quarta-feira, 8 de julho de 2009

António Lobo Antunes (1942)



António Lobo Antunes (Lisboa, 1 de Setembro de 1942) é um escritor e psiquiatra português.

Proveniente de uma família da alta burguesia, licenciou-se em Medicina e especializou-se em Psiquiatria. Exerceu a profissão no Hospital Miguel Bombarda, em Lisboa, dedicando-se desde 1985 exclusivamente à escrita. A experiência em Angola na Guerra do Ultramar como Tenente e Médico do Exército Português durante vinte e sete meses (de 1971 a 1973) marcou fortemente os seus três primeiros romances.

Em termos temáticos, a sua obra prossegue com a tetralogia constituída por A Explicação dos Pássaros, Fado Alexandrino, Auto dos Danados e As Naus, onde o passado de Portugal, dos Descobrimentos ao processo revolucionário de Abril de 1974, é revisitado numa perspectiva de exposição disfórica dos tiques, taras e impotências de um povo que foram, ao longo dos séculos, ocultados em nome de uma versão heróica e epopeica da história. Segue-se a esta série a trilogia Tratado das Paixões da Alma, A Ordem Natural das Coisas e A Morte de Carlos Gardel – o chamado «ciclo de Benfica» –, revisitação de geografias da infância e adolescência do escritor (o bairro de Benfica, em Lisboa). Lugares nunca pacíficos, marcados pela perda e morte dos mitos e afetos do passado e pelos desencontros, incompatibilidades e divórcios nas relações do presente, numa espécie de deserto cercado de gente que se estende à volta das personagens.

Antunes começou por utilizar o material psíquico que tinha marcado toda uma geração: os enredos das crises conjugais, as contradições revolucionárias de uma burguesia empolgada ou agredida pelo 25 de Abril, os traumas profundos da guerra colonial e o regresso dos colonizadores à pátria primitiva. Isto permitiu-lhe, de imediato, obter um reconhecimento junto dos leitores, que, no entanto, não foi suficientemente acompanhado pelo lado da crítica. As desconfianças em relação a um estranho que se intrometia no meio literário, a pouca adesão a um estilo excessivo que rapidamente foi classificado de «gongórico» e o próprio sucesso de público, contribuíram para alguns desentendimentos persistentes que se começaram a desvanecer com a repercussão internacional (em particular em França) que a obra de António Lobo Antunes obteve.

Ultrapassado este jogo de equívocos, tornou-se um dos escritores portugueses mais lidos, vendidos e traduzidos em todo o mundo. Pouco a pouco, a sua escrita concentrou-se, adensou-se, ganhou espessura e eficácia narrativa. De um modo impiedoso e obstinado, esta obra traça um dos quadros mais exaustivos e sociologicamente pertinentes do Portugal do século XX.

A sua obra prosseguiu numa contínua renovação linguística, tendo os seus romances seguintes (Exortação aos Crocodilos, Não Entres Tão Depressa Nessa Noite Escura, Que Farei Quando Tudo Arde?, Boa Tarde às Coisas Aqui em Baixo), bem recebidos pela crítica, marcando definitivamente a ficção portuguesa dos últimos anos.

Em 2007 foi distinguido com o Prêmio Camões, o mais importante prêmio literário de língua portuguesa. Em 2008 foram-lhe atribuídas, pelo Ministério da Cultura francês, as insígnias de Comendador da Ordem das Artes e das Letras francesas.

Lobo Antunes foi militante da Aliança Povo Unido, por alguns meses, em 1980.

Muitos dos livros de Antunes referem ou reportam-se a todo o processo de passagem do fim do Estado Novo até à implantação da Democracia. O fim da Guerra Colonial, o fim de um mundo burguês marcado por valores conservadores e retrógrados. Os problemas de mudança social rápida no 25 de Abril de '74 e, consequentemente, a instabilidade política vivida em Portugal. Esse processo de passagem é espelhado nas relações familiares. Regra geral aparecem nos romances deste autor famílias disfuncionais em que o indivíduo está a perder os seus referentes, em que a comunicação é ou nula ou superficial entre os seus membros. Regra geral os anti-heróis dos seus romances são pessoas que exercem profissões liberais oriundos de «boas famílias».

Estilo

Densidade

Antunes tem uma escrita densa. O leitor tem algum esforço de leitura porque, por exemplo, não é raro haver mudanças de narrador e assim o leitor tem tendência a «perder o fio à meada». No entanto apesar de não ser um autor que opte por uma escrita fácil (ou facilitista) constitui um fenómeno de vendas e é muito lido internacionalmente, especialmente na Europa Continental.

Mudança de narrador

Na esteira de James Joyce ou de The Sound and the Fury de Faulkner, o narrador é por vezes trocado, como se o ponto de vista saltasse de personagem em personagem. Isto dá uma qualidade de caleidoscópio ao desenrolar da narrativa.

Obsessividade

Os livros de Antunes são muito obsessivos e labirínticos dando um tom geral de claustrofobia e paranóia às suas obras. Apesar disso as suas obras apresentam uma diversidade linguística notável.

Sintagmas nominais complexos

Ocorre muitas vezes numa descrição ou pensamento do que está a acontecer a um personagem aparecerem sobrepostos tanto o que está "realmente" a acontecer como uma realidade imaginária. Outros processos típicos são sintagmas nominais complexos como por exemplo "cachoeira dos pulmões". Aqui os substantivos (S1 de S2) não funcionam da maneira habitual em que S2 atribui propriedades sobre S1 ("copo de água"; água está a especificar o conteúdo do copo) mas funcionando este sintagma como uma metáfora ou como uma comparação. (assim esta imagem seria descrita num português mais habitual como "os pulmões fazendo barulho como uma cachoeira"). Em As Naus, um velho cego tem "olhos lisos de estátua"; em Manual dos Inquisidores, uma luneta é descrita como sendo "um tubo de inventar planetas".

Simultaneidade

Tipicamente ocorrem várias descrições simultâneas, tanto físicas como de pensamentos. É habitual uma realidade do passado estar misturada com uma realidade do presente. No meio de um diálogo serem inseridos diálogos imaginários ou do tempo passado. Estes processos são usados com maestria por este autor resultando efeitos de grande valor literário.

Prêmios literários

Prêmio Franco-Português, 1987 ("Cus de Judas") (Prêmio instituído pela embaixada de França em Lisboa, no valor de duzentos mil escudos e atribuído a obras traduzidas para a língua francesa nos últimos cinco anos.)
Grande Prêmio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores, 1985 ("Auto dos Danados")
Prêmio Melhor Livro Estrangeiro publicado em França, 1997 ("Manual dos Inquisidores ")
Prêmio Tradução Portugal/Frankfurt, 1997 ("Manual dos Inquisidores")
France-Culture ("A Morte de Carlos Gardel")
Prêmio de Literatura Europeia do Estado Austríaco, 2000
Prêmio União Latina , 2003
Prêmio Ovídio da União dos Escritores Romenos, 2003
Prêmio Fernando Namora, 2004
Prêmio Jerusalém, 2005
Prêmio Camões, 2007[1]
Prêmio José Donoso, 2008, atribuído pela Universidade de Talca, Chile

O autor não tinha pressa em ser publicado no Brasil e conclui: "Não sei, certa impressão de que meus livros seriam muito criticados... e eu venho do Brasil." O avô de Lobo Antunes, também António, era de Belém, onde o escritor começou a ler os clássicos brasileiros José de Alencar, Aluísio Azevedo, Machado de Assis, Monteiro Lobato.

Obras

De sua autoria
Memória de Elefante (1979)
Os Cus de Judas (1979)
A Explicação dos Pássaros (1981)
Conhecimento do Inferno (1981)
Fado Alexandrino (1983)
Auto dos Danados (1985)
As Naus (1988)
Tratado das Paixões da Alma (1990)
A Ordem Natural das Coisas (1992)
A Morte de Carlos Gardel (1994)
Crônicas (1995)
Manual dos Inquisidores (1996)
O Esplendor de Portugal (1997)
Livro de Crônicas (1998)
Olhares 1951-1998 (1999) (co autoria de Eduardo Gageiro)
Exortação aos Crocodilos (1999)
Não Entres Tão Depressa Nessa Noite Escura (2000)
Que farei quando tudo arde? (2001)
Segundo Livro de Crônicas (2002)
Letrinhas das Cantigas (edição limitada, 2002)
Boa Tarde às Coisas Aqui em Baixo (2003)
Eu Hei-de Amar Uma Pedra (2004)
História do Hidroavião (conto, reedição 2005)
D'este viver aqui neste papel descripto: cartas de guerra ("Cartas da Guerra", 2005)
Terceiro Livro de Crônicas (2006)
Ontem Não Te Vi Em Babilônia (2006)
O Meu Nome é Legião (2007)
O Arquipélago da Insônia (2008)
Que Cavalos São Aqueles Que Fazem Sombra no Mar? (a ser publicado em 2009)

Fonte:

Arthur Conan Doyle (Através do véu)



Ele era um fronteiriço enorme, cabeludo e de rosto sardento, descendente direto de uma tribo dada ao roubo de gado em Liddesdale. Apesar de sua descendência, era um cidadão tão sensato e sóbrio quanto podia se desejar, vereador em Melrose, presbítero da Igreja e presidente da seção local da Associação Cristã de Moços. Seu nome era Brown – e se via impresso como “Brown and Handiside”, sobre as grandes mercadorias da rua principal. Sua esposa, Maggie Brown, era Armstrong antes de se casar, e vinha de uma velha família de camponeses nos ermos de Teviothead. Era de baixa estatura, moreninha e possuía olhos negros, além de um temperamento estranhamente nervoso para uma mulher escocesa. Não se podia encontrar maior contraste entre o homem grande e trigueiro e a pequena mulher morena, porém ambos eram da terra, até onde podia alcançar a memória.

Um dia – era o primeiro aniversário de seu casamento – eles saíram juntos para ver as escavações do Forte Romano em Newstead. Não era um lugar particularmente pitoresco. Da ribanceira norte do Tweed, exatamente onde o rio forma uma curva, estende-se uma rampa suave de terra arável. Através desta corriam os valos dos escavadores, expondo, aqui e ali, velhos trabalhos de pedra, indicando os alicerces das antigas muralhas. Havia sido um lugar enorme, pois o acampamento possuía cinqüenta acres de extensão e o forte, quinze. De qualquer modo, tudo era fácil para eles, uma vez que o Sr. Brown conhecia o fazendeiro proprietário da terra. Sob sua direção, passaram uma longa tarde de verão inspecionando as valas, as covas, as muralhas e toda a estranha variedade de objetos que esperavam ser transportados para o Museu de Antigüidade de Edimburgo. A fivela de um cinturão de mulher havia sido desenterrada naquele mesmo dia e o fazendeiro estava discorrendo sobre isto, quando seus olhos se fixaram no rosto da Sra. Brown.

Sua boa senhora acha-se cansada, disse ele. Talvez seja melhor descansar um pouco antes de continuar.

Brown olhou para a esposa. Ela estava pálida, certamente, e seus olhos escuros, luminosos e estranhos.

O que é Maggie? Cansada? Acho que é hora de regressarmos.

