terça-feira, 22 de julho de 2008

Manoel Antônio de Almeida (Memórias de um Sargento de Milícias)

1. Enredo

Leonardo, o futuro sargento de milícias, filho de Leonardo-Pataca e de Maria -da-Hortaliça, é o resultado das pisadelas, beliscões e outros atos similares praticados pelo casal de imigrantes portugueses durante a travessia do Atlântico rumo ao Rio de Janeiro.

Maria-da-Hortaliça sente enjôos logo ao desembarcar e sete meses depois nasce um robusto menino, batizado com o nome do pai. A parteira - a comadre - e o barbeiro - 'de defronte' foram os padrinhos do herói, que passa junto aos pais os primeiros anos da infância. Leonardo-Pataca, que se tornara meirinho, confirma certo dia as suspeitas de que sua mulher não mantinha a mesma fidelidade que durante a viagem.

Em conseqüência, briga com ela, expulsa de casa o garoto com um enérgico pontapé e sai em busca de consolo. Ao retornar à tarde, em companhia do compadre e padrinho do menino, é informado de que Maria-da-Hortaliça, saudosa da pátria, tinha fugido e embarcado novamente, rumo a Portugal, a convite do capitão de um navio que partira pouco antes. Logo a seguir, Leonardo-Pataca vai viver com uma cigana, que, por sua vez, também o abandona.

Enquanto isso, Leonardo, o filho, adotado pelo padrinho, que muito se afeiçoara a ele, vai crescendo e a cada dia se revela mais briguento e travesso, prenunciando futuros envolvimentos com o famoso major Vidigal, que era o terror de todos os malandros e baderneiros da época.

O padrinho, com infinita paciência, tenta encaminhar o menino na prática da religião para qual este não revela grandes pendores. Coloca-o na escola e o ensina a ajudar a missa. Se na escola se revela um péssimo aluno e colega, na Igreja da Sé, onde consegue ser sacristão, vê a melhor oportunidade para grandes travessuras, como o experimenta o mestre-de-cerimônias. Este, um padre de meia idade, virtuoso por fora, mas bastante diferente por dentro, envolve-se com uma cigana, a mesma, aliás, com quem Leonardo-Pataca vivera depois da fuga de Maria-da-Hortaliça. O sacristão se vinga das reprimendas que sofre por suas constantes travessuras levando os fiéis a tomarem conhecimento dos fatos, o que faz com que seja expulso e deixe a igreja da Sé.

Para desgosto do padrinho e da madrinha, que queriam encaminhá-lo em uma profissão, Leonardo não demonstra qualquer interesse. Prefere a vida livre da vadiagem e das brincadeiras. Certo dia, em casa de Dona Maria, uma mulher das vizinhanças, conhece a sobrinha desta, Luisinha, sua futura mulher. Até que o casamento se realizasse, porém, muita coisa, iria acontecer. Leonardo-Pataca, depois de vencer o mestre-de-cerimônias na disputa pela cigana, é abandonado novamente por esta e passa a viver com a filha da parteira, Chiquinha. Daí nascem uma filha e grandes confusões, pois Chiquinha e Leonardo se detestavam e a parteira é chamada continuamente para serenar os ânimos. Por esta época aparece em cena José Manuel, um rival do futuro sargento de milícias em seu amor por Luisinha. Apesar dos esforços da comadre para afastá-lo do caminho, ela não tem sucesso. Além disso, a morte do padrinho e as contínuas brigas com Chiquinha fazem com que Leonardo saia de casa e passe a vagabundear pelos subúrbios da cidade, quando conhece Vidinha, uma mulata sensual, de olhos pretos e lábios úmidos, pela qual se apaixona imediatamente. Como Vidinha tinha outros pretendentes, cria-se grande confusão, o onipresente major Vidigal intervém e Leonardo consegue fugir, deixando-o furioso. Mas a vida continua e, com proteção da comadre, o Leonardo entra para as hostes do major Vidigal, não revelando, naturalmente, grande amor por esta nova profissão e passando boa parte de seu tempo na prisão por indisciplina. Sempre com a proteção da comadre, que recorre à ajuda de Maria Regalada, um antigo amor de Vigida, Leonardo supera todas as adversidade, chegando ao posto de sargento de milícias.

Assim, o final feliz se aproximava. José Manuel, o rival de Leonardo no amor por Luisinha, revela-se péssimo marido e, além do mais, morre providencialmente, deixando-a viúva e livre para casar com o sargento de milícias. Passando o tempo indispensável do luto, Leonardo, em uniforme da tropa, recebe Luisinha como mulher, na mesma igreja da Sé que fora palco de suas grandes travessuras como sacristão.

2- Personagens principais

Leonardo
De menino traquinas, sempre pronto para fazer travessuras e vingar-se de quem não o suportava, passa a sargento de milícias, posto de grande responsabilidade, o que caracteriza a trajetória desordenada e contraditória de um personagem que não controla o meio em que se envolve e vai, pelo contrário, deixando-se levar por ele. Leonardo é, indiscutivelmente, a figura central do enredo, apesar de muitas vezes ser ofuscado pela ação de outros personagens.

Leonardo-Pataca
Tendo conseguido chegar a meirinho, o que lhe garante uma vida de ócio, Leonardo-Pataca é apresentado como o infeliz que é perseguido sempre pela má sorte na vida pessoal, má sorte que, na verdade, é resultado da pouca inteligência e do excesso de sentimentalismo amoroso. Mas a velhice o acalma e, afinal, encontra a paz ao lado de Chiquinha.

A comadre
Como parteira, a comadre faz uso da influência e das informações que obtém no exercício de sua profissão para organizar o mundo segundo interesses. Nem sempre é bem-sucedida, mas a sorte a favorece e consegue ver o afilhado bem casado e na posição de sargento de milícias.

O compadre
De bom coração, apesar do famoso arranjei-me, o compadre, o compadre afeiçoa-se a Leonardo, no qual parece identificar-se, pois também fora um menino abandonado que tivera que enfrentar a vida sozinho. Não vive o suficiente para ver o final feliz do afilhado.

Vidigal
O terror dos malandros e vagabundos, 'o rei absoluto, o árbitro supremo' e o distribuidor dos castigos em uma sociedade em que a polícia ainda não estava organizada, o major é visto de forma simpática, principalmente porque termina sendo uma peça fundamental para que o destino de Leonardo, o herói central, se encerre de forma favorável.

Vidinha
A 'mulatinha de 18 a 20 anos...de lábios grossos e úmidos' é o primeiro personagem da ficção brasileira que aparece o estereótipo da mulata sensual que enlouquece os homens com sua vida e sem compromissos.

3- Estrutura narrativa

Memórias de um sargento de milícias, a história do filho 'da pisadela e de um beliscão', é narrado em 48 capítulos por um narrador onisciente que orienta a leitura ao longo de toda a obra apontando e comentado as intrigas, os sucessos e os fracassos dos personagens. Se a estrutura narrativa é frágil e pouco organizada, dados os constantes saltos no tempo e no espaço, os comentários do narrador, ora humorísticos, ora irônicos, lhe dão inegável unidade, em que pesem alguns lapsos, como é o caso do personagem Chiquinha, apresentada às vezes como sobrinha e às vezes como filha da comadre.

Toda a ação do romance se desenvolve no Rio de Janeiro, 'no tempo do rei', isto é, entre 1808 e 1821.

4- Comentário crítico

Esquecido durante muito tempo, reavaliado positivamente a partir de 1920, Memórias de um sargento de milícias sempre constituiu um problema para a visão tradicional da crítica literária brasileira, que, quase sempre mais preocupada, em rotular e catalogar as obras a partir das concepções idealistas próprias da periodização por estilos [romantismo, realismo, etc.] sentia-se pouco à vontade diante da irreverência e da desordem próprias de Manuel Antônio de Almeida. Irreverência e desordem que fizeram e fazem de Memórias de um sargento de milícias um dos romances mais lindos de toda a ficção brasileira do século.

Como tantos outros romances de sua época, a obra de Manuel Antônio de Almeida foi publicada originalmente em folhetins de jornal. Cada um de seus capítulos, à semelhança das modernas telenovelas, devia provocar no leitor a curiosidade sobre o desenrolar subseqüente da história.

Mas as semelhanças entre AM e os romancistas brasileiros seus contemporâneos terminam aí. Ao contrário destes, que construíram mundo ideais, impregnados dos valores da classe dominante brasileira da época, AM centra sua atenção sobre um grupo social específico que poderia ser identificado, forçando um pouco a expressão, como a classe média do Rio de Janeiro de então.

Eram os homens livres, que, não sendo escravos mas também não dispondo de poder econômico e político, viviam, ou sobreviviam, de acordo com suas possibilidades, numa espécie de zona de penumbra na qual os limites entre os valores da ordem vigente e da marginalização completa se tornavam bastante tênues.

Por retratar com certa objetividade os costumes e hábitos deste grupo social, o romance de MAA foi qualificado, ainda no século passado de realismo. Mais tarde, por volta de 1920, ao ser reavaliado, o Memórias de um sargento de milícias foi considerado um romance picaresco a partir do argumento de que possuía as características das obras de ficção européia dos séculos XVI e XVII assim denominadas: ausência de critérios morais rígidos, um herói central de origem social pobre, uma visão de mundo ingênua e ao mesmo tempo satírica, etc.

Mas a definição não vingou, principalmente porque há uma diferença fundamental entre Leonardo e os heróis do chamado romance picaresco europeu: sua vida se limita ao espaço dos homens livres do século XIX, sem transitar através de vários grupos sociais. Além disto, ciente da ineficiência dos rótulos e catalogações da crítica tradicional, a concepção que predomina hoje na análise da obra de MAA é a que, a partir de uma perspectiva histórica, vê em Leonardo o primeiro grande 'malandro'
da ficção brasileira.

De fato, 'no tempo do rei' a ordem social definia-se a partir de dois pólos extremamente rígidos: o escravo e o senhor-de-escravos. No meio, os homens livres sem poder econômico e político representavam um grupo restrito mas, certamente, de alguma importância em termos sociais. Sua ação era definida fundamentalmente a partir da necessidade de sobreviver através de expediente raramente ligados a uma atividade econômica específica. Caracterizavam-se antes por exercerem ocupações ocasionais, pequenos serviços e alguns cargos burocráticos subalternos: vendeiro, barbeiro, parteira, miliciano, sacristão.

Leonardo, típico representante deste setor, tem como alternativa desempenhar um destes papéis. Não chega, a rigor, a optar por um ou por outro. Vê-se, antes, obrigado pelas circunstâncias, a aceitar ora esta, ora aquela ocupação. Já de início, o compadre e a comadre, seus tutores, desejam para ele uma carreira de mais destaque: advogado, padre ou algo semelhante. Leonardo desaponta-os. Pensa em casar com Luisinha, moça de certas posses. Ela, porém, escolhe alguém de nível social superior. Por fim, o 'malandro' Leonardo vê-se obrigado a entrar para o serviço militar. Não se adapta à nova carreira mas, depois de muita confusão, Vidigal, o terrível major, símbolo da ordem constituída, incumbe-se de salvar-lhe a pele e coloca-o no confortável posto de sargento de milícias. Isto não seria estranhável não fosse o fato de que a artífice de tudo é Maria Regalada, a mulher que já fora de 'vida fácil', ou seja, uma típica representante da desordem social, uma marginal.

Assim é que, entre a ordem constituída [representada por Vidigal] e a desordem tolerada [Maria Regalada], quem sai beneficiado é Leonardo. E de tudo isto, de acordo com a visão de mundo ingênua e sem conflitos que impregna o romance, não resta qualquer sentimento de culpa, tanto que ao final, em paz, o herói casa, é reformado e desfruta de cinco heranças!

O salto, em termos de enredo, pode ser um tanto brusco, mas o fato é que Leonardo escolhe a ordem e suas vantagens. Afinal, não por nada resolve esquecer Vidinha e seus encantos, aos quais faltava o charme da fortuna e do reconhecimento social.

