornal da Manhã. JM News. http://www.jmnews.com.br/ . 9/9/2007.

Leonilda Hilgenberg Justus (Trovas Avulsas)

Na correnteza da vida,
de roldão eu sou levada...
Por pedras soltas, ferida...
pelo Amor, sempre curada!

Cai a pétala silente,
num final de poesia...
- Não é da flor, de repente,
o fim? - O fim da magia!

Ondas sôfregas, gulosas,
adentram a praia...amantes!
Depois...calmas e ditosas,
enlanguescem triunfantes!

Hoje, são Bodas de Prata!
De Ouro, amanhã serão...
União tão forte não mata
o amor...é eterna oração!

Contigo quero brincar,
azul mar dos meus anseios...
e, nas águas afogar
dores, problemas, receios...
Fonte:
TABORDA, Vasco José e WOCZIKOSKY, Orlando. Antologia de trovadores do Paraná. Curitiba: O Formigueiro - Insituto Assistencial de Autores do Paraná, 1984.
http://jardimdeorfeu.no.sapo.pt (imagem)

Leonilda Hilgenberg Justus (Canção a Ponta Grossa)

PONTA GROSSA é feito um ninho
aconchegando, gostoso,
o seu povo no carinho
de um tempo maravilhoso
(ESTRIBILHO)

Chão de bênçãos coloridas.
Céu de estrelas cintilantes.
Ar de essências... base à vida
vida em luzes confortantes.

Arte viva sempre acesa
iluminando o momento
e as almas para a grandeza
de um Brasil - encantamento.

Sol no verdejante ambiente
energizando a jornada.
E lua em noite silente
fluindo poesia amada.

PONTA GROSSA, flor e cor
surpreendendo a cada esquina,
é roda de união e amor
que a vida alegra e ilumina!

Leonilda Hilgenberg Justus (A Tarde)

A tarde encalorada, preguiçosa —
feito mulher após união de amor —
abraça o travesseiro e silenciosa,
lembra, saudosa, o sol no resplendor.
Revive a vida alegre, rumorosa,
sob o aceso, energético fulgor...
Recorda a claridade esplendorosa,
revelando o horizonte inspirador.
Porém, aí... a tarde embevecida,
olha o poente em festa enriquecida
com as flores ds cores de verão.
Então... feliz, recosta-se no instante
para aguardar a noite aconchegante
— a ponte para o sol no coração!
Fontes:
Do livro: "Hipocrene", Ed. da autora, 1992, PR.
http://www.blocosonline.com.br/
http://myluna.wordpress.com (imagem)

Convite para Oficina de Criação Literária

O Curso de Letras da UPF oferece, no segundo semestre de 2008, a Oficina de Criação Literária, voltada para a produção e análise de textos do gênero lírico e, também, para a discussão de textos teóricos sobre a criação poética.

Podem inscrever-se na oficina alunos e ex-alunos de todos os cursos da UPF.

A disciplina será ministrada pelo professor Paulo Becker, às sextas-feiras, no período da tarde.

Telefone da Coordenação de Letras: 3316-8335.
E-mail do professor: paulobecker@upf.br

Fonte:
Boletim Jornada

Edgar Lee Masters (A colina)

Tradução: Jorge de Lima

ONDE estão Elmer, Herman, Bert, Tom e Charley,
O irresoluto, o de braço forte, o palhaço, o ébrio,
[ o guerreiro?
Todos, todos estão dormindo na colina.

Um morreu de febre,
Um lá se foi queimado numa mina,
O outro assassinaram-no num motim,
O quarto se extinguiu na prisão,
E o derradeiro caiu de uma ponte quando
[ trabalhava para a esposa e os filhos,
Todos, todos estão dormindo, dormindo,
[ dormindo na colina.

Onde estão Ella, Kate, Mag, Lizzie e Edith
A de bom coração, a de alma simples, a alegre,
[ a orgulhosa, a feliz?
Todas, todas dormindo na colina.

Ella morreu de parto vergonhoso,
Kate de amor contrariado,
Mag nas mãos de um bruto num bordel,
Lizzie ferida em seu orgulho à procura do que quis
[ seu coração;
E Edith depois de ter vivido nas distantes
[ Londres e Paris
Conduzida a seu pequeno domínio por Ella, Kate e
[ Mag,
Todas, todas estão dormindo, dormindo,
[ dormindo na colina.

Onde estão tio Isaac e tia Emily,
E o velho Towny Kincaid e Sevigne Houghton,
E o major Walker que conversara
Com os veneráveis homens da revolução?
Todos, todos estão dormindo na colina.

Trouxeram-lhes filhos mortos na guerra,
E filhas cuja vida tendo sido desfeita,
Os filhos sem pais choravam
Todos, todos estão dormindo, dormindo,
[ dormindo na colina.

Onde está o velho violinista Jones
Que brincou com a vida durante noventa anos,
Desafiando as geadas a peito descoberto,
Bebendo, fazendo arruaças, sem pensar na esposa
[ nem na família,
Nem em dinheiro, nem em amor, nem no céu?
Vede! Fala sobre os cardumes de peixes de
[ antigamente,
Sobre as corridas de cavalo em Clary's Grove,
[ outrora,
Sobre o que Abe Lincoln disse
Uma vez em Springfield.
===============
THE HILL
Edgar Lee Masters

WHERE are Elmer, Herman, Bert, Tom and
[ Charley,
The weak of will, the strong of arm, the clown,
[ the boozer, the fighter?
All, all, are sleeping on the hill.

One passed in a fever,
One was burned in a mine,
One was killed in a brawl,
One died in a jail,
One fell from a bridge toiling for children and
[ wife —
All, all are sleeping, sleeping, sleeping on the
[ hill.

Where are Ella, Kate, Mag, Lizzie and Edith,
The tender heart, the simple soul, the loud, the
[ proud, the happy one? —
All, all, are sleeping on the hill.

One died in shameful child-birth,
One of a thwarted love,
One at the hands of a brute in a brothel,
One of a broken pride, in the search for heart’s
[ desire,
One after life in far-away London and Paris
Was brought to her little space by Ella and Kate
[ and Mag —
All, all are sleeping, sleeping, sleeping on the
[ hill.

Where are Uncle Isaac and Aunt Emily,
And old Towny Kincaid and Sevigne Houghton,
And Major Walker who had talked
With venerable men of the revolution? —
All, all, are sleeping on the hill.

They brought them dead sons from the war,
And daughters whom life had crushed,
And their children fatherless, crying —
All, all are sleeping, sleeping, sleeping on the
[ hill.

Where is Old Fiddler Jones
Who played with life all his ninety years,
Braving the sleet with bared breast,
Drinking, rioting, thinking neither of wife nor kin,
Nor gold, nor love, nor heaven?
Lo! he babbles of the fish-frys of long ago,
Of the horse-races of long ago at Clary’s Grove,
Of what Abe Lincoln said
One time at Springfield.
==============

Notas sobre o poema:

O poema "A Colina" ("The Hill"), de Edgar Lee Masters (1868-1950), é um clássico da moderna poesia americana. Citado e traduzido no mundo inteiro, ele representa o primeiro texto de um livro muito original e curioso, The Spoon River Anthology, publicado em 1915.

Spoon River é uma cidade americana fictícia, no século 19, e sua "antologia" contém, na verdade, relatos póstumos de 243 habitantes. Eles contam suas histórias e, na condição de mortos, podem usar da mais crua sinceridade. A cada personagem corresponde um poema, batizado com seu nome: "George Trimble", "Dora Williams", "Paul McNeely". Para o leitor, é como se ele visitasse o cemitério de Spoon River e lá ouvisse os relatos ou os lesse nas inscrições dos túmulos.

Em certos casos, a leitura se transforma numa espécie de jogo, pois vários dos defuntos-narradores (eles seguem o esquema do Brás Cubas!) mantiveram em vida relações de negócio ou parentesco. Então, é fácil imaginar: todos os podres aparecem. Para dar mais sabor à trama, em Spoon River, quase todos os finados levaram para o túmulo um segredo associado a alguma violência ou indignidade cometida ou sofrida durante a vida.

Advogado em Chicago, Edgar Lee Masters baseou-se livremente em pessoas de sua própria família e em gente que ele conheceu durante a infância, nas cidades onde morou. Afirma-se que alguns personagens podem ser identificados com velhos moradores de Lewistown e Petersburg, no Estado de Illinois. The Spoon River Anthology conquistou tal respeito que até foi comparado à obra-prima Leaves of Grass (Folhas de Relva), de Walt Whitman (1819-1892), publicada em 1855.


Fonte:
Edgar Lee Masters, "The Hill". In The Spoon River Anthology (1915). Bartleby.com (Great Books Online) Tradução: • Jorge de Lima. In Poesia Completa. Nova Aguilar, 1a. ed., 1997. Disponível em www.algumapoesia.com.br , 2003.

Lançamento do Livro Anjo Misantropo


NOITE DE AUTÓGRAFOS
Durante o jantar do evento "Luau nas Cataratas", no Parque Nacional do Iguaçu.
Data: 16 de Agosto de 2008
Local: Restaurante Porto Canoas, Foz do Iguaçu - PR
Horário: 20:00h

TARDE DE AUTÓGRAFOS
Na livraria Aspen Mega Store, terceiro piso.
Data: Julho de 2008 (Dia Indefinido)
Local: Shopping Maringá Park (Antigo Aspen), Maringá - PR
Horário: 16:00h

Fontes:
Colaboração da presidente da Academia de Letras de Maringá, Olga Agulhon.
http://www.anjomisantropo.com.br/

Matheus De Giovanni (1988)

Matheus Yuri Gritzenco De Giovanni nasceu no dia 03 de Setembro de 1988 na cidade onde reside até hoje, Maringá, no estado do Paraná. Cursou até o ensino fundamental no Colégio Paraná e fez todo o Ensino Médio no Colégio Anglo-Drummond. Em 2006 começou o curso de Engenharia Química, na Universidade Estadual de Maringá (UEM). Atualmente, aos 19 anos e em seu terceiro ano universitário, foge às linhas de seu curso ao publicar seu livro de contos, de forma totalmente independente.