Não, não, John, continuemos. É maravilhoso. Igual a um país de sonho. Tudo parece estar tão chegado e perto de mim. Quanto tempo os romanos permaneceram aqui, Sr. Cunningham?

Longo tempo, senhora. Se a senhora visse as covas de lixo das cozinhas, compreenderia que levaria muito tempo para enchê-las.

E por que eles partiram?

Bem, senhora, por todos os sinais, partiram porque tiveram de o fazer. O povo das vizinhanças não podia suportá-los mais, por isso levantaram-se e queimaram o forte. Pode ser a marca de fogo nas pedras.

A mulher estremeceu ligeiramente.

Uma noite feroz... horrível, disse ela. O céu devia estar vermelho aquela noite... e estas pedras cinzentas também.

Sim, acho que se encontravam rubras, disse seu marido. É uma coisa estranha, Maggie, e talvez fossem suas palavras que a ocasionasse; mas pareço ver este incidente mais claro do que jamais vi qualquer coisa em minha vida. A luz brilhava na água.

Sim, a luz brilhava na água. E a fumaça agarrava-se à garganta. E todos os selvagens estavam gritando.

O velho fazendeiro começou a rir.

A senhora escreverá uma história acerca do velho forte, disse ele. Eu o tenho mostrado a mais de um indivíduo, mas nunca ouvi explicação tão clara. Algumas pessoas têm o dom.

Haviam bordejado a margem do fosso, e um poço abria sua boca à direita deles.

Aquele poço possui 14 pés de profundidade, disse o camponês. Imaginem o que retiramos do fundo? Bem, era somente o esqueleto de um homem com uma lança ao lado. Penso que a empunhava quando morreu. Ora, como pode um homem com uma lança achar-se num buraco destes? Não estava enterrado, porque eles queimavam seus mortos. Que conclui disso, senhora?

Ele saltou ao fundo para livrar-se dos selvagens, disse a mulher.

Bem, é plausível e um dos professores de Edimburgo não poderia apresentar melhor explicação. Gostaria que estivesse aqui, senhora, para responder às nossas dificuldades. Aqui está o altar que encontramos semana passada. Há uma inscrição. Disseram-me que é latim que significa que os homens deste forte agradecem a Deus por sua segurança.

Examinaram a velha pedra gasta. Havia dois VV largos e profundamente entalhados, no topo.

Que significam estes dois VV, perguntou Brown.

Ninguém sabe, respondeu o guia.

Valeria Victrix, disse a senhora, suavemente. Seu rosto se encontrava mais pálido que nunca, os olhos muito distantes, como quem observa pelas passagens obscuras das abóbadas dos séculos.

Que é isto? perguntou o marido, asperamente.

Ela estremeceu como alguém que acorda de um sono.

Acerca de que falávamos? perguntou.

Destes VV na pedra.

Não há dúvida de que é somente o nome da legião que erigiu o altar.

Sim, mas você lhe deu um nome especial.

Realmente? Que absurdo! Como poderia eu saber qual era o nome?

Você disse algo... Victrix, suponho.

Acho que estava conjecturando. Este lugar me dá o sentimento singular de não ser eu própria, mas outra pessoa.

Sim, é um lugar misterioso, disse seu marido, olhando ao redor com uma expressão quase de medo em seus olhos cinzentos e agressivos. Também sinto isto. penso que somente lhe desejaremos boa noite, Sr. Cunningham, e regressaremos a Melrose.

Nenhum deles pôde sacudir a estranha impressão que lhes havia sido deixada, pela visita às escavações. Era como se algum miasma houvesse subido daquelas valas úmidas e passado ao sangue deles. Toda a tarde permaneceram silenciosos e pensativos, mas os poucos comentários que faziam mostravam que o mesmo objeto ocupava a mente de cada um. Brown passou a noite sem repouso na qual teve um sonho estranho e bem concatenado, tão vívido que ele acordou transpirando e tremendo como um cavalo amedrontado. Tentou descrevê-lo à sua mulher quando se sentaram para o lanche, de manhã.

Foi a coisa mais clara, Maggie, disse ele. Nada que me aconteceu quando acordado tem sido mais claro do que isto. sinto-me como se estas mãos estivessem pegajosas de sangue.

Conte-me devagar, disse ela.

Quando começou eu estava numa encosta. Encontrava-me deitado no chão. Este era áspero e havia moitas de urzes. Tudo ao meu redor era somente escuridão, mas eu podia ouvir o sussurro das respirações dos homens. Afigurava-se uma grande multidão em ambos os lados ao meu redor, mas não podia ver ninguém. Às vezes, havia um baixo tinido de aço, e então um número de vozes sussurrava “Silêncio!”. Eu tinha uma clava nodosa na mão e esta era guarnecida de pontas de ferro na extremidade. Meu coração batia rapidamente, e eu sentia que pairava um momento de grande perigo. Uma vez deixei cair minha maça, e as vozes todas ao meu redor ordenaram na escuridão “Silêncio!”. Apoiei minha mão no chão e toquei o pé de outro homem deitado à minha frente. Havia outros ao meu alcance de ambos os lados. Mas não disseram nada.

Então todos começamos a nos mover. A encosta inteira parecia estar rastejando para baixo. Existia um rio no sopé e uma ponte de madeira com arcos altos. Além da ponte viam-se muitas luzes – tochas numa muralha. Os homens rastejantes dirigiam-se todos em direção à ponte. Não houve som de espécie alguma, porém uma quietude aveludada. Então ouviu-se um grito na escuridão, o brado de um homem que era apunhalado no coração, subitamente. Aquele único grito elevou-se durante um momento e depois ouviu-se o rugir de mil vozes furiosas. Eu estava correndo. Todos corriam. Uma luz vermelha brilhou e o rio tornou-se uma faixa rubra. Podia ver meus companheiros agora. Eram mais demônios do que homens, figuras ferozes vestidas de peles, com o cabelo e a barba caindo em torrentes. Estavam todos furiosos de raiva, saltando enquanto corriam, as bocas abertas, os braços em agitação, a luz vermelha batendo em seus rostos. Corri também, e gritei maldições como os demais. Então ouvi um grande estralejar de madeira que soube que as paliçadas tinham caído. Percebi um silvo alto em meus ouvidos e eu me achava consciente de que as flechas voavam ao meu redor. Caí no fundo de um valo e vi uma mão estendida de cima. Segurei-a e fui puxado. Olhamos para baixo e vimos homens prateados segurando suas lanças para o alto. Alguns dos nossos saltaram sobre as pontas. Nós os seguimos e matamos os soldados antes que pudessem desenterrar as lanças dos corpos novamente. Eles gritavam alto em uma língua estrangeira, mas não tivemos misericórdia. Caminhamos sobre eles como uma onda, e os espezinhamos para baixo da lama, pois eram poucos e o número dos nossos infindável.

Encontrei-me entre edifícios e um destes estava incendiado. Vi as chamas ressaindo através do telhado. Corri e achei-me só entre os edifícios. Alguém cruzou correndo à minha frente. Era uma mulher. Segurei-a pelo braço e segurando-lhe o queixo, voltei seu rosto a fim de que a luz do fogo o iluminasse. Quem você pensa que era, Maggie?

A esposa umedeceu os lábios secos.

Era eu, disse ela.

Ele olhou para ela, surpreso.

É certo seu palpite, disse. Sim, era exatamente você. Não simplesmente parecida, você compreende. Era você, você própria. Eu vi a mesma alma nos seus olhos amedrontados. Você parecia branca e formosa, maravilhosa à luz do fogo. Eu tinha somente um pensamento na cabeça – levá-la para longe comigo; conservá-la toda para mim no meu lar em algum lugar nas colinas. Você arranhou meu rosto. Levantei-a sobre o ombro e procurei achar um caminho para fora da luz do edifício em chamas e de retorno à escuridão.

Então aconteceu a coisa que relembro mais que tudo. Você está doente, Maggie. Devo parar? Meu Deus! você tem no rosto o mesmo olhar que possuía a noite passada no meu sonho. Você gritou. Ele veio correndo à luz do fogo. Sua cabeça estava desprotegida; seu cabelo era negro e encaracolado; e ele tinha uma espada nua na mão, curta e larga, pouco maior que uma adaga. Ele lançou-se contra mim, mas tropeçou e caiu. Segurei-a com uma das mãos, e com a outra...

Maggie havia saltado, ficando de pé, com feições contraídas.

Marcus! Gritou ela. Meu belo Marcus! Oh, seu animal! Fera! bruto! Houve um estardalhaço de xícaras de chá, quando ela caiu para a frente, sobre a mesa, inconsciente.

Nunca falam daquele incidente isolado e estranho em sua vida de casados. Por um instante, a cortina do passado tinha sido afastada, e algum estranho lampejo de uma vida esquecida tinha sido mostrado a eles. Mas o véu caiu, para nunca mais levantar-se. Vivem em seu círculo estreito – ele na sua loja, ela no lar – e não obstante horizontes mais novos e amplos formaram-se vagamente em torno deles, desde aquela tarde de verão no fragmentado Forte Romano.

Fontes:
Scribd
Imagem = Oficina de Idéias e Ideais

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Trova XXXVIII

Nestor Vítor (Poesias Avulsas)


MORTE PÓSTUMA

Et vraiment quand la mort viendra que reste-t-il?
P. Verlaine


D'esses nós vemos: lá se vão na vida,
Olhos vagos, sonâmbulos, calados;
O passo é a inconstância repetida,
E os sons que têm são como que emprestados.

— Dia de luz. – Respiração contida
Para encontrá-los despreocupados,
Aí vem a morte, estúpida e bandida,
Rangendo em seco os dentes descarnados.

Mas embalde ela chega, embalde os chama:
Ali não acha nem de longe aqueles
Grandes assombros que aonde vai derrama!

E abre espantada os cavos olhos tortos:
Vê que se eles têm os olhos vítreos, que eles...


Do livro: "Transfigurações" (1902)
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DUETO DE SOMBRAS

Ah! descuidosa Ofélia, é o irresistível que me está chamando,
Mas não te deixarei abandonada ...
A coroa de rosas desfolhando,
Não pela doida correnteza,
— Mãos esguias de cera enregelada —,
Irás, mas docemente, aos meus dois braços presa,
Teu olhar, a sorrir, no meu olhar fitando.

— Mas como é frio este caminho!
— Abriga-te em meu manto de loucura!
— Estás tão alto! Não alcanço o teu carinho...
Eu era mais feliz com a paz que há na planura ...

— Sobe! - Subirei, que te amo!
— Sobe, sofrendo embora! Leva para o alto a fé!
Lá em cima de uma árvore nova pende um ramo
(Palma? Loureiro? - áureo_e viril) que não se sabe para quem é.


Turris eburnea (1900)
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OS VERSOS

Versos ... são candelabros que se tocam
Tirando estrelas do cristal ferido ...
Óleo de que perfumes se deslocam .
Estranhos, num vapor vago e fluido...

Bergantins marchetados de ouro e prata
A balouçar num mar sonoro e ardente,
Que todo em nenúfares se desata
E em ilhas verdes, infinitamente ...

