terça-feira, 10 de novembro de 2009

Rodrigo Capella (Estante de Livros)

Enigmas e Passaportes
(Capella, Rodrigo)
(Forever Editora - 1997)

Comentário

Ao iniciar a leitura desta obra, temos que levar em conta que o autor é um jovem de 16 anos, extremamente criativo e declaradamente brincalhão. Por ser criativo, armou cenários diferentes, misturou-os sem grandes preocupações, não deixando até de demonstrar um certo nível de erudição.

Como escritor brincalhão, fez peripécias que exigirão de todos muita atenção, para ninguém se perder no caso policial que Rodrigo armou e costurou com cuidado. O resultado disso tudo é um produto final diferenciado, curioso e até, de certa forma, instigante.

Como jovem, vingou-se de nós, adultos, criando uma história densa, bem arquitetada, que, certamente, desafiará nossa astúcia. "Enigmas e Passaportes" fica, pois, em suas mãos. Curiosamente, em se tratando de um livro policial, não há um mordomo para facilitar as coisas. E agora? (Hélio Casatle, editor da obra).

Resumo

Kall, um detetive altamente qualificado, foi contratado para desvendar um caso. E é com ele que o leitor vai conviver, ao longo de mais de uma centena de páginas, nas quais pistas, falsas e verdadeiras, desafiarão a astúcia de cada um.

A presente obra, assinada por um jovem de 16 anos, representa, assim, um convite silencioso que tenderá a levar o leitor ao cerne de um quebra-cabeças singular, que, para complicar, mistura épocas, privilegiando uma louca e divertida confusão. (Hélio Casatle, editor da obra).
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Transroca, o navio proibido
(Capella, Rodrigo)
(Editora Zouk - 2005)

Comentário

Kall, um detetive engraçado e inteligente, viaja em lua-de-mel com sua mulher. Não demora muito para o navio ser palco de um misterioso assassinato e para Kall comandar as investigações. Seja um dos passageiros do Transroca e embarque nessa divertida aventura!

Prefácio

Amanda e Kall, também se amam. Um dia se encontraram e sentiram um pelo outro o sentido do amor que os uniu. O truque que rege esse mundo de coisas – é mais honesto falar em truque que em método – consiste em trocar o olhar histórico sobre o passado por um olhar político. “Abri-vos, túmulos; mortos das pinacotecas, mortos adormecidos atrás de portas secretas, nos palácios, nos castelos e nos mosteiros, eis o porta-chaves feérico, que tendo às mãos um molho com as chaves de todas as épocas, e sabendo manejar as fechaduras maus astuciosas, convida-vos a entrar no mundo de hoje...” é o que esse jovem escritor brasileiro Rodrigo Capella nos faz embarcar, segurando nas mãos uma chave (A chave da imaginação)...

Amanda, uma doce mulher, como tantas. Kall, um homem típico, aparentemente com várias facetas, mas um detetive apenas, trás a tona o ar dos grandes e imortais mestres da investigação de todos os tempos. Kall é um profissional da investigação bem elaborado e preparado para desvendar tudo, ou melhor: todos os crimes.

Poderia ser em Londres, em Paris, Nova York ou simplesmente São Paulo. Mas a história de Amanda e Kall, se passa em Perúsia Pequena e Perúsia Grande e em seguida do jardim da casa do casal para a tão sonhada viagem de lua-de mel rumo a um lugar ambicionado por dezenas de pessoas, Parja, simplesmente Parja!

O autor em sua narrativa, nos embarca, num cruzeiro rumo a Parja, na mesma viagem de lua-de-mel que é só do casal, mas para nós o delírio de embarcar mesmo assim como degustadores de aventuras e emoção, o sentido maior dessa vida tem seu preço.

No auge da viagem, todos os passageiros são surpreendidos por um assassinato numa cabine do navio. O clima de mistério, de intrigas e de suspeitos multifacetados é contagiante até as últimas frases quando então surpreendentemente Kall, revela o criminoso. Porque apunhalar um biólogo, renomado, famoso e que desperta em todos os passageiros fascínio? A resposta tão bem construída pelo autor, revela-nos o mundo de homens que matam por interesses, amor, futilidades, ciúmes e medos. O fato é que a viagem rumo a Parja continua e o segredo da felicidade encontramos na coragem de viver com emoção qualquer coisa que nos faz embarcar numa viagem apenas: pelo mar, pelo ar, pela imaginação…
Ricardo Zimmer (cineasta e roteirista)
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Como mimar seu cão
(Capella, Rodrigo)
(Editora Zouk - 2005)

Comentário

O cão é o único que te dá amor incondicional! Não pede mesada, não exige presentes caros e gosta de distribuir carinho. Não esta na hora de você fazer o mesmo por ele?

Como mimar o seu cão apresenta 50 dicas importantes para transformar seu amigo num grande companheiro.

Prefácio

Foi por causa de uma fotografia da Brida, a adorável "Bichon Bolonhês" que divide a cama comigo e a minha mulher, dormindo sempre em baixo dos meus pés, que o autor do livro sugeriu meu nome para esta orelha.