Neste sentido moderno, Memórias de um sargento de milícias poderia ser qualificado de realista, pois MAA deixou registrado, tanto no personagem central, como nos outros, a regra constitutiva dos valores do grupo social dos homens livres do Brasil do séc. XIX: para eles ordem e desordem pouco representavam. Sem trabalhar, o que era obrigação dos escravos, e sem estar no poder, como os senhores-de-escravos, Leonardo passeia pelo mundo não levando muito em conta as convenções sociais, a não ser quando funcionam em seu próprio benefício.

Em conseqüência, sob hipótese alguma é possível aproximar Memórias de um sargento de milícias dos romances e novelas que saíram da pena de Bernardo Guimarães, Alencar e Macedo, cujos mundos ideais e quase sempre rigidamente organizados em termos éticos, encarnam e reforçam a ordem vigente. A obra de MAA encontra similar apenas nas peças de Martins Pena, que, com uma visão crítica bem mais contundentes que a do criador de Leonardo, também produziu verdadeiros instantâneos do Brasil urbano de meados do séc. XIX.

5- Estilo de época

Apesar de estar classificado como romântico, o romance Memórias de um sargento de milícias apresenta traços estéticos que ultrapassam o Romantismo. Sua composição não segue a trilha deixada pelos demais ficcionistas desse estilo. A fragmentação do enredo deixa margens de dúvida se não seria um precursor do estilo digressivo e fragmentário de Machado de Assis. Suas personagens passam longe das idealizações românticas, então mais próximas do Realismo, não raro configurando tipos. A ausência de um final feliz definitivo é outro elemento fora dos parâmetros românticos. Dentro dos romances românticos, não se direciona especificamente para os romances urbanos, que focalizam a sociedade burguesa, pois caracteriza a sociedade suburbana, a gente humilde e trabalhadora.

Sem dúvida, a situação é controversa. Devemos enxergar a presente obra como um romance de costumes, que apresenta também tendência à novela picaresca, pela presença do anti-herói Leonardinho.

Cabe ressaltar que alguns críticos enxergam na obra uma percursora do Realismo no Brasil. Há, sem dúvida, elementos realistas, mas ainda predominam componentes românticos, já que não mostra nítida intenção realista. O elementos considerados realistas presentes nessa obra filiam-se à narrativa picaresca espanhola, que tem por preocupação retratar naturalmente os costumes populares sem idealizá-los.

6- Estilo individual

Como vimos, a presente obra foge das características gerais do Romantismo, apresentando características próprias. O estilo da obra, bem como de seu autor, apresenta tendências bem pessoais e marcantes. Destaquemos algumas dessas tendências:

a. Emprego de linguagem bem coloquial, marcada por incorreções e linguajar lusitano, interiorano ou das periferias de Lisboa, lembrando que boa parte das personagens são imigrantes portugueses ou gente simples do povo.

b. Ausência de personagens idealizadas e de análise psicológica: o romance prefere focalizar os costumes, hábitos e cacoetes das pessoas de camadas sociais inferiores, numa construção mais realista da sociedade suburbana do início do século XIX.

c. Presença do humorismo, do ridículo e do burlesco: o tom geral da obra segue a tendência da gozação, marcado que está pela construção de personagens que tendem para o caricatural, para o mais absoluto ridículo. A essa tendência chamamos carnavalização.

d. Presença da ironia.

e. Presença da linguagem: A obra volta-se para si mesma, comentando os procedimentos que estão sendo empregados: palavras utilizadas, explicações sobre capítulos ou personagens que desaparecem de cena.

f. Presença de digressões: a narrativa não segue a ordem linear dos fatos, é episódica e, não raro, foge da história para comentar fatos paralelos ou para dar explicações sobre o próprio livro.

g. Presença do narrador intruso, que o tempo todo se intromete para dar explicações, analisar fatos ou personagens e conversar com o leitor.

h. Presença do leitor incluso, com quem o narrador procura estabelecer conversação: 'Pôr estas palavras vê-se que ele suspeitaria alguma coisa; e saiba o leitor que suspeitara a verdade'.

A obra deixa transparecer a presença de diversas figuras de linguagem, bem como, hipérboles, comparações, metáforas, perífrases, trocadilhos, metonímias, linguagens forenses, sarcasmos, barbarismos, etc...

7- Problemática e principais temas

Mesmo com o risco de nos tornarmos repetitivos, retomamos a problemática central da presente obra. Afinal, temos ou não uma obra que foge uma rígida classificação? Sem dúvida a resposta a esta questão é evidente uma vez que a obra apresenta elementos que escapam à típica caracterização dos moldes em voga no Romantismo, mas não atende de forma direta às perspectivas do Realismo, que sequer havia começado na Europa. É um romance que apresenta variáveis, tais como: novela picaresca, romance de costumes e romance de aventuras, sendo considerado por alguns um romance anti-romântico, o que implicaria em tendências precursoras do Realismo, que só se confirmaria a partir das Memórias Póstumas de Brás Cubas [1881], de Machado de Assis. A presença da realidade objetiva é inquestionável, mas apenas isto não configura o Realismo na linha flaubertiana.

A obra é fundamentalmente humorística, estabelecendo contatos com gênero picaresco espanhol através do protagonista, que traz em si toda esperteza e picardia de um anti-herói, Leonardinho foi o antecessor em linhagem direta de Macunaíma, de Mário de Andrade e o continuador, no Brasil, de Dom Quixote de La Mancha, de Miguel de Cervantes.

Retrato vivo dos costumes bem brasileiros do início do séc. XIX, romance focaliza um sem número de tipos populares do RJ suburbano. Esse painel pitoresco retrata a alegria de viver, a malícia da época, as fofocas, as beatices, as crendices, as festas, as profissões, os costumes e hábitos de nosso povo. Leonardinho é o típico malandro carioca, cheio de picardia, esperteza, sarcasmo e desejo de vingança.

Podemos destacar entre as temáticas fundamentais as críticas ao aurtoritarismo policial, à religião, ao clero imoral, ao interesse econômico, ao casamento como meio de ascensão social e à vadiagem como meio de vida. Há, ainda, uma espécie de paródia do próprio Romantismo, montado nessa obra às avessas, abandonando os adocicados finais felizes para deixar nas entrelinhas uma sucessão de fatos tristes que poderiam vir a acontecer.

Fonte:
http://www.algosobre.com.br

Folclore Hindu (Os cegos e o elefante)

Numa cidade da India viviam sete sabios cegos. Como seus conselhos eram sempre excelentes, todas as pessoas que tinham problemas os consultavam.

Embora fossem amigos, havia uma certa rivalidade entre eles, que de vez em quando discutiam sobre qual seria o mais sábio.

Certa noite, depois de muito debaterem acerca da verdade da vida, e não chegarem a um acordo, o sétimo sábio ficou tão aborrecido que resolveu ir morar sozinho numa caverna da montanha. Disse aos companheiros:

- Somos cegos para que possamos ouvir melhor e compreender melhor que as outras pessoas a verdade da vida. E, em vez de aconselhar os necessitados, vocês ficam aí brigando como se quisessem ganhar uma competição. Não aguento mais! Vou-me embora.

No dia seguinte, chegou á cidade um comerciante montado num elefante imenso. Os cegos jamais haviam tocado nesse animal e correram para ao encontro dele.

O primeiro sábio apalpou a barriga do bicho e declarou:

- Trata-se de um ser gigantesco e muito forte! Posso tocar em seus m£sculos e eles não se movem: parecem paredes.

- Que bobagem! - disse o segundo sábio, tocando na presa do elefante.

- Este animal é pontudo como uma lança, uma arma de guerra. Ele se parece com um tigre-dente-de-sabre!

- Ambos se enganam! - retrucou o terceiro sábio, que apalpava a tromba do elefante. - Este animal é idêntico a uma serpente! Mas não morde, porque não tem dentes na boca. É uma cobra mansa e macia.

- Vocês estão totalmente alucinados! - gritou o quinto sábio, que mexia nas orelhas do elefante. - Este animal não se parece com nenhum outro. Seus movimentos são ondeantes, como se seu corpo fosse uma enorme cortina ambulante!

- Vejam só! Todos vocês, mas todos mesmo, estão completamente errados! - irritou-se o sexto sábio, tocando a pequena cauda do elefante. - Este animal é como uma rocha com uma cordinha presa no corpo. Posso até me pendurar nele.

E assim ficaram debatendo, aos gritos, os seis sábios, durante horas e horas. Até que o sétimo sábio cego, o que agora habitava a montanha, apareceu conduzido por uma criança.

Ouvindo a discussão, ele pediu ao menino que desenhasse no chão a figura do elefante. Quando tateou os contornos do desenho, percebeu que todos os sábios estavam certos e errados ao mesmo tempo. Agradeceu ao menino e afirmou:

- Assim os homens se comportam diante da verdade. Pegam apenas uma parte, pensam que é o todo e continuam sempre tolos.

Fonte:
http://www.esnips.com

Projeto de Trovas para Uma Vida Melhor (2a. Parte)

