sábado, 10 de dezembro de 2011

Manoel de Barros (Poemas Rupestres) Parte IV


6.

NA GUERRA

Prefeito despachou estafeta a cavalo com
uma carta ao Imperador.
A carta anunciava a invasão da cidade por
tropas paraguaias
E pedia recursos.
Dois meses depois o estafeta entregava a
carta ao Imperador.
Quando os recursos chegaram os paraguaios
não estavam mais.
Levaram quinze moças louçãs e um pouco
de mantimentos
Para comer na viagem.
Acho que comeram tudo.
(Corumbá é uma cidade cuja população
é bem mesclada de paraguaios.)

Poema narrativa e piada. Jocosamente o poema constrói, valendo-se da história de uma narrativa com forte carga de “ambigüidade”; centraliza-se o sentido no verbo “comer” - Também quer explicar a origem de tantos corumbaenses de ascendência paraguaia.

A leveza do poema une as partes e sustenta a evidente conclusão histórica!

7.

NO SÍTIO

A gente morava no Sítio, duas léguas da Capital.
Na estrada de terra que passava no Sítio só tinha
três vacas vadias, três cabras vadias, um
bandarra velho e a égua Floripa.
Meu avô queria passear na Capital.
Mandou encilhar Floripa. E saiu.
No meio da estrada o avô desamontou para verter
água. Verteu.
No intervalo Floripa virou a cara pro lado do
Sítio. E parou.
Meu avô amontou de novo e apertou a marcha.
Logo Floripa estacou em frente de nossa casa.
Meu avô entrou e disse: Gostei de ver a Capital.
Já tem até vaca na rua!
É fruto de progresso.
Floripa estava parece que rindo na porta.

De forma semelhante ao poema anterior, o poeta constrói o percurso deste a partir da ambigüidade da expressão “virar a cara” e determinar o fecho do poema conforme às circunstâncias da viagem do avô que a tornaram meio histriônica.

Talvez outra expressão que alicerça o sentido hílare do poema surge na afirmação do avô:

-“Gostei de ver a capital!”. Essa circunstância tem o seu valor correlacionado à cultura rural do Pantanal em tempo de fundações das fazendas. Época em que predominando uma cultura rural, “ver a capital!” serviria para confrontar e suscitar intercâmbio de perspectivas. O poema conota essas perspectivas culturais.

8.

OS DOIS

Eu sou dois seres.
O primeiro é fruto do amor de João e Alice.
O segundo é letral:
E fruto de uma natureza que pensa por imagens,
Como diria Paul Valéry.
O primeiro está aqui de unha, roupa, chapéu
e vaidades.
O segundo está aqui em letras, sílabas, vaidades
Frases.
E aceitamos que você empregue o seu amor em nós.

Este poema, em tom jocoso, descreve ou apresenta como o autor se vê.

No confronto consigo mesmo, ser poeta aponta duas vertentes e tenta explicitar a constituição de cada uma. Apresenta suas origens paternas e suas origens poéticas interligadas indistintamente em seu ser, em sua pessoa. Pai e mãe lhe deram a vida humana; talvez Paul Valéry lhe tenha dado o rumo da construção de seu ser poeta: “uma natureza que pensa por imagens”.

O filho de João e de Alice se vê como pessoa qualquer. De roupa e chapéu e vaidades. Ao passo que descendente de Paul Valéry ou das imagens, se vê cheio de letras e palavras. Ambos têm em comum uma propriedade que não se vê mas confere qualidade e postura, ambos estão cheios de vaidades.

Esse elo entre os dois segmentos do poeta traz-lhe consistência e fortalece-lhe o desejo de ser forte em ambos: ser um homem vaidoso e um poeta vaidoso. A vaidade é sua consistência.

Ele o confessa com leveza e muita ironia. Neste ato vê-se também com complacência e agrado; não hesita e reitera a força da vaidade humana e poética que o anima: “Aceitamos que você empregue o seu amor em nós!”

Neste poema existe uma confissão velada da vaidade que anima o poeta – em especial a vaidade surge, alimenta-se do reconhecimento obtido e do esperado.

Tanto o homem como o poeta confessam-se vaidosos. Assume a vaidade de modo ambíguo e universal; declara-se também vaidoso, mas com uma pitada de auto-ironia!

9.

TEOLOGIA DO TRASTE

As coisas jogadas fora por motivo de traste
são alvo da minha estima.
Prediletamente latas.
Latas são pessoas léxicas pobres porém concretas.
Se você jogar na terra uma lata por motivo de
traste: mendigos, cozinheiras ou poetas podem pegar.
Por isso eu acho as latas mais suficientes, por
exemplo, do que as idéias.
Porque as idéias, sendo objetos concebidos pelo
espírito, elas são abstratas.
E, se você jogar um objeto abstrato na terra por
motivo de traste, ninguém quer pegar.
Por isso eu acho as latas mais suficientes.
A gente pega uma lata, enche de areia e sai
puxando pelas ruas moda um caminhão de areia.
E as idéias, por ser um objeto abstrato concebido
pelo espírito, não dá para encher de areia.
Por isso eu acho a lata mais suficiente.

Idéias são a luz do espírito — a gente sabe. Há idéias luminosas — a gente sabe.
Mas elas inventaram a bomba atômica, a bomba
atômica, a bomba atôm.................................
........................................................... Agora
eu queria que os vermes iluminassem.
Que os trastes iluminassem.

No título estampam-se os horizontes que o poeta quer para o poema: a matéria mais ínfima e a transcendência. Se o traste recebe esta denominação oriunda do cenário das atividades do homem quando se posiciona perante si, perante a natureza e perante os outros homens, com algo que não mais vai lhe servir. Assim o homem capaz de se construir como tal, referencia-se também com algo que está além dele e a que atribui todo o poder que o transcende. Dessa forma esse horizonte que transcende é tomado e integrado ao traste, a tudo aquilo que o homem já desprezou. Assim se compreende o título TEOLOGIA DO TRASTE – Deus e o traste. Para o homem racional que constrói as idéias e os mundos a partir do abstrato, ele, poeta, contrapõe até o transcendente como imanente ao Traste. Aquilo que é desprezível ao homem cujo padrão principal seja a medida da utilidade, ele contrapõe o desprezível tomado pelo transcendente. Teologia do Traste aproxima os opostos e dignifica o traste conferindo-lhe sublimidade à sua concretude desprezível; para o poeta acontece assim a reversibilidade dos opostos: o que é desprezível torna-se sublime e consagrado como tal pelo poder de Deus que, principalmente e ali, está presente conferindo a sublimidade das mudanças e transformações visíveis não racionais. Para o poeta acontece a reversibilidade dos padrões: o racional pode ser poderoso mas não consegue ter a força do traste em contínua mutação visível.

Tudo o que é traste é objeto da estima do poeta que confessa sua fraqueza pelas latas em estado de deterioração. Define-as ironicamente a partir dos conceitos racionais: “Latas são pessoas léxicas pobres porém concretas!” Aqui a palavra que segura o sentido — “Pessoas léxicas”— como sendo pessoas capazes de estabelecer relações e capazes de criar sentidos ou significados a partir da razão, ao se referirem às latas, se empobrecem, uma vez que não sabem tirar metáforas do concreto.

As pessoas que gostam de latas são os amigos do poeta por serem simples: mendigos, cozinheiras ou poetas. Esse é o horizonte de valor proposto pelo poeta. Proclama outra capacidade inerente às latas: “elas são muito suficientes”! ou mais suficientes que as idéias. Seguindo o poeta o seu raciocínio, demonstra que os objetos concebidos pelo espírito não podem ser “pegos” pelos mendigos ou cozinheiras, ao passo que as latas são melhores que as idéias porque “A gente pega uma lata, enche de areia e sai puxando pelas ruas moda um caminhão de areia.” Ao passo que as idéias não podem ser tomadas e serem transformadas como uma lata que pode virar ou se transformar em um caminhão de areia. O abstrato das idéias uma vez estabelecido não se muda ou se transforma, ao passo que uma lata pode se transformar naquilo que um inventor como o poeta a quiser transformar. Assim declara o poeta: “Por isso eu acho a lata mais suficiente”... pode-se fazer com ela um mundo lúdico e de felicidade. Ao passo que as idéias utilitárias podem ser o berço de uma bomba atômica, o que é muito desastroso.

Por outro lado, afirma que “Idéias são a luz do espírito” e imediatamente contrapõe sua posição quanto à luz do espírito: “Eu queria que os vermes iluminassem./ Que os trastes iluminassem.” Pois estes não construiriam, mesmo iluminados, a bomba atômica. Os vermes sabem oferecem um mundo mais transformador e iluminado. Inaugurado em muita luz na simplicidade que um traste é capaz de anunciar.

O poeta aqui retoma o seu tema predileto em livros anteriores: tudo o que for desprezível é bom para a poesia. Assim as pequenas coisas, o traste e os objetos desprezíveis são ótimos para um sentido muito amplo da vida, servem para se contemplar a criação, a invenção poética.

10.

GARÇA

A palavra garça em meu perceber é bela.
Não seja só pela elegância da ave.
Há também a beleza letral.
O corpo sônico da palavra
E o corpo níveo da ave
Se comungam.
Não sei se passo por tantã dizendo isso.
Olhando a garça-ave e a palavra garça
Sofro uma espécie de encantamento poético.

O poema "GARÇA" exemplifica a relação do poeta com as palavras. Usa a natureza, a própria ave como ponto referencial da palavra; a elegância da ave se consubstancia na ‘beleza letral' da palavra. Para o poeta as belezas se comungam e transferem a arte, a beleza ou leveza do ser para o ser do poema com a elegância e altivez de uma ave/garça.

Ao descobrir a integração do belo no verbo e na ave o poeta confessa seu estado de gozo estético ou encantamento. Tanto uma como a outra são portadoras de uma configuração com que preenchem as exigências da verdade de suas belezas ou de uma única beleza simbiótico-verbal.

Para que esse encantamento acontecesse alguns traços se intercalam e compõem o cenário integrado expressivo do belo. Se por um lado a garça/ave se lança ao olhar com altivez, postura e leveza, por outro apresenta presteza, atenção, elegância e certa ferocidade com que, através do bico longo e pontiagudo, ataca a presa com rapidez, precisão e elegância. A garça permanece em sua postura de distinção, de solenidade e de traços muito bem precisos, não se inserindo no cenário com simulações, ao contrário, com sua silhueta muito clara e talhada, escultural.