Minha cumplicidade canina começou logo cedo, dos três aos nove anos de idade, compartilhando uma amizade mais que fraterna com Taro, um velho boxer adorável e babão, dissimuladamente carrancudo. Taro não só me defendia das agressões habituais dos "amiguinhos" mais afoitos e valentes como ainda tomava as minhas dores e culpas pelas travessuras cotidianas. Quando eu não queria comer o bife de fígado ou o creme de espinafre que minha mãe insistia em incluir no meu cardápio semanal, era Taro quem "limpava o prato" às escondidas. Flatulências naturais, advindas da ingestão de batata doce e repolho azedo, também eram assumidas pelo gentil Taro, já que o glutão e obeso boxer era, por seu lado, perito em tal prática. Até as minhas cuecas sujas eram "culpa" de Taro. Que amigo fabuloso este! Quando ele morreu, descobri que eu poderia morrer também e tenho certeza que neste dia o mundo perdeu a inocência...
Carlos Reichenbach
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Poesia não vende
(Capella, Rodrigo)
Caminho das Idéias - 2007

Veja os números de "Poesia não vende", de Rodrigo Capella:

- 136 matérias publicadas nos principais jornais brasileiros, de Norte a Sul;
- 16 matérias publicadas em revistas literárias e de sociedade;
- 13 entrevistas em rádio;
- 11 entrevistas em televisão;
- 59 matérias publicadas em sites e revistas virtuais.
Totalizando, até o momento: 235 matérias e entrevistas
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Rir ou chorar
(Capella, Rodrigo)
Imprensa Oficial - 2007

O livro, que faz parte da prestigiada Coleção Aplauso, revela histórias curiosas e engraçadas sobre o cinema brasileiro e é também uma biografia sobre o premiado cineasta Ricardo Pinto e Silva, que já trabalhou ao lado de Vera Fischer, Paulo Betti, Guilherme de Almeida Prado, Paulo Gorgulho e Carlos Reichenbach, entre outros.

Para o crítico Rubens Ewald Filho, o livro "Rir ou chorar", de Rodrigo Capella, traz histórias, casos e curiosidades dos bastidores que ajudam a torná-lo uma verdadeira aula de cinema.
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Loucuras de um escritor
(Capella, Rodrigo)
Clube de Autores – 2009

“Loucuras de um escritor”, definido por Rodrigo Capella como uma salada de contos, crônicas e poemas, traz ao longo de suas páginas histórias curiosas e engraçadas sobre a viagem do autor a Europa, além de reportagens e contos especiais. Uma leitura despretensiosa para quem quer conhecer a verdadeira alma dos escritores.
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Dicas para escrever, publicar e vender um livro
(Capella, Rodrigo)
Clube de Autores – 2009

Em “Dicas para escrever, publicar e vender um livro”, o escritor, que recebe por dia mais de 30 e-mails com dúvidas de escritores iniciantes, apresenta os bastidores do processo de publicação de livros. “Essa é uma obra sobre as curiosidades do mundo editorial, desvendando passo a passo o que ocorre nesse mundo, muitas vezes obscuro e injusto. Não se limita apenas em dar dicas para as pessoas publicarem; ele oferece também elementos para quem quer saber exatamente onde está se metendo”, diz Capella.
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@ntologia online
(Capella, Rodrigo)
Clube de Autores – 2009

“@ntologia Online” é a primeira antologia da comunidade do Orkut “Dicas para publicar um livro”, criada por Rodrigo Capella. A obra reúne crônicas, poemas e textos de estilos diversos, de escritores das várias Regiões do Brasil, de Norte a Sul. “Criei a comunidade em 2009 e rapidamente ela foi invadida – no bom sentido – por curiosos e escritores. O resultado foi espetacular. Até hoje temos uma média de 10 novos membros por dia. E a comunidade, que nasceu com a ideia de ter um número limitado de membros – apenas 100 – já conta com mais de 600. Diante desses números e da excelente qualidade dos textos postados diariamente na comunidade, eu e os moderadores criamos a “@ntologia online” para publicar os melhores textos dos melhores autores participantes”, explica Capella.
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Assessor de Imprensa – fonte qualificada para uma boa notícia
(Capella, Rodrigo)
Clube de Autores – 2009

O assessor de imprensa ideal deve funcionar como uma extensão da redação, atendendo o jornalista sempre que este precisar. Para tanto, ele precisa conhecer o dia-a-dia dos veículos e saber, por exemplo, qual o melhor dia e horário para enviar uma sugestão de pauta. O assessor deve também passar as informações completas e corretas, pois o jornalista não tem muito tempo para checá-las.

E por fim: não deve enviar jabás aos colegas de redação, não deve insistir na publicação de notícias e não deve recorrer à malandragem, ou seja, mentir para conseguir um espaço no jornal. Essas são as principais conclusões do livro “Assessor de Imprensa – fonte qualificada para uma boa notícia”.
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Mais sobre o autor pode ser encontrado em sua página pessoal http://www.rodrigocapella.com.br/ -----------------
Fonte:
http://www.rodrigocapella.com.br/

Bartolomeu Pinheiro de Lira (Entre a Gaveta e o Coração)



Remexendo as gavetas, me lembrei de certo apartamento onde moramos. Não é uma foto ou documento que me traz à tona nossa passagem por lá. Aparentemente algo tão insignificante e comum que dificilmente despertaria maior atenção, não fosse determinada característica que ela possuía.

Quando vi aquele bichinho pela primeira vez, não dei muita importância. Sempre chegava à noite do trabalho, cansado e faminto. Abria a porta maquinalmente e mal observava os dealhes, como era do meu feitio. Me preocupava apenas com a direção da chave e pronto, entrava e fechava a porta. Mas, com o desgaste da fechadura, comecei a dar uma maior atenção, uma pausa a mais. Foi quando dei de cara com uma aranhazinha. Ela não correu de imediato, quando girei a chave. Ficou me olhando cautelosamente e parecia balançar a cabeça, como uma lagartixa. Era tão minúscula que dificilmente eu poderia descrever sua reação a olho nu. Tratava-se de uma suposição. Segundos depois ela se escondia num buraquinho na madeira da parede. E isto foi tudo.

Nas noites seguintes, sempre que chegava, tomava o cuidado em não assustar a aranhazinha. Ela também tinha que ficar atenta para não ser espremida quando a porta fosse fechada. E formou-se um elo entre nós, um respeito mútuo, uma dedicação, e por que não dizer, uma amizade. Ela parecia sempre atenta aos meus passos, ao meu horário, ao cheiro do meu perfume! Minha esposa não acreditava fielmente nas minhas observações. Ficava sempre desconfiada, descrente, e muitas vezes até enciumada. Sim, porque nem sempre me dirigia a ela. Ficava parado na porta, observando se a aranhazinha iria entrar, se esconder dos predadores. Sempre apareciam insetos e bichinhos oportunistas. Era bom não vacilar.