Versos ... largas cadeias de diamante,
Lançadas de um extremo a outro da Terra
Para pô-la risonha e soluçante,
— Áureas grilhetas de amorosa guerra ...

Flores do Desespero, doloridas,
Lírios feitos de sangue, transmudados,
Sob o ardor das insônias homicidas
Qual um punch a luz verde germinados ...

Versos! que alma sonora e tumultuosa
— Céu em que os astros chocam-se cantando —
Que alma grande, alma nobre, alma ansiosa
Não vos anda risonha procurando.

Dos Eleitos vós sois os mensageiros!
Canta, por eles, florescente rima,
Por eles mergulhais, filtros traiçoeiros,
As almas numa embriaguez opima.

Adernando-vos leves e graciosos
É que o Poeta arrebata e nos transporta
Para aqueles países fabulosos
Do Sonho, abrindo ao Infinito a porta.

Não pode alguém se libertar dos laços
Sob os quais o tenhais escravizado
Enquanto lhe ritmar, sonora, os passos
A grilheta de um verso terso e ousado.

Ah! toda esta ânsia que nos arde ao seio,
Todo este fogo que nos queima a boca,
Se revela das formas neste anseio,
Nesta sofreguidão absurda e louca.

Porém, se nós pudéssemos apenas
Abrir os olhos, dominar o Mundo,
E em atitudes nobres e serenas
Mostrar-lhe todo o nosso estranho fundo ...

Se em palavras se dissesse tudo,
Num ardor, num cantar vivo e direto,
Fora melhor que se ficasse mundo:
Era mais simples e era mais completo ...

Transfigurações (1902)
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Nestor Vítor (12 Abril 1868 -13 Outubro 1932)



(Paranaguá, 12 de abril de 1868 — Rio de Janeiro, 13 de outubro de 1932) . Poeta, contista, ensaísta, romancista, crítico e conferencista. Foi amigo e estudioso da obra de Cruz e Sousa. Autor de uma vasta obra, assim também um divulgador da literatura estrangeira, em particular da francesa. Nestor Vítor dos Santos.

Fez parte do grupo simbolista carioca e deu apoio ao grupo Festa. Foi o pioneiro, no Brasil, a dissertar sobre Ibsen, Emerson e Novalis, em quem, num artigo de 1899, percebeu a "genealogia" de Mallarmé. Apontou assim o neo-romantismo dos simbolistas, seu privilégio da imaginação, como apontou também seus limites em terras brasileiras. Tem um livro de poemas e outros de ficção e ensaios.

Obras
Paris, 1911
A Crítica de Ontem, 1919
Prosa e Poesia, 1963

Fontes:
Wikipedia
Antonio Miranda

Anita Philipovsky (Poesias)


NOITE FRIA EM ALTO MAR

Que vento tão forte!
Que vento tão frio!
Vem das geleiras
Esse sopro do Norte,
Esse vento gelado
Esse vento bravio.
Soturnos, plangentes
Os mastros rouquejam...
Parece um queixume
Esse rangido assim.
E queixa-se em vão
A madeira cativa
Ao ar impassível
Ao ar fugidio.
As velas flambelam
Ansiadas crepitam
Com a força incessante
De um tatalar a fio...
E lá bem em cima,
Que é que se passa?
O vento que se escoa
No cesto da gávea
Inventa e emite
Vozes de assobio.
Estalam as velas...
E marouços tontos
Vêm e se despedaçam
De encontro ao navio.

Vem das geleiras.
Vem de muito longe
Esse vento teimoso,
Esse vento bravio.

Que voz é essa agora,
Que anda chorando?
Que vai e que vem
Com o vento erradio?
Náufragos?... E os mortos?
São eles que choram:
São eles que gemem:
_ Que frio!...ai que frio...
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OS POENTES DA MINHA TERRA

A Stefan Kujavski


( Stefan, não sei onde te achas atualmente. Mas tenho a esperança de que possas ler estes versos que fiz pensando no teu fino espírito, que tanto aprecia tudo o que de belo nos oferece a Natureza! )

Os poentes da minha terra
São belos,
Tão belos,
Mas tão belos
Como ninguém viu fora daqui.
Uns são roxos . . . outros amarelos . . .
Outros de bronze com pedrinhas de rubi . . .
E os cor de opala, então ?
Lembram a palheta de algum pintor flamengo
As nuanças leves de um pôr-de-sol assim.
E os de seda cor-de-rosa ?
E os poentes de verão ?
Às vezes o poente de verão
É todinho borrado de carmim.

Há os de nuvens frágeis, esgarçadas.
Tocadas de luz desfalecente.
E a essas nuvens leves,
E luz desfalecente,
A gente olha e pensa . . .
Fica pensando que o ocidente sonha
Sonhos de renda, de gaze e nostalgia,
Sonha saudades para magoar a gente.

Patéticos . . . Uma rima de saudade,
Um verso do poema – nostalgia . . .
Tonalidades de exótica poesia,
De poesia apenas pressentida
Através do tempo e através do espaço. . .
Patéticos. Legendários. Quase irreais . . .
Estes poentes às vezes são assim.
Neles canta, e numa voz que ninguém ouve,
Um noturno . . .
Canta inaudível a alma de Chopin.

Sentimentais . . . muito sentimentais,
Estes poentes às vezes são assim.
E às vezes . . ah! são exaltados !
De cariz violento. Rubros ! De tragédia !
Esbraseados . . .
São chamas ! . . .
Vede então – o ocaso pegou fogo !
Há um grande incêndio onde termina o céu.
E logo mais:
Feitos de chumbo, azinhavre e de zarcão,
Com faíscas medrosas de safira.
E nesses dias,
Que colorido onde entra o Sol!

Que cores fortes !
E do contraste agressivo dessas tintas,
Furiosas e terríveis,
O Sol se esquiva: o Sol vai fugindo,
O Sol se escapa como quem delira.
Poentes extravagantes !
Poentes indescritíveis !
Até parece que o céu enloqueceu.

Agora vede:
Negro e de sangue . . . de tragédia, um dia,
E outro dia,
Um pôr-de-sol suave e dolente,
Que a alma da gente veste de cisma,
E que veste de cisma a alma da gente.

Poentes extravagantes !
Poentes indescritíveis !

Sobre a magia desses coloridos
Expressou-se arrebatado certa vez
Um espírito vibrante de estesia.
Era sem saber que o era – um poeta.
Mas falou:
“Nesta terra é assim:
Quando termina o dia,
U’a mão invisível, misteriosa,
Pinta onde acaba o céu,
E com as tintas que quer,
Pinta tudo o que há de emocionante,
Na essência emocionante da poesia.”

Assim expressou-se embevecida, um dia,
Uma alma vibrante de estesia.

E o poente de hoje, não vistes ?
Foi imponente. Foi egrégio.
O rei dos astros quando foi-se embora.
Deixou no céu o lindo manto seu .
Era de púrpura, que eu sei,
Com franjas de ouro, e bordados de ouro,
Mesmo um manto de rei.
Portanto esse presente foi um presente régio.
Afinal Ponta Grossa pode usar,
Como usa, e muitas vezes usa,
Na hora crepuscular,
O ouro e as púrpuras das galas reais.
Porque – quem não sabe da sua nobreza ? –
Ela é princesa.
É soberana.
E os seus domínios ?
É toda a terra dos Campos Gerais.
E por isso ela tem a regalia
De usar a púrpura das galas reais.

Estes ocasos . . .
Cada um tem sua beleza peculiar, eu acho.
Os outros . . . não sei que pensam, nem o que dirão.
Mas para mim o pôr-do-sol mais sugestivo
E emotivo,
É o pôr-do-sol lilás.
Quando faz fundo para uma paisagem campesina,
É de tão grande beleza,
E de tristeza tal,
Que a impressão que causa, não há quem a defina,

Na lomba da coxilha há um pinheiro isolado,
Forte e dorido na sua solidão.
Altivo. Sobranceiro. Algo de audaz . . .
Esse pinheiro sobranceiro,
O vento embate-o. Ele resiste.
Luta com o elemento hostil, ele sozinho,
Deslembrado na verde imensidão
Do campo sem fim.
Na lomba da coxilha há um pinheiro isolado . . .
E por detrás,
Muito atrás
Da curva da coxilha,
O céu a agonizar em cor lilás.
Só lilás ?
Não. Bem pertinho do horizonte,
Há uns fiapinhos de nuvens enxofradas,
Cloróticas. Agoniadas.
Parecem doentes essas nuvens fininhas.
Isto bem pertinho do horizonte.
O mais é só amaranto. É só lilás.
É tarde. É o fim de um dia que não teve sol.
A gente olha isso tudo, e fica olhando.
Fica cismando em tanta coisa . . .
A dor da ausência fica doendo mais.
Um fim de tarde assim,
Como faz sentir !
Como faz pensar !
Faz pensar nas almas incompreendidas,
Esmagadas de incerteza e de pesar,
Essa árvore sozinha, tão sozinha !
E o céu a agonizar clorótico e lilás.
Mais uma nota triste, nesse quadro:
Lá longe há um aterro.
E nesse aterro,
Um cavalo sacoleja um cincerro.
A gente olha ainda:
O dia se desfaz
Doente e lilás
O campo é triste !
O pinheiro é triste !
[ O cincerro é triste ! ]
Meu Deus onde vai parar essa tristeza ?
E essa beleza ?
Ouvi ! Andam soluços soluçando no ar . . .
A gente olha, e tem vontade de chorar.

Minha terra tem cada poente !
É um dom que igual, nenhuma terra tem.
Muitas vezes ao findar do dia,
Na horinha em que vai baixando o Sol
Entre nuvens leves como véu,
É só ver:
Aperta o coração da gente, uma saudade !
Uma saudade diferente . . . não sei como,
Não é saudade de nada desta vida.
É coisa incompreendida
Talvez seja a nostalgia indefinida

Que a gente tem do céu.
Poentes da minha terra !
Quando longe de vós, para vós é a minha saudade. . .
Poentes da minha terra, que fazeis pensar !
Poentes da minha terra, que fazeis sonhar !
Poentes da minha terra, que fazeis chorar !

(Ponta Grossa – Janeiro de 1936.)
----------------------

Fontes:
– SANTOS, Luisa Cristina dos. SANTOS, Nelson Rodrigues dos. Escritoras Brasileiras do Século XIX (Antologia de Textos Representativos). In BONNICI, Thomas (org.). Anais do XIII Seminário do CELLIP (Centro de Estudos Linguísticos e Literários dos Paraná). Campo Mourão: 21 a 23 outubro de 1999. Maringá: Universidade Estadual de Maringá, 2000. CD-Rom.
A Mulher na literatura.

Anita Philipovsky (2 Agosto 1886 – 30 Março 1967)

Anita Philipovsky, filha do austríaco Carlos Leopoldo Philipovsky e de Maria do Nascimento Branco Philipovsky, nasceu em Ponta Grossa (PR), a 2 de agosto de 1886.