Da mesma forma a palavra GARÇA tem uma base bem clara e definida os sons de suas duas vogais elementares e abertas; esses ‘as' dão suporte à palavra em termos de extensão e abertura. A pronúncia da palavra sustém a boca em estado de abertura e a imaginação em ângulo que abarque o universo ou o horizonte. Da mesma forma o ‘g' – minúsculo – combina com a esbelteza e altura anatômica da ave; o som do ‘ç' pode indicar um apoio e suavidade, ao passo que o ‘r' pode indicar a sua qualidade de rapina. O ‘r' combina com capacidade de matar para sobreviver, associa-se à qualidade de “rapina” e integra o sentido e a beleza da garça que, por sua vez, também tem que pescar, matar o peixe ou caramujo para sobreviver.

A fonética, a estrutura gráfica e a ave criam um conjunto que ofereceu-se à contemplação do poeta e ele ficou enternecido: “Sofro uma espécie de encantamento poético.” Em outras palavras, entregou-se ao belo que se oferecia à sua imaginação contemplativa da natureza. O poema é o registro estético dessa revelação mediante o trabalho do poeta.

11.

NO ASPRO

Queria a palavra sem alamares, sem
chatilenas, sem suspensórios, sem
talabartes, sem paramentos, sem diademas,
sem ademanes, sem colarinho.
Eu queria a palavra limpa de solene.
Limpa de soberba, limpa de melenas.
Eu queria ficar mais porcaria nas palavras.
Eu não queria colher nenhum pendão com elas.
Queria ser apenas relativo de águas.
Queria ser admirado pelos pássaros.
Eu queria sempre a palavra no áspero dela.

O título do poema exemplifica o seu desenrolar, ou exemplifica a maneira como o poeta trata as palavras que lhe chegam de mansinho em sua mente. ASPRO é resultante de um processo de síncope da palavra ÁSPERO. Justamente tudo que é áspero pode ser trabalhado ou polido ou transformado em algo mais vistoso ou mais elegante ou ainda em algo que corporifique o belo possível.

A forma bruta é áspera ao se pensar em madeira, pedra, terra, argila, massa ou qualquer outra matéria em estado informe; dessa maneira deseja o poeta encontrar o âmago da palavra. Não quer a palavra polida, acertada ou enfeitada por adjetivos, laços ou fitas, lantejoulas ou purpurina, deseja encontrar a palavra já usada ou em estado bruto, rude, elementar. Se não a encontra em ‘estado de dicionário', cheia de formalidades, mas rica de traçado originário, em outros poemas o poeta até que se deixa levar por essa oferta. Ainda uma terceira seara de palavras pode ser agradável ao poeta: quando encontra as palavras em estado de abandono, de traste ou de lixo, em decomposição... Ele as redime dando-lhes novos significados pertinentes de alma ou de suas raízes, ou ainda colocando-as em contato com o estado de deterioração deixando-as se contaminarem por escórias de toda sorte, incute-lhes um vigor rústico e lúdico advindo da terra, da força mutacional de qualquer ser em estado de transformação e que se deixa contaminar por uma força gratuita que recebe por obra e serviço do poeta. Para isso ele se coloca em estado de trabalho e de luta, sua em cima das palavras para que elas adquiram novo vigor em contato com o lixo do ‘desaprender' que o poeta lhe oferece como um prato de lentilhas... Elas se deixam levar por esse mosto sedutor e se dispõem a seguir o jogo do poeta que as trata e lhes revigora o sentido.

Este título é o exemplo de como ele tirou a nobreza, altivez medieval de uma palavra proparoxítona para torná-la comum, mais curta, humilde e mais crua, rompante e cortante. Tirou-lhe a solenidade para torná-la crua, aspra, como que cortante.

Fonte:
Portal das Letras - Pe. Afonso de Castro
http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/livros/analises_completas/p/poemas_rupestres

Monteiro Lobato (Reinações de Narizinho) Aventura do Príncipe – VIII – O Novo Desastre


— Isso é mais difícil. Estou muito velha e perrengue. Poderei molhar-me pelo caminho a adoecer.

Emília, que ainda estava dentro do bolso de Narizinho, espichou para fora a cabeça.

— Molhar como? — disse ela muito espevitadamente. — Pois a senhora vai de guarda-chuva!...

Narizinho empurrou-a outra vez para o fundo do bolso e, voltando-se para dona Benta, perguntou:

— Que presente poderemos dar ao príncipe, vovó? Ele não pode voltar de mão abanando. — Você é que sabe o gosto dele, minha filha.

— Escamado apreciou muito a vaca mocha, mas isso não convém dar. Na minha opinião acho que o melhor é dar... é dar...

Engasgou. Não sabia o que dar. Nisto apareceu Pedrinho, de volta do passeio com o capitão da guarda. Consultado, resolveu o problema imediatamente. — Muito simples — disse ele. – Há aquelas quatro rodinhas que sobraram do despertador que consertei.

Roda é coisa que não existe no oceano. Juro que o príncipe vai ficar contentíssimo.

Todos aprovaram a idéia, e Escamado recebeu de presente as quatro rodinhas como lembrança das quatro pessoas do sítio.

Na hora de partir houve choro. Até Emília fugiu do bolso da menina, aparecendo com duas lágrimas da torneira nos olhos de retrós. Aproximou-se do príncipe, muito cautelosa para que Narizinho não visse, e cochichou-lhe disfarçadamente:

— Se o senhor príncipe me conseguir uma boa aranha costureira, eu arranjo jeito de dona Benta trocar a mocha por um tubarão...

Terminadas as despedidas, lá se foi o príncipe com a sua comitiva, todos de nariz vermelho de tanto chorar.

Dona Benta, tia Nastácia, Narizinho e Emília à janela acenavam saudosamente com os lenços.

— Adeus! Adeus!

Depois que desapareceram ao longe, a primeira a falar foi Narizinho.

— O que vale é que o gato Félix não tarda por aí. Se não fosse isso, não sei o que seria de nós — nesta tristeza das saudades...

Nem bem acabou de falar e o gato Félix surgiu no terreiro, a miar aflito.

— Acudam!... O príncipe está se afogando... Todos correram ao encontro do gato, sem compreenderem o que ele dizia.

— Afogando como, se o príncipe é peixe? — exclamou a menina.

— Sim, mas passou toda a tarde fora d’água e desaprendeu a arte de nadar.

— Socorro! — berrou Narizinho, disparando como louca na direção do rio para salvar o seu amado príncipe...
––––––––
Continua... O Gato Felix – I – A história do gato

Fonte:
LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. I. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa

José Carlos Dutra do Carmo (Manual de Técnicas de Redação) Parte XI

Justificar
INÍCIO.

Evite iniciar sua redação com digressões. O início deve ser curto, sem evasivas.

INSPIRAÇÃO.

No momento da criação – inspiração – não iniba o que vem à mente, seja o que for. Portanto, rascunhe o que for aparecendo. Pode ser que surja algo muito bom em meio às idéias aparentemente desordenadas.

INTERJEIÇÃO, EXCLAMAÇÃO.

Não abuse do uso das interjeições e exclamações. Tire proveito delas, no entanto, para destacar as emoções e as explosões de sentimentos das personagens.

Arre! Precisava gritar desse jeito e assustar todo mundo?

— Dobre a língua! — gritou vermelha de cólera. — Você é tão arrogante que ninguém mais aguenta a sua presença.

INTERNET.

Na rede mundial de computadores há dezenas de cursos “on-line” de redação, muitos dos quais de altíssima qualidade, sendo alguns gratuitos.

INTRODUÇÃO.

É o início da redação e deve conter um resumo, em poucas pinceladas, daquilo que abordaremos no restante do texto.

A introdução precisa ser rápida. Evidentemente, nunca terá tamanho igual ao do desenvolvimento. Numa redação de 20 linhas, por exemplo, não deve exceder 4 ou 5 linhas.

A Introdução apresenta a idéia que será discutida no desenvolvimento. É nessa parte que se dá ao leitor uma informação sobre o assunto que será tratado. Deve ser pequena, porque, se a alongarmos demais, correremos o risco de esgotarmos o assunto no primeiro parágrafo.

PROCURE EVITAR, NA INTRODUÇÃO, FRASES COMO:

Meu caro leitor,...
Bem, atualmente, no mundo em que vivemos...
Não tenho palavras para exprimir o que sinto, mas...
Vou tentar falar sobre o tema, embora não seja fácil abordar este assunto.
Sei que não sou a pessoa mais indicada para falar sobre esse assunto. Entretanto...
Embora sabendo que a minha opinião é uma gota d’água no oceano, tentarei externá-la.

DIGRESSÃO

Evite iniciar sua redação com digressões (o início deve ser curto). Digressão é não ter ordenação de idéias, é ficar indo e voltando, o que confunde o leitor.

EXEMPLOS DE DIGRESSÕES
Devemos, aqui, propor um parêntese breve...
Evite isso, porque demonstra que a ordem das idéias ainda está confusa.

Por falar nisso, lembro-me de uma situação vivida algum tempo atrás...
Poderia ter sido falado antes, se tivesse havido planejamento da redação.

Antes de falar nisso, voltemos no tempo,...
Gera o processo de sair momentaneamente do tema e pode provocar problemas de entendimento.

IRONIA.

Quando quiser criticar determinado acontecimento ou pessoa, de forma humorística, depreciativa ou sarcástica, e sem apresentar posição às claras para o leitor, use o expediente da ironia.

Menina, você é um primor; não arruma nem sua própria cama!
...o velho começou a ficar com aquela cor de uma bonita tonalidade cadavérica.
Moça linda, bem tratada, três séculos de família, burra como uma porta: um amor.

LEITURA.

Quem lê adquire desenvoltura para criar seu próprio texto.

A leitura completa o homem, enriquece-o; a conversação torna-o ágil; e o escrever dá-lhe precisão.

Quando lemos, nosso cérebro forma uma imagem de cada palavra. É dessa maneira que sabemos como os vocábulos são escritos.

LER é ampliar horizontes; armazenar informações; compreender o mundo; comunicar-se melhor; desenvolver-se; escrever com desenvoltura; relacionar-se melhor com todas as pessoas.

Leia muito, tudo o que encontrar pela frente, inclusive revistas informativas e técnicas (Veja, Isto É, Carta Capital, Superinteressante), jornais (Folha de São Paulo, O Globo, O Estado de São Paulo, Jornal do Brasil) e, principalmente, boas obras literárias, como romances, dentro de seu nível de estudo e de sua faixa etária. O ato de escrever está muito ligado ao ato de ler.

UM BRADO DE ALERTA: Quem pouco lê vai se dar muito mal em redação quando for prestar vestibular!

A leitura permanente e intensa faz milagre, já que, por meio dela, se aprende muita coisa sem se perceber, especialmente na parte gramatical relativa à acentuação, ortografia e pontuação. Se a pessoa nada lê, será inútil decorar uma infinidade de regras gramaticais.