Os meses foram passando e nossa amizade foi ficando mais firme. O carinho dela comigo foi estendido à minha esposa. A coisa ficou tão séria que tinha flagrado o bichinho se alimentando e, quando minha esposa abriu a porta para me receber, ela parou tudo e pulou em seu pulso, numa autoconfiança de surpreender. Ficamos perplexos. Parecia um pulo de satisfação. A aranhazinha ficava nos observando, olhando para um e virando para o outro. Um animalzinho de estimação. Coisinha fofa.

Certo dia, tivemos que viajar, passar alguns dias fora. Rolou uma preocupação. O que fazer agora? Pensamos em levá-la conosco. Mas onde a deixaríamos? Ela estava acostumada com aquela casinha. O clima para onde íamos era mais frio. Tudo isso pesou em deixá-la onde estava. Mas era o melhor para ela. São apenas alguns dias!

Vou confessar: senti saudades. Verdade! Era como se tivesse deixado para trás um ente querido, um amigo, sei lá! Talvez fosse uma paranóia. Ficava olhando para porta, sem acreditar que ela não estava ali. Ia ao banheiro. Mas era em vão procurar. Nada havia naquela porta.

Resolvemos antecipar nossa volta. Ficamos envergonhados em assumir a saudade daquele bichinho. Se ele precisava de carinho, se algum inseto o pegasse…

Ao chegar, corremos em direção à porta, não à fechadura. Nem chegamos a abrir a porta. Nada. Nem sinal. Esperamos desesperadamente. Resolvemos abrir a porta, fazer barulho. Nada e nada. Olhamos para o alto. Havia uma pequena lagartixa que nos olhava assustada. Imaginei que ela a havia devorado. O bucho cheinho e transparente. Chegamos tarde demais. Ficamos frustrados pela desatenção e tristes pelo falecimento do nosso bichinho de estimação. Tive uma ideia! Afinal, a esperança é a última que morre. Adentrei no nosso quarto e apanhei o frasco de perfume que costumávamos usar. Passei em uma das mãos e esperei pelo resultado. Incrível. Ela colocou a cabecinha do lado de fora do buraquinho, feliz da vida. E como foi gratificante aquele encontro! Ficamos até emocionados. Parecíamos pinto no lixo.

Mas tivemos que deixar o apartamento. Tomamos a decisão de transportar a aranhazinha conosco. Ela teria que se adaptar à nova residência. Cavaríamos um buraquinho só para ela. Não mais na porta, mas na gaveta. Protegida dos predadores e dos homens.

E é ao abrir a gaveta que lembrei do apartamento. Sim, porque é nela que se esconde o bichinho, num buraquinho bem no fundo, pra não ser incomodada. Ela vive bem feliz lá dentro. Faço tudo por ela. Quero que ela viva sempre em paz. Não quero que ela sofra. Ela mora na gaveta, no meu apartamento, no meu coração. Porque desde aquele dia da viagem, ao chegar, não a encontrei jamais.

Fonte:
http://www.bienalpernambuco.com/
Montagem da imagem utilizando imagens de http://nepo.com.br (gavetas) e http://blog.br.inter.net (coração)

William Marques (O Meu Papel no Mundo)



"O Meu Papel no Mundo", uma aventura na Chapada Diamantina, é o segundo livro da série de William Marques, mais conhecido como “O Autor das Chapadas do Brasil”. A obra é protagonizada pelo professor Robson, um cientista antropólogo que não acredita em milagres. Malda, sua esposa, está grávida e corre risco de perder o bebê. Na encruzilhada do destino, surge o Messias que oferece seus poderes de cura e Robson tenta evitá-lo a todo custo. A trama os envolve e os coloca diante de um grande enigma: o de descobrir o verdadeiro papel no mundo de Robson. Só esta revelação salvaria a vida do bebê.

A alquimia literária reúne numa mesma fórmula o calor de uma aventura e a paz de um cenário ecológico nos vales de rocha da chapada. Drama e humor contracenam juntos, levando o leitor a risos e lágrimas. Além de sua emocionante história, trata-se de uma obra capaz de nos fazer refletir sobre o propósito da vida e como nosso ser age de forma inconsciente e determinante para a realização de nosso destino.

Sua narrativa é a forma escrita mais próxima da cena real. É uma obra quase cinematográfica, rica em detalhes que impressionam e transpõem a riqueza das chapadas. A aventura é o ponto alto de sua ficção e sua obra é, acima de tudo, um veículo para a elevação da consciência humana. O autor reúne mensagens que vão desde o individual ao coletivo, fala de ciência e religião e vislumbra o despertar de uma nova consciência. Sua obra questiona a visão limitada do homem, tanto pela ótica da ciência como pelo lado da religião, para uma compreensão mais ampla da realidade.

William Marques, o “autor das chapadas do Brasil”, é o primeiro autor de ficção contemporânea a promover as chapadas como cenário da cultura brasileira. “O Quadrado da Caverna”, uma aventura na Chapada dos Guimarães, lançado em 1998 é o primeiro livro da série.


Extrato do Livro
1. Capítulo

O Messias

O vento soprava levemente seus cabelos. Ele caminhava de um lado para o outro fazendo a multidão segui-lo com os olhos. Ironicamente, pisava no que um dia tentou ser a fundação de uma igreja. Ele pregava o fim da religião, em nome de Deus, com a palavra de um líder e com as vestes de um sacerdote. Suas barbas longas lembravam um profeta, não daqueles que vêem o futuro, mas daqueles que querem reconstruir o passado.