Desde pequeno escrevia pequenos textos, tanto em cadernos quanto em páginas de Internet. Em meados de 2004 resolveu reuní-los em um único lugar. Ao fazê-lo, percebeu que ali estava relatada boa parte de sua vida até então, e assim o primeiro rascunho de seu livro foi criado, em um arquivo de Bloco de Notas. Com o passar do tempo, foi adicionando novos textos e lapidando as idéias daqueles já escritos, trazendo-as para o momento atual da época e adicionando/removendo trechos e pensamentos, nunca se afastando da base na qual foram escritas.

Após ler inúmeras vezes cada frase para evitar erros, percebeu que havia uma linha de evolução nas escritas. Decidiu fazer um molde em forma de uma única história. Organizou a ordem dos textos, alternando-as outras inúmeras vezes, até encontrar uma sequência ideal. O formato se mantém até hoje: um livro de contos independentes, de assuntos variados, mas que se for lido na sequência pode-se perceber que existe uma única história.

O livro contém textos de várias épocas do autor. O conto "Previdência" é o mais antigo, escrito no início de 2002, e o conto "Epifania" o mais recente, escrito em Janeiro de 2008. Porém, durante a leitura pode-se perceber que nesses poucos anos o autor passou por muitas fases pessoais. Neste livro, os leitores viverenciarão parte da vida do autor, desde a ingênuidade juvenil até suas mais recentes reflexões e maneiras de ver o amor, ódio, amizade, traição, esperança, desespero, vida, morte, entre outros assuntos que o livro aborda!

Sob o signo de Virgem, regido pela emoção, e ascendente de Libra, regido pela razão, Matheus De Giovanni é um Anjo Misantropo nato, sempre buscando a harmonia entre ambos os extremos. E está seguindo seu próprio caminho.

Texto Inicial do Livro:

Feitio de Existir

No início, o amor surge límpido e sem intenções. A primeira flor em campo virgem. Encontrado pela primeira vez, um ser maravilha-se pela sedução que invade e percorre seu corpo. Uma série de experiências começa; a primeira marcante na vida de alguém. Nasce uma nova criança, com um ramo de escolhas, situações e um arrepio que tende a enfraquecer a pessoa, bambear as emoções, hesitar os movimentos. Não tente, não há que ser forte.

Teorias e pensamentos se mesclam em bobas tentativas imaginárias de abordagem, quase nunca praticadas. Desafios que aparentam não ter soluções efetivas. O mundo muda de foco, e para aqueles que não estão em seu campo de visão, isso se torna tedioso e infantil. O novo olhar toma conta e a rotina simples se complica, tornando-se retalhos mal cortados.

O medo da derrota começa a assombrar a esperança. A criança procura por regras para poder se guiar, mas não as encontra. Sendo assim, guia-se e age de acordo com o que é, sem truques. Ainda encantada, seu receio natural a faz distanciar-se daquela flor, imaginando ser impossível ter em mãos tamanha beleza. Desacredita em seu poder e desespera-se.

A inveja do pedaço de mundo que nunca sentiu este turbilhão se aproveita do desespero. Pequenas ações plantam ervas daninhas invisíveis pelo campo, construindo uma parede de dúvidas em frente ao ser. Desnorteada, a criança cai na armadilha. As atitudes que a seguem são apenas fracassos. Decepção com o que, até então, encantara tanto.

Um aperto forte tira toda a cor que existe em sua volta, deixando apenas uma chuva cinzenta. Quer rir, mas só o que consegue é chorar. Uma solidão cobre seus dias. Procura por atenção, mas para isso se isola, esconde-se.

Deseja tanto que as coisas mudem que parece não sobrar mais forças para que aja. Suas certezas se abalam. Tenta encontrar os culpados, mas eles estão camuflados. Não percebe a tênue cortina de trapaças. Quanto mais ela procura a culpa nos outros, mais se encontra. Sendo assim, veste-se de todo esse pecado. Sente-se responsável por tudo, inclusive da mágoa que sente. Não tente, não há que ser feliz.

Foi treinada a "ser você mesmo", e quando aprendeu a lição encontrou a intolerância do mundo que a ensinou. Afinal, isso não era para ser bom? é incompreensível para ela. Parece estar a um passo de sair da realidade e ao mesmo tempo ter tanta consciência disso. Em uma tentativa de não mais se machucar, fecha-se em seu mundo.

Porém, justo quando está tudo construído, percebe que os espinhos que fazem a barreira de seu recanto estão virados exatamente para seu lado!

Desesperadamente, tenta encontrar algo que a sustente. Sem dar-se conta, sua base mudara de lugar. Ao tentar pisar no chão, cai.

A primeira queda é fundamental.

Agora, mesmo com sua arrogância e ingenuidade juvenil, esta criança deve se levantar sozinha, crescer enquanto enfrenta seus medos, aprender com suas próprias experiências. Até o final deste caminho, deve passar por quantas dificuldades e testes forem necessários para entender que possui e é tudo o que precisa.

Compreender que há que ser tranquilo, apenas isso.

Lançamento de Roda Mundo 2008

Colaboração Douglas Lara in Acontece em Sorocaba

domingo, 13 de julho de 2008

Lançamento de Rodamundinho em 24 de julho


O lançamento do primeiro livro Rodamundinho 2008 será no dia 24 de julho às 18h, com a apresentação do Grupo da Associação de Mágicos de Sorocaba e Região e durante o evento também haverá os autógrafos dos participantes nos 25 exemplares do livro a serem colocados a venda.

O Rodamundinho é uma coletânea infanto-juvenil que reúne 25 autores de até 15 anos de idade.

É uma antologia - seleção de textos - gerada com muito talento pelos seus participantes reunindo poesias, contos e crônicas, sobre amor, natureza, escola, família, viagens, entre outros. O projeto recebeu inscrições no início do mês de maio deste ano, foram selecionados 25 autores de Sorocaba e Região para participarem gratuitamente dessa antologia. Cada jovem participou com quatro páginas deste belíssimo livro de 115 páginas. Todo o projeto tem o objetivo de estimular a leitura e a escrita aos jovens. No dia do lançamento os participantes receberão, gratuitamente, quatro exemplares do Rodamundinho 2008 e um do Roda Mundo 2008.

O projeto foi idealizado pelo escritor sorocabano, Douglas Lara e pelo ex-presidente da Fundec Alexandre Latuf, com o patrocínio do editor Mylton Ottoni. A organização é da jornalista Cintian Moraes, apoio do suplemento infanto-juvenil Cruzeirinho do Jornal Cruzeiro do Sul, do Gabinete de Leitura Sorocabano e da Fundec.

O lançamento será durante a 4ª Semana do Escritor de Sorocaba na Fundação de Desenvolvimento Cultural – Fundec na Rua Brigadeiro Tobias, 73 - Centro Sorocaba/SP. Entrada gratuita. Quem quiser obter o livro poderá entrar em contato com o organizador Douglas Lara pelo telefone (15) 3227.2305.

Confira os nomes dos 25 participantes da antologia:
André Borges Dias, André Felipe Camargo Bruni, Beatriz Rodrigues Soares, Beatriz Silvério da Rocha, Bianca Marques Milanda, Carolina Arakaki de Camargo, Felipe Giacomin, Isabela Rodrigues Rigo, Jaqueline Andressa Oliveira Manão, José Estevão Pinto de Oliveira, Joyce Souza da Conceição, Júlia Mira dos Santos, Juliana Guimarães Terse, Katherine Martins de Oliveira, Laís Castro Franco de Almeida, Larissa da Silva Vendrami, Laura de Oliveira Marchetti, Laura Mattucci Tardelli, Lucas Geraldo de Milanda Miranda, Luiz Alberto Braga Stopa, Maria Giulia Jacção Alves, Matheus Dantas, Rafaela Moreno Lopes Benevides, Roberta Rodrigues Giudice e Verônica Rodrigues S. Lima."

Cintian Moraes - jornalista

Waldemar José Solha (1941)


Waldemar José Solha (Sorocaba, 1941), é um escritor, cordelista e artista plástico brasileiro.

Nascido em Sorocaba, São Paulo, radicou-se na Paraíba desde 1962.

Escreveu os romances:
"Israel Rêmora", Prêmio Fernando Chinaglia 1974, editado pela Record em 1975;

"A Canga", 2º prêmio Caixa Econômica de Goiás, 1975, editado pela Moderna, de São Paulo, em 1978, e pela Mercado Aberto, de Porto Alegre, em 1984
"A Verdadeira História de Jesus", editado pela Ática, de São Paulo, em 1979
"Zé Américo Foi Princeso no Trono da Monarquia", lançado pela Codecri em 1984
"A Batalha de Oliveiros", Prêmio INL 1988,publicado pela Itatiaia, de Belo Horizonte, em 1989
"Shake-up", publicado pela editora da UFPb em 1997

E ainda o poema longo "Trigal com Corvos", publicado pela Palimage, de Portugal, em 2004, Prêmio João Cabral de Melo Neto 2005 como melhor livro de poesia do ano anterior.