2a. CIRANDA DE TROVAS Tema: Entendimento 61. A quem busca entendimento, o maior apoio é dado; a trova é um grande momento pra entender o inusitado. Cidinha Frigeri Londrina - PR ~ * ~ 62. Todo bom entendimento, resultante da razão, se dá com discernimento e com paz no coração. Nei Garcez UBT-Curitiba - PR ~ * ~ 63. Quem busca viver em paz, é amigo a todo momento; vive bem do bem que faz pelo bom entendimento; Nilton Manoel de Andrade Teixeira Ribeirão Preto - SP ~ * ~ 64. Por falta de entendimentos brigam cristãos toda hora... É que em seus questionamentos deixam o Cristo de fora. Thalma Tavares São Simão - SP ~ * ~ 65. Com o dom do Entendimento, até mesmo infiéis ateus hão de ter, no pensamento, verdadeira fé em Deus. Lairton Trovão de Andrade Pinhalão - PR ~ * ~ 66. O entendimento é completo tendo reciprocidade pois forma um elo repleto de nobre felicidade Agostinho Rodrigues Campos dos Goytacazes - RJ ~ * ~ 67. Eu pedi um entendimento e ouvi Jesus me dizer meu filho este é o teu momento sinta, ouça, ame... Queira crer. Lucia Helena de Lemos Sertã Rio de Janeiro - RJ ~ * ~ 68. Pelo dom do entendimento, Deus legou à humanidade a luz do conhecimento - fonte de toda a verdade. Leonilda Yvonneti Spina Londrina – PR ~ * ~ 69. É uma luz de entendimento contemplar a natureza: cada flor tem seu momento nesse jardim da beleza! Maria da Conceição Fagundes Curitiba - PR ~ * ~ 70. Eis o dom do Entendimento, faz-nos ver o que é divino, por meio de um instrumento material, mas peregrino. Joel Hirenaldo Barbieri Taubaté - SP ~ * ~ 71. Jesus teve o da missão que Lhe foi dada quando, no auge do tormento, teve a alma libertada!... Hermoclydes Siqueira Franco Nova Friburgo - RJ ~ * ~ 72. Quando na terra cessar fome, guerra e sofrimento, ninguém mais vai duvidar do valor do entendimento. Helio Pedro Souza Natal - RN ~ * ~ 73. -Quando houver entendimento no seio da humanidade, vai soar na voz do vento um hino à felicidade. José Lucas de Barros Natal - RN ~ * ~ 74. Não quero ser violento, nem agredir meus irmãos. Deus nos dá entendimento, para unirmos nossas mãos. Vanda Alves da Silva Curitiba – PR ~ * ~ 75. Ao se viver em um mundo Sem buscar entendimento, Cria-se um vácuo profundo, Por faltar discernimento... Severino José de Britto Belém - PA ~ * ~ 76. A inspiração é o momento, que num poema imortal, faz do verso entendimento da linguagem universal. Hélio Alexandre Silveira e Souza Natal - RN ~ * ~ 77. O entendimento mais nobre, foi quando cristo, afinal, nasceu num bercinho pobre numa noite de natal !!! Francisco Garcia de Araujo (Prof. Garcia) Caicó - RN ~ * ~ 78. Em se tratando de amor vale todo o sentimento; seja na emoção que for se revela o entendimento. Denise Cataldi Nova Friburgo - RJ ~ * ~ 79. Diante da Guerra Atômica, Tudo em cinzas se desfaz. O entendimento é a tônica Para se alcançar a Paz. Cesar Serrano São Gonçalo - RJ ~ * ~ 80. Eu creio em seu nascimento, e, nunca duvidei disto; Mas falta-me o entendimento, da ressurreição de Cristo! Ademar Macedo Natal - RN ~ * ~ 81. Paz, amor, entendimento, mandai, ó Deus, sobre a Terra, e expurgai todo o tormento das nações que estão em Guerra! Joamir Medeiros Natal - RN ~ * ~ 82. Só com a exegese d'alma se depura o sentimento, que a nossa consciência esalma pra nos dar o ENTENDIMENTO! Genilton Vaillant de Sá Vitória - ES ~ * ~ 83. Eleva neste momento, sublime eterna função... Tem que haver entendimento, para assegurar razão. Nicolau Abicalaf Neto Pinhais - PR ~ * ~ 84. Para haver entendimento é importante o perdão, sem mágoa, sem fingimento, qual verdadeiro cristão! Amilton Maciel Monteiro São José dos Campos - SP ~ * ~ 85. Havendo consentimento e um dos dois lados ceder, haverá entendimento entre a Vida e todo ser!!! Gertrudes Greco Gauratinguetá - SP ~ * ~ 86. De tanta barbárie ver, vivo em constante tormento... Vai o homem sobreviver à falta de entendimento? Renato Alves Rio de Janeiro - RJ ~ * ~ 87. Se nos entendermos, pode gerar outro entendimento, a cada vez se sacode o mundo! Por um momento... Divenei Boseli São Paulo - SP ~ * ~ 88. Com juízo o coração, diz que o tal entendimento, sob o jugo da razão, dá num lindo casamento. Condorcet Aranha Joinville - SC ~ * ~ 89. Entendimento é saber... Um saber de pura luz, vivência de bem querer sob aplausos de Jesus. Vidal Idony Stockler Curitiba - PR ~ * ~ 90. Eu procuro entendimento! Mas, a mulher é casada, e, por ser um "monumento", sempre é muito vigiada... Geraldo Lyra Recife - PE ~ * ~ 91. Uma frase solta, ao vento, pode tornar-se nefasta... para um bom entendimento, só uma palavra basta. Francisco José Pessoa UBT Fortaleza - CE ~ * ~ 92. ENTENDIMENTO perfeito entre irmãos de toda cor, para exercer o direito de viver com Paz e Amor Agostinho Paco Maringá - PR ~ * ~ 93. O mundo será melhor e atingirá rumos novos, quando se fizer maior o entendimento entre os povos... Ercy Maria Marques de Faria Bauru - SP ~ * ~ 94. No mundo tudo é possível, na busca do entendimento. Só não faz-se admissível... por culpa do embirramento! Laérson Quaresma de Moraes; Campinas - SP ~ * ~ 95. Bem antes do ENTENDIMENTO estradas seguiamos sós, pro nosso contentamento, bastou desatar os nós. Cyroba Braga Ritzmann Curitiba -PR ~ * ~ 96. Fiz a Deus o juramento de tornar real meu sonho: - Procurar entendimento para o Mundo ser risonho! Gabriel de Sousa Lisboa - Portugal ~ * ~ 97. Vem o amor e , depois... Se houver Entendimento há união entre os dois celebrada em casamento !... Euclides Cavaco Canadá ~ * ~ 98. Voz divina...Entendimento, que vem do Espírito Santo! Bela luz do pensamento, e de nossa alma o encanto! Cristina Oliveira Chavez California / USA Delegado da UBT/ Walnut Creek California / USA ~ * ~ 99. Poderá o homem obter com a luz de entendimento, a paz e o amor ceder, reflexionando ao momento! Carlos Imaz France ~ * ~ 100. Deus tinha no pensamento um Mundo mais doador: mas não houve "Entendimento" na partilha do Amor!... Clarisse Barata Sanches Góis - Portugal
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continua... 3a. e última parte
===================== Fonte: Colaboração de Mifori

Nilto Maciel (Panorama do Conto Cearense - Parte VIII)

Por fim aqueles que publicaram suas primeiras peças ficcionais curtas em jornais, revistas e antologias ainda nos anos 1970 e somente depois de 1980 estrearam com livro: Nilze Costa e Silva, Fernando Câncio, Carlos Emílio Corrêa Lima, Rosemberg Cariry, Joyce Cavalcante, Audifax Rios, Barros Pinho e Batista de Lima.

Da antologia 10 Contistas Cearenses (1981) Nilze Costa e Silva participou com “O julgamento” e sobre ela escreveu F. S. Nascimento: “Numa proposta reveladora de intenções fictivas, Nilze Costa e Silva faz uso de projeções visionárias, reflexões, reminiscências, definições e indefinições teológicas. Mas seu “O Julgamento” não chega a transpor o deslinde, detendo-se numa esfera espacial reservada às formas contingentes, o que não invalida o seu esforço criador”.

Um dos fundadores da revista O Saco, Carlos Emílio Corrêa Lima publicou suas primeiras composições em jornais e revistas nos anos 1970, mas somente em 1984 teve editado Ofos. Carlos Emílio é daqueles criadores para quem a folha de papel em branco diante dele deve causar angústia, por ser tão pequena, limitada. Carlos Emílio foge aos padrões do conto tradicional quando empurra suas personagens para fora dos restritos espaços de uma sala, de uma casa. Ele prefere os quintais, as praias, os desertos, os campos, as montanhas, os pomares, as árvores, que buscam o firmamento, o mais longínquo, o infinito. Na verdade, o contista não tem a mínima vontade ou necessidade de geografar as suas narrativas, talvez para não se enquadrar neste ou naquele tipo de prosa de ficção, seja o regionalismo, seja outro qualquer.

A linguagem das peças curtas (e dos romances) de CE é esparramada, volumosa, como uma corredeira, uma cachoeira. Ele nem precisa de diálogos, quase sempre curtos. O narrador transmite uma ou outra fala de personagem e continua a narrar. Ele é o protagonista da narração, embora nem sempre seja da narrativa.

O diálogo interior, o fluxo da consciência, todas as modernas linguagens estão presentes nos contos e romances de CE.

O ponto de vista é o mais das vezes o do observador, mesmo quando a primeira pessoa fala, seja ela protagonista, testemunha ou personagem secundária. Às vezes o narrador fala por ele e por outros, na primeira pessoa do plural (nós) e, aqui e ali, muda para o singular (eu). Os outros, no entanto, são bem mais que secundários, são quase que apêndices, figurantes. Em algumas obras narrador não é narrador de verdade. Como se a história já estivesse escrita e fosse o leitor, ao ler, o narrador. O leitor seria, assim, co-autor. Pode-se supor também que a história (se é que há história) é narrada pelo escritor, que pode ser um personagem oculto. Carlos Emílio consegue enganar o leitor com facilidade. Às vezes o narrador parece ser o principal da trama, quando na verdade é apenas um observador, isento quase sempre, imune aos dramas que se apresentam aos seus olhos ou saltam de sua memória. Outras vezes parece ser o protagonista, de tão presente na narração e na narrativa. Mas isto não importa ao leitor.

Muito bem apontou Dimas Macedo, em “Os Enigmas de Carlos Emílio” (LC, pág. 77), ao se referir ao romance Além, Jericoacoara: (...) “não estamos obrigados a concluir pela existência de um enredo, ainda porque o mesmo não se manifesta de forma literal, embora pareça emergir em diversos momentos do seu entretexto”. E assim também se pode observar da leitura de muitos de seus contos: a ausência de enredo ou a sua manifestação de forma furtiva, como o colear de uma serpente. Em “O Barco”, por exemplo, não se vislumbra um enredo. Talvez não haja o enredo tradicional ou mais usual. Ocorre que se trata de um enredo esgarçado, sobretudo quando o narrador parece falar para si mesmo.

Também Rosemberg Cariry se iniciou na poesia e no conto desde os tempos da revista O Saco. Suas histórias curtas são fábulas ou narrativas de crueldade, como a do ratinho do campo que, em visita ao parente urbano, termina como iguaria, em banquete de natal. Ou a mulher que, possuída pelo macho, o expele pela boca, como se fosse ela uma gruta ou um animal grande, e ele, um simples mosquito. Sobre o livro A Lenda das Estrelinhas Magras, de 1984, Ciro Colares assim se manifestou: “Suas estórias, seus contos relâmpagos, seus poemas possuem luz própria, piscam no papel como pirilampos, dando sinais claros de mensagens convincentes e carregando aquela sensibilidade que só as pessoas escolhidas, privilegiadas possuem”.

Joyce Cavalcante deixou o Ceará no início de suas atividades de escritora. Estreou em 1978, com o livro De Dentro Para Fora. Jornalista, romancista, contista, cronista e conferencista, teve editados sete livros de prosa de ficção individualmente e se integrou em oito coletâneas de contos com outros autores. Tem obras traduzidas para o inglês, sueco, francês, italiano, espanhol e holandês. No gênero conto é autora de O Discurso da Mulher Absurda (1985).

Contemporâneo dos contistas surgidos em 1970, porém mais conhecido como artista plástico, Audifax Rios estreou em 1978, com Bar Peixe Frito. Tem elaborado histórias curtas de feição jocosa, sem esquecer o lado trágico da vida. Dimas Macedo, num prefácio intitulado “Gente de Santana” (CI, págs. 221/222), assim se manifestou a respeito da obra de Audifax: “Falar de gente, de pessoas que se encontram pelos bares da vida, principalmente numa tarde de segunda-feira ou numa madrugada de qualquer outro dia da semana, eis um ofício que Audifax Rios sabe fazer como ninguém. Os caminhos e descaminhos de Fortaleza, a Loura Desquitada, amada, possuída, sorvida em deliciosos tragos, ele sabe percorrer e pintar e sentir”.

Quando Barros Pinho publicou o livro A Viúva do Vestido Encarnado, em 2002, muita gente se sentiu surpresa. Todos o conheciam como poeta, desde Planisfério, de 1969. No entanto, em 1971 Barros Pinho participou da Antologia de Contistas Novos, organizada Moacir C. Lopes e publicada pelo Instituto Nacional do Livro. Publicou conto também em O Saco.

Barros faz questão de se apresentar como representante de um neo-regionalismo, de resgate do linguajar nordestino, dos costumes e das tradições.

Os dramas vividos pelos personagens de A Viúva do Vestido Encarnado são dramas universais, embora localizados no sertão do Nordeste brasileiro ou, mais precisamente, às margens do rio Parnaíba, no Piauí.

As narrativas de Barros Pinho têm uma estrutura definida: primeiro ele pinta o espaço em que se desenrolará o drama, em seguida desenha o protagonista e logo o leitor se percebe no meio do redemoinho do conflito. Como bem vislumbrou José Alcides Pinto, em “Barros Pinho: as teias da escritura” (DN, 27/10/2002), “A paisagem geográfica vai se delineando como na montagem de um filme” (...).

Em todo o livro observa-se o emprego de frases curtas e enxutas, até com a supressão de artigos e verbos. A par disso, a linguagem poética é uma constante. Metáforas e mais metáforas são encontradas no decorrer das narrações e nas falas dos personagens, tal como em José de Alencar.

Em “Recriação da linguagem” (DN, 27/10/2002), Dimas Macedo já se referia a este aspecto na obra de Barros Pinho: “Mas poesia, na sua ficção, como no poema, se infiltra, às vezes, quase absoluta, e reina, absoluta, de maneira quase provocante, desafiando jargões, anunciando formas, propondo universos lingüísticos, restabelecendo vernizes populares e códigos de unidade semântica”.

Com A Viúva do Vestido Encarnado Barros Pinho se afirma como uma das revelações da ficção curta não somente no Ceará mas no Nordeste brasileiro, empunhando a bandeira de um novo Regionalismo – poético nas frases e nas falas dos personagens, de elaborada feitura e sem os cacoetes do velho regionalismo.

A surpresa do leitor e do crítico em relação ao contista Barros Pinho também se deu quando Batista de Lima deu a lume o primeiro livro de contos. O autor de Miranças (1977) é outro que vem do início dos anos 1970, embora tivesse se dedicado mais à poesia. Passou a divulgar suas obras de ficção mais recentemente: O Pescador da Tabocal saiu em 1997 e Janeiro é Um Mês Que Não Sossega, em 2002.