Uma sugestão bem intencionada para os que querem crescer: estude para assimilar, fixar, enfim, aprender. Só assim será capaz de manipular seu conhecimento com criatividade.

Não cultivar a leitura é um desastre para quem deseja expressar-se bem. Ela é condição essencial para melhorar a linguagem oral e escrita. Quem lê interioriza as regras gramaticais básicas e aprende a organizar o pensamento.

Uma boa sugestão de leitura? A coletânea, atualmente com trinta e um livros, PARA GOSTAR DE LER. A maioria absoluta dos textos é formada por centenas de crônicas dos melhores cronistas brasileiros. Serve para toda a família, inclusive para os filhos em idade escolar a partir dos dez anos. São textos curtos, simples e deliciosos.

LETRAS FLOREADAS.

Evite fazer letras floreadas, enfeitadas, com perninhas e rabinhos porque, às vezes, confundem-se umas com as outras e ficam até deformadas (o “r” minúsculo, estando floreado, parece “s”), o que dificulta sobremaneira o perfeito entendimento do que está escrito. O “o”, por exemplo, é redondo e não tem perninha.

Portanto, NÃO FAÇA:

palavras descendo morro;
última letra do vocábulo com prolongamento exagerado para baixo;
linha ou traços que cortem a palavra;
a letra “c” com traços enrolados sobre ela;
palavra com letras separadas;
“n” parecido com “r”;
“m” com cara de “n”;
“t” se confundindo com “f”;
“rr” parecido com “m” ou vice-versa.

LIMPEZA.

Faça a redação limpa, sem borrões ou garranchos, e bem legível.

A limpeza contribui muito para deixar a redação bem apresentável.

O que dizer das redações cheias de borrões e sujeiras? Uma prova limpa, sem rasuras e legível, causará boa impressão ao professor.

Não risque as palavras nem faça qualquer tipo de rasura na redação, pois esse tipo de detalhe deixará uma impressão muito ruim de você.

Procure manter uma letra razoável, e nada de emporcalhar a folha. É o mínimo que se deve fazer para que o conteúdo e a qualidade do texto não desapareçam no meio de rabiscos.

LINGUAGEM COLOQUIAL.

Evite o uso da linguagem popular (coloquial) ou extravagante, bem como as que atribuem referências grandiosas sem que possam ser aceitas ou cientificamente comprovadas.

LINHAS.

Não exceda o número de linhas pedidas como limites máximos e mínimos. A tolerância máxima é de aproximadamente cinco linhas aquém ou além dos limites.

Fonte:
http://www.sitenotadez.net

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Trova 215 - José Lucas de Barros (Natal/RN)

Fernando Sabino (Dez Minutos de Idade)


A enfermeira surgida de uma porta me impôs silêncio com o dedo junto aos lábios e mandou-me entrar.

Estava nascendo! Era um menino.

Nem bonito, nem feio; tem boca, orelhas, sexo e nariz no devido lugar, cinco dedos em cada mão e em cada pé. Realizou a grande temeridade de nascer, e saiu-se bem da empreitada. Já enfrentou dez minutos de vida. Ainda traz consigo, nos olhinhos esgazeados, um resto de eternidade.

Portanto alegremo-nos. A vida também não é bonita nem feia. Tem bocas que murmuram preces, orelhas sábias no escutar, sexos que se contentam, perfumes vários para o nariz, mãos que se apertam, dedos que se acariciam, múltiplos caminhos para os pés. É verdade que algumas palavras, melhor fora nunca dizê-las, outras nunca escutá-las. Olhos há que procuram ver o que não podem, alguns narizes que se metem onde não devem. Há muito prazer insatisfeito, muito desejo vão. Mãos que se fecham. Pés que se atropelam. Mas o simples ato de nascer já pressupõe tudo isso, o primeiro ar que se respira já contém as impurezas do mundo. O primeiro vagido é um desafio. A vida aceitou o novo corpo e o batismo vai traçar-lhe um destino. A luta se inicia: mais um que será alvo. Portanto alegremo-nos.

Menino sem nome ainda, não te prometo nada. Não sei se terás infância: brinquedo, quintal, monte de areia, fruta verde, casca de árvore, passarinho, porão fantasma, formigas em fila, pão com manteiga, beira de rio, galinha no choco, caco de vidro, pé machucado. O mundo hoje, tal como estou vendo da janela do meu apartamento, desconfio que te reserva para a infância um miraculoso aparelho eletrocosmogônico de brincar ou apenas uma eterna garrafa de coca-cola e um delicioso chica-bom.

Aceita, menino, esses inofensivos divertimentos. Leva-os a sério, com aquela seriedade da infância; chupa o chica-bom, bebe a coca-cola, desmonta e torna a montar a miraculosa máquina de brincar de nosso século, que a imaginação de teu pai jamais poderia sequer conceber. Impõe a essas coisas e a essa vida que te oferecerão como infância a sofreguidão de tua boca, a ousadia de teus olhos e a força de tuas mãos. Imprime a tudo que tocares a alegria que me destes por nasceres. Qualquer que seja a tua infância, conquista-a, que te abençôo. Dela te nascerá uma convicção. Conquista-a também - e vai viver, em meu nome. Nada te posso dar senão um nome.

Nada te posso dar. No teu primeiro instante de vida a minha estrela não se apagou. Partiu-se em duas e lá no alto uma delas te espera, será tua. Nada te posso dar senão um nome e esta estrela. Se acreditares em estrela, vai buscá-la…

Fonte:
SABINO, Fernando. As melhores crônicas de Fernando Sabino. 2.ed. RJ: Bestbolso, 2008.

Ialmar Pio Schneider (Soneto I)


Quando leres meus versos, na calada
da noite escura e não te contiveres,
ao relembrar que foste minha amada
e eu poderei estar com outras mulheres...

Ao te sentires só e abandonada,
de minha companhia não dispuseres,
mas sem dormir em alta madrugada
conciliar o sono não puderes...

Quando em teus olhos rebentar o pranto
com amargura que te roube a paz,
perdida em solidão e desencanto,

de me esquecer não fores já capaz,
minha presença vai pesar-te tanto
que fatalmente te arrependerás!

Fonte:
Texto enviado pelo autor

Guerra Junqueiro: Contos para a Infância (Piloto)


Piloto era o mais inteligente e o mais afetuoso dos cães, e o infatigável companheiro dos brinquedos das crianças da quinta.

Fazia gosto vê-lo atirar-se ao tanque a agarrar o pau, que o João lhe lançava o mais longe que podia; pegava nele, metia-o na boca e trazia-o à margem, com grande alegria do pequerrucho e de sua irmã Joaninha.

Esta brincadeira recomeçava vinte vezes sem cansar nunca a paciência do Piloto. Depois eram corridas, festas, gargalhadas, saltos, até que o assobio do criado da quinta chamava o fiel animal ás suas obrigações; partia então como um raio, para escoltar as vacas que levavam aos pastos, e impedi-las de entrar no lameiro do vizinho.

Quando o hortelão ia vender os legumes ao mercado, era o Piloto o guarda da carroça; e muito atrevido seria quem saltasse à noite a parede da quinta.

Uma vez deu prova de urna extraordinária sagacidade: um jornaleiro, que se empregava muitas vezes em levar sacos de trigo da quinta para casa, tentou de noite roubar um saco.

O Piloto, que o conhecia, não fez a menor demonstração de hostilidade enquanto o homem seguiu o caminho da quinta, mas, desde que se afastou tomando por outro, o guarda vigilante, agarrou-o pela blusa, sem o largar.

Era como se dissesse: «Aonde vais tu com o trigo do meu dono?»

O ladrão quis pôr outra vez o saco donde o tinha roubado; mas o Piloto não deixou, e teve-o em guarda, sem o morder nem ferir, até de manhã; o quinteiro foi dar com ele nesta difícil posição, repreendeu-o vivamente, e despediu-o sem divulgar o caso, para o não desonrar.

O homem, porém, ficou com ódio ao cão, e muito tempo depois, aproveitando a ausência do quinteiro e dos filhos, chamou o Piloto, que correu para ele sem desconfiança; atou-lhe uma corda ao pescoço e arrastou-o à margem do ribeiro.

Atou à outra ponta da corda um grande calhau, e, levantando o animal, arrojou-o à água; mas arrastado ele próprio com o peso e com o esforço, caiu também.

Como não sabia nadar, teria sido despedaçado pela roda do moinho, se o corajoso Piloto, obedecendo ao seu instinto de salvador, e desembaraçando-se da pedra mal atada, não mergulhasse duas vezes, trazendo para terra o seu mortal inimigo.

Este, que já estava quase desmaiado, compreendeu, quando voltou a si, que o cão, que ele tinha querido afogar, lhe salvara a vida.

Envergonhou-se do ato miserável: e desde esse dia, violentando-se, combateu as suas más inclinações.

O exemplo do cão corrigiu o homem.

Fonte:
Guerra Junqueiro. Contos para a infância.

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 420)


Uma Trova Nacional

Dizem que amas de mentira,
mas gosto de acreditar;
e até que um dia eu confira,
vou-me deixando enganar.
–DOROTHY JANSSON MORETTI/SP–

Uma Trova Potiguar

A criança abandonada,
sem lar, na rua, caída,
é uma ostra humana jogada
sobre os rochedos da vida.
–SEBASTIÃO SOARES/RN–

Uma Trova Premiada

2006 - Balneário Camboriú/SC
Tema: PESCADOR - M/E

Os teus sonhos reluzentes
de ternura e emoção,
são como enredos fluentes,
pescam nosso coração.
–EFIGÊNIA COUTINHO/SC–

Uma Trova de Ademar

Enfrentarei dissabores
para alcançar minhas metas.
Não é só feito de flores
o caminho dos Poetas!...
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

A velhice é idade linda,
e não me assusta jamais...
Só não gosto mais ainda
porque ela é curta demais!...
–DOM NIVALDO MONTE/RN–

Simplesmente Poesia


Amores Vêm e Vão
–CELITO MEDEIROS/PR–

Amores, sempre vêm e vão
Uns até ficam, outros não!
Os que partem, nos faltam
Os que ficam, nos fartam!

Alguns amores machucam
Presos em mal entendidos
Lembranças que cutucam
Elos que ficaram perdidos

A dicotomia do ódio e amor
Confundida gera o lamento
Poderia até causar uma dor

Quem não desejar tormento
O coração é um controlador
Abra ou fecha no momento!