O estranho dividia os homens, causava medo para uns, esperança para outros. Suas mãos prometiam cura para os desesperançados. Sua palavra criava desordem para os religiosos. Bem ali, no coração da Bahia, ele caminhava no solo chapadense, confundindo a tradição.

Parei, deixando minha mochila no chão. Fiquei estupefato com sua ousadia diante de um povo que apenas ouvia e temia contestá-lo. Pegou uma menina, e em público, colocou as mãos na sua fronte. Saiu dali com a promessa de que no dia seguinte ela não teria mais febre. Uns diziam que era a reencarnação de Jesus e, como o próprio Jesus de dois milênios atrás, teria guardado para si uma nova cruz, o repúdio dos sacerdotes.

Estava próximo, e quando me viu encarou-me como se já me conhecesse. Assustei-me quando veio em minha direção:

– Ei, você, forasteiro!
– Fala comigo? – perguntei, meio sem graça.
– Sim. Deve ter acabado de chegar no ônibus que vem de Salvador. Pode chamar-me de Messias – estendeu a mão, cumprimentando-me.
– Muito prazer – cumprimentei-o com um sorriso amarelo, tentando manter-me calmo diante da pequena multidão que o seguia e agora, olhava-me com curiosidade.
– Algo me diz que nossos destinos se cruzam.
– Como pode saber disto? É algum cigano?
– Não. Um cigano teria que ler a sua mão para lhe dizer o que digo, e além do mais, ia cobrar-lhe por isto. Eu não estou cobrando nada.
– Você é algum tipo de profeta?
– Profeta? Não sou do tipo que quer interferir no futuro, nem tampouco quero conquistar a atenção das pessoas com adivinhações.
– Desculpe, não queria insinuar nada...

Naquele momento, fui salvo por um de seus seguidores, que o tomou pelos braços, indo ter com as pessoas que se juntavam. Saí rápido diante das pessoas que me olhavam. A situação era cômica e desajustada. O jovem, com a aparência de louco, abordara-me com certa intimidade. Preferi não dar importância ao fato e fui direto ver Malda, que me aguardava.

A porta da agência estava aberta enquanto um viralata dormia na sombra da marquise. Malda estava atrás de sua mesa, atendendo ao telefone. Viu-me e estampou um sorriso enquanto desligava o telefone. Deixei a mochila cair e ela levantou-se, devagar, protegendo o ventre com as mãos. Veio em minha direção e nos abraçamos. Ainda desajeitado, acariciei-lhe o ventre. Ela tirou o chapéu de minha cabeça, colocou-o sobre a mesa e nos sentamos. Com um lenço, contive o suor que corria pela testa. O calor naquela época do ano era insuportável.

– Como tem passado? Melhorou o enjôo? – perguntei, preocupado.
– Um pouco melhor. As costas doem e agora os pés estão inchando, mas o médico disse que é assim mesmo. Olha, sinta, acho que ele já o conhece.

Malda colocou minha mão sobre o seu ventre, para que eu pudesse sentir os movimentos do bebê. Sorri, emocionado.

– Como se sente com uma criança dentro de você?
– É uma sensação maravilhosa. Pena que vocês, homens, jamais poderão sentir o mesmo. Eu posso senti-lo dentro de mim, como se fosse uma continuação de meu corpo, de minha alma.

Sorri comovido com as palavras simples e profundas de Malda. Naquele instante, uma pequena multidão correu lá fora, interrompendo-nos. Levantei-me para ver o que era e percebi que se tratava do Messias com seus seguidores indo embora da cidade.

– O estranho de barbas que vai lá fora apresentou-se como Messias assim que me viu.Disse que nossos destinos se cruzariam. É algum tipo de maluco?
– Não creio, é apenas uma pessoa radical. Ele olha para uma pessoa e já sabe de muitas coisas.
– Ele não tem nome verdadeiro?
– Não, ele não diz para ninguém.
– Estranho. Pode ser algum cara encrencado com a Justiça.
– Talvez, mas se fosse mesmo, acho que ele evitaria tanta exposição.
– Tem razão. Mas afinal, o que ele quer por aqui?
– Ninguém sabe exatamente. Dizem que ele tem o dom da cura. Então, de vez em quando, aparece na cidade e oferece alguma ajuda aos doentes. As pessoas vêm e dizem que conseguem a cura mesmo.
– Ele não cobra nada?
– Não. Algumas pessoas oferecem ajuda e contribuem por livre e espontânea vontade.
– Talvez esteja tentando conquistar as pessoas para depois conseguir o que quer.
– E o que ele poderia querer? – Sei lá! Foi a pergunta que fiz.

Voltamos aos nossos assuntos, deixando o Messias seguir para o seu retiro. Já se passavam alguns meses que não nos víamos e precisávamos decidir o nosso destino. Fechamos a agência e levei-a para casa, bem ao lado. A gravidez já passava dos seis meses. Malda estivera só por um tempo tentando manter-se no novo negócio em Lençóis. Mas a gravidez inesperada ameaçava impor mudanças em nossas vidas.

Insisti para que Malda vendesse a agência, mas ela não concordava. Dizia que ela era a própria agência e que não poderia se colocar à venda. Havia um impasse entre nós. Eu não queria largar a universidade para viver na Chapada. Achava que Malda poderia ir para o Rio, para que juntos pudéssemos criar nosso filho. Ela havia se predisposto a vender a agência, mas estava sempre voltando atrás e me deixando confuso. Talvez estivesse esperando o bebê nascer e tentar seduzir-me a ficar na Chapada. Era uma causa difícil. Não ia dar para viver bem só com a agência, mas ela insistia que daria, que o turismo a cada ano aumentava. Tinha a idéia de abrir um restaurante. Até me seduzia, mas eu não podia abandonar minha carreira, meus alunos e minhas teses. Tínhamos um entendimento difícil pela frente.

Após o jantar, fomos até a praça porque Malda precisava caminhar um pouco. Fomos até um banco, bem próximo à igreja, e sentamo-nos, com as estrelas cintilando no céu.