Poema premiado, Trigal com Corvos ficou entre os onze finalistas da 5a. Bienal Nestlé de Literatura, em 1991. Ao concorrer, o Trigal era apresentado com o título “E/u S/o/u E/s/t/a/s P/a/l/a/v/r/a/s”. Depois, o poema passou por extenso retrabalho. W. J. Solha é um velho combatente na luta com as palavras. Até o momento, Trigal é a única publicação assinada por ele na área da poesia. Posteriormente, em 2005, o livro ganhou o prêmio João Cabral de Melo Neto, da UBE-Rio.

Depois de ser um dos nomeados para o Prémio Jabuti, o maior galardão da literatura brasileira, o sorocabano Waldemar José Solha obtém nova distinção com o seu livro “História Universal da Angústia” (Bertrand Brasil, 2005) - o Prémio Graciliano Ramos (2006), conferido pela UBE (União Brasileira de Escritores), com sede no Rio de Janeiro.

“História Universal da Angústia” mistura ficção e realidade, resgatando grandes personagens bíblicos e da história da literatura, como o evangelista Lucas, Édipo e Hamlet.

W. J. Solha tem passagens também pelo teatro. Escreveu e montou "A Batalha de OL contra o Gígante Ferr" em 1986, e "A Verdadeira História de Jesus" em 1988. Escreveu também "Os Gracos" (inédito), "A Bagaceira" e "Papa-Rabo"(montadas por Fernando Teixeira em 1982 e 1984), "Burgueses ou Meliantes" (montada por Ubiratan de Assis em 1988), "A Batalha de Oliveiros contra o Gigante Ferrabrás", Montada por Ricardo Torres em 1991.

O Relato de Prócula explora o romance urbano no Nordeste contemporâneo. Leva para as cidades de João Pessoa e de Pombal, no alto sertão paraibano, o clima de Eça de Queiroz em As Cidades e as Serras e de Leon Tolstoi em Ana Karenina. O tema é o julgamento de Cristo, contado por Cláudia Prócula, a mulher de Pilatos.

Fez os textos para "Cantata Pra Alagamar", música de José Alberto Kaplan, gravação Marcus Pereira 1980, "Os Indispensáveis", para música de Eli-Eri Moura, apresentada em João Pessoa em 1992.

Trabalhou como ator nos filmes "O Salário da Morte", dirigido por Linduarte Noronha em 1969, "Fogo Morto", dirigido por Marcus Farias, "Soledade", dirigido por Paulo Thiago (ambos de 1975), "A Canga", de Marcus Vilar, em 2001 e "Lua Cambará", dirigida por Rosemberg Cariry em 2002

É autor dos painéis "Homenagem a Shakespeare", de 1997, em exposição permanente no auditório da reitoria da UFPb, e "A Ceia", de 1989, no Sindicato dos Bancários da Paraíba.

Algumas telas da exposição "Pense Grande", na Universidade Federal do Paraíba, retratando paraibanos ilustres das áreas de literatura, artes plásticas, esportes, ciências, música, política, teatro e cinema
Fontes:
http://pt.wikipedia.org/
http://liberal.sapo.cv/
http://www.cultura.gov.br/
http://www.prac.ufpb.br/ (telas)
http://www.algumapoesia.com.br/

Waldemar José Solha (Trigal com corvos)


[Excerto 1]

Mas
pense nessas fotos em que não se sabe se é o caso
de aurora ou de ocaso.
Pense em diamantes entre pedras de gelo.
Pense em Herodes perdendo a cabeça por Salomé e lhe concedendo a de Batista.
Pense em homens-rãs usando seus pés-de-pato.
Pense em pássaros assombrando-se com os espantalhos mais tolos
e cobrindo as estátuas mais ferozes de cocô.
Pense no fato de que o Este demais é Oeste
de que toda subida é descida
toda entrada
saída
e de que quanto mais você se orienta
mais pode se desnortear
ou de que quanto mais se norteia
mais pode se desorientar.


[Excerto 2]

Aqui acolá temos a impressão de que — ao meter-se a chave certa e dura na vagina da fechadura — a porta hermética vai finalmente abrir-se
mas há — ainda — tricas e truques
trincos e trancas
e o segredo.
Talvez este:
Como
no cinema
você só não consegue não ver o movimento que não existe na tela

nele vejo a melhor imagem do Tempo
centralizada no projetor.

Naquele aparelho vemos o passado se acumulando de um lado — no que o presente é projetado — e o futuro (praticamente pronto) desenrolando-se do outro.
Donde concluímos que
completo
o filme precisa de nós
para que seu presente
eterno
se sujeite ao móvel momento físsil
que torne — embora isso seja difícil — todo o mistério em vida revelando-nos a que veio.

[Excerto 3]

Nada se move na casa.

Nem no quarto minguante
nem no quarto crescente
no corredor da morte
nem no saloon.

Nada se move
além dos peixes vermelhos entre parênteses no aquário.

Mas a nota magrinha faz plim!
a nota oblonga faz blom!
abrem-se as janelas!
Com um tiro azul
dois amarelos
e um último — laranja — dados pelo canhão que defende a cidade
o jardim se torna lilás e os copos-de-leite mais alvos.

O povo se junta à beira do lago
lá fora
para me prestar homenagens pelos poemas que fiz. Primeiro
de barba verde e sem faca
o marchante me oferece um bezerro
visível dentro da vaca.

Cheias de pólens
corolas
pistilos (com escaravelhos verdes — ou azuis
conforme as curvas
que fazem
na luz)
mulheres me oferecem laranjas
sem destacá-las dos talos dos laranjais!

Marx — deixando de lado a pose de bruto — desce do pedestal e me dedica um charuto.
Como clímax de um jogo
estala os dedos de pedra e me oferece
o fogo.
O céu então fica lívido e a Terra
outro planeta!

[Excerto 4]

É claro que não existe
nesse cobra-engolindo-cobra do ecossistema
nem na "fúria dos elementos"
que estropia tudo que tem pela frente à vontade

nada que se possa chamar de "bondade".
Porra
Hiroshima & Nagasaki piores que Sodoma & Gomorra?
E que dizer da morte
esse romper-se moer-se rasgar-se roer-se solver-se
queimar-se
muitas vezes num brusco pavor
entre asfixias e
mutilações
torturas
numa infinidade de variações
como gangrenas
lepras
putrefações
deformações terríveis
tudo marcado por insuportável dor?
O que existe é um frio programa que usa sofrimentos como esporas que
estuguem nosso esforço pela Evolução
e onde o que importa é o superorganismo chamado Homem
não cada uma das milhões ou bilhões de células ambulantes que somos dele salvaguardada entre nós a preservação de uma média permanentemente ativa
sempre renovada que garanta a marcha ao ponto para onde convergem ou de onde partem todas as nossas perspectivas
daí que a esse Deus não importa que os alemães matem vinte e cinco milhões de russos na Segunda Grande Guerra
ou que a peste negra devaste mais outro tanto de europeus no século XIV
porque
se isso não interrompe o serviço da Evolução
por que não?

Aos pregadores sempre interessou a imagem de um Deus manipulável
evidentemente por eles
para se autoproclamarem detentores da Palavra
razão pela qual atribuíram à Sabedoria Divina mandamentos da própria lavra recomendando-nos — por exemplo — que sigamos o exemplo das aves do céu
que não semeiam
nem segam
nem juntam em celeiros
sem atinar que os pássaros caçam
pescam
fazem ninhos
o que me leva ao fato de que foram atribuídos a Deus
também comandos que não podem ser obedecidos pelo ser humano
como o de amar a isto
àquilo
e àquilo outro
ou não haveria tragédias como as de Romeu e do mouro.

[Excerto 5]

Claro que não creio em Deus
mas claro — também — que já me flagrei — como todo mundo — perguntando-me — por exemplo — onde foi que dona ornitorrinco aprendeu a fazer aquela geringonça
que é o filho dela
e com isso não brinco.
Caramba: minha simples ereção me remete — sempre — ao seio do mistério como me remetem Quéops
Nazca
Stonehenge.
... ou qualquer cemitério.
Sei que — como Iago e ao contrário de Jeová — I am not what I am!
Tanto
que se houvesse realmente acontecido algum momento
na História
em que alguém tivesse encravado uma coroa de espinhos em Deus
e lhe tivesse metido umas porradas na cabeça
cuspido na cara dele
despejando-lhe uma carrada de desaforos

mereceria de mim o perdão
pois o que o homem sofre neste mundo
criado por tal personagem criado

por nós
... é de um sadismo que chega a ser... torpe.

[Excerto 6]

Porque eu quis leveza e beleza de balões
com peso de balas de canhões
usei cada palavra como o pintor usa o encanto quase pronto da cor.

Sem qualquer tema prévio em que pudesse utilizá-las

garimpei-as no que me estimulava com fotos
confiando que o inconsciente
partindo do nada
e como se de propósito fosse
fizesse como que fios de açúcar... pro algodão-doce.

Assim
dava com a imagem de uma grande moto com a metálica musculatura à mostra
e espremia o cérebro até dele extrair algo como "a grande moto com a metálica musculatura à mostra".
Da corrente ajoelhando-se nos elos no que se derramava numa chapa de aço consegui alguma coisa tipo "a corrente ajoelhando-se nos elos no que se derramava numa chapa de aço. "
Cada verso fértil geralmente me custava uma travessia no deserto
mas foi nesse afã que
ao fim de meses
depois de milhares de frases acumuladas
procurei vinculá-las entre si
e montei o texto
como Godfrey Reggio e Dziga Vertov
montaram "Koyaanisqatsi" e "O Homem
com a Câmera" até a overdose.