Estrofe do Dia

É louvável quem respeita
os sinais de advertência,
se a esquerda é preferência
nunca passe pra direita,
a estrada não foi feita
pra ser pista de corrida,
ao cruzar uma avenida
preste atenção no espelho;
nunca transforme em vermelho
o sinal verde da vida.
–OLIVEIRA DE PANELAS/PE–

Soneto do Dia

O Soneto Moderno
–JOÃO JUSTINIANO DA FONSECA/BA–

O soneto renasce, e a todo pano,
transita pelos mares da poesia.
É clássico ou moderno, em confraria,
navega ao vento norte ou ao minuano.

É discriminação e puro engano,
Dizer que a rima é velha e sem valia.
O belo é sempre belo, na poesia,
Na pintura, na música... E que dano

Causa o antigo teatro, o enceno, a mímica,
Que afaga o espírito e ilumina a química,
Do riso alegre, da tranquilidade?

Renascendo o acadêmico soneto,
Traz um sentido novo, e, em branco e preto,
Tem gosto e aroma de modernidade!

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Paraná em Trovas Collection - 24 - Vidal Idony Stockler (Curitiba/PR)

Manoel de Barros (Poemas Rupestres) Parte III


Segunda Parte

DESENHOS DE UMA VOZ

1.

SE ACHANTE
Era um caranguejo muito se achante.
Ele se achava idôneo para flor.
Passava por nossa casa
Sem nem olhar de lado.
Parece que estava montado num coche
de princesa.
Ia bem devagar
Conforme o protocolo
A fim de receber aplausos.
Muito achante demais.
Nem parou para comer goiaba.
(Acho que quem anda de coche não come goiaba.)
Ia como se fosse tomar posse de deputado.
Mas o coche quebrou
E o caranguejo voltou a ser idôneo para
mangue.

O poema mostra as conjecturas do poeta sobre a honestidade de um caranguejo ‘se achante'.

- a novidade é a voz do poeta emprestada ao caranguejo mas sob o ponto de vista e perspectiva do poeta.

- “Se achante” é o reverso do louvor do poeta à majestade do caranguejo. Devido a essa majestade, o poeta desdobra-se em explicitá-la.

No poema está clara a tentativa de o poeta solenizar o que é desprezível – a majestade de um caranguejo.

Assim o caranguejo:

- é idôneo para flor
- andava sem olhar de lado
- montado num coche de princesa
- andava devagar/ Conforme o protocolo (solene para) receber aplausos
- Muito achante demais.
- Nem parou para comer goiaba.
- Ia como se fosse tomar posse de deputado.
- Acabou a fantasia – O coche quebrou!

Após emprestar ao caranguejo todos os trejeitos de pessoas solenes e dadas ao mundo das passarelas e aplausos, ao mundo das pessoas movidas a aplausos...

Conclui-se que: “O caranguejo (devolvido a si mesmo) voltou a ser idôneo para o mangue – sua verdadeira glorificação!”

Neste poema aparece a voz do poeta para proclamar a lealdade e idoneidade da beleza de cada coisa com a configuração do seu meio. Será esplendorosa para quem souber ver e proclamar essa beleza de que todas as coisas, em seu meio, são portadoras. E o poeta diz a beleza de um caranguejo “se achante” pra valer.

2.

SONATA AO LUAR

Sombra Boa não tinha e-mail.
Escreveu um bilhete:
Maria me espera debaixo do ingazeiro
quando a lua tiver arta.
Amarrou o bilhete no pescoço do cachorro
e atiçou:
Vai, Ramela passa!
Ramela alcançou a cozinha num átimo
Maria leu e sorriu.
Quando a lua ficou arta Maria estava.
E o amor se fez
Sob um luar sem defeito de abril.

É uma história de amor em tempo de lua ‘arta' – “Lua arta” é uma expressão da cultura.

O cachorro tornou-se um ‘veículo' muito interessante ou correio.

Quanto o tempo se completou a sinfonia chegou ao auge – E o amor se fez.

Sonata é feita de quadros e tempos: tempos reais, tempos supostos e tempos intensos.

Estrutura da Sonata:

- Introdução: Sombra Boa não tinha e-mail. Escreveu um bilhete;
- Tema recorrente ou conteúdo: Maria me espera debaixo do ingazeiro/ quando a lua estiver arta.
- Variação do tema ou tempo de espera ou de suspiro ou um dueto: amarrou o bilhete no pescoço do cachorro/ e atiçou: / Vai Ramela, passa!/ Ramela alcançou a cozinha num átimo!
- Volta ao tema central/principal, com intensidade: Maria leu e sorriu.
- Intermezzo lírico – addaggio – choroso: Quando a lua ficou arta Maria estava.
- Volta ao tema central – Vibrante e Fortíssimo: E o amor se fez.
- Final suave e amoroso: Sob um luar sem defeito de abril.

Música da vida: - a voz da engenhosidade
- a voz do amor
- a voz cúmplice da natureza (luar) embelezando o amor.

3.

EMAS

Elas ficam flanando no pátio da fazenda.
A gente sabe que as emas comem garrafas
abotoaduras freios pedras alicates e tais.
Nossa mãe tinha medo que uma ema
Comesse nosso cobertor de dormir e os
vidros de arnica da vó.
Eu tinha vontade de botar cabresto em uma
ema
E sair pelos campos montado na bicha a
correr.
A gente sabia que a ema quase voa no correr.
Que a ema racha o vento no correr.
Eu tinha era vontade de rachar o vento
no correr.

A voz das emas – a voz do poeta ante o vento!

- Elas ficam flanando no pátio da fazenda.
- Mostra o que são as emas e suas proezas de digestão.
- A voz do poeta, ele quer ‘flanar' numa ema. Apropria-se da voz da ema no vento.
- Velocidade da ema: ...a ema quase voa ao correr/ Que a ema racha o vento no correr.

Apropriação da voz da ema pelo poeta: “Eu tinha vontade de rachar o vento no correr”. Assim a ema torna-se o termo de comparação capaz de expressar o grande desejo do poeta, ou superar o vento como as emas fazem, racham o vento. O poeta quer correr, voar, ser mais veloz que o vento.

De fato as emas deram suporte à imaginação do poeta, são fortes, flanam, poderosas na digestão, capazes e rachar o vento. Nelas se materializou a voz do sonho do poeta: ser muito veloz!

4.

VENTO

Se a gente jogar uma pedra no vento
Ele nem olha para trás.
Se a gente atacar o vento com enxada
Ele nem sai sangue da bunda.
Ele não dói nada.
Vento não tem tripa.
Se a gente enfiar uma faca no vento
Ele nem faz ui.
A gente estudou no Colégio que vento
é o ar em movimento.
E que o ar em movimento é vento.
Eu quis uma vez implantar uma costela
no vento.
A costela não parava nem.
Hoje eu tasquei uma pedra no organismo
do vento.
Depois me ensinaram que vento não tem
organismo.
Fiquei estudado.

O poema mostra o confronto entre o lúdico e o racional. Estrutura-se na luta entre as percepções e o raciocínio.

O infante é retratado em ações concretas e próprias da percepção material ou “coisal” como é do feitio do poeta. Esse encontro de opostos perceptivos é poetizado justamente valendo-se de um elemento ambíguo que se deixa perceber, mas não se vê, somente se sente e é constatado sensorialmente. Da mesma forma a definição racional do vento é clara, mas não constatada, a não ser sensorialmente.

Nessa circunstância, o infante tenta de várias formas constatar a materialidade do vento; vê todas as suas tentativas se frustrarem. Ao fim dá-se por vencido e se proclama vencido pelo racional: “Fiquei estudado!”

A cada ação proposta pelo poeta, aguardava-se um resultado ou reação do vento. Nenhuma, conforme o poeta, se verificou. Nesse processo acontece uma conceituação poética do vento:

– Ele existe mas não olha para trás quando atingido por uma pedra.
– Atingido por uma enxadada não sai sangue.
– Não sente dor.
– Não tem tripa.
– Não tem corpo sensível a facadas.
– Ele é ar em movimento.
– Ele não aceita o suporte de uma costela.
– Mesmo assim o poeta o apedrejou sem resultado.
– Disseram-lhe que o vento não tem organismo.

Mas o vento existe e dele o poeta extraiu esse poema! Não lhe escutou a voz porque não tem organismo. Não pode falar por si mesmo — somente quando em atrito com obstáculos como as árvores ou saliências do terreno.

Confessa o poeta que a racionalidade acabou possuindo-o: “Fiquei estudado!”

5.

ANTÔNIO CARANCHO

Me chamam de Antônio Carancho:
Carancho é por maneira que eu ando de pé virado
Moda carancho mesmo.
Pra bobo eu não sou condicionado.
Sou mais garantido de cantor.
Porém meu canto é fechado.
Lastreadamente sou Antônio Severo dos Santos.
Carancho é de caçoada.
Tenho vareios no olhar as coisas.
Chego de ver vaidade nas garças.
Eu ouço a fonte dos tontos.
Pedra tem inveja aos lírios.
Isso eu sei de espiar.
Eu combino melhor com árvores.
Totalmente ao senhor eu falo:
Quem ouve a fonte dos tontos não cabe mais
dentro dele.
Outra pessoa desabre.

A voz do poema define o poeta ou Antônio Carancho. Neste poema constitutivo, a teoria do poema explicita o seu autor.

Proclama-se: Antônio Carancho. Carancho por causa da ave de rapina de ‘ pé virado' e jeito semelhante ao andar da ave.

Proclama-se cantor de um canto fechado, e “tenho vareios no olhar as coisas”. Por “Vareios” subentendem-se as diferenças, as modalidades e a capacidade de um olhar descomum que vê outras realidades não normalmente percebidas pelos mortais comuns!

O poeta exemplifica os “vareios” no olhar as coisas:

- Chego de ver vaidade nas garças.
- Eu ouço a fonte dos tontos.
- Pedra tem inveja aos lírios.

São realidades transferidas às coisas, percebidas somente por um olhar especial que vê além das aparências, que capta os revérberos das coisas em suas relações coisais.

Também o poeta Antônio Carancho se revela em suas preferências:

- Eu combino melhor com árvores.

E estabelece o limite ou parâmetro ideal para a percepção do Belo: “ouvir a fonte dos tontos!”; quem aí chegar não “cabe mais dentro dele!” Em outras palavras, “a fonte dos tontos”, segundo o poeta, tem propriedades engrandecedoras da realidade oculta não acessível à razão. Justamente afirma o poeta, na “fonte dos tontos” jorra outra água. Pois os tontos têm a propriedade de inaugurar as coisas conforme a própria fonte, a tontice. Esta é julgada como bobeira pelo justo julgar racional. O poeta que acessou ou abeirou-se da fonte da Tontice, percebe o mundo, as coisas, um universo diversificado e ilógico, mas capaz de transbordar e engrandecer, pois afirma seu ser. Sua capacidade de inaugurar extrapola, pois cria ou vê sempre as mesmas coisas em outra perspectiva e o mundo cresce até o poeta concluir: “Não (se) cabe mais dentro dele!”