– Conseguiu uma boa oferta pela agência?
– Não – Malda respondia, entreolhando-me pelo canto dos olhos.
– Nada? Você colocou algum anúncio?
– Não – respondia novamente, com um olhar maroto.
– Então só você sabe que a agência está à venda?
– Também não. Não sei se está. Ainda não decidi. Não quero pensar nisto agora. Quero dedicar este tempo para o bebê.
– Mas Malda, precisamos mudar a nossa vida...

Malda interrompeu-me colocando o dedo em minha boca e levando minha mão sobre o seu ventre. Senti o bebê movendo-se novamente. Achei que o momento não era adequado para discutir o assunto. Apenas deixamos as estrelas falarem por nós, como se a resposta de nosso destino estivesse no brilho do céu. O vento soprava leve, levando uma fina névoa entre as estrelas. E com a névoa, foram-se a dúvida e os pensamentos.

Fonte:
http://livrosliteratura.blogspot.com/

Jean-Pierre Bayard (História das Lendas) Parte V



4. — Influência da Igreja católica

Todas as religiões empregam os mesmos símbolos, mas os colégios sacerdotais velaram a verdade aos profanos a fim de reservá-la aos seus iniciados; velaram-na de tal forma que a sufocaram e não souberam mais separar as ficções. Contudo as religiões refletem a consciência humana, as relações sociais entre os indivíduos, toda a experiência de nossa vida. A divulgação dos contos é devida, em grande parte, a uma propaganda religiosa. O budismo não foi o seu único agente de difusão, há também o druidismo, o catolicismo e todas as religiões. Os missionários e os exploradores propagavam lendas bíblicas. A religião que nada mais é que esoterismo, pois que pode existir apenas em estado de mistérios, age pelo seu maravilhoso e provoca uma espécie de entorpecimento da alma. Schelling escreve: Introduction à la philosophie de la mythologie (Introdução à filosofia da mitologia): “O conteúdo da religião é puramente espiritual e jorra, desta forma, das profundezas mais intimas da vida humana.”

A Bíblia é uma grande lenda histórica que abrange vários séculos e não alguns anos. Obra de várias gerações concentradas na única vida humana, ela nos ensina o deslocamento dos nômades, a migração do povo de Abraão que se estendeu durante numerosos anos. A influência bíblica, por seu maravilhoso, se revela em todas as artes e também nas procissões, nas festas e na própria vida.

5. — Criação do mito do diabo

O antagonismo entre Deus e Satanás se encontra em todo o decorrer dos temas orientais, persas e cristãos. E Ariman, a grande serpente da noite, adversária de Ormuzd. O princípio do mal vem da mais remota antigüidade. Mas, na religião católica, Deus criou ele mesmo seus anjos caídos, enquanto que Ariman é um poder primordial, antítese da Bondade.

A fim de combater a sensualidade, a curiosidade, os prazeres da carne e do espírito, a Igreja católica, serviu-se do personagem de Satanás e lhe criou uma personalidade mais intensa; dos mistérios da Idade Média ficou-lhe a truanice que lhe deram os primeiros dramas. Assim nasceu a bruxa, serva do mau espírito. Os métodos de feitiçaria mostram essa alucinação coletiva, comparável ao Grande temor; mas esses métodos terminaram de maneira trágica. A Inquisição incumbia-se de conduzir a um ponto cruciante essa extraordinária criação do espírito.

Assim é que Loeffler-Delachaux vê nos contos de fadas um protesto contra essas regras inflexíveis, a fada que reabilita a sacerdotisa ou a feiticeira druida injustamente condenada.

6. — Conclusão

Quer se trate da Escola filológica, naturalista ou histórica, a origem e a interpretação das lendas só tem sentido a partir de uma equação pessoal; cada sistema crê possuir a verdade. Mas a abundância, de assuntos iguais em cada país, a esperança que deles se desprende, a perfeição de suas formas poéticas deixam prever a busca de temas iniciáticos capazes de elevar o indivíduo. A aventura maravilhosa, com sua surpreendente riqueza de alma, nos alegra e nos instrui.
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continua...
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Fonte:
BAYARD, Jean-Pierre. História das Lendas. (Tradução: Jeanne Marillier). Ed. Ridendo Castigat Mores

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Paulo Leminiski (Desencontrários)


Mandei a palavra rimar,
ela não me obedeceu.
Falou em mar, em céu, em rosa,
em grego, em silêncio, em prosa.
Parecia fora de si,
a sílaba silenciosa.

Mandei a frase sonhar,
e ela se foi num labirinto.
Fazer poesia, eu sinto, apenas isso.
Dar ordens a um exército,
para conquistar um império extinto.

Imagem = http://conhecimentoetudo.wordpress.com

Lairton Trovão de Andrade (Lágrima de uma Mulher)


Por que essa chuva salgada que
Cai do céu dos teus olhos, Mulher?
Não! Assim não pode ser!
Porque, em ti, tudo é ternura sem par,
Símbolo nobre dos sonhos,
Centro cativante do romance real,
Razão maior do caminhar do homem,
Começo, Meio e Fim da vida humana sobre a Terra...
Este cálice transbordante
É motivo de veneração incontida,
Porque , Mulher, és o santuário da criação,
A deusa visível deste contraditório Planeta!
Portanto,
Diante da tua realidade,
Devemos, todos, refletir!..
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Fontes:
Portal CEN

Machado de Assis (Segunda Vida)



MONSENHOR CALDAS interrompeu a narração do desconhecido:
- Dá licença? é só um instante.

Levantou-se, foi ao interior da casa, chamou o preto velho que o servia, e disse-lhe em voz baixa:

- João, vai ali à estação de urbanos, fala da minha parte ao comandante, e pede-lhe que venha cá com um ou dous homens, para livrar-me de um sujeito doudo. Anda, vai depressa.

E, voltando à sala:

- Pronto, disse ele; podemos continuar.