Fonte:
http://www.algumapoesia.com.br/

Falecimento de Ricardo Dicke 9 de julho, em Cuiabá

O escritor mato-grossense e artista plástico Ricardo Guilherme Dicke, 71, morreu, na quarta-feira (9 de julho), no hospital São Mateus, em Cuiabá (MT), onde estava internado desde o último sábado (5), em estado crítico, devido a uma parada cardiorespiratória. O hospital registrou o óbito do autor de "O Salário dos Poetas" às 10h e atribuiu a uma insuficiência respiratória aguda.

O velório começou na tarde no Centro Cultural da UFMT (Universidade Federal de Mato Grosso) desta quinta-feira. O corpo foi enterrado no Cemitério da Piedade. Desde os 26 anos, o romancista estava casado com Adélia Boskov Dicke.

Em 1967, o escritor ganhou o Prêmio Walmap de literatura com o romance "Deus de Caim" (editora Edinova). No júri, estavam Jorge Amado, Antônio Olinto e Guimarães Rosa. Considerado na época como a grande revelação de uma nova literatura brasileira, Dicke era apresentado no meio como o "autor descoberto por Guimarães Rosa".

No programa "Abertura", da extinta TV Tupi, o cineasta Glauber Rocha, com um exemplar de "Caieira" em mãos, bradou para as câmeras: "Vocês precisam ler este livro".

Dicke ainda publicou, em 1989, "Último Horizonte" (editora Marco Zero) e, em 1995, "Cerimônia do Esquecimento" (Editora da Universidade Federal de Mato Grosso), com o qual levou o Prêmio Literário Orígines Lessa.

Em entrevista à Folha, em março de 2001, o escritor falou sobre a dificuldade de publicar seus livros. "Em Cuiabá, ninguém vira grande escritor. Só morando em São Paulo ou no Rio", disse.

Filho de pai alemão, que fugiu da Segunda Guerra para o Paraguai e, depois, aportou na pequena Vila Raizama, na Chapada dos Guimarães (Mato Grosso), Dicke começou a ler mexendo na biblioteca da família.

Mudou-se para o Rio de Janeiro para estudar Ciências Sociais. Lá, escreveu uma tese de mestrado sobre o mentor Guimarães Rosa, "Conjunctio Oppositorum no Grande Sertão", que foi publicada, e voltou para Cuiabá.

Aproveitando-se da lei de incentivo fiscal de Mato Grosso, Dicke lançou por conta própria dois romances, "O Salário dos Poetas", a história de um ex-ditador de um país sul-americano exilado no Brasil, e "Rio Abaixo dos Vaqueiros".

Fontes:
http://www.paraiba.com.br/noticia.shtml?73171
http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u420789.shtml (foto)
http://blog.estadao.com.br/ (foto)

Ricardo Guilherme Dicke (1936 - 2008)

- Nasceu em 16 de outubro de 1936, no Mato Grosso.

- Bacharelou-se em Filosofia pelo Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro em 1971.

- Em 1972 , licenciou-se em Filosofia, pela Faculdade de Educação também da Universidade Federal de Rio de Janeiro. Fez especialização em "Heidegger e o Problema do Absoluto" e "Fenomenologia" de Merleau Ponty e ainda freqüentou a Escola Superior de Museologia.

- Trabalhou como professor, tradutor e jornalista para várias editoras e jornais de grande circulação no Rio de Janeiro e Cuiabá.

- Foi revisor e copy-desk em várias editoras e especialmente entre 1973 e 1975 no jornal O Globo, do Rio de Janeiro.

- Como artista plástico estudou pintura e desenho, entre 1967 e 1969 com Frank Scheffer e entre 1969 e 1971, com Ivan Serpa e Iberê Camargo.

- Estudou Cinema no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro.

- Fez exposições em Cuiabá e no Rio de Janeiro.

- Em sessão publica solene do Conselho Universitário (Consuni), o reitor Paulo Speller, outorgou na data do 34º aniversário da UFMT, em 2004, o título de Doutor Honoris Causa ao escritor chapadense Ricardo Guilherme Dicke, que é o mais premiado autor mato-grossense. Dicke foi descoberto e reconhecido por Antônio Olinto, João Guimarães Rosa e Jorge Amado, e o livro Madona dos Paramos é constantemente comparado ao Grande Sertão Veredas pelos críticos literários. Hoje, Dicke vai além das fronteiras e O Salário dos Poetas foi lançado como peça teatral em Lisboa

Falando como relatora da Comissão de Apreciação de Concessão do Título de Doutor Honoris Causa ao Homenageado, a Profª Teresa Cristina Cardoso Higa, membro do Consuni e Diretora do Instituto de Ciências Humanas e Sociais da UFMT, declarou que a proposta partiu do reitor Paulo Speller que apresentou ao Conselho dados sobre a contribuição do indicado para a cultura mato-grossense e sobre a relevância do conjunto de sua obra. Disse, ainda, que a decisão de outorgar o título foi unânime e representa o reconhecimento por parte da Universidade do talento de um ficcionista, que se caracteriza pelo requinte na arte de escrever e pela profundidade na abordagem dos temas.

Após receber o título, o homenageado pediu que sua filha, Ariadne Dicke, lesse a página de agradecimento que havia preparado para a ocasião. Em seu texto, Dicke fala sobre a beleza. ´´Há uma coisa de que quase todo mundo se esqueceu. É a beleza. Alguns dirão que a beleza não dá camisa para ninguém, mas ela está presente em tudo. ´´ Citou o romancista russo Dostoievski, que afirmava que o mundo se salvaria bela beleza. Lembrou, também, o filósofo neo-platônico Plotino, para quem a beleza era a alma do mundo. ´´Quanto mais beleza,´´ insistiu Dicke, ´´melhor. Qual a pessoa que não se curva diante da beleza? Os grandes do mundo seguem com suas maldades e mesquinharias e a beleza é supremo consolo para o sofrimento da humanidade.´´ Na sua opinião, o que pode levar ao êxtase é a beleza e a religiosidade.

Em sua fala, o reitor Paulo Speller afirmou que Dicke faz parte daquele grupo de literatos que dedica suas vidas à busca - garimpagem - da identidade de seu povo, a partir de um compromisso com a realidade social regional. ´´A literatura brasileira do século XX é rica destes comprometidos com seu tempo e seu espaço. O Nordeste viveu momentos de glória com um José Lins do Rego e um Graciliano Ramos. Minas Gerais - minha terra - encantou-nos com um João Guimarães Rosa e um Mário Palmério. No Rio Grande do Sul destacou-se Érico Veríssimo. O Centro-Oeste também está nesse pódium, representado por escritores como Cavalcante Proença, Tereza Albuês, Wlademir Dias-Pino, Manoel de Barros, Pedro Casaldáliga e Ricardo Guilherme Dicke. Para Speller, ´´a obra de Ricardo Dicke é a voz de Mato Grosso e de sua gente sofrida´´ e, ao conceder-lhe o título de Doutor Honoris Causa, ´´estamos, portanto, bastante retardatários neste reconhecimento.´´

- Publicou os seguintes romances: Deus de Caim; Como o Silêncio; Caieira; A chave do Abismo; Madona dos Páramos; O Último Horizonte; Cerimônias do Esquecimento; Conjuctio Opositoruium no Grande Sertão, tese de mestrado em Filosofia na UFRJ; O Salário dos Poetas; Rio Abaixo dos Vaqueiros.

- Escreveu, além destes, mais de dez títulos de romances e outras vinte obras, de contos, teatro e poesia, que permanecem em sua casa aguardando um editor.

- Prêmio Walmap (1967): Seu primeiro romance de estréia "Deus de Caim" cujos jurados foram Jorge Amado e Guimarães Rosa.

- Prêmio Remington (1977): Seu segundo livro "Caieira", considerado por Glauber Rocha, num programa de TV, como leitura obrigatória.

- Prêmio "Madona dos Paramos" (1981) - Seu terceiro título premiado pela Fundação Cultural do Distrito Federal.

Fonte:
http://www.universia.com.br/html/noticia/noticia_dentrodocampus_bgjja.html
http://www.secom.mt.gov.br/ng/conteudo.php?cid=42867&sid=48
http://blog.estadao.com.br/ (foto)

Dicke e o Último Horizonte dos Sentidos Inscritos

artigo da Profª Ms. Madalena Aparecida Machado (UNEMAT/FAPEMAT-UFRJ)


A prosa do matogrossense Ricardo Guilherme Dicke se instaura na travessia do silêncio que perfaz uma escuta. Último horizonte (1988) vem marcar definitivamente a obra deste escritor com a primazia pelo humano e como tal, sua quota de indiscernibilidade, o que faz a riqueza e qualidade de sua Literatura. O eu que se intitula a profecia da vida, é um ser anônimo, incógnito, um quase intransponível abismo. Nosso texto pretende pensar esse horizonte cujos sentidos pedem uma interpretação menos conclusiva que iniciática.

Passando do estágio de promessa com as obras iniciais, a ficção de Dicke se firma com Último horizonte. Neste, uma longa noite de silêncio e meditação serve a um poeta para ele se ver com uma escuridão dentro de si. Pensa, pondera com personagens presentes ou distantes, se cansa e vai dormir. Desse enredo simples, surge a eternidade da escuta, há a sabedoria da palavra que prende e liberta partindo-se do encontro de uma verdade. De um, de todos os personagens, este livro traduz o desconforto existencial do narrador colocado sob questionamento. A noite, a morte, longe de serem encerramentos, são pretextos de contágio do personagem-narrador com o negrume, putrefação que cercam, fazem o domínio da filosofia de viver do sujeito posto entre o Alfa e o Ômega da vida. Do sono, desperta o poeta para uma restauração de alma, a abertura da nova compreensão de tudo mesmo que esta leve à desorientação.