Essa perspectiva de abeirar-se à “fonte dos tontos” é um achado do poeta, sua grande descoberta na variabilidade de ir além do real ou das aparências racionais das coisas.

O mundo jorrante da “fonte dos tontos” tem a propriedade inaugural vertiginosa, vai além de todos os seus limites e extravasa, expande o seu mundo e o seu ‘eu'. Abeirar-se da força da “fonte dos tontos” transforma o ‘eu' do poeta, aumenta sua capacidade de percepção a ponto de ele não mais se perceber como era, é outro. A “fonte dos tontos” o transforma em seu olhar e ele é construído para estar em estado de expansão para a beleza lúdica do universo e das coisas a partir de seu percurso poético.

E ele, não se identificando mais consigo mesmo, afirma que é outro e que o poema o construiu; tornou-se outro ao percorrer o universo inaugurado pela água da “fonte dos tontos”.

Assim concluiu sua inauguração fechando o poema: “OUTRA PESSOA DESABRE!”

O poema contém a teoria em seu caminho inaugural. A proposta do acesso “Fonte dos Tontos” criou o autor, o ‘eu' do poeta.

O que é a FONTE DOS TONTOS no poema?

Vários traços compõem a resposta:

- Fonte dos Tontos é o campo oposto ao racional e ao fotografável;
- Fonte dos Tontos é um campo não perceptível à narrativa linear, mas habitada pelo surpreendente, pelo inesperado e pelo lúdico;
- Fonte dos Tontos é o lado não manifesto da linearidade das palavras, das sintaxes.
- Fonte dos Tontos é o desprezível, o abjeto, tudo que a pessoa comum não aprecia.
- Fonte dos Tontos é o universo das coisas, dos bichos, das árvores, dos vermes insignificantes, dos insetos, dos moluscos nojentos...
- Fonte dos Tontos é a expressividade dos pequenos, dos sem voz, das coisas já usadas e que foram jogadas fora.
- Fonte dos Tontos é a falta de lógica para a racionalidade que não deixa sair dos trilhos, pois ela não tem trilhos.
- Fonte dos Tontos é a oferta das coisas, dos pássaros, dos insetos ao homem desprezível também, ao imbecil, ao fora do prumo, ao não apto ao fechamento das idéias racionais; em compensação aberto às surpresas, às solenidades dos pequenos e desprezíveis, aos escondidos das coisas, às sintaxes inaugurantes e às imagens de contra-mão.

Todo esse conjunto exige um “eu” capaz de ser acessado, de entrar na clareira do ser objeto na suspeita de sua reinvenção. Quando opera o estado de vigília, o poeta atravessa para o outro universo e é construído pela sucessão inaugural desses objetos, situações e percepções novas. Afinal é outro homem, outra pessoa, pois “Outra pessoa desabre”!

Para isso ele venceu o percurso que o poema lhe oferece:

- Antônio Carancho
- não é bobo
- tenho voz – sou garantido de cantor/ Mas meu canto é fechado!
- Tenho vareios no olhar as coisas e vejo: vaidade nas garças, ouço a Fonte dos Tontos, a inveja da pedra
- combino bem as árvores
- ouço a Fonte dos Tontos,

E ao final do percurso, está repleto pela Fonte dos Tontos e está construído – é outra pessoa. Seu “eu” brotou no percurso apresentado pelo poema em etapas distintas e constitutivas.

Nota-se que o poema se estende com percurso que por sua vez também se apresenta no próprio desdobramento como oferta de cada parte que se coordena na dialética e complementaridade da parte com o todo; sendo que o conjunto, o todo, atrai e congrega as partes, as etapas do percurso do poema de acordo com a ‘dynamis' que traz e sustenta a fonte do sentido. Dessa forma, as partes, os conjuntos de versos se coadunam entre si pela força que os conduz ao todo que sustenta e apresenta o sentido do poema.

O sentido do poema Antônio Carancho é disposto nas partes para surgir com evidente estruturação depois de receber a contribuição das partes de forma a realçar a conclusão e o seu sentido máximo: a construção das percepções e constatação, mediante a entrega do poeta ao processo antecipa o desenlace bem disposto; ao fim o poeta foi construído pelo percurso. Por outro lado, também a teoria poética se construiu na exclusividade do percurso suscitado pelo poema!

Fonte:
Portal das Letras - Pe. Afonso de Castro
http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/livros/analises_completas/p/poemas_rupestres

Monteiro Lobato (Reinações de Narizinho) Aventura do Príncipe – VII – O Desastre


Voltaram de braços dados, Narizinho aborrecida com o berro da vaca e o príncipe a se queixar de palpitações do coração. Assim que alcançaram o terreiro, novo susto veio agravar o seu estado de saúde.

Ouviam-se dentro da casa gritos e choradeira.

— Que terá acontecido? — murmurou a menina, apreensiva.

Largou do príncipe e foi a correr, com o pressentimento dalguma grande desgraça.

— Que é? Que aconteceu? — gritou logo ao entrar.

Não obteve resposta. Todos estavam chorando e não lhe deram tempo à pergunta. A menina olhou espantada para os personagens presentes, dirigindo-se à cozinha em seguida. Lá encontrou tia Nastácia também chorando.

— Que é que aconteceu, tia Nastácia? — perguntou aflita.

A negra respondeu, enxugando as lágrimas:

— Nem queira saber, Narizinho! Antes vá-se embora...

Como a menina insistisse, a negra não teve remédio e contou.

— Pois imagine que Miss Sardine, desde que o príncipe chegou, se meteu aqui na cozinha todo o tempo, a coitada. Remexeu em tudo, provou o sal, o açúcar, e até caiu no pote de pimenta-do-reino. Eu salvei ela, dei um banhinho nela e pus ela ali no canto para secar. No começo, enquanto a pimenta estava ardendo, ficou muito sossegada. Mas depois que a ardidura passou, principiou a reinar outra vez. Eu estava sempre avisando: “Não mexa aí! Não chegue perto do fogo! Não seja tão reinadeira que de repente acontece qualquer coisa para mecê!” Mas era o mesmo que estar falando pra aquele pau de lenha ali. Fazia uma carinha de caçoada e continuava. Se não aconteceu desgraça foi porque meus “zóio” não saía de cima dela, vigiando. Mas de repente sinhá me chamou para ouvir uma história do doutor Caramujo. Fui e deixei Miss Sardine sozinha...

— E que aconteceu? — indagou Narizinho surpresa.

A negra continuou, depois de enxugar as lágrimas no avental.

— Aconteceu o que eu tinha medo que acontecesse. A coitadinha, assim que saí, trepou no fogão para espiar a frigideira de gordura. Achou linda, com certeza, aquela água que pulava e chiava — e deu um pulo para dentro da frigideira, pensando que fosse uma pequena lagoa. Gordura fervendo, imagine!...

— Coitadinha! — berrou a menina horrorizada. — Que contas vamos agora dar ao príncipe? Miss Sardine era a dama de mais importância lá no reino — a única que tinha entrada na corte. Onde está ela, Nastácia?

— Está ainda na frigideira — respondeu a negra. — Frita! Frita que nem um lambari frito...

Não podendo conter as lágrimas, a menina rompeu num berreiro. O príncipe ouviu lá de fora. Reconheceu o choro e veio a correr, aflitíssimo. Quando soube da tragédia, desmaiou. Corre que corre! Chama o doutor Caramujo! Não acham o doutor Caramujo!

Grita aqui! Berra de lá! Desmaia adiante! Que confusão horrível foi!... Enquanto isso tia Nastácia tirava da frigideira o cadáver de Miss Sardine para mostrá-lo a dona Benta.

— Veja, sinhá! Tão galantinha que até depois de morta ainda conserva os traços... e a negra cheirou a sardinha frita, e depois a provou, e ficou com água na boca e comeu-lhe um pedacinho, e disse arregalando os olhos: — Bem gostosinha, sinhá. Prove... Muito melhor que esses lambaris aqui do rio...

Dona Benta recusou e tia Nastácia, ainda com lágrimas, acabou comendo a sardinha inteira.

Voltando a si do desmaio, o príncipe recaiu em profunda tristeza. Não quis comer coisa nenhuma das comidinhas preparadas para ele. Não quis continuar no passeio pelo sítio. Só queria uma coisa: volta.

Dona Benta sentiu muito e disse:

— Pois, senhor príncipe, nossa casa está sempre às suas ordens.

Quando quiser aparecer, não faça cerimônia, apareça.

— Muito obrigado — respondeu o peixinho com voz sumida.

— Também eu faço muito empenho em que a senhora nos apareça lá pelo reino.
––––––––
Continua... Aventura do Príncipe – VIII – O Novo Desastre

Fonte:
LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. I. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa

José Carlos Dutra do Carmo (Manual de Técnicas de Redação) Parte X


GRAMÁTICA.

Nunca, mas nunca mesmo, entregue o seu trabalho sem uma boa revisão gramatical e ortográfica.

Evite erros gramaticais primários e básicos. Use só termos que você conhece. Respeite a gramática e as regras de grafia.

Capriche na parte gramatical de sua redação, ou seja, não se esqueça de fazer, com toda a clareza possível, as devidas pontuações e acentuar as palavras que tiverem acento. Não adianta fazer uma redação espetacular quanto ao conteúdo e estilo mas cometer dezenas de erros de português.

O primeiro passo para aceitar a gramática positivamente é imaginá-la como algo dinâmico que movimenta a nossa linguagem e cria nossa identidade cultural. Tenha sempre ao alcance um livro de gramática, acompanhado de um dicionário.

Uma pessoa que redige bem tem mais clareza de suas idéias e mais segurança em suas afirmações. As falhas gramaticais podem ser um entrave para isso.

GROSSERIA.

“Ele deu um pum fedido pacas. Foi aquele auê!”

Gostou dessa frase ridícula? O examinador iria aprová-la? Com certeza que não! Cuidado para não entrar na linguagem do “liberou geral”, do vale-tudo! É um território muito perigoso. Deixe a “franqueza” vocabular de lado e evite grosserias na sua redação. Não é só você que tem mãe, irmã, etc. Os examinadores também têm e nem todos são apaixonados pelo “exótico”.

HARMONIA.

O aluno deve usar a musicalidade, o ritmo resultante da adequada escolha das palavras, da combinação dos sons na oração e do equilíbrio das orações no período. A linguagem não pode ser áspera, dura. A redação deve ser agradável ao ouvido.