- Como ia dizendo a Vossa Reverendíssima, morri no dia vinte de março de 1860, às cinco horas e quarenta e três minutos da manhã. Tinha então sessenta e oito anos de idade. Minha alma voou pelo espaço, até perder a terra de vista, deixando muito abaixo a lua, as estrelas e o sol; penetrou finalmente num espaço em que não havia mais nada, e era clareado tão-somente por uma luz difusa. Continuei a subir, e comecei a ver um pontinho mais luminoso ao longe, muito longe. O ponto cresceu, fez-se sol. Fui por ali dentro, sem arder, porque as almas são incombustíveis. A sua pegou fogo alguma vez?

- Não, senhor.

- São incombustíveis. Fui subindo, subindo; na distância de quarenta mil léguas, ouvi uma deliciosa música, e logo que cheguei a cinco mil léguas, desceu um enxame de almas, que me levaram num palanquim feito de éter e plumas. Entrei daí a pouco no novo sol, que é o planeta dos virtuosos da terra. Não sou poeta, monsenhor; não ouso descrever-lhe as magnificências daquela estância divina. Poeta que fosse, não poderia, usando a linguagem humana, transmitir-lhe a emoção da grandeza, do deslumbramento, da felicidade, os êxtases, as melodias, os arrojos de luz e cores, uma cousa indefinível e incompreensível. Só vendo. Lá dentro é que soube que completava mais um milheiro de almas; tal era o motivo das festas extraordinárias que me fizeram, e que duraram dois séculos, ou, pelas nossas contas, quarenta e oito horas. Afinal, concluídas as festas, convidaram-me a tornar à terra para cumprir uma vida nova; era o privilégio de cada alma que completava um milheiro. Respondi agradecendo e recusando, mas não havia recusar. Era uma lei eterna. A única liberdade que me deram foi a escolha do veículo; podia nascer príncipe ou condutor de ônibus. Que fazer? Que faria Vossa Reverendíssima no meu lugar?

- Não posso saber; depende...

- Tem razão; depende das circunstâncias. Mas imagine que as minhas eram tais que não me davam gosto a tornar cá. Fui vítima da inexperiência, monsenhor, tive uma velhice ruim, por essa razão. Então lembrou-me que sempre ouvira dizer a meu pai e outras pessoas mais velhas, quando viam algum rapaz: - "Quem me dera aquela idade, sabendo o que sei hoje!" Lembrou-me isto, e declarei que me era indiferente nascer mendigo ou potentado, com a condição de nascer experiente. Não imagina o riso universal com que me ouviram. Jó, que ali preside a província dos pacientes, disse-me que um tal desejo era disparate; mas eu teimei e venci. Daí a pouco escorreguei no espaço: gastei nove meses a atravessá-lo até cair nos braços de uma ama de leite, e chamei-me José Maria. Vossa Reverendíssima é Romualdo, não?

- Sim, senhor; Romualdo de Sousa Caldas.

- Será parente do padre Sousa Caldas?

- Não, senhor.

- Bom poeta o padre Caldas. Poesia é um dom; eu nunca pude compor uma décima. Mas, vamos ao que importa. Conto-lhe primeiro o que me sucedeu; depois lhe direi o que desejo de Vossa Reverendíssima. Entretanto, se me permitisse ir fumando...

Monsenhor Caldas fez um gesto de assentimento, sem perder de vista a bengala que José Maria conservava atravessada sobre as pernas. Este preparou vagarosamente um cigarro. Era um homem de trinta e poucos anos, pálido, com um olhar ora mole e apagado, ora inquieto e centelhante. Apareceu ali, tinha o padre acabado de almoçar, e pediu-lhe uma entrevista para negócio grave e urgente. Monsenhor fê-lo entrar e sentar-se; no fim de dez minutos, viu que estava com um lunático. Perdoava-lhe a incoerência das idéias ou o assombroso das invenções; pode ser até que lhe servissem de estudo. Mas o desconhecido teve um assomo de raiva, que meteu medo ao pacato clérigo. Que podiam fazer ele e o preto, ambos velhos, contra qualquer agressão de um homem forte e louco? Enquanto esperava o auxilio policial, Monsenhor Caldas desfazia-se em sorrisos e assentimentos de cabeça, espantava-se com ele, alegrava-se com ele, política útil com os loucos, as mulheres e os potentados.
José Maria acendeu finalmente o cigarro, e continuou:

- Renasci em cinco de janeiro de 1861. Não lhe digo nada da nova meninice, porque aí a experiência teve só uma forma instintiva. Mamava pouco; chorava o menos que podia para não apanhar pancada. Comecei a andar tarde, por medo de cair, e daí me ficou uma tal ou qual fraqueza nas pernas. Correr e rolar, trepar nas árvores, saltar paredões, trocar murros, cousas tão úteis, nada disso fiz, por medo de contusão e sangue. Para falar com franqueza, tive uma infância aborrecida, e a escola não o foi menos. Chamavam-me tolo e moleirão. Realmente, eu vivia fugindo de tudo. Creia que durante esse tempo não escorreguei, mas também não corria nunca. Palavra, foi um tempo de aborrecimento; e, comparando as cabeças quebradas de outro tempo com o tédio de hoje, antes as cabeças quebradas. Cresci; fiz-me rapaz, entrei no período dos amores... Não se assuste; serei casto, como a primeira ceia. Vossa Reverendíssima sabe o que é uma ceia de rapazes e mulheres?

- Como quer que saiba?...