Esse conhecimento a perseguir passa a ser uma constante desde a saga de Madona dos páramos (1981), cuja viagem lembra a descoberta do homem em relação a seu potencial. Ali temos a treva da chuva que nunca pára, a senhora dos horizontes infindos, decide o destino dos homens, seus algozes e justiceiros. O limiar de sentidos é outra característica de Dicke, uma vez que em Cerimônias do esquecimento (1995), também temos uma noite, um amanhecer com sentidos inscritos a anunciar o descerramento possível dentre o velamento provável, bem ao gosto da filosofia de Martin Hidegger, uma das influências na Literatura do escritor. Além de Nietzsche, Schoppenhauer, Sartre e Camus, de uma forma bem geral estes justificam a idéia transmitida na narrativa por Dicke de que o homem, através de uma vontade ferrenha é capaz de alterar o caminho de vida que lhe foi traçado ao nascer. Numa ausculta pelo outro, seja ele seu semelhante, a natureza ou os objetos a compor o quadro existencial do homem, o texto literário o qual estudamos, está de prontidão ao sentido a-se-saber.

Jerombal Thauutes é o poeta da narrativa acompanhado pela também poeta Kabira Astharte Flox. Nas deambulações pela madrugada adentro, eles são ouvidos de perto pelo gato, o corvo, a cabala, os deuses e os demônios extraídos da voz da locutora Collette Thomas, a suavidade a migrar para a atenção do protagonista. Dessa forma, o Último horizonte se faz pelo exacerbamento do sentido de humanidade ao reconhecer no tempo a alma a flutuar sem limites. Num abandono de querer comprometido com funções determinadas, o enredo lembra os passos de Stephen Dedalus de Ulisses (1999) de James Joyce, naquele 16 de junho de 1904. A força narrativa se dá pelo fluxo de consciência, mas se faz também por pequenos gestos de entrega, de solicitude, no gosto de aventura e pela flutuação nos abismos que sentem, fazem os personagens do horizonte nos começos propostos. Último não porque signifique o fim, mas o início de um outro olhar; por isso tem tanta importância a imagem do crepúsculo na obra de Dicke. É o de dentro que se estremece, um interior rotundo, escabroso, pronto a ser contestado, é assim a Literatura desligada com as horas, com a prontidão das respostas pré-estabelecidas.

O vigor e a inventividade de Último horizonte extrapola o que conhecemos de monólogo interior, pois seu monólogo é voltado para fora a fim de revelar a verdade imaterial da existência, apesar de registrar de forma minuciosa a experiência psicológica dos personagens. Diríamos que é um recurso adotado por Dicke para falar da vida e a consciência pós-moderna, quando seu personagem-escritor conduz o monólogo tentando despertar de um outro pesadelo histórico diferente de Dedalus. O personagem se preocupa com um mundo sem consciência, sujeitos repletos de caos, por isso compreende: “quem não descobre a si mesmo vive fora de si mesmo.” (DICKE, 1988, p. 43).

A espontaneidade em contraposição à objetividade, dá ensejos à emancipação do homem junto às coisas e pessoas de um mundo em travessia; assim como ele sente-se pressionado pela legitimidade do “eu” brotada de seu interior incorrupto, mostra-se intranqüilo por causa das coisas sem explicação que provoca o estabelecido na vida. Do inabitual, surge uma vontade em conhecer o outro feito extensão de si e o que parece obsessão, torna-se coerência com o sujeito de um acontecer.

O homem que desconfia de dogmas ou qualquer tipo de imposição é arrastado na narrativa de Último horizonte no qual perdura o sentimento de liberdade na biblioteca, na varanda, para fazer valer a criação, invenção de si em contraposição às regras ditadas pela realidade que molda. Tanto é que se vê espedaçado na vida por não se comportar de acordo com os sentidos a si impostos, ao invés mostra desassombro com o que vem de seu interior insatisfeito. Do presente, são as luzes distorcidas que o fascinam, ser destaque é ser lembrado como o diferencial e é isso que o narrador anela. É importante frisar que o fascínio do diferente faz o escritor-personagem um ser mais verdadeiro, mais preciso com a vida que enxerga com a vastidão do cognoscível e do irreconhecível. Este é o contexto de um eu sem esplendor, trabalhador atento ao desnecessário cujas coisas celestam; desocupado aos olhos do mundo pequeno das obrigações diárias, perfaz contudo a compreensão iminente. Receptivo ao que não se explica, esse homem inebriado em desvãos é preenchido pelas perguntas que não calam com a mesma consistência que desmerece o rito de acordar, cumprir horários e voltar para casa mais pobre de experiências a cada dia.

Heráclito (2002) de Martin Heidegger amplia nossa compreensão em vista: “o homem é a localidade da verdade do ser e, somente por isso, ele pode ser a errância errada do nada vazio. O homem é aquele que é à medida que constantemente não é o que é.” (2002, p. 382). Com este recorte podemos ver o quanto a teoria nos auxília na leitura crítica da obra de Ricardo Dicke: ao explorar um inalterável deixar ser, já anunciados pelo discurso formador de Heráclito, cujo propósito é depositar no homem a confiança pelo que se descobre, sabendo-se limitado enquanto quer impor verdade absoluta. A verdade do ser, entretanto, está, precisa do homem verdadeiro; daquele que espera e acena, silencia e fala com a mesma eloqüência. O silenciamento que contamina pretende a essência humana, é capaz do desvelamento enquanto abriga o velamento necessário em relação ao auto-conhecimento. Ora, se é característico do homem o uso da razão, o deixar-se da emoção, é na vontade que se concentra o esquecimento da subjetividade entregue a si mesma como forma de se chegar ao resguardo do ser. Se voltarmos ao romance, veremos que isso acontece com o protagonista que expia suas faltas anteriores, seu modus vivendi contrário à vontade particular com um retorno a si mesmo, ao guardar para si o mistério e viver a fantasia da vida. É uma convivência que contempla realização e abrigo no próprio homem. O que subjaz ao sujeito e é a essência volitiva peculiar ao ser segundo Heidegger, é a “re-presentação que apresenta tudo para si e se apresenta como o que domina todo o subsistente, o permanente, a armação.” (HEIDEGGER, 2002, p. 391). A vontade específica que assegura a dignidade da essência humana, por vezes causa estranheza, como observamos na narrativa de Ricardo Dicke, no qual o inabitual ganha o primeiro plano na expectativa de que haja o habituar-se do afastamento. A fim de transpor as estreitezas do pensar construído com as constringências, o homem abandona a ocupação e o pensamento com muitas coisas e reconhece que o saber em sua modalidade única está no a-se-saber. Engrandecer-se no humano é co-responder à atenção da palavra, da linguagem, do discurso que é único, intransferível, no anunciar que cada homem é capaz. Dar testemunho de vitalidade nesse sentido, corresponde a uma introdução sempre renovada se tivermos no “dizer” o tocante ao essencial. Justamente temos no texto de Dicke esse deixar o outro falar, aproximar-se da palavra sem arrogar-se o direito sobre ela oriunda de diversos matizes.

Repleta de questões, a narrativa traça e se impõe pelo ritmo pessoal. No ajuntar de saberes provenientes de uma vasto conhecimento das humanidades, encontramos o traço distintivo. É a maneira do escritor mexer com seu leitor, retirá-lo da pasmaceira, do despreparo habitando num mundo de cegueiras. A exemplo, temos: “neste ponto da Vida o que é a Vida? Neste ponto da Morte o que é a Morte? Neste ponto da Mulher o que é a mulher? Neste ponto do Homem o que é o Homem?” (DICKE, 1988, p. 60). Rio de horizontes, rio de eternidades, a compreensão se dá pelo inverso, pelos vagares muito rápidos e sobretudo por um calar mais que apropriado. Não o consentimento para as coisas bem definidas de um universo implantador de sentidos, porém, de um fechamento em mansidão; chave para adentrar-se no Lugar do Indizível a que aduz o narrador. Localizado neste, o personagem-escritor recolhe-se perante o horror da vida, dos crimes que se perpetram na Humanidade a caminho (em descaminho?) de um pensamento pegando fogo no mundo: de vacuidades enormes, inscrições sob as vastidões até que o Eu que urge entre e faça o Eu facinoroso deixar de existir.

Essas constatações nos levam ao pensamento de Max Horkheimer no livro Eclipse da razão (2002), o qual se preocupa em indagar desde o cerne o conceito de racionalidade que rege a cultura industrial contemporânea. Para este escritor, prevalece um sentimento geral de temor e desilusão devido ao alcance dos bens materiais seguida de perto pela desumanização crescente. A idéia de homem que se busca neste livro vai além de classificá-lo como o portador da razão, aquele que tem a força de decidir o que seja útil para si, capaz de inferir, deduzir, reduzir a complexidade das coisas e dos homens ao redor; eis o que o autor denomina de razão objetiva. Saindo da estrutura objetiva, a razão subjetiva dá conta da relação de um objeto ou conceito em vista com um propósito. Assim fundamentada, a razão objetiva desde Platão determina a vida, a idéia do bem supremo e o modo de realização dos fins últimos que acompanham o homem. Relegada a segundo plano, a razão subjetiva, o “dizer” subentendido da faculdade de falar; essa capacidade de calcular probabilidades e assim coordenar os meios corretos com um fim, é preterida pelo conceito de logos ou ratio, alicerce da razão objetiva, base para o conceito do sujeito pensante na sociedade ocidental.