HIATO.

É a seqüência desagradável de vogais ou sílabas idênticas. Evite-o.

FRASES COM HIATO
Andréia irá ainda hoje ao oculista.
Traga a água à aula.

MELHOR
Andréia terá consulta com seu oculista, hoje.
Queira trazer o recipiente com água para a sala.

HIPÉRBATO.

É inversão da ordem natural dos termos ou orações da frase com o fim de lhes dar maior destaque.

FRASES COM HIPÉRBATOS

ORDEM INVERSA
Na roda do mundo, mãos dadas aos homens, lá vai o menino…
Ouviram do Ipiranga as margens plácidas de um povo heróico o brado retumbante...

ORDEM NATURAL
O menino vai lá na roda do mundo, mãos dadas aos homens...
As margens plácidas do Ipiranga ouviram o brado retumbante de um povo heróico...

HIPÉRBOLE.

É a figura que através do exagero procura tornar mais expressiva e emocionante uma idéia.

Ele chorou rios de lágrimas.
Falei trezentas vezes para você!
Possuo um mar de sonhos e aspirações.

IDÉIA.

Não exponha idéias vulgares (impropérios, palavrões).

Separe as diferentes idéias em parágrafos distintos, guardando-lhes a devida conexão.

Elimine idéias ridículas, infantis, contraditórias, desnecessárias, que não se ajustem ao tema proposto.

Não inicie uma redação com uma idéia genial mas que não se relaciona com a segunda parte da composição.

Evite idéias artificiais, o nacionalismo piegas e o exagero nas expressões de modéstia, como:

Futuramente, quando o Brasil atingir o ápice do desenvolvimento, todas as nações se curvarão ante a capacidade empreendedora do homem brasileiro. Não entendo muito do assunto, mas tentarei, apesar dos meus parcos conhecimentos, dissertar sobre o tema escolhido.

IMPRECISÃO.

Evite escrever e/ou, por ser incompleto e impreciso e, também, porque denota pobreza vocabular.

EM VEZ DE
O jovem e/ou seu pai poderiam ir ao banco ver o saldo da conta.
Poderíamos ir ao clube e/ou ao teatro, porque o tempo seria suficiente.

ESCREVA
O pai poderia ir ao banco ver o saldo da conta, sozinho ou acompanhado do filho.
Poderíamos ir a um dos dois locais, ou a ambos – ao teatro e ao clube –, pois o tempo seria suficiente.

IMPROPRIEDADES SEMÂNTICAS E OUTROS VÍCIOS.

Evite o tal de “através de”, que é uma expressão largamente utilizada, mas de maneira errada! Não é, em absoluto, sinônimo de “por intermédio de”.

Consegui aprender redação através do meu professor.

Caso escreva isso, o sentido literal é que conseguiu aprender redação atravessando seu professor de um lado para outro, o que seria uma pena! Substitua, nesse caso, a expressão por “com o auxílio de”.

INADEQUADO.

Hoje, ao receber alguns presentes no qual completo vinte anos, tenho muitas novidades para contar.

Eis um exemplo de uso inadequado do pronome relativo. Provoca falta de coesão, pois não consegue mostrar a que antecedente ele se refere e, portanto, nada conecta e produz uma relação absurda.

INCOERÊNCIA.

Não faça afirmações incoerentes, que demonstram falta de conhecimento e, às vezes, até ignorância, como:

“Ninguém gosta de ler...”

Exemplo de incoerência numa dissertação:

O verdadeiro amigo não comenta sobre o próprio sucesso quando o outro está deprimido. Para distraí-lo, conta-lhe sobre seu prestígio profissional, conquistas amorosas e capacidade de sair-se bem das situações. Isso, com certeza, vai melhorar o estado de espírito do infeliz.

Exemplo de incoerência numa narração:

O quarto espelha as características de seu dono: um esportista, que adorava a vida ao ar livre e não tinha o menor gosto pelas atividades intelectuais. Por toda a parte, havia sinais disso: raquetes de tênis, prancha de “surf”, equipamento de alpinismo, “skate”, um tabuleiro de xadrez com as peças arrumadas sobre uma mesinha, as obras completas de Shakespeare.

INFORMATIVO.

Num texto informativo, não tema usar todos os recursos que possam torná-lo claro, como numerações, orações explicativas numerosas e parênteses.

Os pesquisadores realizaram um censo em 2001 e registraram que, das 690 espécies que visitam a reserva, 200 freqüentam o jardim das borboletas.

Em uma matéria, o leitor recebe vinte informações diferentes. Dezenove, que ele ignorava, estão certas. Uma, que ele já conhecia, está errada. A tendência desse leitor é duvidar da exatidão de todas as vinte.

Fonte:
http://www.sitenotadez.net

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 419)


Uma Trova Nacional

Saudoso, namoro a Lua
e sinto, por seu feitiço,
que o nosso amor continua,
embora nem saibas disso!
–JOÃO FREIRE FILHO/RJ–

Uma Trova Potiguar

Quando a jangada flutua,
sobre as águas, ao luar;
é uma lágrima da lua,
nos olhos verdes do mar.
–JOSÉ LUCAS DE BARROS/RN–

Uma Trova Premiada

2003 - Nova Friburgo/RJ
Tema: ESPERA - M/H

Olho a rua... a noite avança,
tudo adormece ao luar...
dorme até minha esperança
pois cansou de ter esperar!
–WANDA DE PAULA MOURTHÉ/MG–

Uma Trova de Ademar

O mar, sem ter embaraços,
em noites de lua cheia,
carrega a praia nos braços
para deitá-la na areia...
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Quando, ao luar, nadas nua
e os teus brancos seios vejo,
sangra, ao feitiço da lua,
o açude do meu desejo.
–ALONSO ROCHA/PA–

Simplesmente Poesia

Sonho II.
–ANTONIO M. A. SARDENBERG/RJ–

Calo-me no teu colo quente,
Conto estrelas lá no céu,
Deixo brincar docemente
Sonhos que vagam ao léu.

Vaga sonho pela vida,
Deixa o amor aportar,
Sê o ninho e a guarida
Dos sonhos que vêm do mar.

Traze a brisa nos teus braços
Com a luz deste luar
E depois num longo abraço
Vamos matar a saudade
E morrer de tanto amar...

Estrofe do Dia

Quando era noite de lua
todo mundo se juntava
pra jogar conversa fora
e ver quem mais se gabava,
tinha estória cabeluda,
que juntava Cristo e Buda,
na debulhada da fava.
–MARCOS MEDEIROS/RN–

Soneto do Dia

Os Afogados
–JOSÉ ANTONIO JACOB/MG–

O mar sacode na água a lua cheia,
Ouço nas ondas vozes afogadas,
São pescadores, filhos dessa aldeia,
Que nunca mais voltaram das pescadas.

Lá na distância o barco é um grão de areia,
E o mar a tremular em marejadas,
Pulsa, ribomba, estronda e corcoveia,
Depois engole as almas soçobradas.

Vão-se os milênios carregando os anos
E esses fantasmas clamam compaixão
No abisso misterioso dos oceanos.

E antes que o plenilúnio na água caia
Comovo-me, lembrando uma oração,
E vou rezando versos pela praia.

Fonte:
Textos e imagem enviados pelo Autor

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Trova 214 - Laérson Quaresma de Moraes (Campinas/SP)

Ialmar Pio Schneider (Para a Mulher Amada)


Antes que a noite desça misteriosa
e a ventania sibilante passe,
meu bem, reclina o rosto em minha face
e sonha numa vida mais ditosa !

Amanhã quando o sol desabrochar
um novo dia pleno de esperança,
ficará em nossa alma uma lembrança
que já não poderemos olvidar...

Eu terei mil palavras de ternura
e pra compensar tua formosura
versos de amor direi aos teus ouvidos,

alimentando, então, a grande crença,
não haverá tristeza que eu não vença:
isto porque és a força dos vencidos !…

Fontes:
Soneto enviado pelo autor
Imagem = http://www.poemasepensamentos.com.br

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 418)


Uma Trova Nacional

O Sol, que nasce brilhando,
prenunciando uma alvorada,
dá um beijo saudoso e brando
nos lábios da madrugada...
–ANTONIO COLAVITE/SP–

Uma Trova Potiguar

O brilho do teu olhar
tomando conta de mim,
fez minh’alma se entregar
nos braços do amor sem fim.
–EVA GARCIA/RN–

Uma Trova Premiada

2000 - Niterói/RJ
Tema: DELÍRIO - M/E

Em meus delírios te vejo
surgindo na escuridão,
toda vez que o vento andejo
bate a tranca do portão...
–JOSÉ OUVERNEY/SP–

Uma Trova de Ademar

Após renúncia que fiz
de um amor que foi só nosso;
tento viver mais feliz,
e, infelizmente... Não posso!
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Esta calma que me invade
e, por certo, não perdoas,
é, na minha soledade,
a melhor das coisas boas!...
–NYDIA IAGGI MARTINS/RJ

Simplesmente Poesia

Inspiração.
–CARMEN CARDIN/RJ–

Não troco esse momento
por nada deste mundo,
um planeta meu e profundo,
o asteroide do sentimento.

Eu me rendo e me faço
prisioneira desse instante
alucinada e delirante
suor, coração e bagaço.

É minha droga, é meu vício,
essa essência que inspiro,
entre um e outro suspiro,
entre o prazer e o suplício!

É minha deusa, a poderosa,
que me concede e me inventa,
nos braços do sonho me sustenta,
sou tua, Inspiração Preciosa!

Estrofe do Dia


Mãos de avó que me afagaram
hoje trêmulas cansadas,
mas que um dia me embalaram
no choro das madrugadas;
eram mãos tão protetoras,
da melhor das benfeitoras
que por Deus foram criadas.
–VITOR COSTA/DF–

Soneto do Dia

Noite Enluarada.
–PROF. GARCIA/RN–

Quando a lua clareia a noite escura,
Rasga o manto das trevas seculares,
Eu contemplo a mais linda criatura
No planisfério eterno dos altares.

Poetisa que inspira com brandura,
Nossos prantos, soluços e cantares,
Lua cheia no céu, doce ternura,
Que enfeitiça o poeta, encanta os mares.

Na solidão do quarto abro a janela,
Para vê-la no céu, tão pura e bela
Desfilando sozinha na amplidão...

E eu sozinho em meu quarto estendo os braços,
Adormeço, matando os meus cansaços,
Contemplando o luar, na solidão!