Batista utiliza sempre a narração como forma básica de contar as suas histórias. Não há diálogos explícitos, diretos. Tabocal é o grande palco onde as personagens se movimentam, nascem, vivem e morrem. As personagens são a gente do sertão, até mesmo aqueles já desaparecidos, já tornados mitos, como Lampião. São padres, coronéis, doutores, fabricantes de cachaça, valentões, afinadores de violões, coveiros e até animais. Um universo habitado por criaturas às vezes picarescas, mas sempre muito reais. O narrador-escritor ou o narrador-onisciente atua como um memorialista muito cioso da verdade dos fatos ou um repórter astuto.

Em “O Pescador de Tabocal” (Da Pena ao Vento-III), Dias da Silva fala de “linguagem simples, conhecida, cotidiana, correta, mas pessoalmente trabalhada”. E explica: “Não espere, porém, o leitor tratar-se de contos puramente descritivos, lineares, bem arrumados e comportados. São histórias curtas que transmitem a sensação de personagens, de lugares e de objetos como são percebidos e não como são conhecidos”. Quanto aos aspectos formais da obra de Batista de Lima, o crítico destaca a correção gramatical e a concisão.

O segundo livro mereceu uma “Apresentação” de Graças Musy, que captou bem a gênese das narrativas: “A moldura do cenário batistiano é repleta de imagens que resgatam o universo telúrico do autor e explodem, sintagmaticamente, como se quisessem trazer à tona todos os paradigmas de que se valeu, estabelecendo assim uma cumplicidade de linguagem com o leitor, que se assenhora desse universo, seduzido impressionisticamente pelas próprias memórias, que lhe permitem ser um agregado da casa do narrador-autor (...)”

Também Fernando Câncio não tem sido pródigo na publicação de livros. Divulgou em 1979 Meu Nome é Saudade, de “crônicas, contos, casos e devaneios”. Recebeu elogios de Risette Cabral Fernandes: “O micro-conto e a crônica configuram, portanto, o mosaico de sua imaginação, onde está decalcado o seu talento”. Participou da antologia 10 Contistas Cearenses e sobre o seu “A Pagadora de Promessas” anotou F. S. Nascimento: “De início, a impressão que se tem é de um registro à maneira de crônica. Mas o contista não tarda a identificar-se como tal, conseguindo animar a sua personagem a ponto de seu halo se fazer sentir (...)”.

Como se pode observar, nos anos 1970 não foram poucos os escritores cearenses que se dedicaram à prática da ficção curta, uns de forma tradicional, outros mais voltados para as inovações estruturais; uns obedientes à economia verbal, outros atraídos pelos horizontes mais amplos da narração; uns cautelosos na elaboração das histórias, outros dispostos a inventar mais e mais. Seja como for, naqueles anos surgiram importantes narradores no Ceará, alguns colhidos cedo pela foice do tempo, outros ainda em plena atividade intelectual, sejam aqueles que publicaram livros a partir de 1970, sejam os que, embora já escrevessem contos e poemas, somente nos anos 1980 em diante divulgaram em livro as suas obras.
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Segue-se relação de breves biobibliografias dos contistas que despontaram a partir de 1970. Como na parte anterior, os contistas serão apresentados na ordem cronológica de edição do primeiro livro de contos. Cada um será focalizado em separado, para facilitar a leitura. A seguir virão, em ordem alfabética, os contistas que não ousaram reunir em livro as suas obras.

Francisco Sobreira nasceu em Canindé, Ceará (1942), passou a residir em Fortaleza e, em 1965, em Natal, Rio Grande do Norte. Por esta razão, seu nome é hoje muito mais conhecido neste Estado do que naquele onde nasceu. Assim o vêem os críticos potiguares, como Nelson Patriota, que, nas abas do livro Crônica do Amor e do Ódio, ao se referir à vasta produção de Sobreira no gênero conto, destaca tratar-se “de uma produção sem paralelo na história literária norte-rio-grandense”. E ainda o chama de “modelo para futuros ficcionistas potiguares”.

Deu a lume o primeiro livro usando o sobrenome Bezerra após Sobreira. Estreou, no gênero conto, em 1972, com A Morte Trágica de Alain Delon. Seguiram-se A Noite Mágica (1979), Não Enterrarei os Meus Mortos (1980), Um Dia ... os Mesmos Dias (1983), O Tempo Está Dentro de Nós (1989), Clarita (1993), Grandes Amizades (1995) e Crônica do Amor e do Ódio (1997). É autor dos romances Palavras Manchadas de Sangue (1991), A Venda Retirada (1998) e Infância do Coração (2002). Tem participado de antologias no Rio Grande do Norte e no Ceará. Ganhador de prêmios literários. Exerceu a crítica cinematográfica na imprensa de Natal e se dedicou ao cineclubismo nas décadas de 1960 e 1970.

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Socorro Trindad, nascida em Nísia Floresta, Rio Grande do Norte (1950), fez uma espécie de permuta geográfica com Francisco Sobreira, pois passou a morar em Fortaleza, onde estudou e escreveu algumas de suas narrativas. Depois se radicou no Rio de Janeiro.