O que Max Horkheimer coloca como crise do pensamento ocidental, diz respeito à inadequação da objetividade no uso da razão. Os sistemas filosóficos daí decorrentes, implicam numa convicção em descobrir estrutura totalmente abrangente do ser e com base nisso poder derivar uma concepção do destino humano. Já nos tempos de Montaigne, a razão se revela com uma tendência a dissolver seu próprio conteúdo objetivo, através de atitude conciliatória. A filosofia racionalista tinha como principal esforço formular uma doutrina do homem com função intelectual em substituição à religiosa do passado. Embora não tenha tido os resultados esperados, os sistemas filosóficos racionalistas, “foram apreciados como esforços para fixar o significado e as exigências da realidade e para apresentar as verdades que são comuns a todos.” (HORKHEIMER, 2002, p. 24). No entanto, ficava em voga a questão de atender ou a revelação ou a razão para se tratar de uma verdade suprema, nisso se fundava os conflitos. A razão sendo destrinchada em sua composição, cede sua independência e aí vira instrumento para se alcançar determinado fim. Cresce o papel da matemática, da ciência enquanto a razão subjetiva é vista como algo que se conforma a qualquer coisa, por isso menos importante. Com um poder de resistência, a razão subjetiva mostra a verdade como um costume e portanto a despe de sua aura espiritual, como pretende os cultores da razão objetiva, sempre em busca de um sentido inerente nos homens, nas coisas.

A experiência humana que o autor do Eclipse da razão quer esboçar, é uma experiência muito próxima do que encontramos em Último horizonte. É a amostragem da aflição do sujeito na efervescência da própria incapacidade de atingir uma ordem objetiva, pois ela não condiz com o que lhe vai por dentro, não explica sua realidade em tudo e por tudo conturbada. Apreender os fatos parece mais honrado que refletir sobre eles, o que ocasiona uma tensão entre o postulado moral e a realidade social. A reificação na sociedade organizada tornou-se instrumentalização da atividade humana feita mercadoria, é o lucro, a rentabilidade a mola mestra para se lidar com o humano. Na tentativa de extrair uma filosofia dessa visão das coisas, o pragmatismo tenta se valer por si quando adota a opinião de que uma idéia, um conceito ou uma teoria nada são se não levarem à ação. A verdade, para esse pensamento, é algo que funciona mais; os meios certos e o fins esperados são a tônica dessa filosofia cujos resultados da experiência podem atuar sobre a conduta humana.

Horkheimer entra na discussão sobre as possíveis soluções também em conflito a cerca do declínio do pensamento filosófico. A filosofia moderna passa à ciência o papel da especulação, nisso próximo ao que Platão pensava ao querer transformar os filósofos em governantes. Salvar a humanidade em ambos os sentidos, é submetê-la às regras e métodos do raciocínio científico. Seja no pragmatismo, seja numa neoreligiosidade, temos a tentativa de estabelecer princípio absoluto como poder real ou vice-versa, mas procurando sempre a identidade com o bem, a perfeição, a realidade para explicar o homem. Como são os resultados que se buscam nessa visão objetivista, o conhecimento é medido pela lógica; a ciência moderna reifica a vida em geral ao contemplar o mundo como mundo de fatos e coisas, esquecendo que eles são relacionados a um processo social. Os intelectuais neste caminho, cometem um crime contra a sociedade conforme Horkheimer por sacrificar as contradições e complexidades do pensamento às exigências do senso comum; pela hostilidade a tudo que se refira ou queira-se estranho. Nisto se dá o declínio intelectual pois, há a pretensão de adaptar a humanidade ao que a teoria reconhece como realidade; cada facção pretendendo expressar uma verdade, distorce-a procurando torná-la exclusiva.

Quanto à abordagem da natureza no eclipse que nos ocupa, passa-se do domínio do objeto, sua explicação, aplicabilidade até a liquidação do sujeito que deveria usá-lo. Nisto equivalem-se a dominação da natureza e a do homem. Os menores gestos, os atos formais ou informais são tratados pelo viés da potencialidade funcional. Desta forma, a civilização vai integrar uma revolta da natureza como outro meio ou instrumento. Temos então a autopreservação do indivíduo através das exigências de preservação do sistema, fazendo do comportamento subjetivo, o ajustamento que aparenta independência, sendo contudo, um paralelo de passividade. É enganoso olhar com entusiasmo a falsa multiplicação de escolhas quando a mudança de qualidade se houver, é para menos, é reducionista, muda-se o caráter de liberdade. Adaptar-se (fazer-se igual ao mundo dos objetos) é o novo ritmo da humanidade moderna para quem a natureza foi despojada de todo valor ou significado intrínseco e o homem de todos os objetivos que possam lhe explicar, a não ser o de auto-conservação. Desde a adolescência o conflito aparece pela ligação entre razão, eu, dominação e natureza; assim o caráter do indivíduo se bifurca pela opção entre resistência ou submissão, tendo à espreita para entrar em ação o impulso mimético. O que Horkheimer coloca como auxílio à natureza é libertar seu pretenso opositor: o pensamento independente.

A ascensão e o declínio do indivíduo no pensamento do alemão, se inicia com a crise da razão. No passado, um instrumento do eu, na modernidade, torna-se irracional e embrutecida por visar a autopreservação a todo custo. Observar o sujeito compreender sua própria individualidade significa vê-lo como ser humano consciente, reconhecendo sua identidade. Quando o sujeito começa a pensar em si mesmo como a mais alta de todas as idéias, ocorre a dissociação entre o indivíduo e a comunidade, portanto, do ideal e do real. Dentro desta perspectiva “o homem emergiu como indivíduo no momento em que a sociedade começou a perder a coesão e ele tornou-se consciente da diferença entre sua vida e a da coletividade aparentemente eterna.” (HORKHEIMER, 2002, p. 139). Na contemporaneidade, destaca-se as inúmeras oportunidades que cercam o indivíduo contrapostas às probabilidades concretas cada vez mais rareadas. Vem a imitação, a verdade enquanto instrumento para dominar a natureza e da totalidade que resume a sociedade, no que depreendemos o declínio da individualidade.

Em dias que a existência humana é medida pela eficiência, produtividade e planificação, a queda do indivíduo acontece graças a atual estrutura e conteúdo da mente objetiva; ainda os meios da cultura de massa servem de reforço às pressões sociais sobre o sujeito imerso na dissolução de sua individualidade. Privado da espontaneidade, o homem da resistência não se dobra à conquista e à opressão e luta para ter sua humanidade preservada no respeito pela diferença. O papel da filosofia nesta conquista, na concepção de Horkheimer é entender e fazer valer o método da negação, denunciar o que mutila a espécie humana e impede seu livre desenvolvimento, é obter confiança no homem emanciapado das amarras supersticiosas e ultraracionais.

É patente na Literatura de Ricardo Guilherme Dicke uma visão da existência que perdeu seu significado objetivo. A condição humana a qual nos referimos, exerce fascínio no que tem de contrário ao determinado, de obediência à regras e medidas; o destapar a caixa de Pandora, significa neste contexto, deparar-se com a própria imagem de forma inconclusa, com todos os percalços oriundos deste gesto. Os males daí decorrentes surgem no sujeito e se espalham pelo ambiente de uma noite desigual, mas sem uma esperança ao fundo que possa dar cabo do inusitado. No entanto, não podemos afirmar categoricamente que se trate de uma imagem pessimista da humanidade nesta narrativa, é antes a abordagem de um universo refratário a igualdade, até mesmo a absoluta.

Entre o sujeito e ele mesmo, o temor e a desilusão apontados por Max Horkeheimer, declaram a desumanização em Dicke, combatida por meio da discordância em aceitar-se como fiel da balança; sujeitar-se a cumprir um propósito, servir a uma finalidade. Vemos o homem em declínio quando um personagem se recusa a ouvir seu interlocutor, fazer valer apenas seu pensamento, prevalecer-se sobre o outro, correspondência de si. Na mesma proporção, o protagonista, vítima e algoz, se encontra num estado de inadequação para o que há de objetividade e se põe numa concepção de destino afinada com a discussão do que venha a ser verdade, bem como se essa verdade pode ser entendida comum aos demais personagens. Ressaltemos que o lado prático da deambulação de Último horizonte não é superestimado, quase serve somente à reflexão, ao pensamento ponderado dos seres ficcionais que olham no horizonte sem reservas.

De início, o que parecia simples coincidência, uma noite sem sono que levou a um pensamentar mais eloqüente, perfeitamente explicável e base de uma funcionalidade, sai de controle, sai do domínio das mãos dos personagens e aí não se discute o bem ou a perfeição universalizante. A boa imagem do sujeito é interrompida para alcance do homem. É o momento das contradições, do sentir-se a mais no mundo, ódios ressaltados e a dor da consciência da culpa por não ter agido de acordo com o que considerava uma verdade inquestionável: ser uma pessoa comum, portanto, única, insubstituível. O caráter de complexidade dessa longa noite, os embates com os conhecimentos acumulados, diz muito do homem obrigado a conviver, a abstrair-se na estranheza a fim de tentar independência criativa. Se retificarmos com o álibi da passividade daquele, teremos uma luta muito mais velada que concreta pela recusa em adaptar-se, pelo querer, mesmo de forma amena um pensamento independente. Toda a discussão do livro Eclipse da razão, auxilia a estudar a ficção de Ricardo Dicke por meio da vertente dúplice do que vem a ser resultado ou reflexão. Desejar um e rejeitar o outro aspecto, a fuga da idéia de ser instrumento hábil de uma totalidade é o que leva a pessoa a expor pontos de vista, deixar rastros de indignação e assim expressar a espontaneidade, coluna vertebral da emancipação do humano que a Literatura procura valorizar enquanto doadora e receptora de vida.