A sede da fazenda da família era distante da cidade, por isso sua educação e a de seus irmãos se processou basicamente através de professores contratados, quase sempre estrangeiros, que passavam a residir na fazenda. Coube a eles, não só o ensino básico, como o de línguas estrangeiras (alemão e francês), e também foram os responsáveis por seus estudos de artes, particularmente, de música e pintura. A jovem Anita era muito apegada a seu pai, homem inteligente e de grande cultura, possuidor de nobre caráter e de elevados sentimentos. Foi seu incentivador maior nas letras, quer na prosa ou verso; assim como na pintura.

Anita Philipowski foi a primeira poetisa de Ponta Grossa, membro do Centro Cultural Euclides da Cunha. Publicou o livro Poentes da minha terra (1936)

Obra

Quer como contista, poetisa ou novelista, desenvolveu extraordinária atividade intelectual, notadamente no período de 1910 a 1930, colaborando assiduamente em numerosos jornais e revistas da época. Fez parte do grupo das primeiras animadoras das letras femininas do Paraná, ladeada por Mariana Coelho, Mercedes Seiler, Maria da Luz Seiler, Zaida Zardo, Annette Macedo e Myrian Catta Preta.

“Os poentes da minha terra” é seu poema mais divulgado, publicado pela primeira vez em Curitiba, em edição individual e integral, pela “Prata de Casa”, em 1936. Mais de duas décadas depois, em 1959, o mesmo texto saiu impresso, com pequenas modificações, em antologia realizada pelo Centro Paranaense Feminino de Cultura. O texto, tal como o apresentamos agora, obedece a essa edição, que deve, muito provavelmente, ter recebido aprovação definitiva da escritora.

Anita Philipovsky faleceu em 30 de março de 1967, em Ponta Grossa (PR).

Pode-se, com relativa facilidade, vislumbrar em sua produção suas mais prováveis leituras, o legado cultural herdado de Gonçalves Dias, Olavo Bilac, Baudelaire, Raimundo Correia, Rimbaud, Cruz e Sousa, Castro Alves, entre outros. Tal proliferação acaba revelando como a autora se posiciona em face da tradição literária.

Fontes:
- SANTOS, Luisa Cristina dos. SANTOS, Nelson Rodrigues dos. Escritoras Brasileiras do Século XIX (Antologia de Textos Representativos). In BONNICI, Thomas (org.). Anais do XIII Seminário do CELLIP (Centro de Estudos Linguísticos e Literários dos Paraná). Campo Mourão: 21 a 23 outubro de 1999. Maringá: Universidade Estadual de Maringá, 2000. CD-Rom.
- A Mulher na Literatura.

Lucie Lavall (Por quê?)


Por que vens perturbar a minha solidão
Com o prolongado olhar dos teus olhos ideais,
Tu que já me ensinaste (ah! terrível lição!)
Que o amor se já murchou não floresce jamais.

Habituada a iludir, passa por mim e então
Tua boca que amei abre em risos joviais.
Por quê? Se esta incerteza atroz ao coração
Me diz sempre: - Ele mente, ah! não o creias mais.

Por que é que tua voz, se acaso estou a escuta-la,
Torna-se, ela também, triste quando me fala?
Por quê? Se agora o amor com seus longos tormentos,

Já me dá a esperança alegre de outros dias
E não revive mais passadas alegrias,
Por que vir despertar antigos sofrimentos?

[tradução de Rodrigo Junior, publicado em O Progresso de 23 de fevereiro de 1915]
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Fonte:
- SANTOS, Luisa Cristina dos. SANTOS, Nelson Rodrigues dos. Escritoras Brasileiras do Século XIX (Antologia de Textos Representativos). In BONNICI, Thomas (org.). Anais do XIII Seminário do CELLIP (Centro de Estudos Linguísticos e Literários dos Paraná). Campo Mourão: 21 a 23 outubro de 1999. Maringá: Universidade Estadual de Maringá, 2000. CD-Rom.

Lucie Laval (19 Abril 1895 – 21 Janeiro 1914)

Lucie Laval nasceu em Dakar, Senegal, em 19 de abril de 1895, filha de Maurício Laval e Alix Laval. Nascida na África do Norte, quando seu pai ali estava no desempenho de suas funções de diplomata francês, Lucie voltou à França para receber instrução primária. Deixou o seu país em 1908, aos 13 anos de idade, vindo para o Brasil. Com seus pais, residiu algum tempo em Minas Gerais, para, em 1911, fixar residência em Curitiba, onde viveu três anos incompletos, no entanto repletos de fulgurantes lampejos de sua criação poética.

A menina inteligente, só aqui, aos 17 anos, encontrou sua alma de poetisa, e o livro “Dans l’ombre”, com os seus quarenta e nove poemas, foi escrito de um jato, de abril a outubro de 1913, em Curitiba, e publicado postumamente no Rio de Janeiro em 1924.

A sua descobridora foi a intelectual Georgina Mongruel que, acompanhada pela moça, compareceu a uma reunião do Centro de Letras do Paraná.

Morreu, no dia 21 de janeiro de 1914, em Curitiba, vítima de moléstia cardíaca, aos 19 anos, “pedindo ao médico, já às portas da morte, que a salvasse, porque ela queria viver, queria cantar todas as estações da vida e a sua página única era apenas uma primavera cheia de tempestades”.
Obra:

Em Curitiba, colaborou nos jornais e revistas da época (Gazeta do Povo, Diário da Tarde, Revista do Centro de Letras do Paraná, Álbum do Colégio Renascença, Senhorita). Em Ponta Grossa, seus inspirados poemas enriqueceram algumas páginas do Diário dos Campos, periódico que, tempos depois, critica o Centro de Letras do Paraná pelo injusto esquecimento da obra de Lucie Laval.

Lucie Laval, nos três anos em que viveu no Paraná, particularmente nos sete meses (abril a outubro de 1913) em que descobriu a sua alma de poetisa, conquistou para sempre um lugar entre os bons poetas paranaenses. Apesar da pálida luminosidade física, legou-nos o brilhantismo da poesia triste, porém consoladora. A palavra, artifício do existir ilimitado, foi (re)construída na busca de traçar na convulsão interior de sentimentos um caminho de reflexão e entendimento de usa própria essência.

Ressonâncias melancólicas, estrofes diáfanas de versos sem alegria, mas indisfarçadamente belos. Num abismo de contrastes de percepções e encantos a mergulhos solitários nos momentos – silêncio. A poesia de Lucie Laval despetala-se em instantes de sedutor lirismo físico a contatos profundos com o “eu”, desnudando-o na ausência do humano, em confissões apenas temerosas da majestade dos céus.

A solidão, a tristeza, a amargura na percepção do outro tornam-se, nas linhas poéticas de Lucie Laval, sentimentos ternos e fogem de sua acepção negativa ao revelarem o perfil de uma alma sofredora e de uma aparência frágil.

Em sua poética, a solidão justifica, não é justificada. Preferindo a ausência aos momentos de presença, o que perturba e “agita” o eu-lírico é aquilo que o faz perceber-se, sentir-se e envolver-se no outro. A solidão é exposição de sentimentos dolorosos, mas saudáveis. A presença vem causar a esse equilíbrio um sofrimento tumultuado, uma ilusão, uma percepção falsa.

A sensibilidade da emoção jovem aliada à capacidade de elaboração de poemas em atmosferas de melancólica ternura e esperançada tristeza tornam Lucie Laval poeta de sutil criatividade e incontestável harmonia sentimental.

Fontes:
– CENTRO Feminino de Cultura. Um século de poesia: poetisas do Paraná. Curitiba: Imprensa Oficial do Estado do Paraná, 1959.
– SANTOS, Luísa Cristina dos. “Lucie Laval”. Ponta Grossa: Diário da Manhã, 17 de junho de 2001.
Luisa Cristina dos Santos.

domingo, 5 de julho de 2009

Trova XXXVII

Trova sobre charge de Márcio Diemer

Lupe Cotrim Garaude (Cristais Poéticos)


SAUDADE

(a Guilherme de Almeida)

A saudade é o limite da presença,
estar em nós daquilo que é distante,
desejo de tocar que apenas pensa,
contorno doloroso do que era antes.

Saudade é um ser sozinho descontente
um amor contraído, não rendido,
um passado insistindo em ser presente
e a mágoa de perder no pertencido.

Saudade, irreversível tempo, espaço
da ausência, sensação em nós premente
de ser amor somente leve traço

num sonho vão de posse permanente.
Saudade, desterrada raiz, vida
que se prolonga e sabe que é perdida.
================

Ó QUE IMENSO DISSIPAR

Ó que imenso dissipar
por assim gostar de tudo.

Com o meu ser estendido,
tenso ao apelo do mundo,
pulsando seu movimento
vou erguendo esta prisão.

Os pés retidos, imóveis,
pelos choques de atração
com a alma paralisada
contendo tanta largueza
e aspectos de vastidão.

Por que ter tantos sentidos,
o sentimento tão apto
e o coração vulnerável?

Por que o sentir sem repouso
num sentir que é um rapto,
exausto de comunhão?

Um pobreza qualquer,
pobreza em voz, em beleza,
em querer, em perceber,
uma pobreza qualquer
onde eu possa enriquecer.
===============

DE PEDRA

— Eu sou de pedra, me dizias,
a defender tua distância.

E esquecias o musgo,
essa tua epiderme de ternura,
e o teu corpo de carinhos,
num horizonte de água e terra,
a te envolver na vida.

— Eu sou de pedra — insistias.
— Pesado. Denso. Inalterável.
De estofo eterno.
Apenas estou, não sofro;
se algum gesto me ferir,
eu sou duro;
quebrarei o gesto sem sentir.

E esquecias
que és pouso de borboletas,
alicerce de flores,
abraço de raízes,
vulnerável em tudo
do que em ti pertence
e minha mão possui, acaricia.

— Eu sou de pedra.
E esquecias, esquecias.
=======================

DESTINO MINERAL

Sou feita de uma carne perecível
futuro de outra carne, sem nenhuma
eternidade. A rocha é uma invencível
parte da terra; que ela me resuma

no seu mesmo destino mineral.
A solidez ausente que tortura
nossa matéria frágil, no final
se renderá: serei de pedra dura.

Nunca mais chorarei nessa passagem
de poesia. Com nítida certeza,
recorto nas montanhas minha imagem

mais que raiz, expressa na beleza.
Pela terra em que não me desfiguro,
hei de surgir um dia em cristal puro.
=====================

AO AMOR

O que desejas de mim
nunca o dará o lampejo de um momento,
a conquista de um dia da montanha.

Meu corpo — para ti somente —
deve emergir a cada gesto 1ímpido
e profundo deve ser meu futuro
para reter-te e recriar-te permanente.

Sei que em mim te estenderás, não mais disperso,
em desejo e em procura de teu filho
e que todo movimento de meu ser
será o rumo de teu universo.

E por isso temo. No meu sentimento
sofro por ti. Receio
ser larga a hesitação de meu caminho,
ser um mito a conquista da montanha,
ser pobre e fugaz o meu espaço
na extensão que reduz teu infinito.
==================

DE MAR
III

A chuva cai, sem figura,
mantendo espaços vazios
na sua própria textura:
é uma água desfiada.

Diante dela o mar contido
É superfície compacta.
Nele tudo é preenchido,
indo pela mesma água.