Estreou em 1972, com o volume Os Olhos do Lixo, com prefácio de Câmara Cascudo. Seguiu-se Cada Cabeça uma Sentença, em 1978, com prefácio de Aguinaldo Silva, intitulado “A Árdua Batalha Contra os Papangoos”.
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Holdemar Menezes nasceu em Aracati, (segundo Raimundo Girão, em Jaguaruana) em 1921, e faleceu em 1996. Moço ainda saiu de Fortaleza, tendo morado no Rio de Janeiro e em Santa Catarina, razão pela qual geralmente não é mencionado pelos estudiosos da Literatura Cearense e aparece em antologias de escritores catarinenses. Hélio Pólvora o chama de “escritor cearense-catarinense”. Deixou os seguintes livros: A Coleira de Peggy (1972), O Barco Naufragado (1977), A Sonda Uretral (1978) e Os eleitos para o sacrifício (1984).
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Cláudio Aguiar nasceu em Poranga (1944). Apesar de radicado por muitos anos em Pernambuco, não deixa de ser escritor cearense. Teve impressos Exercício Para o Salto (1972) e Depoimento de um Sábio (1977). Sua obra literária está exaustivamente analisada por diversos críticos, brasileiros e estrangeiros, em artigos e ensaios reunidos no livro Viento del Nordeste, com o subtítulo Homenaje Internacional al Escritor Brasileño Cláudio Aguiar, em espanhol, da Universidad Pontificia de Salamanca, 1995.
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Gilmar de Carvalho nasceu em Sobral (1949) e editou os livros Pluralia Tantum (1973), Resto de Munição (1982), Queima de Arquivo, Buick Frenesi e Pequenas Histórias de Crueldade. Escreveu também para teatro, crônicas e um romance fundamental da literatura cearense ou brasileira, Parabelum. Tomou parte da antologia O Talento Cearense em Contos, com “Coração Materno II”.
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Fernanda Teixeira Gurgel do Amaral (Fortaleza). Uma das fundadoras do Grupo Siriará. Morou em Brasília de 1980 a 1994, onde foi redatora dos Cursos da Universidade Aberta, da UNB. Tem um livro de histórias, O Menino D’água (1976) e romances. Com o “Casamento” fez parte da antologia O Talento Cearense em Contos.
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Mario Pontes nasceu em Novas Russas (1932). Reside no Rio de Janeiro desde 1958. Além de contista, é romancista e ensaísta. É outro que, vivendo há muitos anos longe do Ceará, tem seu nome poucas vezes citado nos artigos e ensaios de literatura cearense. Tornou-se jornalista aos 16 anos de idade. Durante meio século trabalhou em revistas culturais e suplementos literários, como o do Jornal do Brasil, que editou por muitos anos. Estreou em 1977, com o volume Milagre na Salina, embora catalogado como romance. No entanto, o próprio Mario Pontes explica, em nota prévia, o que é seu livro: “histórias da Salina”. Em 1999 editou pela Bertrand Brasil, do Rio de Janeiro, o volume Andante Com Morte – Quatro Ficções, composto das novelas “A Morte Infinita”, “Sentinelas da Noite”, “A Engrenagem Universal” e “A Nova Rota da Seda”, catalogadas como contos. Tem traduzido importantes obras filosóficas e literárias, entre as quais do Prêmio Nobel espanhol Camilo José Cela e textos teatrais de Julio Cortázar.
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Yehudi Bezerra nasceu em 1946 e faleceu jovem, tendo deixado impresso apenas um livro de histórias, Tocaia (1977). Deixou inéditos Momentos (poemas de 1964 a 1970), Barriga de Bombo ou As Desventuras de Pedroca Mundo, 1º. lugar no Concurso Universitário de Peças Teatrais, promovido pelo Serviço Nacional de Teatro e, inacabados, A Revolução das Bonecas e o romance Tonante.
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José Hélder de Souza nasceu em Massapê (1931) e cedo se mudou para o Rio de Janeiro e depois Brasília. Contista, poeta, romancista e crítico literário, é autor de Coisas & Bichos (1977), Rio dos Ventos (1992) e Pequenas Histórias Matutas (2000), no gênero conto. Em outros gêneros publicou A Musa e o Homem (1959), A Grandeza das Coisas (1978), Os Homens do Pedregal (1979), Sonetos de São Luiz (1981), De Mim e das Musas (1982), Cabo Plutarco, O Berro D’água (1982), Raul de Leoni, Poeta de Transição (1984), Relvas do Planalto (1990), Brilhos e Rebrilhos de Goiás (1990).
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Glória Martins estreou em 1978 (2ª edição de 1999) com o volume Reencontro, prefaciado por Pedro Paulo Montenegro, para quem “a nota dominante (no livro) é a espontaneidade, espontaneidade tão grande que pode mesmo a alguns parecer, em determinados momentos, descuidos formais.”
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Joyce Cavalcante (Fortaleza, 1949) mora em São Paulo. Iniciou-se na revista O Saco e integrou o Grupo Siriará. Estreou em 1978, com o livro De Dentro Para Fora. Jornalista, romancista, contista, cronista e conferencista, teve editados sete livros de prosa de ficção individualmente e se integrou em oito coletâneas de contos com outros autores. Tem obras traduzidas para o inglês, sueco, francês, italiano, espanhol e holandês. No gênero conto é autora de O Discurso da Mulher Absurda (1985). Idealizadora e atual presidente da REBRA - Rede de Escritoras Brasileiras. Incorporou-se nas seguintes antologias: Contos Pirandelianos (Editora Brasiliense, SP, 1985); O Outro Lado do Olhar (Verano Editora, Brasília, 1988), com quatro peças, ao lado de outras quatro contistas; Contos Paulistas (Editora Mercado Aberto, Porto Alegre, 1988); Antologia do Conto Cearense (Edições Tukano, Fortaleza, 1990); Contra Lamúria, Ano 20, 1974/1994 (Casa Pindaíba, São Paulo, 1994); O Talento Cearense em Contos (Editora Maltese/Secretaria de Cultura do Estado do Ceará, São Paulo, 1996), da qual foi a organizadora; Letras ao Sol (Edições Fundação Demócrito Rocha, Fortaleza, 1996). Tem também peças ficcionais em jornais e revistas, como Seara: “Um Desejo de Verão, uma Brincadeira no Ar” (n.º 6) e “Movimento Sem Fim” (n.º 7) e Espiral: “Um peixe entre as pernas” (n.º 1).
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Gerardo Mello Mourão nasceu em Ipueiras (1917). Reside há vários anos no Rio de Janeiro. Romancista, poeta, contista, ensaísta, tradutor e jornalista. No gênero conto publicou, em 1979, Piero Della Francesca ou As Vizinhas Chilenas, constituído de 19 narrativas. Estreou em livro com Poesia do homem só, 1938. Seu primeiro romance foi O Valete de Espadas, 1960. Recebeu o Prêmio Mário de Andrade, da Associação Paulista de Críticos de Arte, em 1972.
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Geraldo Markan nasceu em Fortaleza (1929), onde morreu, e é autor dos livros O Mundo Refletido nas Armas Brilhantes do Guerreiro, Edições Siriará, 1979, e Canoa Quebrada – Oniricrônicas, de 1980, além de peças de teatro. Reuniu-se a outros contistas em antologias, como O Talento Cearense em Contos, com “Primeira Rosa para Norma Jean”, e Antologia Literária (1.º Prêmio Domingos Olímpio de Literatura, 1998, Sobral), com “Quem Resiste ao Tango?” (2º.).
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Airton Monte nasceu em Fortaleza (1949) e nunca dela se mudou. Filho de Airton Teixeira Monte e Valdeci Machado Monte. Médico psiquiatra formado pela Universidade Federal do Ceará, cronista do jornal O Povo, comentarista de rádio, redator de televisão, letrista, teatrólogo, é essencialmente poeta e contista. Iniciou-se na revista O Saco, onde publicou histórias. Um dos fundadores do Grupo Siriará de Literatura. Estreou, no gênero conto, com o volume O Grande Pânico (1979), seguido de Homem Não Chora (1981) e Alba Sangüínea (1983). Tem no prelo Os Bailarinos. Participou de algumas antologias: Os Novos Poetas do Ceará III, Antologia da Nova Poesia Cearense, Verdeversos e 10 Contistas Cearenses. Tem também um livro de poemas.
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Paulo Véras nasceu no Piauí (1953), tendo se radicado em Fortaleza, onde faleceu precocemente. Estreou em 1979, com O Cabeça-de-Cuia. Embora tenha editado apenas uma coleção de prosa de ficção, é nome obrigatório em todo inventário do conto cearense.
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Fernando Câncio Araújo (Fortaleza, 1922), cronista, poeta e contista, divulgou em 1979 o livro Meu Nome é Saudade, de “crônicas, contos, casos e devaneios”, e Pelos Caminhos do Norte, de contos. Integrou-se em antologias, como 10 Contistas Cearenses. 6º. com “Chão Violento”, no 1º. Prêmio Cidade de Fortaleza.
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Nilze Costa e Silva (Natal, RN, 1950) passou a morar em Fortaleza com um ano de idade. Romancista e contista. Autora de Viagem (1981) e Dilúvio (1988), no gênero conto. Tem se incorporado a coletâneas, como 10 Contistas Cearenses (1981), Multicontos (1984), Antologia de Contos Eróticos (1988), com “O Exibicionista e a Espectadora Solitária”; Antologia do Conto Cearense (1990), com “Procura-se”; Antologia do Conto Erótico (1992); O Talento Cearense em Conto (1996); Iracemar (1996) e Talento Feminino em Prosa e Verso (2002). Tem também narrativas em jornais e revistas, como Seara e Espiral.
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Rosemberg Cariry nasceu em 1953 em Farias Brito. Fundou a revista Nação Cariry e ajudou a criar o Grupo Siriará. Poeta, letrista, pesquisador de folclore, cineasta e contista, vem publicando desde o início dos anos 1970. Seu primeiro livro, de poemas, Semeadouro, saiu em 1981. Incluído em Queda de Braço – Uma Antologia do Conto Marginal, de 1977, com os minicontos “A Visita” e “Um Mosquito na Boca da Amante”. No gênero ficção menor tem o livro A Lenda das Estrelinhas Magras, de 1984.
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Carlos Emílio Corrêa Lima nasceu em Fortaleza (1956). Morou no Rio de Janeiro. Um dos fundadores de O Saco. Editou seus primeiros contos em jornais e revistas. Somente em 1984 teria editado o volume Ofos. Tem mais três inéditos. Publicou, ainda, os romances A Cachoeira das Eras (1979), Além, Jericoacoara (1982) e Pedaços da história mais longe (1997). Correspondente da revista espanhola de literatura e artes El Paseante durante vários anos, também tem sido editor de diversas publicações em Fortaleza e no Rio de Janeiro, como o jornal Letras & Artes (prêmio APCA para melhor divulgação cultural cultural do país em 1990) e a revista Arraia Pajéurbe, lançada em 2001. Tem exercido a crítica literária. Participou da fundação e da consolidação de inúmeros movimentos literários no Ceará, em São Paulo e no Rio de Janeiro, tais como o Siriará, o CEP 2000 e o Rodas de Poesia. Em 2002 teve editado Virgílio Varzea: os olhos de paisagem do cineasta do Parnaso (Editora UFC e Fundação Catarinense de Cultura). Mestre em Literatura Brasileira pela UFC.
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Audifax Rios, natural de Santana do Acaraú (1946), é mais conhecido como artista plástico. Versátil, tem divulgado alguns livros, onde mistura realidade à ficção, sempre se valendo da memória e da observação. Estreou em 1978, com Bar Peixe Frito, classificado como novela. Já Fez a sua Fezinha Hoje?, de 1987, seria seu primeiro livro de contos. Seguiram-se Gentes da Licânia (1989), Porto do Bingo (1990), Os Descaminhos da Loura Desquitada (1992), Viventes de Aroeiras (1993) e Iracemar (1996).
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Moacir C. Lopes nasceu em Quixadá (1927). Cedo passou a habitar em Baturité, depois Fortaleza, fez-se marinheiro e conheceu o mundo, até se radicar no Rio de Janeiro. Estreou em 1959, com o romance Maria de Cada Porto. Seguiram-se diversos romances, traduzidos para idiomas como russo, checo, inglês. Em 1969 fundou a Editora Cátedra. Em 1971 organizou e editou a Antologia de Contistas Novos. Seu primeiro livro é O Navio Morto e Outras Tentações do Mar, de 1995.
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Eugênio Leandro teve uma história publicada na revista Siriará, intitulada “O Vale das Pedras”. Editou um volume de contos, Nas Terras do Rei Piau e tem outro inédito. É cantor e compositor dos mais destacados no Ceará.
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Batista de Lima (José), nascido em Lavras da Mangabeira (1949), embora pertença ao “grupo” da revista O Saco, pois seu primeiro livro, de poemas, é de 1977, passou a divulgar seus contos mais recentemente: O Pescador da Tabocal saiu em 1997 e Janeiro é Um Mês Que Não Sossega, em 2002. Seminarista no Crato, formou-se em Letras e Pedagogia pela Universidade Estadual do Ceará. Especializou-se em Teoria da Linguagem na Universidade de Fortaleza, onde exerceu a chefia do Departamento de Letras e a diretoria do Centro de Ciências Humanas. Cursou o mestrado em Literatura na Universidade Federal do Ceará. Iniciou-se como professor de Português em colégios de Fortaleza. Na vida literária deu os primeiros passos no Clube dos Poetas Cearenses. Mais tarde participou ativamente dos grupos Siriará, Arsenal, Catolé e Plural. De poesia publicou os livros Miranças (1977), Os Viventes da Serra Negra (1981), Engenho (1984) e Janeiro da Encarnação (1995). Na área do ensaio literário deu a lume, em 1993, Os Vazios Repletos e Moreira Campos: A Escritura da Ordem e da Desordem, e, em 2000, O Fio e a Meada – Ensaios de Literatura Cearense. Membro da Academia Cearense de Letras.
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Barros Pinho, nascido em Teresina, Piauí (1939), tornou-se cearense no decorrer do tempo. Filho de Antônio Bezerra de Pinho e Ana Barros de Pinho, é bacharel em Administração Pública, formado pela Escola de Administração do Ceará. Participou do Grupo SIN e se iniciou em livro com Planisfério, poemas, em 1969. Seguiram-se Natal de Barro Lunar & Quatro Figuras no Céu (1970), Circo Encantado (1975), Natal do Castelo Azul (1985), As Pedras do Arco-Íris ou Invenção do Azul no Edital do Rio (1988), todos de poesia. Participou de algumas antologias de prosa e verso, como Mini-Sinantologia (1968), Sinantologia (1968), Antologia dos Novíssimos Contistas do Brasil (1963), organizada por Moacir C. Lopes, Antologia Poética Projeto Mão Dupla (s.d), Antologia da Academia Cearense de Letras (1994) e A Poesia Cearense no Século XX. Editou A Viúva do Vestido Encarnado, em 2002, pela Editora Record. Barros faz questão de se apresentar como representante de um neo-regionalismo, de resgate do linguajar nordestino, dos costumes e das tradições.
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continua... "Outros que não chegaram a publicar livros de contos".

segunda-feira, 21 de julho de 2008

Folclore Japonês (O paraíso dos gatos)

Era uma vez uma bela menina órfã que se chamava Youkiko.

Ela trabalhava na casa de uma velha terrível. Sua vida era pura tristeza, pois a menina só tinha como amiga uma gatinha. Mas um dia a gatinha desapareceu. Youkiko chorou muito. E a dona da casa, em vez de consolar a pobre menina, lhe dizia assim:

- Viu no que dá se apegar aos animais? A gata a abandonou!

A menina, porém, não acreditava nisso. Sua confiança no bichinho continuava a mesma. Foi então que um adivinho passou pela cidade.

Falava-se que ele era capaz de revelar todos os segredos do mundo. Youkiko foi correndo lhe perguntar sobre o paradeiro de sua gatinha.

- Sua gata está na montanha dos felinos, que fica a leste daqui. Se você for corajosa e tomar cuidado, será fácil reencontra-la - ele lhe disse.

Youkiko não hesitou. Pediu licença à patroa e partiu em busca da gata.

Andou muito até chegar a uma cidade lindíssima, onde foi acolhida por outra menina, que a convidou para jantar. De início ela se sentiu feliz, mas á noite ouviu vozes estranhas que diziam:

- Essa menina adora gatos. Vamos protegê-la. É melhor impedir que algum de nós tente devorá-la.

A menina despertou muito assustada. Que lugar era aquele? Porém, antes que ela pudesse partir, alguém bateu à porta de seu quarto. Youkiko a abriu e deu com sua gatinha, que havia se transformado em gente.

- Minha querida amiga - disse-lhe a gata - você está no paraíso dos gatos. É um lugar perigoso para os humanos que nos tratam mal. Mas, como você sempre nos ajudou, os felinos pediram que eu lhe desse um presente.

E então entregou à amiga uma caixinha repleta de jóias e pedras preciosas. Na manhã seguinte Youkiko voltou à sua cidade. Deixou o antigo emprego e comprou uma casa. Aliás, a caixinha era mágica: as jóias nunca se acabavam.

Furiosa de inveja, a antiga patroa viajou até a montanha dos felinos.

Quando lá chegou, bateu à porta da mesma casa onde a menina ficara hospedada e foi logo dizendo:

- Quero as jóias também! Pois vocês, gatos, não vivem rondando a minha cozinha?

Mas quando a porta se abriu ela foi jogada num salão. Um imenso tigre surgiu e lhe perguntou:

- Você prefere trabalhar ou morrer?

A patroa preferiu viver. Porém, como no paraíso dos gatos o tempo é eterno, lá ela continua e continuará a trabalhar até o final do mundo.

Fonte:
http://www.esnips.com

Artur de Azevedo (Sabina)

I

Havia três anos que o Bacharel Figueiredo era o amante da viúva Fontes. E marido seria se ela quisesse; mas Sabina - Sabina era o seu nome - dera-se mal com o casamento, e não queria experimentá-lo de novo.

Um mês depois do seu primeiro encontro com o Bacharel Figueiredo, este dizia-lhe:

- Eu amo-te, tu amas-me, eu sou livre, tu livre és: case-mo-nos!
- Não! respondia ela, não! não! não!...
- Por quê, meu amor?
- Porque esse fogo, esse ímpeto, esse entusiasmo que te lançou nos meus braços, tudo isso desapareceria desde que eu fosse tua mulher!
- Mas a sociedade...
- Ora a sociedade! Sou bastante independente para me não importar com ela.
- Tua filhinha...
- Tem apenas quatro anos! está na idade em que se olha sem ver. Demais, não quero dar-lhe um padrasto. Amemo-nos, e deixemos em paz o padre e o pretor.

II

Ficaram efetivamente em paz o ministro de Deus e o representante da lei, mas nem por isso o bacharel deixou de enfarar-se ao cabo de dois anos, agradecendo aos céus o haver a viúva recusado o casamento que ele lhe propusera num momento de verdadeira alucinação.

Havia muitos meses já que o moço ruminava um plano de separação definitiva, mas não sabia de que pretexto lançar mão para chegar a esse resultado. Sabina guardava-lhe, ou, pelo menos, parecia guardar-lhe absoluta fidelidade, e nunca lhe dera motivo de queixa.