- Tinha dezenove anos, continuou José Maria, e não imagina o espanto dos meus amigos, quando me declarei pronto a ir a uma tal ceia... Ninguém esperava tal cousa de um rapaz tão cauteloso, que fugia de tudo, dos sonos atrasados, dos sonos excessivos, de andar sozinho a horas mortas, que vivia, por assim dizer, às apalpadelas. Fui à ceia; era no Jardim Botânico, obra esplêndida. Comidas, vinhos, luzes, flores, alegria dos rapazes, os olhos das damas, e, por cima de tudo, um apetite de vinte anos. Há de crer que não comi nada? A lembrança de três indigestões apanhadas quarenta anos antes, na primeira vida, fez-me recuar. Menti dizendo que estava indisposto. Uma das damas veio sentar-se à minha direita, para curar-me; outra levantou-se também, e veio para a minha esquerda, com o mesmo fim. Você cura de um lado, eu curo do outro, disseram elas. Eram lépidas, frescas, astuciosas, e tinham fama de devorar o coração e a vida dos rapazes. Confesso-lhe que fiquei com medo e retraí-me. Elas fizeram tudo, tudo; mas em vão. Vim de lá de manhã, apaixonado por ambas, sem nenhuma delas, e caindo de fome. Que lhe parece? concluiu José Maria pondo as mãos nos joelhos, e arqueando os braços para fora.

- Com efeito...

- Não lhe digo mais nada; Vossa Reverendíssima adivinhará o resto. A minha segunda vida é assim uma mocidade expansiva e impetuosa, enfreada por uma experiência virtual e tradicional. Vivo como Eurico, atado ao próprio cadáver... Não, a comparação não é boa. Como lhe parece que vivo?

- Sou pouco imaginoso. Suponho que vive assim como um pássaro, batendo as asas e amarrado pelos pés...

- Justamente. Pouco imaginoso? Achou a fórmula; é isso mesmo. Um pássaro, um grande pássaro, batendo as asas, assim...

José Maria ergueu-se, agitando os braços, à maneira de asas. Ao erguer-se, caiu-lhe a bengala no chão; mas ele não deu por ela. Continuou a agitar os braços, em pé, defronte do padre, e a dizer que era isso mesmo, um pássaro, um grande pássaro... De cada vez que batia os braços nas coxas, levantava os calcanhares, dando ao corpo uma cadência de movimentos, e conservava os pés unidos, para mostrar que os tinha amarrados. Monsenhor aprovava de cabeça; ao mesmo tempo afiava as orelhas para ver se ouvia passos na escada. Tudo silêncio. Só lhe chegavam os rumores de fora: - carros e carroças que desciam, quitandeiras apregoando legumes, e um piano da vizinhança. José Maria sentou-se finalmente, depois de apanhar a bengala, e continuou nestes termos:

- Um pássaro, um grande pássaro. Para ver quanto é feliz a comparação, basta a aventura que me traz aqui, um caso de consciência, uma paixão, uma mulher, uma viúva, D. Clemência. Tem vinte e seis anos, uns olhos que não acabam mais, não digo no tamanho, mas na expressão, e duas pinceladas de buço, que lhe completam a fisionomia. É filha de um professor jubilado. Os vestidos pretos ficam-lhe tão bem que eu às vezes digo-lhe rindo que ela não enviuvou senão para andar de luto. Caçoadas! Conhecemo-nos há um ano, em casa de um fazendeiro de Cantagalo. Saímos namorados um do outro. Já sei o que me vai perguntar: por que é que não nos casamos, sendo ambos livres...

- Sim, senhor.

- Mas, homem de Deus! é essa justamente a matéria da minha aventura. Somos livres, gostamos um do outro, e não nos casamos: tal é a situação tenebrosa que venho expor a Vossa Reverendíssima, e que a sua teologia ou o que quer que seja, explicará, se puder. Voltamos para a Corte namorados. Clemência morava com o velho pai, e um irmão empregado no comércio; relacionei-me com ambos, e comecei a freqüentar a casa, em Mata-cavalos. Olhos, apertos de mão, palavras soltas, outras ligadas, uma frase, duas frases, e estávamos amados e confessados. Uma noite, no patamar da escada, trocamos o primeiro beijo... Perdoe estas cousas, monsenhor; faça de conta que me está ouvindo de confissão. Nem eu lhe digo isto senão para acrescentar que saí dali tonto, desvairado, com a imagem de Clemência na cabeça e o sabor do beijo na boca. Errei cerca de duas horas, planeando uma vida única; determinei pedir-lhe a mão no fim da semana, e casar daí a um mês. Cheguei às derradeiras minúcias, cheguei a redigir e ornar de cabeça as cartas de participação. Entrei em casa depois de
meia-noite, e toda essa fantasmagoria voou, como as mutações à vista nas antigas peças de teatro. Veja se adivinha como.

- Não alcanço...

- Considerei, no momento de despir o colete, que o amor podia acabar depressa; tem-se visto algumas vezes. Ao descalçar as botas, lembrou-me cousa pior: - podia ficar o fastio. Concluí a toilette de dormir, acendi um cigarro, e, reclinado no canapé, pensei que o costume, a convivência, podia salvar tudo; mas, logo depois, adverti que as duas índoles podiam ser incompatíveis; e que fazer com duas índoles incompatíveis e inseparáveis? Mas, enfim, dei de barato tudo isso, porque a paixão era grande, violenta; considerei-me casado, com uma linda criancinha... Uma? duas, seis, oito; podiam vir oito, podiam vir dez; algumas aleijadas. Também podia vir uma crise, duas crises, falta de dinheiro, penúria, doenças; podia vir alguma dessas afeições espúrias que perturbam a paz doméstica... Considerei tudo e concluí que o melhor era não casar. O que não lhe posso contar é o meu desespero; faltam-me expressões para lhe pintar o que padeci nessa noite... Deixa-me fumar outro cigarro?