Não tem vão ou intervalo
a carne crespa do mar,
mas paredes maleáveis,
bem lisas de penetrar.

A chuva que estende ao mar
os seus dedos insistentes
é uma presença molhada
de tanto se derramar:

o mar guarda uma secura
de quem sabe repetir
em si mesmo seus desígnios;

é seco porque perdura.

Embora suas franjas leves
se esparramem pela areia
toda maré lhe garante
a forma guardada e cheia.

No seu tempo passageiro
mesmo de raio ou trovão
a chuva é o que escorre,
não tem corpo ou duração.

Diante de sua água estreita,
só de perfil, vertical,
o mar estende a planície
tramada em fôrça de sal

e germina suas águas
em permanência e conquista:
sustenta sua espessura
e mantém entranhas vivas.
======================

DE AMOR
(entreato)

POSSE II

Ele — Seduzir o cotidiano pelo corpo.
Penetrá-lo deste brilho longo,
compacto,
onde o cansaço não é tédio
mas úmido intervalo.

A paisagem não sustenta
mais os olhos; estrelas
despojaram-se dos monólogos,
a flor voltou a si, não mais
dizer exausto, a primavera guardou
sua intimidade no discurso
das árvores, e o amor,
esgarçado de imagens,
procurou outro equilíbrio
além da frase, de um silêncio
a outro.

Nem sempre a paz levou-nos
a suas tácitas paragens:
a liberdade aspirou um ser estranho,
em que de novo nos olhássemos.

No corpo prosseguimos
onde o amor parava.
E inventamos. Sem palavras
tornamos nossa a carne da manhã,
a exaurir o tempo, sem fidelidade
alguma, no dia imprevisível,
além do nosso invento.
=======================

MONÓLOGO IV

Ele — É o tempo meu receio, não o amor,
que este perdura. Por novos desígnios
refaz em outro aquilo que não for
mais seu momento: trama outro domínio.
Esta brisa entre nós, este sossego
agudo de desejo, esta presença
alerta, esta carne toda apego
certo se apagam: tempo algum sustenta
ou seduz uma solta intensidade.
É a hora que me assusta: o amanhã
do íntimo ser neutro, e a unidade
uma palavra a mais na posse vã.
O futuro só nasce de um invento:
nós dois, amor, nós somos este tempo.
========================
Fonte:
Antonio Miranda

Lupe Cotrim Garaude (16 Março 1933 — 18 Fevereiro 1970)


Maria José Lupe Cotrim Garaude Gianotti (Lupe é uma palavra formada pela junção das primeiras sílabas dos nomes de seus pais — Lourdes e Pedro) nasceu em São Paulo (SP), em 16 de março de 1933.

Filha de Maria de Lourdes Lins Cotrim e de Pedro Garaude, médico.

Vive por alguns anos em Araçatuba (SP), onde seu pai clinica, e ainda menina transfere-se com a mãe para o Rio de Janeiro, onde estuda no colégio Bennett.

Volta mais tarde a residir em São Paulo para estar mais próxima do pai e integra-se no meio literário paulista. Conclui os estudos secundários no Colégio Des Oiseaux. Forma-se nos cursos de Cultura Geral e de Biblioteconomia no Sedes Sapientiae e estuda línguas e canto lírico em São Paulo

Lança o primeiro livro de poemas, Monólogos do afeto, em 1956, e a seguir Raiz Comum (1959) e Entre a flor e o tempo (1961). Em 1961, faz um programa de TV, que a projeta publicamente.

Inicia em 1963 o curso de Filosofia na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, onde conhece José Arthur Gianotti, com que viria a se casar. Neste ano publica o quarto livro de poesias, o bestiário Cânticos da terra. Sua quinta coletânea de poemas, O poeta e o mundo, aparece em 1964.

Em 1965 viaja com seu marido, o filósofo José Arthur Giannotti, a Santiago do Chile, onde conhece Pablo Neruda. No ano seguinte forma-se em Filosofia. Em 1967 publica o sexto livro de poesia, Inventos, e passa a integrar o corpo de professores colaboradores da recém-fundada Escola de Comunicações Culturais da USP (hoje ECA), onde leciona Pensamento Filosófico e Estética.

Seu sétimo livro, Poemas ao outro, ainda inédito, recebe por unanimidade o prêmio Governador do Estado em outubro de 1969, ao qual concorriam vários dos mais relevantes poetas brasileiros da época.

Em fevereiro de 1970 escreve um de seus mais graves poemas, “Aceitação à velhice” (ou “A morte é hoje”).

Faleceu prematuramente, em Campos do Jordão (SP), em 18 de fevereiro de 1970.

Domingos Carvalho da Silva citava-a sempre por sua beleza e pela formalidade e clareza de seus poemas.

Teve dois filhos: Lupe Maria Ribeiro Lima e Marco Garaude Giannotti.

Bibliografia: Raiz Comum (1955); Monólogos do Afeto (1956); Entre a Flor e o Tempo (1961); Cântico da terra (1963); O poeta e o Mundo (1964); Inventos (1968); Poemas ao outro (1970); Encontro (1984), antologia pela Ed. Braziliense.

Fontes:
Instituto de Estudos Brasileiros da USP
Antonio Miranda

Jean Cocteau (5 Julho 1889 – 11 Outubro 1963)



Jean Maurice Eugène Clément Cocteau (Maisons-Lafitte, 5 de julho de 1889 — Milly-la-Forêt, 11 de outubro de 1963) foi um poeta, romancista, cineasta, designer, dramaturgo, ator e encenador de teatro francês. Em conjunto com outros Surrealistas da sua geração (Jean Anouilh e René Char, por exemplo), Cocteau conseguiu conjugar com maestria os novos e velhos códigos verbais, linguagem de encenação e tecnologias do modernismo para criar um paradoxo: um avant-garde clássico. O seu círculo de associados, amigos e amantes incluiu Jean Marais, Henri Bernstein, Édith Piaf e Raymond Radiguet.

As suas peças foram levadas aos palcos dos Grandes Teatros, nos Boulevards da época parisiense em que ele viveu e que ajudou a definir e criar. A sua abordagem versátil e nada convencional e a sua enorme produtividade trouxeram-lhe fama internacional.

Nascido numa pequena vila próximo a Paris, Jean Cocteau foi um dos mais talentosos artistas do século XX. Além de ser diretor de cinema, foi poeta, escritor, pintor, dramaturgo, cenógrafo e ator e escultor.

Atuou ativamente em diversos movimentos artísticos, nomeadamente o conhecido Groupe des Six (grupo dos seis) cujo núcleo era Georges Auric (1899–1983), Louis Durey (1888–1979), Arthur Honegger (1892–1955), Darius Milhaud (1892–1974), Francis Poulenc (1899–1963), Germaine Tailleferre (1892–1983). Além destes, outros também tomaram parte, como Erik Satie e Jean Wiéner.

Foi eleito membro da Academia Francesa em 1955.

Homossexual, não escamoteou sua orientação sexual. Manteve estreita amizade com Jean Marais, seu ator preferido. Dentre seus amigos destaca-se Edith Piaf, Jean Genet, etc.

Cocteau realizou sete filmes e colaborou enquanto argumentista, narrador em mais alguns. Todos ricos em simbolismos e imagens surreais. É considerado um dos mais importantes cineastas de todos os tempos.

É famoso pela frase: "Não sabendo que era impossível, foi lá e fez"
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Biografia

Cocteau nasceu em Maisons-Laffitte, uma pequena vila perto de Paris, filho de Georges Cocteau e de Eugénie Lecomte, uma família parisiense proeminente. O seu pai era advogado e pintor amador, que se suicidou quando Cocteau tinha nove anos. Cocteau começou a escrever aos dez anos e aos dezasseis já publicava suas primeiras poesias, um ano depois de abandonar a casa familiar. Apesar de se distinguir em virtualmente todos os campos literários e artísticos, Cocteau insistia que era fundamentalmente um poeta e que toda a sua obra era poesia. Em 1908, com dezanove anos, publicou o seu primeiro livro de poesia, La lampe d'Aladin. O seu segundo livro, Le prince frivole ("O princípe frívolo")), editado no ano seguinte, daria origem à alcunha que tinha nos meios Boémios e nos círculos artísticos que começou a frequentar e em que rapidamente ficou conhecido. Por esta altura conheceu os escritores Marcel Proust, André Gide, and Maurice Barrès. Edith Wharton descreveu-o como um homem "para quem todos os grandes versos eram um nascer-do-sol, todos os por-do-sol a fundação para a Cidade Celestial..."

Durante a Primeira Guerra Mundial, Cocteau prestou serviço na Cruz Vermelha como condutor de ambulâncias. Neste período conheceu o poeta Guillaume Apollinaire, os pintores Pablo Picasso e Amedeo Modigliani e numerosos outros escritores e artistas com quem mais tarde viria a colaborar. O empresário russo de ballet, Sergei Diaghilev, desafiou Cocteau a escrever um cenário para um novo bailado - "Surpreende-me", teria dito Diaghilev. O resultado foi Parade, que seria produzido por Diaghilev em 1917, com cenografia de Picasso e música de Erik Satie.

Expoente importante do Surrealismo, teve enorme influência na obra de outros artistas, incluindo o grupo de amigos de Montparnasse, que ficou conhecido Les Six. O termo "Surrealismo" foi criado por Guillaume Apollinaire no prólogo de Les mamelles de Tirésias , uma obra começada em 1903 e completada em 1917, menos de um anos antes da sua morte. "Se não fora Appolinaire fardado", escreveu Cocteau, "com a cabeça rapada, uma cicatriz na testa e uma ligadura `volta da cabeça, as mulheres ter-nos-iam arrancado os olhos com alfinetes".

Amizade de Raymond Radiguet

Em 1918 conheceu o poeta francês Raymond Radiguet. Colaboraram extensivamente, socializaram e viajaram de férias imensas vezes. Cocteau ficou isento de prestação de serviço militar graças a Radiguet. Como prova de admiração pela poesia do amigo, Cocteau divulgou a sua poesia no seu círculo artístico e promoveu a publicação pela editora Grasset de Le Diable au corps]] (um romance fortemente autobiográfico sobre uma relação adúltera entre uma mulher casada e um homem mais novo) que seria premiado com o prêmio literário "Noveau Monde". Alguns contemporâneos de Cocteau e, posteriormente vários biógrafos e comentadores, especularam sobre a componente romântica desta amizade. Cocteau estava ele próprio consciente desta percepção e esforçou-se sinceramente por desmentir qualquer caráter sexual na sua relação com Radiguet: "Monsieur, acabei de receber a sua carta e tenho que responder apesar do meu desgosto de não conseguir explicar o inexplicável. É possível que a minha amizade com o seu filho e a minha profunda admiração dos seus talentos (que começam a ser cada vez mais óbvios) são de uma intensidade fora do comum, e que visto de fora é difícil compreender até que ponto chegam os meus sentimentos. O seu futuro literário é de importância fundamental para mim: ele é um prodígio. Qualquer escândalo estragaria toda esta fresca inovação. Não pode acreditar por um segundo que eu não a tento evitar por todos os meios ao meu alcance".