Nestas condições lembrou-se o bacharel de consultar o velho Matos, que o honrava com a sua amizade.

III

O velho Matos era um solteirão rico e viajado, que na sua tempestuosa mocidade tivera um número considerável de aventuras galantes, e era ainda considerado um oráculo em questões de amor. Muitos mancebos inexperientes recorriam aos seus conselhos, e tais e tão discretos eram estes, que eles alcançavam quanto pretendiam.

O Bacharel Figueiredo foi ter a uma velha chácara da Gávea, onde o avisado conselheiro vivia das suas recordações e de alguns prédios e apólices milagrosamente salvos do naufrágio dos seus haveres.

O moço foi recebido com muita amabilidade, e sem preâmbulos expôs a situação:

- Há três anos sou o amante de uma senhora viúva, distinta e bem educada; quero acabar com essa ligação; que devo fazer?
- Antes de mais nada, é preciso que eu saiba o motivo que o desgostou. Tem ciúmes dela?
- Ciúme... - Oh! se a conhecesse!... É um modelo de meiguice, fidelidade e constância!
- Existe alguma particularidade que o afaste desse modelo?... quero dizer: uma enfermidade... - um defeito físico... o mau hálito, por exemplo?
- Pelo amor de Deus!... É uma mulher sadia, limpa, cheirosa.
- Então, é feia?
- Feia?! Uma das caras mais bonitas do Rio de Janeiro!
- Tem mau gênio?
- Uma pombinha sem fel!
- Então é tola, vaidosa, pedante, presumida, afetada, asneirona...?
- Nada disso! é uma mulher de espírito, instruída e perfeitamente educada.
- É devota? Anda metida nas igrejas?... passa horas esquecidas a rezar diante de uni oratório?...
- Apenas vai ouvir missa aos domingos.
- Talvez abuse do piano, ou desafine a cantar...
- Não canta; toca piano, mas não abusa. Digo-lhe mais: interpreta admiravelmente Chopin.
- Você gosta de outra mulher?
- Juro-lhe que não.
- Bom; sei o que isso é; você aborreceu-se dela porque nunca lhe descobriu defeitos. É boa demais.
- Talvez. O caso é que esta ligação já durou mais tempo do que devia, e urge acabar com ela. A Sabina tem uma filha que está crescendo a olhos vistos, e não é conveniente fazer com que essa criança algum dia a obrigue a corar.. . Depois, eu sou moço.. . tenho um grande horizonte diante de mim... enceto agora a minha carreira de advogado... esta ligação pode prejudicar seriamente o meu futuro - não acha?

O velho Matos calou-se, e, passados alguns momentos, perguntou:

- Quer então você separar-se dessa mulher ideal?
- Quero.
- A sua resolução é inabalável?
- Inabalável.
- Só há um meio de o conseguir.
- Qual?
- Desapareça.
- Ela irá procurar-me onde quer que eu esteja.
- Boa dúvida, mas faça-se invisível, vá para a roça, e volte ao cabo de oito dias. Naturalmente ela aparece, e pergunta em termos ásperos, ou sentidos, o motivo do seu procedimento. Muna-se então de um pouco de coragem, e responda-lhe o seguinte: "Á vista de um fato que chegou ao meu conhecimento, nada mais pode haver de comum entre nós. Nã0 me peça explicações: meta a mão na consciência, e meça a extensão do meu ressentimento!"
- Mas que fato? Pois eu já não lhe disse que a Sabina e um modelo de...
- Meu jovem amigo, interrompeu o velho Matos, não há mulher, por mais amante, por mais dedicada, por mais virtuosa que seja, que não tenha alguma coisa de que a acuse a consciência. A sua Sabina, em que pese às aparências, não deve, não pode escapar à lei comum; desde que você se refira positivamente a um fato, embora não declare que fato é, ela ficará persuadida de que o seu amante veio ao conhecimento de alguma coisa que se passou, e que a pobrezinha supunha coberta pelo véu de impenetrável mistério.
- Mas a Sabina, quando mesmo tenha algum pecadinho na consciência (eu juro-lhe que o não tem!) com certeza há de protestar energicamente e exigir que eu ponha os pontos nos ii; há de querer que eu diga francamente a que fato aludo, e... - e vamos lá! como acusá-la sem consentir que ela se defenda?
- Ah! meu amigo! se você pretende aplicar razões jurídicas ao caso, não arranja nada. A jurisprudência do amor e extravagante e absurda. Acuse, retire-se, e não entre em explicações. Afianço-lhe que o êxito é seguro.

IV
Se bem o disse o velho Matos, melhor o fez o Bacharel Figueiredo. Retirou-se durante alguns dias para uma fazenda sem dizer adeus nem dar satisfações a viuva.

Imagine-se o desespero dela. Quando soube que o seu amante voltara dessa misteriosa viagem, foi - e era a primeira vez que lá ia - foi à casa de pensão em que ele morava e entrou como uma doida no seu quarto.

- Então? que quer isto dizer?... exclamou a mísera caind0 numa cadeira, a soluçar desesperadamente.

Ele até então nunca a tinha visto chorar. A viúva apresentava-se-lhe sob um aspecto estranho; parecia-lhe agora mais apetitosa.

Entretanto, fazendo um esforço violento sobre si mesmo, o bacharel franziu os sobrolhos e repetiu as palavras d0 velho Matos:

- Á vista de um fato que chegou ao meu conhecimento, nada mais pode haver de comum entre nós!...

Sabina ergueu-se como tocada por uma mola. Ele continuou:

- Não me peça explicações; eu não lhas daria! Meta a mão na consciência, e compreenda o meu eterno ressentimento...

Dizendo isto, saiu do quarto batendo com estrondo a porta, e deixando a pobre Sabina aparvalhada.

V

No dia seguinte o bacharel recebeu uma carta concebida nos seguintes termos:

"Figueiredo - Tens razão: nada mais pode haver de comum entre nós; aprecio e respeito a delicadeza dos teus sentimentos.
"Eu vivia na ilusão de que tudo ignorarias, de que jamais virias ao conhecimento de uma fraqueza que tão desgraçada me faz neste instante. Vejo que o miserável não guardou segredo, e fez chegar aos teus ouvidos a história de uma vergonhosa aventura a que fui arrastada num momento de desvario e de que logo me arrependi amargamente.
"Não me perdoes, porque o teu perdão seria um atestado de péssimo caráter, mas ao menos sabe que foi a tua frieza, o teu desprendimento, o pouco caso com que então começavas a tratar-me, que me determinaram a dar o mau passo que dei e que tantas lágrimas me tem custado.
"Adeus; lembra-te sempre da infeliz Sabina, que te ama ainda como sempre te amou, mas não procures tornar a vê-la, porque ela é a primeira a confessar que não é digna de ti. Console-te a certeza de que a minha vida vai ser de agora em diante um inferno de remorsos e de saudades. Adeus para sempre... - Sabina."

VI

Essa carta produziu terrível efeito no espírito do Bacharel Figueiredo.Era então certo?... ela pertencera a outro homem?...

E o seu amor extinto despertou mais violento, mais impetuoso que nunca.

Passavam-lhe rapidamente pela memória, num turbilhão demoníaco, todos os deliciosos momentos que lhe proporcionara a meiga viúva, e o ciúme, um ciúme implacável, que o aniquilava e embrutecia, excitava-o tiranicamente.

Ele correu à casa de Sabina, e encontrou fechadas todas as portas e janelas. Informou-o um vizinho de que a viúva se retirara na véspera, com a menina e as criadas, levando malas e embrulhos.

Durante oito dias o bacharel, desesperado, enfurecido, mortificado pela insônia, pelos ciúmes, pelas saudades, correu á casa dela: tudo fechado!...Ninguém lhe dava notícias de Sabina! Aonde iria ela?.. - onde estava?...

Afinal, um dia encontrou a porta aberta e entrou como um doido, tal qual Sabina entrara na casa de pensão. Encontrou-a no seu quarto, e, sem dizer palavra, sufocado pelo pranto, beijou-lhe sofregamente a boca, os olhos, o nariz, as orelhas, beijou-a toda, e, rasgando-lhe o vestido, atirou-a brutalmente sobre o leito, sequioso por entrar de novo na posse daquele corpo e daquele sangue.

Mas a viúva, debatendo-se heroicamente, conseguiu repeli-lo, e pôs-se de pé, gritando:

- Não! não! não, Figueiredo!... Tudo acabou entre nós! Eu não sou digna de ti!...
- Não digas isso pelo amor de Deus! Eu perdôo-te! Eu amo-te! Eu adoro-te!...
- Se realmente me amas, se me adoras, então és tu que não és digno de mim!

Dizendo isto, fugiu do quarto e foi para junto da filha, onde se julgou a coberto das perseguições do bacharel. Efetivamente, este deixou-se ficar no quarto, atirado sobre o leito e soluçando convulsivamente.

VII

Durante alguns dias a mesma cena se reproduziu, mas afinal restabeleceram-se as pazes.

Sabina cedeu sob duas condições: primeira, - o bacharel só entraria no quarto dela com escala pela pretoria e pela igreja: segunda, - jamais lhe pediria explicações sobre o fato que determinara a crise.

VIII

Três meses depois do casamento, o velho Matos, que se tornara íntimo da casa, achando-se a sós com Sabina, contou-lhe a história do conselho dado ao bacharel, conselho que foi a causa imediata de tão extraordinários acontecimentos, e que tão negativo efeito produzira.

- Mas o que o senhor não sabe, disse ela, é que eu nunca tive outro amante senão o Figueiredo.
- Que me diz, minha senhora?
- Juro-lhe pela vida de minha filha que falo verdade.
- Mas valha-me Deus! o pobre rapaz está convencido de...
- Deixá-lo estar. É um pobre-diabo, feito da mesma lama que os outros homens.

Confessei-lhe uma culpa que não tinha, porque adivinhei que só assim poderia reconquistá-lo.

- Mas agora estão casados e muito bem casados; é preciso dissuadi-lo.
- Não; ainda é cedo; mais tarde.. . Esse homem que ele não sabe quem é... essa aventura misteriosa.... essa ignóbil mentira é a garantia da minha felicidade.

Enquanto ele supuser que não fui dele só, será só meu.

- Parabéns, minha senhora; pode gabar-se de ter embrulhado o velho Matos.
- Ora, o velho Matos! Quem é o velho Matos? Quem é o senhor? Algum psicólogo? Saiba que uma mulher inteligente é capaz de embrulhar Paul Bourget...
- Upa! upa! É capaz de enfiar pelo fundo de uma agulha o próprio Balzac! Repito: parabéns, minha senhora!

Fonte:
Artur Azevedo. Contos Fora da Moda. Disponível em
http://www.esnips.com

25 de julho - Dia Nacional do Escritor


No dia 25 de julho os grandes reponsáveis pela riqueza literária brasileira são oficialmente homenageados no país. A data foi instituída por decreto governamental em 1960, após o sucesso do I Festival do Escritor Brasileiro, organizado naquele ano pela União Brasileira de Escritores, por iniciativa de seu presidente, João Peregrino Júnior, e de seu vice-presidente, Jorge Amado.

Em 1988, ao ser questionado sobre como se sentia sendo o escritor mais lido no país, o literato baiano respondeu: "Eu me sinto mal. Porque eu acho que deviam ter 50 escritores mais lidos no Brasil" (Jornal da Tarde, 03/09/1988).

Daquela época pra cá, certamente muita coisa mudou, embora o índice de leitura no país ainda tenha muitos quilômetros a percorrer. A pesquisa 'Retratos da Leitura no Brasil', realizada em 2001 pela Câmara Brasileira da Indústria do Livro (CBL), Sindicato Nacional das Editores de Livros (Snel) e Associação Brasileira dos Editores de Livros (Abrelivros) apontou que 61% dos brasileiros adultos alfabetizados têm muito pouco ou nenhum contato com os livros: 6,5 milhões de pessoas das camadas mais pobres da população dizem não ter nenhuma condição de adquirir um livro e 73% dos livros estão concentrados em apenas 16% da população brasileira.

Pensando nisso, os ministérios da Cultura e da Educação, em parceria, lançaram, em 2006, o Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL): um conjunto de políticas, programas, projetos, ações continuadas e eventos empreendidos pelo Estado e pela sociedade, para promover o livro, a leitura, a literatura e as bibliotecas no Brasil.