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Paraná em Trovas Collection - 23 - Vania Maria Souza Ennes (Curitiba/PR)

Emiliano Perneta (Ilusão) Parte 22, final


SOL

Ao Dario Vellozo

Crepúsculo indeciso. As estrelas começam a apagar-se, uma a uma, como lâmpadas que se extinguem. Zéfiro sopra. E num vago sussurro harmonioso, a pouco e pouco, a natureza acorda. Ouvem-se vozes longínquas e dispersas...

Um pássaro:
– Vai despontar a luz.

Outro pássaro:
– Pois que desponte logo.
Tenho ânsias de subir, tenho a cabeça em fogo.
Hoje vou conhecer, pela primeira vez,
A voluptuosidade, a febre, a embriaguez
De voar, de voar, ó sonho que me abrasas!

Outro pássaro:
– Ah que bom de fugir! Que orgulho de ter asas!

Outro pássaro:
– Estou ébrio de amor. O amor é como o vinho.
Que venha logo a luz. Quero fazer meu ninho...

Um galo:
– Dentro desta canção, tão límpida e sonora,
Há matizes de luz e púrpuras d’aurora.

Um corvo:
– Eu sou a podridão e o vento que arrasa;
Sou a fome e a nudez... O sol é a minha casa.

O monte:
– Que solidão sem par, que solidão extrema,
A solidão cruel e áspera de um monte;
Mas quando o sol me toca, é como um diadema,
Aurifulgindo aqui por sobre a minha fronte...

O charco:
– Água esverdeada e suja e pântano sombrio,
Mas quando o sol me doura esta miséria, eu rio.

A floresta:
– Ó delírio brutal! Quando me mordes tu
A carne toda em flor, o seio todo nu,
Com teus beijos de fogo, eu, como a flor do nardo,
Recendo de prazer, e de luxúrias ardo...

Uma árvore:
– Quando ele bate aqui no meio da floresta:
Que sussurro, que ardor, que anseios e que festa!

Uma cigarra:
– Faz tamanho rumor e tamanha algazarra,
Que eu suponho que o sol é como uma cigarra...

Outra árvore:
– E que perfume tem!

Outra árvore:
– E que canções vermelhas!

Outra árvore:
– Nós somos como a flor, ele, como as abelhas!

A terra:
– Quanto me queima o sol, com os seus desejos brutos!

A videira:
– Ó glória de florir e rebentar em frutos!

A palmeira:
– Como gentil eu sou! E o aroma que trescala,
Quando me lambe o sol e o zéfiro me embala!

O orvalho:
– Ao sol eu brilho mais que a pérola d’Ormuz...

O pinheiro:
– Eu sou como uma taça erguida para a luz...

As fontes:
– É um murmúrio sem fim de horizonte a horizonte...
O dia quando nasce é bem como uma fonte...
Através da floresta e desse campo e desse
Vale, há um rumor de luz, como água que corresse...

A abelha:
– Quando sobre o horizonte esse astro heroico assoma:
Que orgulho, que prazer, que vibração cruel,
Pois é de sol e flor, é de luz e aroma,
Que componho esta cera e fabrico este mel!

Um pássaro:
– Ah que alado frescor tem o romper d’aurora!

Outro pássaro:
– É tempo de fugir, é tempo d’ir-me embora...

Outro pássaro:
– É nesse lago azul que hoje quero roçar
As asas...

Outro pássaro:
– E eu é sobre as ondas desse mar...

Um pastor:
– Eu nunca vi o céu de uma beleza assim:
É todo de ouro e rosa e púrpura e carmim...

Outro pastor:
– Dentro daqueles véus ideais do rosicler;
A aurora tem a graça e o ar de uma mulher...

Outro pastor:
– Mas ei-lo que surgiu, em rufos de alvoroço,
Brilhantemente nu, divinamente moço,
Eterno de frescor juvenil e tamanho,
Como se viesse de um maravilhoso banho,
Feito de águas lustrais, e aroma, e ambrosia,
E coragem, e luz, e força, e alegria ...

Uma rosa:
– E que límpido céu! Que espetáculo rubro!

Outra rosa:
– É realmente bela esta manhã de Outubro!

Um beija-flor:
– Eu nunca vi assim manhã tão luminosa...

Outro beija-flor:
– É fina como o lírio e é ardente como a rosa...

Um pastor:
– Quando o sol aparece em ondas, a beleza
E a frescura, que espalha, é de tal natureza,
Tem um olhar tão bom, tão novo, tão jocundo,
Que toda madrugada é o começo do mundo...

A floresta:
– Tu me beijas, ó sol, tão loucamente, espera,
Que eu em pleno fulgor ideal de primavera,
Debaixo desse fogo ardente de teus beijos,
Em delírios de amor e amplexos de desejos,
Arrebentando em flor, completamente louca,
Ofereço-te o seio, ofereço-te a boca!

Um pássaro:
– Aqui, onde eu estou, deste raminho verde,
Quero subir até onde a vista se perde...
Quero aos raios do sol minhas asas bater,
Até cair no chão, bêbado de prazer...

As ovelhas:
– Luz radiosa e pura, ó fonte criadora,
Luz que faz germinar em grãos a espiga loura,
E que veste de verde os campos seminus.
Bendita sejas, flor, bendita sejas, luz!

O poeta:
– Ah! Que sombria dor e que profunda mágoa
De não poder ser eu aquela gota d’água,
Que depois de fulgir, assim como uma estrela,
Derrete-se na luz, funde-se dentro dela!

Fonte:
Emiliano Perneta. Ilusão e outros poemas. Re-edição Virtual. Revista e atualizada por Ivan Justen Santana. Curitiba: 2011

Manoel de Barros (Poemas Rupestres) Parte II


5.

Com aquela sua maneira de sol entrar em casa
E com o seu olhar furado de nascentes
O menino podia ver até a cor das vogais –
Como o poeta Rimbaud viu.
Contou que viu a tarde latejas de andorinhas.
E viu a garça pousada na solidão de uma pedra.
E viu outro lagarto que lambia o lado azul do
silêncio.
Depois o menino achou na beira do rio uma pedra
canora.
Ele gostava de atrelar palavras de rebanhos
diferentes
Só para causar distúrbios no idioma.
Pedra canora causa!
E um passarinho que sonhava de ser ele também
causava.
Mas ele mesmo, o menino
Se ignorava como as pedras se ignoram.

Neste poema, através da criação poética, o autor continua sua linha de teorização sobre a poesia e vai exemplificando em cada verso o conceito de teoria poética. Aprofunda sua teoria da arte poética pelo exercício do fazer e acontecer poético.

Em cada verso se manifestam teoria e prática poéticas. O poeta, como o menino do poema, instaura um mundo poético, seus elementos e percepções novas de um mundo ao revés, por meio da reversibilidade dos sentidos. Os sentidos em estado de reinaugurações (várias e múltiplas) permitem a expressão e o acesso aos horizontes novos continuamente inaugurados.

Em especial o olhar, assumido referencialmente como ponto de partida, assume a capacidade de todos os sentidos e dá suporte para a lógica poética das inaugurações. O novo sentido aparece a cada momento, em cada afirmação poética que o olhar, sentido ampliado, lhe oferece inúmeras possibilidades. Os atos inaugurais congregam um alto nível de exuberância vital, de expressividade do que já tinha sido dado, concedido, para a novidade da próxima expressão, da próxima inauguração. Ao percorrer o encadeamento lúdico das inaugurações, ou os versos portadores das novidades, o conjunto se manifesta como um roteiro de alegres surpresas, de percursos apelativos e atraentes concretizando o jogo das novidades que se oferecem com espontaneidade e graça, com leveza e forte atração, de tal forma que ao final do percurso o leitor se vê aberto, outro e criativo também.

A lógica do poema produz outros atos criativos e o primeiro é a auto-percepção modificada do próprio leitor que se deixou inaugurar pelo lúdico caminho inaugural do poema.

A inauguração central – “Olhos furados de nascentes” – mostra que o sentido do olhar em seu estado de amplitude se recria e torna-se fonte de tantas percepções: ‘furado de nascentes!' Normalmente, na lógica racional, furado é para dentro, para se ver o de dentro; aqui o olhar se estende pelos jorros criativos que furam os olhos da lógica e oferecem outras percepções. Além disso, na mitologia, Édipo Rei fura os próprios olhos e descobre outros sentidos, outra visão da realidade – vê mais que a aparência. Então o poeta fura os olhos por jorros de nascentes que oferecem outras visões, outras dimensões do real. Aqui a metáfora sugere outros sentidos além da lógica racional. Com os olhos furados – ver em profundidade – de nascentes – para criar, não só constatar ou perceber – o poeta supera o mito grego que somente propôs compreensão e novas visões do real. Aqui o poeta jorra em nascentes criativas, em visões capazes de inaugurar os dizeres não ditos nem sugeridos que gritam por nascentes. O olhar do poeta se auto-define como olhar de diversas vertentes criativas para além do que já se imaginou. Daí sua arte ser original.

O poema propõe sua teoria poética e a concretiza:

- O poeta / menino inaugura a cor das vogais. Viu a tarde latejar de andorinhas (pulsar de vida) – Viu também a solidão da garça.
- Viu o lagarto que lambia o lado azul do silêncio (viu a cor das vogais).
- Achou na beira do rio uma pedra canora (viu, o olhar se ofereceu aos ouvidos).
- Atrelava palavras de rebanhos diferentes para ofender a lógica do idioma (contra a gramática racionalizada).
- Brinca com a lógica racional: ‘pedra canora causa!' Causa o quê? Som? Barulho? Tropeço? Alicerce? Afinal é uma chance para o leitor criar também.
- O passarinho que se oferecia ao menino sonhava ( O menino já contaminara o pássaro que se tornara criador) – Causa. Tornara-se capaz de tudo!
- E o menino incorpora-se ao mundo excluindo-se do domínio do racional: ‘ignorava-se como uma pedra se ignora!'

Essa última metáfora é a expressão máxima do poeta que assume o ato criador, nele aconteceu a entrega total. Não mais se vê, somente se ignora para perder o uso da razão lógico-reflexiva, pois seu olhar dinamizado pelo liberdade e pela forte capacidade de imaginar suplantou a repetição – somente se vê em estado de novidade. É o mesmo sempre se reinaugurando. A palavra pedra pode assim se desprender do que lhe atribuíram ou lhe fixaram como significado para poder ser ela em um estado de outros significados.

O poeta/menino está no máximo de sua capacidade criativa, perde-se para ser sempre o outro, a reinauguração constante de si mesmo. O percurso poético poderá ser reinventado porque ele já perdeu a memória da fixação do sentido, poderá criar continuamente, pois terá percepções de si e do mundo nunca repetidas, pois sua plataforma de olhar e sua plataforma de percepção serão sempre novas.