Segue do exposto que a perquirição é uma tendência geral permanente no universo literário do escritor de Mato Grosso. Preocupações como: “o que alcançar, a vida tinha algum fundamento oco branco, sem bronca, sem broto, sem nada?” da mesma forma surge o indagar na brancura da cal de Caieira (1978), homens que juntam sua escuridão interior com as reivindicações no trabalho insalubre por condições de vida mais dignas. Que fundamento é esse com o qual se inquieta o narrador de Último horizonte? Seria a falta, a intersecção o dimensionar da existência? São alguns dos emolumentos que o leitor pode adquirir desse livro cuja sensaboria com a explicações racionalizantes tem por mérito redirecionar.

Pautado por uma luminosidade ofuscante, o eu do romance identificado por Jerombal, tem pressa apenas em atingir a sensibilidade, anela extravasar os desejos dos sentidos entrepostos nas horas que se derramam, nos minutos desimportantes de um agora sem acaso nem conseqüência que entorpeça. Parado na biblioteca ou em Veneza ou mesmo na Alta Idade Média, o homem desse romance é o mesmo de todos os tempos e espaços que se lançam num desdobrar da própria importância. Aí é inevitável perguntas como, o que fazer de si? Nos escombros da memória, há salvação? Essa salvação seria em função de quê? De quem? Ricos de esquecimento; intermitências de caos e ordem, o narrador e a moça Kabira formam um duo que se complementa pelo pensamento, pelo corpo numa entrega embevecida de Literatura e Música. O trato com o mundo se dá nesse ninho de sossego, eles dividem aquela compreensão à verdade escondida no interior dos corações. Antes porém, é de sofrimento o chão necessário. É, numa noite, ter a experiência de muitas vidas com todas as fugas temporárias do corpo no horizonte que é derradeiro, mas é inaugural. Trata-se de uma noite, que alguns entendem como dia, entretanto, é o escuro propiciador de uma experienciação vizinha do mar, a liberdade e o sonho que forma, desforma o homem e o texto de Ricardo Dicke consegue abordar de maneira convincente. Sonho maior que o mundo? Desejo de glória, brilho fácil e acessível? Último horizonte se torna um convite de leitura às demais obras deste escritor que tem no manejo literário a facilidade da pergunta e a ansiedade da resposta.

Fonte:
http://www.literaturamt.com/Prosa-baixar/LITERATURAMT%20sobre%20Dicke.doc

quarta-feira, 9 de julho de 2008

Antonio Ozaí da Silva (Ler faz bem ou mal?)

“Minha vida tinha tomado o caminho errado, e meu contato com os homens não era mais do que um monólogo interior. Havia descido tão baixo que, se tivesse que escolher entre ficar apaixonado por uma mulher e ler um bom livro, eu preferia o livro”. (Nikos KASANTZAKIS, 1978: 97)

“Há portanto, na biblioteca mesmo, livros que contêm mentiras...” (Umberto ECO, 2003: 45)

“Esses monges talvez leiam demais, e quando estão excitados revivem as visões que tiveram nos livros”. (Id., 117)

“Até então pensara que todo livro falasse das coisas, humanas ou divinas, que estão fora dos livros. Percebia agora que não raro os livros falam dos livros, ou seja, é como se falassem entre si”. (id., 277)

“Eu amo (...) a humanidade, mas admiro-me de mim mesmo. Tanto mais amo a humanidade em geral, quanto menos amo as pessoas em particular, como indivíduos”. (DOSTOIÉVSKI, 1970: 48)

“Chegamos a tal ponto que a “vida viva” autêntica é considerada por nós quase um trabalho, um emprego, e todos concordamos no íntimo que seguir os livros é melhor”. (DOSTOIÉVSKI, 1992: 185)

Caro (a) leitor (a), para evitar qualquer mal-entendido, confesso, de livre e espontânea vontade, que sou apaixonado pelos livros, especialmente pela literatura. Sou daqueles que preferem manusear os livros diretamente nas estantes da biblioteca à consulta tranqüila e bem-acomodada diante do monitor do computador. Sou daqueles que se deliciam em passar horas a visitar as livrarias e folhear os livros; do tipo que passa horas em sebos, procurando raridades e autores preferidos. Dessas visitas aos antigos e sebosos, fico com os olhos lacrimejantes e vermelhos, o corpo cansado e impregnado de pó. O esforço é imenso. Mas, suprema alegria!, descubro um livro que vale a pena ler! Como é grato e nos enche de contentamento descobrir, em meio aos milhares de exemplares, um livro que nos chama a atenção, que nos convida à leitura ou simplesmente contribui para o nosso engrandecimento intelectual.

Sou apaixonado pela palavra e me deleito com a beleza e criatividade manifesta na construção de uma frase e de uma descrição bem elaborada. Forma e conteúdo amalgamam-se e nos remete para além do nosso ser. Às vezes, no ato da leitura, detenho-me com admiração diante das palavras esculpidas no papel. Sim, trata-se mesmo de uma obra de arte! São palavras que marcam profundamente o ser, que nos fazem refletir sobre a beleza e a simplicidade do viver.

Mas não imagine o leitor que se trate de afetação ou apego ao rebuscamento da linguagem. Com efeito, o embaraço lingüístico é, em geral, um exercício de arrogância, de pose acadêmica, relacionado à necessidade do intelectual em querer firmar-se pelo status. É, usando um termo orwelliano, a soclíngua, um sociologismo que apenas atesta falta de ininteligibilidade. Como ensina Mills (1982: 235):

Escrever é pretender a atenção dos leitores. (...) Escrever é também pretender para si um status pelo menos bastante para ser lido. O jovem acadêmico participa muito de ambas as pretensões, e porque sente que lhe falta uma posição pública, com freqüência coloca o status acima da atenção do leitor a quem se dirige. (...) O desejo do prestígio é uma das razões pelas quais os acadêmicos escorregam, com tanta facilidade para o ininteligível”.

Também o velho acadêmico, por arrogância ou falta de criatividade, procura impressionar pela erudição. É o discurso professoral em ação. Este parte do pressuposto que quanto mais incompreensível, mais inteligente parecerá. E, o pior, os consumidores deste falatório sem sentido, pretensamente erudito e filosófico, são seus cúmplices. É um discurso incompreensível que se derrama na ignorância do outro e que parecerá mais imponente na proporção em que reduz este à condição de asno ou papagaio. Isso sem falar na mixórdia panfletária...

Prefiro a literatura aos escritos sisudos, chatos e ininteligíveis dos teóricos metidos a filósofos, sociólogos e outros pertencentes à fauna das Ciências Humanas. Admiro, sobretudo, a capacidade dos que escrevem de maneira bela e inteligível sobre a complexidade da vida. Os que expressam as tragédias e alegrias humanas, com as quais, em qualquer época e lugar, nos identificamos. No fundo, mudam os tempos, os costumes e os governos, mas, em essência, permanecemos os mesmos. Daí a admiração em relação a estes autores que compreendem a alma humana. Seus personagens nos dizem respeito; é da vida que eles nos falam.

A literatura arrebata o espírito e nos permite um aprendizado prazeroso em todos os aspectos: histórico, político, social, cultural etc. Como não se enredar com os escritos clássicos? Seus personagens, contextos e descrições, nos fazem viajar no tempo: a imaginação vagueia saborosamente nos recônditos do ser humano e seus dilemas; em nossos devaneios, nos identificamos com os seus personagens, suas misérias e alegrias.

Como não se emocionar com o sofrimento de Anna Karênina (Tolstoi) e também com a sua coragem em enfrentar a hipócrita sociedade da sua época? Como passar incólume diante dos personagens de Dostoiévski, expressão dos dilemas humanos diante do mal e do bem? Como não se admirar ante a ambição desmedida de Luciano (Balzac) e Julien Sorel (Stendhal)? Como não se comover com o trágico desenlace da trajetória de ascensão e queda deste filho de camponês, que tão bem expressa as contradições sociais e os preconceitos elitistas contra os que vêm de baixo – ou mesmo o sentimento de desgarrado dos que ascendem socialmente, mas tem a consciência das suas raízes sociais? Como não sentir admiração ante a luta hercúlea de Gilliatt (Victor Hugo) contra a natureza impetuosa e o preconceito? Que dizer então do relato sobre a viagem de Dante Alighieri às profundezas do inferno? Não é admirável tamanha imaginação para descrever o indescritível? E qual mente fértil poderia nos remeter para o absurdo de Gregor Samsa, metamorfoseado num inseto monstruoso, ou o processo contra K., senão a de um escritor criativo como Franz Kafka? E, ainda, a simbiose entre política, religião, história e mistério, no envolvente O Nome da Rosa, de Umberto Eco? E Marguerite Duras, Milan Kundera e Vladimir Nabokov não são exemplares na arte de descrever as complexas relações homem-mulher em idades e situações tão díspares? E a capacidade dos nossos autores maiores em contextualizar a realidade socioeconômica do povo brasileiro e desvendar os liames que explicam o fosso abismal entre a opulência da elite e a miséria da populaça? É possível ler Machado de Assis e Lima Barreto, por exemplo, e não se indignar com a nossa elite, os políticos e o bacharelismo insolente?