Uma das linhas de ação do PNLL consiste no apoio à cadeia criativa do livro feita por meio das seguintes ações:

- Instituição e estímulo para a concessão de prêmios nas diferentes áreas e bolsas de criação literária para apoiar os escritores;
- Apoio à circulação de escritores por escolas, bibliotecas, feiras etc;
- Defesa dos direitos do escritor;
- Apoio à publicação de novos autores;
- Programas de apoio à tradução;
- Fóruns de direitos autorais e copyright restritivo e não-restritivo.

Atualmente há cerca de 30 projetos de incentivo à criação literária distribuídos em âmbito federal, estadual e municipal. Prêmiações, bolsas para pesquisa e manutenção de sites temáticos são alguns exemplos de como as linhas de ação propostas pelo PNLL são aplicadas na prática. Os projetos da esfera federal são, em sua maior parte, ligados à Fundação Biblioteca Nacional.

Ademais, a formação de um público leitor – onde as prioridades governamentais não nos permitem a identificação de rumos no tocante à opção pela cultura e pela educação do povo que guiam – torna-se mais e mais dificultosa, com estorvos de toda natureza.

Óbvio que tem concorrido com obstáculos de naturezas distintas: a falta de visão dos pais que não incentivam os filhos a se debruçarem sobre os livros; a disputa desleal com a TV e a internet; dentre outras e outras razões.

Problemas e dificuldades irão sempre existir. Mas nesta data especial é preciso, antes de tudo, destacar, respeitar e celebrar todo o mérito pertecente a nossos escritores. Mais do que uma arte e do que um ofício, a literatura é uma forma de expressão que apresenta o universo particular do escritor a um mundo muitas vezes aquém do esperado. "Ler é transcender, é possibilitar, é ir além do nosso, por vezes, cruel mundo imediato", afirmou o ministro da Cultura, Gilberto Gil, na introdução do PNLL.

Comemora-se com esta data aqueles que têm dedicado o seu labor literário, buscando a palavra a mais exata e com teor estético que busca alcançar a perfeição, têm encontrado, nestas plagas, dificuldades das mais diversas para publicação e difusão de suas obras.

Fontes:
Lívio Oliveira. In www.natalpress.com
Câmara Brasileira do Livro. In http://www.cbl.org.br/

domingo, 20 de julho de 2008

Folclore Alemão (Tyll, o mestre das artes)

Tyll era um malandro que viajava pela antiga Alemanha inventando golpes para ganhar dinheiro e divertir-se às custas dos nobres. Foi assim que um dia Tyll se apresentou na entrada do castelo de um rei vaidoso e declarou:

- Eu sou um mestre nas artes, um pintor multo famoso, e ouvi dizer que Sua Majestade entende multo de pintura. Será que não gostaria de conhecer o meu trabalho?

Quando lhe contaram do estranho artista que batia à sua porta, o soberano ficou curioso e resolveu testá-lo. Tyll foi levado à presença do rei. Multo esperto, estava vestido igualzinho a um pintor e trazia uma maleta cheia de pincéis e tintas. Convencido de que se achava diante de um grande artista, o rei disse:

- Quero que meu castelo seja o mais belo da Europa. Ninguém entende tanto de arte quanto eu. Vou contratá-lo para pintar dois murais.

- Ah, mas meu talento custa caro, Majestade. E, além do mais, minha arte só pode ser apreciada por pessoas cultas e eruditas! - disse Tyll.

- Multo bem - disse o rei. - Do que você‚ precisa? Quer pincéis e tintas?

- Quero, primeiro, um baú cheinho de moedas de ouro - respondeu Tyll - , e depois o melhor material de pintura que Sua Majestade puder encontrar. .

Muitos dias se passaram e o rei reparou que Tyll ainda não começara a trabalhar. Até que, afinal, ele mandou trancar a porta que dava para o local ande deveria pintar os murais e desapareceu da corte por dois dias dizendo que precisava terminar seu trabalho. Quando voltou, reuniu os membros da corte e, antes de retirar os panos que cobriam os murais, anunciou:

- Fiz uma verdadeira obra de arte. Mas ela só pode ser vista por pessoas inteligentes. Os ignorantes jamais poderão apreciá-la. Em seguida, ordenou que descobrissem os murais. Ninguém conseguiu ver nada, mas, temendo ser chamados de burros, os nobres elogiaram o trabalho. Uma jovem, que desejava impressionar o rei, disse:

- Que lindos castelos o senhor pintou aqui, mestre Tyll.

- Castelos? Creio que minha dama se engana - disse ele. - Será que é realmente capaz de ver minha arte? Pois esta é uma paisagem, e de incrível beleza!

A nobre saiu correndo, envergonhada, e Tyll continuou a falar, humilhando todos os que queriam parecer inteligentes.

Poucos dias depois, a velha cozinheira do rei entrou no sal e viu as paredes nuas e gritou:
- O que é isso, meu rei? Ficou todo mundo louco? Ninguém está vendo que não tem nada pintado nessas paredes?

Quando o rei e seus nobres finalmente perceberam que tinham sido enganados, Tyll, com seu baú de moedas de curo, já estava longe e dando multas risadas.

Fonte:
http://www.snips.com

Folclore Alemão (O rei que queria alcançar a Lua)

Era uma vez um rei muito mimado e teimoso. Todo mundo tinha que fazer exatamente o que ele desejava.

Certa noite ele olhou pela janela e cismou que queria tocar a Lua. Simplesmente não se conformava com o fato de que a Lua fica tão longe de todos nós, até mesmo dos reis.

Mandou construir uma torre altíssima, que chegasse até o céu. Pensava que subindo no topo da torre alcançaria a Lua. Mandou chamar vários construtores e todos lhe diziam a mesma coisa:
- Majestade! É impossível fazer uma torre dessa altura.

E o rei gritava:

- Impossível ‚ uma palavra proibida neste reino. Eu quero a torre e ponto final!

Até que um carpinteiro lhe falou:

- Majestade, se empilharmos mil móveis, acho que alcançaremos o céu!

O rei gostou tanto da idéia que obrigou todos os súditos a amontoar seus móveis. E pobre de quem se recusasse: era levado direto para a prisão!

Naturalmente, quando todos os móveis do reino foram empilhados, o rei descobriu que eles não conseguiam atingir o céu. Então, mandou cortar todas as árvores do reino para fabricar mais móveis e colocá-los na pilha. Quando os carpinteiros que ele contratara acabaram seu trabalho, o rei teimoso sorriu, satisfeito. Sua torre de móveis alcançava as nuvens. Rindo, gritando, ele correu e começou a escalar a pilha até chegar ao topo. E, quando percebeu que nem assim era capaz de tocar a Lua, gritou furioso:

- Quero mais móveis!

E um carpinteiro lhe respondeu:

- Impossível, não há mais madeira!

E o rei ordenou:

- Tire o móvel que está na base da pilha e traga-o para o topo, porque a palavra impossível é proibida no meu reino.

O carpinteiro obedeceu e o que aconteceu já se sabe: a pilha desmoronou e o rei despencou lá de cima. E foi assim que terminou a história do rei teimoso.

Fonte:
http://www.snips.com

LUIS VAZ DE CAMÕES (c.1517 – 1580)

Sua Vida
Luís Vaz de Camões, um dos maiores poetas da língua portuguesa e uma das maiores expressões da literatura épica universal.

Sua bibliografia é obscura. Filho de nobres empobrecidos não se sabe se nasceu em Lisboa ou em Coimbra, embora tenha feito seus estudos em Coimbra. Também não sabem o ano em que nasceu, se foi em 1517, 1524 ou 1525. Por volta e 1542, encontrava-se em Lisboa, onde freqüentava círculos palacianos e, provavelmente, o próprio paço. Talvez tenha sido preceptor do filho do Conde de Linhares. Exilado no Ribatejo devido ao seu romance com Catarina de Ataíde, viajou até Ceuta, para participar da guerra. De regresso a Lisboa em 1549 ou 1550, feriu com espada um certo Gonçalo Borges, sendo preso por essa razão nos calabouços do Tronco. Libertado em 1553, embarcou para a Índia a bordo da nau São Bento. Participou de varias expedições à costa de Calabar, mar Vermelho e golfo Pérsico. Em 1557, ou 1558, foi para Macau, onde talvez tenha exercido o cargo de provedor de defuntos e ausentes. Por motivos ignorados, foi obrigado a retornar a Goa, sob prisão. A nau em que viajava naufragou em frente ao golfo de Tonquim, e Camões alcançou a nado o rio Mekong, savando o manuscrito de Os Lusíadas, já em fase avançada de produção. Chegou a Goa em fins de 1559 ali ficando até 1567, quando embarcou para Portugal. O capitão da nau, porem, deixou o poeta nas costas de Moçambique onde Diogo do Couto foi encontra-lo paupérrimo e vivendo da caridade dos amigos. Conduzido a Portugal em fins de 1569 ou inicio de 1570, fixou-se em Lisboa. Em 1571, obteve licença da Inquisição para publicar seu livro, Os Lusíadas, que só saíram em 1572. Nesse ano, um alvará de D.Sebastião concedeu-lhe uma tença anual de 15.000 réis, durante um período de três anos. Em 10 de junho de 1580, morreu num hospital na mais completa miséria.

Suas Obras

Alem de Os Lusíadas, apenas pequena parte de sua obra foi publicada em vida; três pequenas peças líricas em livros alheios: a ode "Aquele único exemplo", nos Colóquios dos simples e drogas e coisas medicinais da Índia, de Garcia da Orta (de 1563); a alegria "Depois que Magalhães teve tecida"; e o soneto "Vós, ninfas de gantética espessura", nas páginas preliminares do livro História da Província de Santa Cruz a que vulgarmente chamam de Brasil, de Pero de Magalhães Gandavo (1576). A totalidade da obra dramática (Anfitriões, Filodemo e Alto d`el rei Seleuco), quase toda a lírica e as cartas são de publicação póstuma. Profundo Conhecedor tanto do estilo poético latino quanto das trovas e cantigas populares, praticou todos os gêneros poéticos. Fez versos tradicionais, em redondilha, com cinco ou sete silabas, e cultivou todos os gêneros clássicos: a écloga de Virgílio, a ode de Horácio, a canção e o soneto de Petrarca, a alegria, etc. e foi primeiro poeta português a escrever uma epopéia clássica. A obra lírica de Camões – típico representante na Renascença portuguesa – oscila entre dois pólos: a atitude espontânea, em que o poeta da vazão a sua experiência intima, e a postura puramente artística, com que pretende desligar-se do clima emocional, atingindo pleno domínio da forma. Na segunda, Camões revela-se um artesão sutil e delicado; ordenando imagens em antítese e paradoxos, antecipou-se à explosão barroca.

Poesia épica de Camões:

Os Lusíadas

Forma: A mais importante epopéia em língua portuguesa teve como modelo literário a Ilíada e a Odisséia, do poeta grego Homero. Camões compôs "Os Lusíadas" em 10 cantos, divididos em 1.102 estrofes regulares de 8 versos cada uma, totalizando em 8.816 versos.

Todas as estrofes tem o mesmo esquema rítmico: abababcc, ou seja, rimas cruzadas em 6 versos e emparelhada em dois. São versos decassílabos heróico e o poema se organiza em:
Proposição do assunto (canto 1, estrofe 1 - 3)
Invocação às Tágides, musas do rio Tegio (canto 1, estrofes 4 - 5)
Dedicatórias a D. Sebastião (canto 1, estrofes 6-18)
Narração da viagem de Vasco da Gama (estrofes 19 - 1.045)
Epílogo, contendo um fecho dramático a respeito da cobiça e o episodio da ilha dos Amores (estrofe 1.046 - 1.102)

Enredo:

Canto I – Inicia-se a narração com a armada de Vasco da Gama já a caminho de Moçambique. Ocorre, no Olimpo, o Concílio dos deuses: Baco é contra a viagem; Vênus e Marte são a favor. Marte propõe que Mercúrio guie os portugueses. Baco instrui o rei de Moçambique contra os portugueses, mas Vasco da Gama prossegue até Mombaça (o Quênia).