Esse é o ápice do poeta, não repetir, estar em estado de novidade, de percepção criativa constante, de si e do mundo. Arrebatado pelo dinamismo criador o poeta só é, só se percebe na novidade, no ato criador.

Não poderia haver poema que melhor exemplificasse o que é poética e poema, além de mostrar como é um processo criador indicando o efeito em quem o assume: o poema inaugura o mundo, as coisas, as pessoas e o próprio poeta!

6.

Desde sempre parece que ele fora preposto a pássaro.
Mas não tinha preparatórios de uma árvore
Pra merecer no seu corpo ternuras de gorjeios.
Ninguém de nós, na verdade, tinha força de fonte.
Ninguém era início de nada.
A gente pintava nas pedras a voz.
E o que dava santidade às nossas palavras era
a canção do ver!
Trabalho nobre aliás mas sem explicação
Tal como costurar sem agulha e sem pano.
Na verdade na verdade
Os passarinhos que botavam primavera nas palavras.

Continua a proposta, concretizada neste poema, da construção poética pela auto-entrega do poeta aos objetos, às coisas, às palavras, emprestando o seu ser ao ser das coisas para que elas possam expressar as suas vozes. Torna-se uma batalha para o poeta que caminha e se expões na abrangência do caminho ou percurso proposto: o olhar.

Entregue, completamente, ao aprendizado da linguagem das coisas e dos pássaros, anela “merecer em seu corpo ternuras de gorjeios”, porém não passara pela instância de ser árvore. Vale dizer, para adquirir no corpo as ternuras dos gorjeios, era necessário ter adquirido a habilidade de se entregar completamente, a ponto de ser “árvore”. Uma dimensão inusitada e sem linguagem lógica para dizer que “ser árvore” é perder-se, entregar-se ao processo para ser fonte criadora e inaugural. Dessa forma o poema teoriza o percurso da invenções, das inaugurações poéticas. Não basta ter o desejo sem se desprender, sem se libertar da própria voz para ser apropriado pelas vozes e estados das coisas, e no caso, de ser ‘árvore'.

Neste poema acontece a confissão do empobrecimento da criação poética: “Ninguém tinha força de fonte, Ninguém era início de nada!” – Uma vez constatado o estado de indigência do fluxo criador ou inaugural, o poeta parte para outra dimensão do processo poético assumido.

“O que dava santidade às nossas palavras era a canção do ver!”

O tema da santidade abre um horizonte amplo: “Só Deus é santo!” Existem pessoas santas por aproximação ou por imitação ou por semelhança, quando assumem em sua limitação uma parte ou participa do fluxo criador (Santidade) de Deus. Santos criam, inventam, inauguram estágios de entrega e amor; criam por generosidade horizontes de integridade interior e beleza, testemunham a entrega do amor criativo. Assim são os santos e Deus sempre inaugura tudo. Santidade é a novidade da criação, do elo participativo do poder criador de Deus. Ele inaugura e o homem pode inaugurar também, dependendo de sua capacidade de entrega, de se deixar iluminar por um poder fontal que assumido torna o homem também fontal.

Aqui o processo de olhar e ver abre uma perspectiva de coerência no processo do poema desde que a inauguração tenha algo de pressuposto, de materialidade da palavra. Sendo vista, recebe outros sentidos inaugurais.

O poeta se entrega ao processo de “canção do ver”, mas não se entende – titubeia entre a lucidez própria e a entrega à luz/processo criador da santidade. Confessa que não entende, não sabe explicar.

Ao constatar que a santidade é inaugural a partir de um pressuposto – a palavra – salta e proclama-se indigente passando a fonte para os passarinhos.

Estes sim, “botavam primavera nas palavras” – Estes levavam as palavras aos brotos, aos recomeços, aos rebentos de uma nova expressão, de um novo sentido. A fonte dos brotos, do renascer das palavras tinha origem nos pássaros. O poeta encolhera-se e não quis se entregar à santidade da ‘canção do olhar!'

Conclui-se que as coisas, os pássaros não amedrontam a capacidade de entrega do poeta, são cúmplices. Quando se trata de um fluxo inaugural mais límpido, sem substrato, o poeta recua e escolhe a fonte das coisas. Quando a oferta de uma entrega ao próprio jorro inaugurante – a santidade – lhe é oferecido, ele procura a fonte cuja dinamicidade ele conhece. São escolhas processuais e poéticas, ambas inauguram.

7.

A turma viu uma perna de formiga, desprezada,
dentro do mato. Era uma coisa para nós muito
importante. A perna se mexia ainda. Eu diria que
aquela perna, desprezada, e que ainda se mexia,
estava procurando a outra parte do seu corpo,
que deveria estar por perto. Acho que o resto da
formiga, naquela altura do sol, já estaria dentro
do formigueiro sendo velada. Ou talvez o resto
do corpo estaria a procurar aquela perna
desprezada. Ninguém viu o que foi que produziu
aquela desunião do corpo com a perna desprezada.
Algumas pessoas passavam por ali, naquele trato
de terra, e ninguém viu a perna desprezada. Todos
saímos a procurar o pedaço principal da formiga.
Porque pensando bem o resto da formiga era a
perna desprezada. Fomos à beira do rio mas só
encontramos pedaços de folhas verdes carregados
por novas formigas. Achamos a seguir que as novas
formigas que carregavam as folhas nos ombros, elas
estavam indo para assistir, no formigueiro, ao
velório da outra parte da formiga. Mas a gente
resolveu por antes tomar um banho de rio.

Poema em prosa poética?

Continua o mesmo argumento de o poeta atingir o ponto inaugural.

O centro do poema parte de uma coisa muito insignificante e difícil de ser individualizada em meio ao universo/cenário apresentado: “uma perna de formiga, desprezada, dentro do mato”.

Tal achado foi julgado muito importante pela turma, pois ainda se mexia e de acordo com a ludicidade infantil pensavam que ela procurava o resto de seu corpo. Ou ainda este corpo estaria procurando a própria perna.

As conjecturas lúdicas tecem o corpo do poema e fazem tudo girar ao redor de uma coisa minúscula mas julgada muito importante pela turma: a perna desprezada e sem corpo.

Para aumentar a importância do “desimportante”, afirma que várias pessoas passavam por ali e ninguém percebia o achado da turma: a perna da formiga.

O “desimportante” move a turma a descobrir as outras formigas, mas com o jogo completo de pernas. Inauguravam suposições sobre as formigas: “iam as formigas, para o velório da formiga sem perna.”?

Quando a turma percebeu que não iam resolver a questão da perna da formiga desprezada – quando o mundo das formigas ia complicar e tornar-se importante para eles, tomaram uma decisão bem lúdica: “vamos tomar banho no rio!”

Assim o “desimportante” teve seu foco, moveu o “jogo” e retornou a seu ritmo de desimportante; ao passo que a turma escolheu o trivial, outro desimportante, sem complicação: “tomar banho no rio”, onde tudo é gratuito e nada se repete. Ali no banho, cada movimento ou posição na água é sensivelmente mutável e inaugurável.

8.

Fomos rever o poste.
O mesmo poste de quando a gente brincava de pique
e de esconder.
Agora ele estava tão verdinho!
O corpo recoberto de limo e borboletas.
Eu quis filmar o abandono do poste.
O seu estar parado.
O seu não ter voz.
O seu não ter sequer mãos para se pronunciar com
as mãos.
Penso que a natureza o adotara em árvore.
Porque eu bem cheguei de ouvir arrulos de passarinhos
que um dia teriam cantado entre as suas folhas.
Tentei transcrever para flauta a ternura dos arrulos.
Mas o mato era mudo.
Agora o poste se inclina para o chão — como alguém
que procurasse o chão para repouso.
Tivemos saudades de nós.

Este poema apresenta a volta à infância como estado inaugural contínuo, ao jogo com expressão do fortuito e lúdico. O jogo tira a pessoa do compromisso com o reflexivo, com a lógica racional.

A raiz do lúdico, com referência da entrega no jogo é, no poema, o “Poste”, ao redor do qual os jogos aconteciam no tempo inaugural. Tudo, no jogo dos infantes, é inaugural porque, em cada instante, ninguém aprisiona o acontecimento. Qualquer posição ou caminho será novo a cada passo.

O tempo reflexivo e a idade tornaram-no(o poste) precário, em estado de abandono pela falta de vida inaugural ao seu redor.

Está, o poste, em estado de inanição = limo verde, borboletas... que somente se inauguram em seus vôos enfeitados... ao redor do poste agora tudo está parado e sem vida.

O poeta se surpreende com o estado de inanição do poste: “O seu estar parado / O seu não ter voz / não ter mais contato ou referência das mãos!”. Aliás as mãos teriam sua voz e seu valor inaugural de deixar livre ou terminar o jogo mudando de condição: livre/preso.

O poeta inaugura o mundo possível, futurível que poderia ter tido: a voz das mãos seria substituída pelos arrulhos dos pássaros pousados entre suas folhas. A ternura dos arrulhos sonhados / inaugurados também se constituem na fugacidade do imaginar. A mudez retomada do poste inaugura a sua verdade crua: o mato era mudo. Então o poeta mostra-lhe a vocação atual: “o poste se inclina para o chão – como alguém que procurasse o chão para repouso!”

“Tivemos saudades de nós” – inclui-se no fecho do poema a saudade do brilho do poste e da vida ao seu redor. O inaugural proporcionou um retorno à infância como tempo ideal para se viver no enlevo lúdico, na sucessão do impensado e do não calculado. Vivia-se a entrega ao momento que tecia a alegria e a expansão inaugural de cada um na imprevisibilidade do inocente jogo de meninos. Estes se encantavam tendo como referência o poste. Hoje o carcomido poste trouxe a beleza do tempo em que a entrega à vida acontecia sem pejo. Em tal época a vida resplandeceu... Agora sua memória a trouxe com sentimento de saudade.

9.

E agora
que fazer
com esta manhã desabrochada a pássaros?

O poema celebra a vida em flor viva, de pássaros; estes são capazes de escrever aquilo que ainda não foi vivido e reinventar a vida a cada momento. Dessa forma a manhã de per si já é um florescimento e aqui se abre em flor de pássaros que embelezam o dia e o mundo. O encanto do poeta não tem resposta, fica meio perplexo e interroga-se com vontade de segurar o momento. Assim a pessoa se expõe ao encanto, deixa-se enlevar e percebe que o momento se eterniza dentro dele, mas não o pode reter, será sempre “esta manhã desabrochada a pássaros?” Sempre perdurará a interrogação no anseio de a passar a todos que não a viram desabrochar. Somente o poema será o registro desta beleza.

Fonte:
Portal das Letras - Pe. Afonso de Castro
http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/livros/analises_completas/p/poemas_rupestres