Não existe acordo em relação à reação de Cocteau à morte súbita de Radiguet, em 1923. Alguns pensam que teria ficado devastado e se teria abandonado ao vício do ópio. Outros pensam que não o teria afetado indicando que não foi ao funeral do amigo (geralmente Cocteau não ia a funerais) e que imediatamente deixou Paris com Diaghilev para uma apresentação de Les Noces com os Ballets Russes em Monte Carlo. O próprio Cocteau caracterizaria mais tarde a sua reação como de "estupor e nojo". Ter-se viciado em ópio, comentou, foi pura coincidência e deveu-se a um encontro com Louis Laloy, o administrador da Ópera de Monte Carlo. O consumo de ópio e os seus esforços para deixar esta droga afetaram profundamente o seu estilo literário. O seu livro mais famoso, Os meninos diabólicos, foi escrito numa semana durante uma dolorosa tentativa de abandonar o ópio. Em Ópio, diário de uma desintoxicação, narra a experiência da sua recuperação do vício em 1929. O seu relato, que inclui vívidas ilustrações a tinta, alterna entre as suas experiências diárias de ressaca da droga e os seus comentários sobre a sociedade e os acontecimentos do mundo.

A voz humana

As experiências de Cocteau com a voz humana tiveram o seu apogeu na peça de teatro A voz humana. Nela, uma mulher só em palco, fala ao telefone com o seu (invisível e inaudível) amante perdido, que a deixou para casar com outra mulher. O telefone mostrou ser o perfeito adereço que permitiu a Cocteau explorar as suas ideias, sentimentos e "álgebra" da comunicação humana de realidades e sentimentos. A voz humana é enganadoramente simples - apenas uma atriz em palco durante uma hora, falando ao telefone. Na realidade, está repleto de referências dramáticas às experiências Vox Humana dos dadaístas do pós Primeira Guerra Mundial, a La Voix Humaine de Alphonse Lamartine (parte da sua obra Harmonies Poétiques et Religieuses) e aos efeitos produzidos pelo mestres organistas de finais do século XVI que tentaram sintetizar a voz humana, mas que nunca conseguiram mais que imitar um coro masculino à distância.

Cocteau reconheceu, na introdução ao manuscrito, que a peça era motivada, em parte, pela queixas de actrizes de que as suas obras privilegiavam o escritor/encenador, não permitindo que os atores explorassem os seus talentos. A voz humana foi escrita, na realidade, como uma extravagante homenagem a Madame Berthe Bovy. Antes disso havia escrito Orphée, que seria mais tarde um dos seus mais bem sucedidos filmes; depois escreveu La Machine Infernale, provavelmente a sua obra de arte melhor conseguida.

A crítica do seu tempo foi mista, mas a peça representa em resumo o estado de espírito de Cocteau e os seus sentimentos em relação aos seus atores por essa altura: por um lado queria mimá-los e agradar-lhes; por outro, saturado dos seus tiques de "diva", estava pronto para se vingar. É também verdade que nenhuma outra obra de Cocteau inspirou tantas outras criações: a ópera homônima de Francis Poulenc, a ópera buffa de Gian Carlo Menotti, Le Telephone, e a versão em filme de Roberto Rosselini, com Anna Magnani, L'Amore (segmento: Il Miracolo) de 1948. Esta obra tem vindo a atrair um conjunto de grandes actrizes, incluindo Simone Signoret, Ingrid Bergman e Liv Ullmann (em teatro) e Julia Migenes (em ópera).

Segundo Frederick Brown, Cocteau inspirou-se no dramaturgo Henri Bernstein: "Quando, em 1930, a Comédie-Française produziu a sua A voz humana [...] Cocteau desagrou tanto a direita como à esquerda literária, como que dizendo Estou tão à direita como Bernstein, no seu próprio lugar, mas é apenas uma ilusão de óptica: a vanguarda é esferóide e eu terminei mais à esquerda que qualquer outro".

Maturidade

Na década de 1930, Cocteau teve um surpreendente caso com a Princesa Natalie Paley, a linda filha de um Grão Duque da família Romanov, uma modelo, por vezes atriz, anteriormente casada com o costureiro Lucien Lelong. Natalie ficou grávida mas, com grande perturbação para Cocteau e desgosto para ela própria, abortou. As relações mais prolongadas de Cocteau foram com os atores franceses Jean Marais e Edouard Dermit, que Cocteau adoptou formalmente. Cocteau utilizou Marais como ator nos seus filmes L'Éternel Retour ("O Eterno Regresso") (1943), La Belle et la Bête ("A Bela e o Monstro") (1946), Ruy Blas (1947) e Orphée ("Orfeu") (1949).

Em 1940, Le Bel Indifférent, a peça de teatro que Cocteau escreveu para Édith Piaf, teve um tremendo sucesso. Trabalhou também com Pablo Picasso em diversos projetos e fez amizade com inúmeros artistas europeus. Lutou contra o seu vício de ópio por toda a sua vida adulta e foi abertamente gay, embora tenha tido breves e complexos romances com várias mulheres, para além de Paley. Publicou um considerável número de ensaios criticando a homofobia.

Os filmes de Cocteau, que na sua maioria foram escritos e realizados por ele mesmo, fora particularmente importantes para a introdução do Surrealismo no Cinema francês, e influenciaram até um certo grau, o futuro género Nouvelle Vague. Os seus filmes mais conhecidos são Les parents terribles (1948), La Belle et la Bête, (1946) e Orpheus (1949).

Cocteau morreu de enfarte do miocárdio na sua mansão de Milly-la-Foret, em 11 de Outubro de 1963, com a idade de 74 anos, apenas algumas horas depois de saber da morte da sua grande amiga Édith Piaf. Está sepultado na Capela de Saint Blaise des Simples em Milly-la-Foret, em Essone, na França. O epitáfio da sua pedra tumular indica: "Fico entre vós".

Prêmios e distinções

Em 1955, Cocteau foi eleito membro da Académie française e da Académie royale de Belgique. Foi agraciado com o grau de comandante da Legião de Honra (França), membro da Academia Mallarmé, da Academia alemã (Berlim) da Academia americana Mark Twain, presidente honorário do Festival de Cinema de Cannes e da Associação de Amizade França-Hungria, e presidente da Academia de Jazz e da Academia do Disco.

Obra literária
Poesia
La Lampe d'Aladin (1909)
Le Prince frivole (1910)
La Danse de Sophocle (1912)
Ode à Picasso - Le Cap de Bonne-Espérance (1919)
Escale. Poésies (1917-1920)
Vocabulaire (1922)
La Rose de François - Plain-Chant (1923)
Cri écrit (1925)
L'Ange Heurtebise (1926)
Opéra (1927)
Mythologie (1934)
Énigmes (1939)
Allégories (1941)
Léone (1945)
La Crucifixion (1946)
Poèmes (1948)
Le Chiffre sept - La Nappe du Catalan (em colaboração com Georges Hugnet) (1952)
Dentelles d'éternité - Appoggiatures (1953)
Clair-obscur (1954)
Paraprosodies (1958)
Cérémonial espagnol du Phénix - La Partie d'échecs (1961)
Le Requiem (1962)
Faire-Part (póstumo) (1968)

Romance
Le Potomak (1919, edição definitiva: 1924)
Le Grand écart - Thomas l'imposteur (1923)
Le Livre blanc (1928)
Les Enfants terribles (1929)
La Fin du Potomak (1940)

Teatro
Parade, ballet (música de Erik Satie, coreografia de Léonide Massine) (1917)
Les Mariés de la tour Eiffel (música de Georges Auric, Arthur Honegger, Darius Milhaud, Francis Poulenc e Germaine Tailleferre) (1921)
Antigone (1922)
Roméo et Juliette (1924)
La Voix humaine (1930)
La Machine infernale (1934)
L'École des veuves (1936)
Edipe-roi. Les Chevaliers de la Table ronde (1937)
Les Parents terribles (1938)
Les Monstres sacrés (1940)
La Machine à écrire (1941)
Renaud et Armide. L'Épouse injustement soupçonnée (1943)
L'Aigle à deux têtes (1944)
Le Jeune Homme et la Mort, ballet de Roland Petit (1946)
Théâtre I et II (1948)
Bacchus (1951)
Nouveau théâtre de poche (1960)
L'Impromptu du Palais-Royal (1962)
Le Gendarme incompris (póstumo, em colaboração com Raymond Radiguet) (1971)

Filmografia
Le Sang d'un Poète (Sangue de um Poeta) (1930)
L'Eternel Retour (1943)
La Belle et la Bête (A Bela e a Fera) (1946)
L'Aigle à Deux Têtes (A Águia de Duas Cabeças) (1947)
Les Parents Terribles (1948)
Les Enfants Terribles (1950) (não creditado)
Coriolan (1950)
Orphée (pt.: Orfeu)(1950)
La Villa Santo Sospir (A Vila Santo-Sospir) (1952) (documentário)
8x8: A Chess Sonata in 8 Movements (1957) Co-director, Experimental)
Le Testament d'Orphee (O Testamento de Orfeu) (1959)

Fonte:
Wikipedia

Isabel Cristina Cordeiro (A Importância do Ato de Ler)


Resumo

O ato de ler é um processo de compreender o mundo, por isso requer mais atenção por parte dos professores de língua portuguesa que, de certa forma, ainda privilegiam a gramática e a interpretação textual puramente literal e descontextualizada. Este trabalho tem por objetivo mostrar como ocorre o processo de leitura, apresentando algumas estratégias que podem ser utilizadas pelo leitor no ato de ler e discutir alguns fatores de relevância para que a leitura seja eficiente e, consequentemente, o leitor seja maduro.

1 – O ato de ler

O ato de ler é um processo de compreender o mundo. A leitura deve ser geradora de novas experiências para o indivíduo, já que facilita o surgimento da reflexão e da tomada de posição, como sugere SILVA ( 1991).

A leitura pressupõe recriação do significado e, através desta reflexão, o indivíduo toma sua posição perante o texto.

A leitura não se configura como um processo passivo (...) Por exigir descoberta e re-criação, a leitura coloca-se como produção e sempre supõe trabalho do sujeito-leitor (...), então o leitor, além de partilhar e re-criar referenciais de mundo, transforma-se num produtor de acontecimentos, em função do aguçamento da compreensão e de sua consciência crítica”. (SILVA, 1991: 25)

A leitura deve, então, ser funcional, pois o leitor constrói um sentido para o texto.

Como sugere SMITH (1989 – apud Fulgêncio & Liberato, 1992:13), “a leitura não é uma atividade meramente visual (...) é o resultado da interação entre o que o leitor já sabe e o que ele retira do texto”.

O leitor utiliza na leitura o que ele já sabe, o conhecimento prévio ou informação não-visual, adquirido ao longo de sua vida. A leitura é, portanto, o resultado da informação visual ( IV) e informação não-visual ( InV).

LER = IV + InV

É mediante a interação de diversos níveis de conhecimento ( lingüístico, textual e de mundo), que o leitor alcança um sentido para o texto. E porque o leitor utiliza diversos níveis de conhecimento que interagem entre si, a leitura é considerada um processo interativo.

O ato de ler pode ser considerado, então, um jogo que se processa entre autor/texto/leitor; através destes elementos é que se atribui um significado ao texto.