Canto II – Baco continua as suas manobras, instigando os mouros contra os lusitanos. Vênus intercede Juno a Júpiter, que prever glória aos portugueses. Mercúrio aparece num sonho de Vasco da Gama e o aconselha a ir para Melinde. Lá, o navegante começa a contar ao rei história de Portugal.

Canto III – Fazem parte do relato ao monarca de Melinde os episódios de Egas Moniz, o da batalha do Salado e o do Inês de Castro.

Canto IV – Procegue a historia de Portugal, estando em foco a ascensão do Mestre de Avis e o episodio do velho do Restelo: um ancião que aparece na praia do Restelo, advertindo os portugueses sobre os perigos provocados pela vaidade e desejo de fama.

Canto V – Vasco Da gama continua narrando ao rei de Melinde sobre como navegou perigosamente pela costa africana. Em foco, o Fogo de Santelmo, a tromba marítima e o episódio do Gigante Adamastor, figura mítica que personifica o Cabo das Tormentas, mais tarde chamado de Cabo da Boa Esperança.

Canto VI – A frota deixa Melinde rumo as Índias. Baco pede ajuda a Netuno, Deus do mar contra os portugueses. Éolo - Deus dos ventos – desencadeia uma tempestade, mas Vênus intervem e manda as ninfas seduzirem os ventos. A esquadra chega a Calicut (na Índia).

Canto VII – Descrição da Índia. Desembarque e entrevista com o Samorim (rei Hindu). O catual (regedor) visita a frota e pede a Paulo da Gama que Explique os significados das Bandeiras.

Canto VIII - Explicação detalhada de Paulo da Gama sobre os grandes vultos de Portugal. Baco, em sonho, instruiu um sacerdote mulçumano contra os portugueses. Vasco da Gama é preso e trocado por mercadorias.

Canto IX – Os catuais tentam retardar a volta da frota, mas a armada parte. Vênus resolve compensar os lusitanos e ordena a Cupido e à Fama que preparem a Ilha dos Amores. As ninfas lá se instalam e Tétis, deusa dos oceanos, recepciona os portugueses.

Canto X – Banquete no palácio de Tétis, que apresenta a Vasco da Gama a "máquina do mundo", que é a descrição do universo e da Terra.

Poesia Lírica de Camões

A obra lírica de Camões é constituída de poemas feitos na medida velha e na medida nova. A medida velha obedece a poesia de tradição popular, as redondilhas, de 5 ou 7 sílabas (menor ou maior, respectivamente). São composições com um mote (um tema) que se desenvolve em glosas.

Os poemas em medida nova são formas poéticas ligadas a tradição clássica. São eles:
Sonetos (composições poéticas de 14 versos, distribuídas em dois quartetos e dois tercetos);
Éclogas (poesia em forma de diálogo, com tema pastoril);
Elegias (composições que expressam tristeza);
Canções (composições curtas);
Oitavas (poemas com as estrofes de 8 versos);
Sextinas (poemas com as estrofes de 6 versos).

O amor, na poesia lírica de Camões, aparece como um sentimento que leva o homem, tornando-o capaz de atingir o Bem, a Beleza e a Verdade. Também aparece como um sentimento contraditório pela própria natureza. De um lado, ele é manifestação do espírito; de outro, é manifestação carnal. Para Camões, o amor deve ser experimentado, e não apenas intelectualizado. Em sua poesia lírica, o poeta passa a idéia de que o amor só vale a pena quando é complexo, e contraditório. Nos poemas de medida velha, Camões está mais próximo da poesia popular medieval, já nos de média nova aproxima-se de grandes vultos clássicos como o italiano Petrarca, por exemplo.

Exemplos de Poesias Líricas de Camões:
Medida Velha:
Descalça vai para a fonte
Mote
Descalça vai para a fonte
Lianor, pela verdura;
Vai fermosa, e não segura.
Voltas
Leva na cabeça o pote,
Os textos nas mãos de prata,
Cinta de fina escarlata,
Sainho de chamalote;
Trás a vasquinha de cote,
Mais Branco que a neve pura;
Vai fermosa, e não segura.
Descobre a touca a garganta,
Cabelos de ouro o entrançado,
Fita de cor de encarnado,
Tão linda que o mundo espanta.
Chove nela graça tanta,
Que dá graça à fermosura:
Vai fermosa, e não segura.

Medida Nova

A parte mais representativa das poesias líricas camonianas são os seus sonetos – todo em versos decassílabos – e que apresenta um verdadeiro ideário do amor.

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o Mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.
Continuamente vemos novidades,
Diferente em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.
O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto
E, afora esta mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de amor espanto,
Que não se muda já como soía.

Abordagem sobre o Trabalho de Camões

Da obra de Camões foram publicados, em vida do poeta, três poemas líricos, uma ode ao Conde de Redondo, um soneto a D. Leonis Pereira, capitão de Malaca, e o poema épico Os Lusíadas. Foram ainda representadas as peças teatrais Comédia dos Anfitriões, Comédia de Filodemo e Comédia de El-Rei Seleuco. As duas primeiras peças foram publicadas em 1587 e a terceira, apenas em 1645, integrando o volume das Rimas de Luís de Camões, compilação de poesias líricas antes dispersas por cancioneiros, e cuja atribuição a Camões foi feita, em alguns casos, sem critérios rigorosos. Um volume que o poeta preparou, intitulado Parnaso, foi-lhe roubado.

Na poesia lírica, constituída por redondilhas, sonetos, canções, odes, oitavas, tercetos, sextinas, elegias e éclogas, Camões conciliou a tradição renascentista (sob forte influência de Petrarca, no soneto) com alguns aspectos maneiristas. Noutras composições, aproveitou elementos da tradição lírica nacional, numa linha que vinha já dos trovadores e da poesia palaciana, como por exemplo nas redondilhas «Descalça vai para a fonte» (dedicadas a Lianor), «Perdigão perdeu a pena», ou «Aquela cativa» (que dedicou a uma sua escrava negra).

É no tom pessoal que conferiu às tendências de inspiração italiana e na renovação da lírica mais tradicional que reside parte do seu gênio.

Na poesia lírica avultam os poemas de temática amorosa, em que se tem procurado solução para as muitas lacunas em relação à vida e personalidade do poeta. É o caso da sua relação amorosa com Dinamene, uma amada chinesa que surge em alguns dos seus poemas, nomeadamente no conhecido soneto «Alma minha gentil que te partiste», ou de outras composições, que ilustram a sua experiência de guerra e do Oriente, como a canção «Junto dum seco, duro, estéril monte».

No tratamento dado ao tema do amor é possível encontrar, não apenas a adoção do conceito platônico do amor (herdado da tradição cristã e da tradição e influência petrarquista) com os seus princípios básicos de identificação do sujeito com o objeto de amor («Transforma-se o amador na cousa amada»), de anulação do desejo físico («Pede-me o desejo, Dama, que vos veja / Não entende o que pede; está enganado.») e da ausência como forma de apurar o amor, mas também o conflito com a vivência sensual desse mesmo amor. Assim, o amor surge, à maneira petrarquista, como fonte de contradições, tão bem expressas no justamente célebre soneto «Amor é fogo que arde sem se ver», entre a vida e a morte, a água e o fogo, a esperança e o desengano, inefável, mas, assim mesmo, fundamental à vida humana.

A concepção da mulher, outro tema essencial da lírica camoniana, em íntima ligação com a temática amorosa e com o tratamento dado à natureza (que, classicamente vista como harmoniosa e amena, a ela se associa, como fonte de imagens e metáforas, como termo comparativo de superlativação da beleza da mulher, e, à maneira das cantigas de amigo, como cenário e/ou confidente do drama amoroso), oscila igualmente entre o pólo platônico (ideal de beleza física, espelho da beleza interior, manifestação no mundo sensível da Beleza do mundo inteligível), representado pelo modelo de Laura, que é predominante (vejam-se a propósito os sonetos «Ondados fios de ouro reluzente» e «Um mover d'olhos, brando e piedoso»), e o modelo renascentista de Vénus.

Temas mais abstratos, como o do desconcerto do mundo (expresso no soneto “Verdade, Amor, Razão, Merecimento” ou na esparsa “Os bons vi sempre passar/no mundo graves tormentos”), a passagem inexorável do tempo com todas as mudanças implicadas, sempre negativas do ponto de vista pessoal (como observa Camões no soneto «Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades»), as considerações de ordem autobiográfica (como nos sonetos «Erros meus, má fortuna, amor ardente» ou «O dia em que eu nasci, moura e pereça», que transmitem a concepção desesperançada, pessimista, da vida própria), são outros temas dominantes da poesia lírica de Camões.

No entanto, foi com Os Lusíadas que Camões, embora postumamente, alcançou a glória. Poema épico, seguindo os modelos clássicos e renascentistas, pretende fixar para a posteridade os grandes feitos dos portugueses no Oriente. Aproveitando a mitologia greco-romana, fundindo-a com elementos cristãos, o que, na época, e mesmo mais tarde, gerou alguma controvérsia, Camões relata a viagem de Vasco da Gama, tomando-a como pretexto para a narração da história de Portugal, intercalando episódios narrativos com outros de cariz mais lírico, como é o caso do da «Linda Inês». Os Lusíadas veio a ser considerado o grande poema épico nacional. Toda a obra de Camões, de resto, influenciou a posterior literatura portuguesa, de forma particular durante o Romantismo, criando muitos mitos ligados à sua vida, mas também noutras épocas, inclusivamente a atual. No século XIX, alguns escritores e pensadores realistas colaboraram na preparação das comemorações do terceiro centenário da sua morte, pretendendo que a figura de Camões permitisse uma renovação política e espiritual de Portugal.

Amplamente traduzido e admirado, é considerado por muitos a figura cimeira da língua e da literatura portuguesas. São suas a coletânea das Rimas (1595, obra lírica), o Auto dos Anfitriões, o Auto de Filodemo (1587), o Auto de El-Rei Seleuco (1645) e Os Lusíadas (1572)

Fontes:
- Salomão de Oliveira Júnior. Camões. Trabalho de Literatura. Escola Técnica Virgínia Patrick.
-
http://www.astormentas.com/

Luis Vaz de Camões (Sonetos)

SONETO 005

Amor é um fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.
É um não querer mais que bem querer;
é um andar solitário entre a gente;
é nunca contentar se de contente;
é um cuidar que ganha em se perder.
É querer estar preso por vontade;
é servir a quem vence, o vencedor;
é ter com quem nos mata, lealdade.
Mas como causar pode seu favor
nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor?

SONETO 042

Amor, que o gesto humano n'alma escreve,
vivas faíscas me mostrou um dia,
donde um puro cristal se derretia
por entre vivas rosas e alva neve.
A vista, que em si mesma não se atreve,
por se certificar do que ali via,
foi convertida em fonte, que fazia
a dor ao sofrimento doce e leve.
Jura Amor que brandura de vontade
causa o primeiro efeito; o pensamento
endoudece, se cuida que é verdade.
Olhai como Amor gera num momento,
de lágrimas de honesta piedade
lágrimas de imortal contentamento.

SONETO 113

Lembranças que lembrais meu bem passado
para que sinta mais o mal presente,
deixai-me (se quereis) viver contente,
não me deixeis morrer em tal estado.
Mas se também de tudo está ordenado
viver (como se vê) tão descontente,
venha (se vier) o bem por acidente,
e dê a morte fim a meu cuidado.
Que muito milhor é perder a vida,
perdendo-se as lembranças da memória,
pois fazem tanto dano ao pensamento.
Assi que nada perde, quem perdida
a esperança traz de sua glória,
se esta vida há-de ser sempre em tormento.

SONETO 007

O fogo que na branda cera ardia,
vendo o rosto gentil que eu n'alma vejo,
se acendeu de outro fogo do desejo,
por alcançar a luz que vence o dia.
Como de dous ardores se encendia,
da grande impaciência fez despejo,
e remetendo com furor sobejo
vos foi beijar na parte onde se via.
Ditosa aquela flama, que se atreve
[a] apagar seus ardores e tormentos
na vista de que o mundo tremer deve.
Namoram se, Senhora, os Elementos
de vós, e queima o fogo aquela neve
que queima corações e pensamentos.

Fonte:
http://www.bibvirt.futuro.usp.br/