Sou, portanto, insuspeito de não gostar dos livros, de não querê-los bem ou de desestimular os leitores. Contudo, como o personagem de Nikos Kazantzakis, não quero tornar-me um “camundongo comedor de papiros” e sucumbir à realidade dos livros. Receio que a vida, em toda a sua plenitude, com o belo e o horripilante, o bem e o mal, o agradável e o execrável, as pequenas alegrias e as enormes tristezas etc., se esvaeça e se restrinja ao mundo imaginário e fantasmagórico dos personagens e situações descritas nos livros:

Eu que tanto amava a vida, como me havia deixado petrificar por tanto tempo numa confusão de livros e papéis enegrecidos! Nesse dia de separação, meu amigo ajudou-me a ver claro. Senti-me aliviado. Conhecendo agora minha desgraça, poderia talvez vencê-la com mais facilidade. Ela não era mais esparsa e incorpórea; tinha agora um nome, havia tomado corpo e ficou fácil para mim lutar contra ela”. (Kazantzakis, 1978: 06)

Nesta perspectiva, há a tentação de fugir da realidade e substituir o concreto pela abstração da linguagem, dos conceitos e noções. Este tipo de leitor prende-se ao mundo das idéias. Seu espírito é arrebatado à concretitude da vida. Com afirma Léon, em Madame Bovary:

É que não se pensa em nada (...), e as horas passam. Sem se sair do lugar, passeia-se por países imaginários, e o pensamento, enlaçando-se com a ficção, demora-se em pormenores, segue o contorno das aventuras. A gente roça pelos personagens e até parece que se palpita sob os seus trajes”. (Flaubert, 2003: 102-103)

E então esquecemos de nós próprios e mergulhamos no mundo dos livros. Quando emergirmos ainda nos vemos atados à ficção. Sorte de quem percebe o risco do delírio causado pelo excesso de leituras ou tem um amigo que lhe adverte do mal que padece. Na pior das hipóteses, quando o leitor desgarrou-se da realidade mundana para viver no mundo dos livros, devemos procurar compreender sua insanidade e agirmos ao modo de Sancho Pança. Com efeito, os fissurados em livros revivem o personagem clássico criado por Miguel de Cervantes: Dom Quixote. Este, de tanto ler, enlouqueceu:

Em suma, tanto naquelas leituras se enfrascou, que passava as noites de claro em claro e os dias de escuro em escuro, e assim, do pouco dormir e do muito ler, se lhe secou o cérebro, de maneira que chegou a perder o juízo. Encheu-se-lhe a fantasia de tudo que achava nos livros, assim de encantamentos, como pendências, batalhas, desafios, feridas, requebros, amores, tormentas, e disparates impossíveis; e assentou-se-lhe de tal modo na imaginação ser verdade toda aquela máquina de sonhadas invenções que lia, que para ele não havia história mais certa no mundo”. (Cervantes, 1978: 30)

Se rirmos com as peripécias do Cavaleiro da Triste Figura, em seu mundo fantasioso e suas batalhas contra os moinhos de ventos e criaturas que só existem em sua cabeça, nos irritamos e tendemos a nos afastar dos que agem como o Dom Quixote. O personagem da vida real, o Dom Quixote contemporâneo, nos enlouquece de tanto falar sobre livros e teorias. Seus assuntos giram em torno de um mundo deslocado da realidade, e esta só se apresenta para ele através dos livros. Tal qual o fanático religioso, político ou futebolístico, ele tem dificuldade de se relacionar com indivíduos que não comunguem da sua compulsão, que, em sua visão, não se encontrem preparados para conversar sobre os temas que ele considera importantes. No limite, ele chega a desprezar os que não lêem livros, ou os seus livros, e não os considera inteligentes o suficiente para entabular um diálogo proveitoso. Seu mundo restringe-se aos livros e aos que compartilham da sua mania de conversar sobre os livros. Ele não percebe o quanto é vítima da bolha protetora que construiu ao seu redor. E se os outros se afastam por não suportarem a sua chatice, os seus “papos cabeça”, ele se fecha ainda mais em seu círculo imaginário. Para ele, os outros são alienados que só sabem falar sobre a pequenez da vida humana. Em seu delírio, os homens e mulheres, mortais e simples, não merecem a sua palavra. Não porque ele, necessariamente, tenha preconceitos, mas sim porque, do alto da sua inteligência, ancorada nas leituras, lhe parece que o outro nunca o compreenderá e, portanto, não vale a pena gastar o seu precioso tempo com este.

O leitor obsessivo sacraliza os livros, transforma-os em seu código de conduta, seu assunto permanente, faz desta relação uma espécie de culto ao erudito. Mesmo quando parece dialogar sobre as coisas mundanas, na verdade ele estabelece um monólogo cujo referencial não é o outro, mas as suas leituras. Ao seu interlocutor resta aceitar seu dissertar ou correr o risco de confrontá-lo com o silêncio ou a objeção. Esta, desde que inserida nos termos do discurso livresco, pode ser aceita. Mas não se tente, em hipótese alguma, arrancá-lo dos seus devaneios, das suas abstrações conceituais, que lhe parecem tão importantes...

Muitos dos que amam excessivamente os livros sofrem muito se os separam deles – quem sabe até mais do que se os afastam dos amigos ou familiares. Em seu êxtase, os livros se tornam o mais importante, o essencial, e as relações humanas reais seus apêndices:

Deixa-nos sozinhos, sem um livro, e imediatamente ficaremos confusos, vamos perder-nos; não saberemos a quem aderir, a quem nos ater, o que amar e o que odiar, o que respeitar e o que desprezar. Para nós, é pesado, até, ser gente, gente com corpo e sangue autênticos, próprios; temos vergonha disso, consideramos tal fato um opróbrio e procuramos ser homens gerais que nunca existiram. Somos natimortos, já que não nascemos de pais vivos, e isto nos agrada cada vez mais. Em breve, inventaremos algum modo de nascer de uma idéia”.(DOSTOIÉVSKI, 1992: 185-186)

O homem do livro, tal qual o Cavaleiro Andante, vive as aventuras imaginárias e é nestas que busca argumentos para se contrapor ao real; suas batalhas são fictícias. A vida real lhe aparece enquanto uma teoria a ser desvendada, um argumento a ser abstratamente construído e expresso em palavras. Sua loucura é racionalizada, pois que se fundamenta na realidade dos livros. Porém, ao contrário do personagem de Cervantes, seu mundo se restringe ao seu escritório e à sua relação amorosa com os livros. Dom Quixote abandonou a casa e os livros e foi viver a sua fantasia em andanças pelo mundo real. Em suas aventuras, ele se mostra mais virtuoso do que o melhor leitor isolado em sua torre de marfim. A este é fácil o combate, pois lhe parece que do seu escritório, à frente dos seus livros e do teclado do computador, ele derrotará todos os que ousam se insurgir contra as suas verdades. Eis uma enorme diferença: ainda que louco Dom Quixote correu riscos reais para defender a sua loucura. Simbolicamente, ele expressa a luta dos que combatem, sob o risco da própria vida, os moinhos de ventos, isto é, realidades que estão diante dos nossos olhos e poucos conseguem enxergá-las. O Dom Quixote contemporâneo é um chato, comprometido apenas com idéias abstratas, quando muito efetivadas em debates inférteis e insuportáveis, sem qualquer vínculo com a realidade mundana.

O Dom Quixote moderno adora dançar o “balé dos conceitos”.[1] Seu gozo consiste em falar, falar e falar... Ele se realiza em conversas literárias. Ele acredita que a obra literária é incondicionada, “que existe em si e por si, agindo sobre nós graças a uma força própria que dispensa explicações”. Elitista em sua formação e estrutura de pensamento, ele imagina que o escritor clássico é uma espécie de gênio da humanidade, cuja originalidade decorre de uma “virtude criadora” e “misteriosamente pessoal”. (Candido, 2000: 67) Ele romantiza a literatura, desvincula-a do contexto histórico, das condições que influenciam mutuamente escritor e leitor. No fundo, ele se imagina um gênio em potencial.

Ler é essencial, prazeroso e nos faz bem. Porém, pode fazer muito mal. Depende da nossa capacidade de interagir com a realidade que nos cerca, de não nos deixarmos cair na tentação elitista e desconsiderar o mundo e a cultura não erudita. Afinal, por mais que nos envolvamos com a literatura, o real é mais cruel do que as crueldades encontradas nos livros; e a miséria humana não se restringe às palavras e conceitos. Triste do leitor que se deixa extasiar a ponto de, como Dom Quixote, se transplantar para um mundo abstrato e imaginário. Triste de quem prefere lidar com as palavras a lidar com os homens e mulheres que pronunciam as palavras – ainda que estas não sejam agradáveis aos seus ouvidos. Afinal, como diria o filósofo Zorba, de que nos serve todos os livros se permanecemos sem respostas para os dilemas mais simples que dizem respeito à vida e à morte?
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[1] Isto se traduz na atitude do intelectual especialista e descomprometido com a realidade social e política que o cerca. Como assinalamos em “Os intelectuais diante do mundo: engajamento e responsabilidade”, este típico intelectual tende a separar a palavra do mundo, o conceito da realidade. Nele, as palavras dissociam-se da vida real, das contradições, sofrimentos e esperanças dos que vivem o mundo. Como afirma Paulo Freire: “Em última análise, tornamo-nos excelentes especialistas, num jogo intelectual muito interessante – o jogo dos conceitos! É um “balé de conceitos”. (Freire e Schor, 1986: 131)
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Sobre o Autor
Docente na Universidade Estadual de Maringá, doutorando nem educação (FEUSP) e membro do Núcleo de Estudos de Ideologia e Lutas Sociais (NEILS-PUC/SP). Editor da Revista Espaço Acadêmico, da UEM.
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Fonte:
Revista Espaço Acadêmio - nr. 35 - abril/2004 - Maringá:UEM.
http://www.espacoacademico.com.br/