O texto, neste sentido, faz a mediação para a comunicação entre dois contextos: o do autor e o do leitor. Sendo o texto o ponto de partida para o processo da construção do significado, cabe a ele o papel de atuar sobre os esquemas cognitivos do leitor, ativando uma série de ações na mente deste.

Como afirma KLEIMAN (1989:28): “a leitura é uma atividade cognitiva, tem caráter multifacetado, multidimensionado sendo um processo que envolve percepção, processamento, memória, dedução, inferência”.

Num texto há muito mais de implícito, de modo que ao leitor cabe o papel de captar as intenções do autor. É exatamente neste ponto que as inferências suprem as lacunas de um texto tornando-o mais significativo e compreensível.

Por inferência compreende-se, então, “uma operação cognitiva que permite ao leitor construir novas proposições a partir de outras já dadas”. ( MARCUSCHI, 1984)

Veja um exemplo de exercício de inferência:

a) Leia o texto abaixo e descubra onde Karen está passando o Natal.

Querida mamãe:
Aqui é muito bonito. O clima está agradável e temos passeado muito.
Ontem visitei o Coliseu. Feliz Natal! Logo estarei com vocês.
Karen

Após a leitura sugere-se que os alunos (leitores) discutam entre si sobre as inferências de cada um. Em seguida chega-se à resposta adequada.

Onde Karen está? Uma única palavra é a pista deixada pelo autor: Coliseu.

Supõe-se que ela esteja na Itália, mais especificamente em Roma. Esta inferência será feita a partir do momento em que o leitor partilhar este conhecimento de mundo com o autor.

2 – Processamento de texto

Muitas teorias tentam explicar de que forma um leitor apreende informações de um texto escrito embora, basicamente, todas elas possam ser classificadas em três grupos: o modelo de processamento ascendente ( bottom-up ), o modelo descendente ( top-down ) e o modelo interacionista de leitura. ( CORTE, 1991:5)

No modelo ascendente, a ênfase se dá sobre o estímulo visual. O leitor, durante a leitura, aborda o texto com visão “bottom-up”, exclusivamente, em que somente o texto leva conhecimento e informação a ele, e este, por sua vez, não utiliza seu conhecimento prévio.

Tal leitor é incapaz de ler nas entrelinhas visto que é vagaroso, pouco fluente e tem dificuldade em sintetizar as principais idéias do texto.

Por outro lado, o modelo descendente “ top-down”, é aquele em que o leitor leva para o texto todo o conhecimento prévio de que dispõe. O modelo descendente enfatiza o papel do processo cognitivo que gera hipóteses de significado, baseado, primeiramente, na informação contextual.

Dessa forma, o leitor, quando está em processo de leitura, busca diretamente o significado através de estratégias de predição e inferência. É um leitor fluente e veloz, capaz de ler nas entrelinhas do texto e alcançar o significado deste.

Por fim, o modelo interacionista descreve a leitura como um processo em que o leitor utiliza ambos processamentos (top-down e bottom-up) no ato da leitura.

(...) o leitor usa e integra tanto informações gráficas como contextuais para extrair o significado do texto escrito”. ( CORTE, 1991: 6 ).

Sendo a leitura um processo interativo em que o leitor e autor interagem entre si, ambos com suas cargas de conhecimentos, parece que este último modelo é o mais utilizado pelos leitores maduros e eficientes, tendo em vista que tais leitores sabem monitorar sua leitura e são capazes de escolher o tipo de processamento adequado à solução de seus problemas.

3 – Sugestões para viabilizar a compreensão da leitura

a) Os professores devem ensinar leitura aos seus alunos, ou seja, ensiná-los estratégias de leitura que viabilizem a compreensão textual;

b) Os alunos devem buscar um aprimoramento de seus conhecimentos prévios, lendo e questionando;

c) Deve-se elaborar materiais de leitura que facilitem a aquisição de estratégias de leitura por parte dos alunos;

d) O leitor deve utilizar-se das pistas fornecidas pelo texto de forma adequada e satisfatória;

e) O leitor deve conhecer seu objetivo de leitura ( antes de fazê-la ) e saber aplicar adequadamente as técnicas de leitura para obter um resultado satisfatório.

São inúmeras as sugestões que cabem aqui para que não haja a tão famosa frase: “ os alunos não sabem ler”. Os alunos estão caminhando lentamente rumo à criticidade; estão deixando de ser passivos e neutros. Os professores lentamente estão alterando suas metodologias e práticas de ensino. Não há “culpado” neste processo, visto que ambas as partes têm suas deficiências e dificuldades. O importante é começar a construir um conceito novo diante do processo de leitura.
Ler não é decodificar e exige que haja interação entre leitor/texto/emissor, para que ocorra a compreensão por parte de quem lê. Uma vez que o conceito começa a ser questionado e, principalmente, transformado, não resta dúvida de que possa existir, um dia, 100% de alunos-leitores preparados, críticos e aptos a discutir, dialogar, debater, criticar e transformar a sociedade em que vivem.

Fonte:
BONNICI, Thomas (org.). Anais do XIII Seminário do CELLIP (Centro de Estudos Linguísticos e Literários dos Paraná). Campo Mourão: 21 a 23 outubro de 1999. Maringá: Universidade Estadual de Maringá, 2000. CD-Rom.

Dicionário do Folclore (Letra Q)


QUADRA. Espaço que as escolas-de-samba cariocas destinam para a realização dos ensaios de suas alas quando é cobrada uma pequena importância para fazer face às despesas com sua manutenção.

QUADRADO. Diz-se de quem não acompanha os costumes da época em que estamos vivendo.

QUADRÃO. Oitava de poesia popular, cantada, na qual os três primeiros versos rimam entre si, o quarto com o oitavo e o quinto, o sexto e o sétimo também entre si, usado pelos cantadores do Nordeste.

QUADRILHA. Dança palaciana francesa do século XIX e que se popularizou no Brasil depois que os mestres da orquestra Millet e Cavalier trouxeram-na para o Rio de Janeiro onde causaram muito sucesso. A quadrilha era executada em cinco partes, gritadas pelo marcador, bisadas, aprendidas até nos sertões brasileiros. Hoje é uma dança que desapareceu, menos nos festejos juninos quando, ao som de sanfonas, instrumentos de corda, de sopro e de percussão, ainda permanece no gosto popular. Da quadrilha apareceram, no Brasil, várias modalidades: 1. A quadrilha caipira, no interior paulista; 2. O baile sifilítico, na Bahia e Goiás; 3. A saruê (derivação de soirée), no Brasil Central; 4. A mana-chica e suas variantes, em Campos, RJ.

QUANDO-O-DIABO-NÃO-VEM-MANDA-O-SECRETÁRIO. Diz-se quando as pessoas aparecem nos momentos inoportunos, causando transtornos, confusão.

QUANTOS CAJUS? Pergunta que se faz a alguém quando se quer saber sua idade. É um costume herdado dos índios que, de cada safra de caju, guardava uma castanha para saber a idade dos filhos.

QUATRAGEM. É uma dança popular do interior de Minas Gerais. Formada por um grupo de quatro pessoas (daí o nome) é a dança preferida pelos tropeiros depois de um dia de trabalho. Os grupos sapateiam, batem palmas, ao som de adufes e tambores.

QUEBRA-BUNDA. É uma dança muito antiga, de Goiás, também conhecida por dança dos velhos, na qual apenas os homens participavam, usando barbas tingidas, vestidos de fraque e cartola, ao som de sanfona. Em dado momento, cantando versos, os homens, de costas uns para outros, batiam com as nádegas.

QUEBRA-PANELA. Brincadeira que é feita nos aniversários de crianças e que consiste em vendar os olhos do menino com um pano preto, a quem se dá um bastão para que ele acerte em uma panela, cheia de bombons e chocolates, que está pendurado por um fio. Antes do menino começar a dar golpes para atingir e quebrar a panela, fazem-no dar várias voltas para ele não saber mais ou onde a panela está dependurada.

QUEBRA-QUEIXO. Doce de coco bem ligado; todo doce que fica ligado demais; doce japonês. Todo doce que exige, para sua mastigação, bons dentes e um bom par de queixos para acioná-los.

QUEBRANTO. Veja MAU OLHADO

QUEBRAR-A-CABEÇA. Ter dificuldades para resolver qualquer problema, qualquer situação difícil.

QUEBRAR-CATOLÉ. Diz-se quando a arma (de fogo) nega fogo, isto é, depois de acionado o gatilho ela não dispara. Diz-se também, da moça que quando passa por um rapaz, fica olhando para trás.

QUEBRAR-SE-O-PAU-NAS-COSTAS. Diz-se de quem paga sozinho pelo ato que foi cometido por várias pessoas, conjuntamente.

QUEDA-DE-BRAÇO. É uma luta usada para medir a força de duas pessoas, homens ou meninos, que, sentados a uma mesa, se davam as mãos direitas e depois do sinal, cada qual fazia o possível para encostar a mão do parceiro sobre a mesa. Quando um dos participantes é mais forte do que o outro, o mais forte permite que o mais fraco use a mão esquerda (mão e cambão) para reforçar sua força. As pessoas que estão assistindo, às vezes, fazem apostas a dinheiro.

QUEIJO. 1. É a base de madeira ou de material plástico, de forma redonda e que serve de palco ao destaque de uma escola-de-samba; 2. É a virgindade conservada muito tempo.

QUEIJO-DO-CÉU. Diz o povo que, no céu, existe um bolo bem grande e gostoso que só pode ser comido pelos maridos que, depois do casamento, foram fiéis às suas esposas. É uma tradição portuguesa. Na Beira, é um presunto ou um queijo; no Minho, é uma broa. Nas procissões de Cinzas do Recife, de Olinda e de Salvador, no andar dos santos São Lúcio e Santa Bona – os bem casados, figurava o queijo-do-céu

QUEIMA. Há uma diferença entre as lapinhas e os pastoris. É que as lapinhas eram representadas diante dos presépios. Os pastoris podiam dispensar a lapinha. A queima acontece no final das representações dos pastoris, quando as pastoras faziam uma pequena fogueira de gravetos. A queima das lapinhas está quase desaparecendo. Consistia num grupo de moças conduzindo palhas de coqueiro usadas no presépio e que saíam em procissão pelas ruas da cidade acompanhadas de orquestra composta de instrumento de sopro. Feita a fogueira, as pastorinhas cantavam: -"A nossa lapinha/Já se queimou.../E o nosso brinquedo/Já se acabou".

QUENTÃO. O quentão é uma bebida do interior de São Paulo e Minas Gerais. É cachaça, fervida com açúcar e gengibre.

QUERERÊ. É uma comida feita com as vértebras dorsais e o grosso intestino do peixe pirarucu, preferida pelos caboclos da Amazônia.

QUERMESSE. Bazar, feira beneficente, leilão de prendas muito comum nas cidades do interior. O padre arrecada as prendas (bolos, galinhas, carneiros, perus, cabritos, frutas, etc.) que são arrematadas na quermesse por quem oferecer melhor preço. O produto das quermesses geralmente é destinado às obras ou conservação das igrejas.

QUERO-MANA. É uma dança popular do Rio Grande do Sul, Paraná, e São Paulo. É sapateada, valsada e acompanhada por violas e palmas.

QUERO-QUERO. No Estado do Rio de Janeiro, o quero-quero é uma ave agourenta. Seu canto parece dizer "quero-quero", parecendo, segundo acredita o povo, querer levar a alma da pessoa.

QUIBANO. É, no estado do Rio de Janeiro, uma peneira feita com taquara, num traçado bem fechado, que serve para peneirar o arroz, separando os grãos maduros e pesados, dos grãos chochos.

QUIBEBE. Papa ou purê de jerimum (abóbora) ou de banana com paçoca; na Bahia, de carne ou outra comida; ou com farinha de mandioca. Na cidade de Campos, RJ., é usado o quibebe de banana, água e sal, para comer com ensopado.

QUICÉ. Resto de faca de mesa quando quebrada ou gasta por ser muitas vezes amolada, ficando pequena.

QUILOMBO (A DANÇA DOS). A dança dos quilombos é uma sobrevivência dos Quilombos dos Palmares que, a partir do século XVII, se estabeleceram na Serra da Barriga, no local onde hoje está situada a cidade de União dos Palmares. Os componentes, índios ou caboclos, usam tangas, cocares, braceletes, perneiras de penas ou capim, sobre calções e camisetas tinturados de vermelho, pintam-se de ocre e carregam arcos e flechas. Os negros trajam calças curtas de mescla azul, camiseta branca sem manga, chapéu de palha de ouricuri, pintam-se de fuligem e carregam foices de madeira como armas. Os reis – um dos negros e outro dos índios ou caboclos - usam calções, manto, blusas de cetim vermelho ou azul, meias compridas, guarda-peito enfeitado de espelhos, coroa de ouropel, aljôfan e areia brilhante. Como armas, os reis empunham antigas espadas. A Rainha é uma menina de 5 a 10 anos, e usa vestido branco comprido, com guarda- peito de espelhos, capa de cetim, enfeitada de espiguilha e diadema de papelão pintado. A dança conta, ainda, com outros personagens: a Catirina (homem vestido de escrava negra, carregando um boneco nos braços), o Papai Velho, de barbas brancas e um cajado nas mãos, o Espia dos Caboclos num traje mais rico e vistoso de índio e o Vigia dos Negros, com chapéu enfeitado de espelhinhos e uma espingarda a tiracolo. A dança tem três etapas: Roubo da Liberdade, o Roubo e o Batuque e A Luta e a Prisão dos Negros. É uma dança que se prolonga durante horas.

QUIBANDA. É o sacerdote nos candomblés de procedência banta. O mesmo que Umbanda ou Embanda.

QUIMANGA. É a refeição que os pescadores levam quando vão pescar em alto mar. Uns dizem que quimanga é o cabaço em que são guardados os alimentos; outros dizem que quimanga é a refeição conduzida, como acontece com o bode. Veja BODE.

QUIMBEMBÉ. É uma bebida feita com milho fermentado. O mesmo que aluá.

QUIMBEMBEQUES. Figas e medalhas presas a um fio, colocadas no pescoço da crianças.

QUIMBETE. É uma dança de origem africana, em Minas Gerais.

QUINAS (CAFÉ DE QUATRO). É o café adoçado com rapadura, como se toma na zona dos engenhos do Nordeste.

QUINDIM. 1. Quindim é uma dança da cidade de Campos, RJ., do baile mana-chica; 2. No plural, quindins é um doce; 3. Também são os requebros de uma menina ou moça.

QUINTA. É a corda mais fina da viola.

QUIPATA. É em Pernambuco, uma porção de peixes que os pescadores dão aos seus companheiros que nada pescaram ou não puderam ir pescar.

QUISIBIU. É um prato da culinária baiana, que consiste em milho verde debulhado, misturado com quiabos verdes, temperados com torresmo e cozinhados até se tornarem uma papa. O quisibiu deve ser comido com carne-de-sol assada na brasa.

QUITÃ. O mesmo que MUIRAQUITÃ, a pedra da felicidade.

QUIZILA. É a antipatia, aborrecimento, rixa, que se tem por determinada pessoa.

QUIZUMBÊ. Canto e dança popular da região do São Francisco.

QUIZUQUI. É, na Bahia, o cuscuz feito com milho mais pra seco do que pra verde. Não leva nenhum tempero. Come-se com manteiga ou com feijoada.
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O Dicionário completo pode ser obtido em http://sites.google.com/site/pavilhaoliterario/dicionario-de-folclore
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Fontes:
LÓSSIO, Rúbia. Dicionário de Folclore para Estudantes. Ed. Fundação Joaquim Nabuco
Imagem = http://www.terracapixaba.com.br/

Palavras e Expressões mais Usuais do Latim e de de outras linguas (Letra M)



made in
Inglês: Feito em. fabricado em Locução aposta ao nome do lugar onde se fabricou ou industrializou um produto comercial.

magister dixit
Latim: O mestre falou. Com esta expressão os escolásticos referiam-se a Aristóteles cuja opinião encerrava qualquer discussão. Ainda hoje se aplica para citar alguém tido como mestre em determinada matéria.

magnae spes altera Romae
Latim: A segunda esperança da grande Roma. Virgílio falava do filho de Enéias. Aplica-se à segunda autoridade de uma nação ou região.

magni nominis umbra
Latim: A sombra de um grande nome. Verso de Lucano que se aplica à pessoa que teve sua hora de glória, caindo depois na obscuridade.

major e longinquo reverentia
Latim: Maior reverência ao que está distante. Refere-se Tácito à reverência que temos por aqueles que se acham afastados de nós no tempo e no espaço.

majores pennas nido
Latim: Asas maiores do que o ninho. Horácio visava àqueles que, nascidos de condição humilde, tentam melhorar a posição social.

malgré ceci
Francês: Apesar disto.

malgré cela
Francês: Apesar daquilo.

malgré lui
Francês: A seu pesar; contra a sua opinião.

malgré tout
Francês: Apesar de tudo.

malo mori quam foedari
Latim: Antes morrer do que desonrar-se. Divisa da Sicília.

mane, thecel, phares
Latim: Contado, pesado, dividido. Palavras que, segundo o livro de Daniel, apareceram na parede da sala onde o Rei Baltasar promovia uma festa sacrílega.

manibus date lilia plenis
Latim: Dai lírios às mãos cheias. Passagem de Virgílio (Eneida, VI, 883), em que Anquises pede flores para o túmulo de Marcelo.

man spricht Deutsch
Alemão: Fala-se alemão. Palavras colocadas nas vitrinas para indicar que no estabelecimento alguém fala alemão.

manu militari
Latim Direito: Pela mão militar. Diz-se da execução de ordem da autoridade, com o emprego da força armada.

marche aux flambeaux
Francês: Marcha das tochas. Concentração popular por motivo de regozijo ou homenagem, em que cada pessoa desfila com uma tocha acesa.

margaritas ante porcos
Latim: Pérolas diante dos porcos. Passagem evangélica em que Cristo aconselha que não se atirem pérolas aos porcos (Mt. VII, 6). Não tratar de coisas santas com ímpios e blasfemos.

materiam superabat opus
Latim: O trabalho excedia a matéria. Aplica-se nos casos em que a forma literária seja superior ao tema.

mea culpa
Latim: Por minha culpa. Locução encontrada no ato de confissão e se aplica nos casos em que a pessoa reconhece os próprios erros.

medice, cura te ipsum
Latim: Médico, cura a ti próprio. Provérbio citado por Cristo e diz respeito àqueles que, esquecidos dos próprios defeitos, desejam corrigir os alheios.

medio tutissimus ibis
Latim: Irás seguríssimo pelo meio. Deves evitar os extremos.

memento, homo, quia pulvis es et in pulverem reverteris
Latim: Lembra-te, homem, que és pó e em pó te tornarás. Palavras pronunciadas pelo sacerdote enquanto impõe cinza na cabeça de cada fiel, na quarta-feira de cinzas.

memento mori
Latim: Lembra-te que hás de morrer. Pensamento cristão, usado como saudação entre os trapistas; também empregado em inscrições tumulares.

mendaci ne verum quidem dicenti creditur
Latim: Não se dá crédito ao mentiroso nem quando ele diz a verdade.

mens agitat molem
Latim: O espírito move a matéria. Frase virgiliana aproveitada pelos panteístas e estóicos, hoje empregada no sentido de que a inteligência domina a matéria.

mens legis
Latim Direito: O espírito da lei.

mens legislatoris
Latim: O pensamento, a vontade, a intenção do legislador.

mens sana in corpore sano
Latim: Espírito sadio em corpo são. Frase de Juvenal, utilizada para demonstrar a necessidade de corpo sadio para serviços de ideais elevados.

meta optata
Latim Direito: Fim colimado. O fim alcançado pelo agente do delito.

mettere la coda dove non va il capo
Italiano: Meter a cauda onde não cabe a cabeça. Mudar de tática, segundo as circunstâncias.

metteur-en-scène
Francês: Encenador. Nos teatros, pessoa encarregada de movimentar atores e cenários.

minima de malis
Latim: Os menores dentre os males. Provérbio de uma das fábulas de Fedro.

minus habens
Latim: Que tem menos. Serve para indicar pessoa pouco inteligente ou menos dotada.

mirabile dictu
Latim: Admirável de se dizer. Empregada como locução interjetiva.

mirabile visu
Latim: Admirável de se ver. Diz-se de qualquer espetáculo belo ou raro.

mise en scène
Francês: Encenação.

miserere mei, Deus
Latim: Deus, tende compaixão de mim. Palavras iniciais do Salmo 51, um dos salmos penitenciais.

missi dominici
Latim: Os enviados do senhor, isto é, os inspetores reais instituídos por Carlos Magno, os quais julgavam do procedimento dos duques e condes.

modus faciendi
Latim: Modo de agir.

modus vivendi
Latim Direito: Modo de viver. Convênio provisório entre nações, feito quase sempre através de permuta de notas diplomáticas.

more majorum
Latim: Conforme o costume dos antepassados: Na segunda defenestração de Praga, os protestantes da Boêmia declararam que agiram more majorum.

mors ultima ratio
Latim: Morte, razão final. A morte é o derradeiro argumento, o mais poderoso.

motu continuo
Latim: Com movimento perpétuo: A cabeça do doido andava num motu continuo.

motu proprio
Latim: Pela própria deliberação: espontaneamente. Diz-se de documentos pontifícios emanados diretamente do papa, e que tornaram obrigatórias para os católicos as disposições e doutrinas neles tratadas.

multa paucis
Latim: Muitas coisas em poucas palavras. Locução que pode servir de modelo aos escritores: dizer muitas coisas em poucas palavras.

multi sunt vocati, pauci vero electi
Latim: Muitos são chamados, porém, poucos escolhidos. Expressão usada por Cristo, referindo-se em parábola à salvação eterna, para a qual todos os homens são convidados, mas nem todos a conseguem (Mt. XX, 16 e XXII, 14).

mutatis mutandis
Latim: Mudando-se o que se deve mudar. Feitas algumas alterações.
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As outras letras:
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Fonte:
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