Não esperou resposta, fez o cigarro, e acendeu-o. Monsenhor não podia deixar de admirar-lhe a bela cabeça, no meio do desalinho próprio do estado; ao mesmo tempo notou que ele falava em termos polidos, e, que apesar dos rompantes mórbidos, tinha maneiras. Quem diabo podia ser esse homem? José Maria continuou a história, dizendo que deixou de ir à casa de Clemência, durante seis dias, mas não resistiu às cartas e às lágrimas. No fim de uma semana correu para lá, e confessou-lhe tudo, tudo. Ela ouviu-o com muito interesse, e quis saber o que era preciso para acabar com tantas cismas, que prova de amor queria que ela lhe desse. - A resposta de José Maria foi uma pergunta.

- Está disposta a fazer-me um grande sacrifício? disse-lhe eu. Clemência jurou que sim. "Pois bem, rompa com tudo, família e sociedade; venha morar comigo; casamo-nos depois desse noviciado." Compreendo que Vossa Reverendíssima arregale os olhos. Os dela encheram-se de lágrimas; mas, apesar de humilhada, aceitou tudo. Vamos; confesse que sou um monstro.

- Não, senhor...

- Como não? Sou um monstro. Clemência veio para minha casa, e não imagina as festas com que a recebi. "Deixo tudo, disse-me ela; você é para mim o universo." Eu beijei-lhe os pés, beijei-lhe os tacões dos sapatos. Não imagina o meu contentamento. No dia seguinte, recebi uma carta tarjada de preto; era a notícia da morte de um tio meu, em Santa Ana do Livramento, deixando-me vinte mil contos. Fiquei fulminado. "Entendo, disse a Clemência, você sacrificou tudo, porque tinha notícia da herança." Desta vez, Clemência não chorou, pegou em si e saiu. Fui atrás dela, envergonhado, pedi-lhe perdão; ela resistiu. Um dia, dous dias, três dias, foi tudo vão; Clemência não cedia nada, não falava sequer. Então declarei-lhe que me mataria; comprei um revólver, fui ter com ela, e apresentei-lho: é este.

Monsenhor Caldas empalideceu. José Maria mostrou-lhe o revólver, durante alguns segundos, tornou a metê-lo na algibeira, e continuou:

- Cheguei a dar um tiro. Ela, assustada, desarmou-me e perdoou-me. Ajustamos precipitar o casamento, e, pela minha parte, impus uma condição: doar os vinte mil contos à Biblioteca Nacional. Clemência atirou-se-me aos braços, e aprovou-me com um beijo. Dei os vinte mil contos. Há de ter lido nos jornais... Três semanas depois casamo-nos. Vossa Reverendíssima respira como quem chegou ao fim. Qual! Agora é que chegamos ao trágico. O que posso fazer é abreviar umas particularidades e suprimir outras; restrinjo-me a Clemência. Não lhe falo de outras emoções truncadas, que são todas as minhas, abortos de prazer, planos que se esgarçam no ar, nem das ilusões de saia rota, nem do tal pássaro... plás... plás... plás...

E, de um salto, José Maria ficou outra vez de pé, agitando os braços, e dando ao corpo uma cadência. Monsenhor Caldas começou a suar frio. No fim de alguns segundos, José Maria parou, sentou-se, e reatou a narração, agora mais difusa, mais derramada, evidentemente mais delirante. Contava os sustos em que vivia, desgostos e desconfianças. Não podia comer um figo às dentadas, como outrora; o receio do bicho diminuía-lhe o sabor. Não cria nas caras alegres da gente que ia pela rua: preocupações, desejos, ódios, tristezas, outras cousas, iam dissimuladas por umas três quartas partes delas. Vivia a temer um filho cego ou surdo-mudo, ou tuberculoso, ou assassino, etc. Não conseguia dar um jantar que não ficasse triste logo depois da sopa, pela idéia de que uma palavra sua, um gesto da mulher, qualquer falta de serviço podia sugerir o epigrama digestivo, na rua, debaixo de um lampião. A experiência dera-lhe o terror de ser empulhado. Confessava ao padre que, realmente, não tinha até agora lucrado nada; ao contrário, perdera até, porque fora levado ao sangue... Ia contar-lhe o caso do sangue. Na véspera, deitara-se cedo, e sonhou... Com quem pensava o padre que ele sonhou?

- Não atino...

- Sonhei que o Diabo lia-me o Evangelho. Chegando ao ponto em que Jesus fala dos lírios do campo, o Diabo colheu alguns e deu-mos. "Toma, disse-me ele; são os lírios da Escritura; segundo ouviste, nem Salomão em toda a pompa, pode ombrear com eles. Salomão é a sapiência. Sabes o que são estes lírios, José? São os teus vinte anos." Fitei-os encantado; eram lindos como não imagina. O Diabo pegou deles, cheirou-os e disse-me que os cheirasse também. Não lhe digo nada; no momento de os chegar ao nariz, vi sair de dentro um réptil fedorento e torpe, dei um grito, e arrojei para longe as flores. Então, o Diabo, escancarando uma formidável gargalhada: "José Maria, são os teus vinte anos." Era uma gargalhada assim: - cá, cá, cá, cá, cá...

José Maria ria à solta, ria de um modo estridente e diabólico. De repente, parou; levantou-se, e contou que, tão depressa abriu os olhos, como viu a mulher diante dele, aflita e desgrenhada. Os olhos de Clemência eram doces, mas ele disse-lhe que os olhos doces também fazem mal. Ela arrojou-se-lhe aos pés... Neste ponto a fisionomia de José Maria estava tão transtornada que o padre, também de pé, começou a recuar, trêmulo e pálido. "Não, miserável! não! tu não me fugirás!" bradava José Maria investindo para ele. Tinha os olhos esbugalhados, as têmporas latejantes; o padre ia recuando... recuando... Pela escada acima ouvia-se um rumor de espadas e de pés.

Fonte:
ASSIS, Machado de. Histórias sem data. 1.ed. SP: Cia. Editora Nacional, 2005.

Leandro Rodrigues (Escrever ou não escrever, eis a questão!)


Conversando com uma prezada professora de Letras, a colunista deste site (http://www.escritoresdosul.com.br/) Tânia Ramos, soube de algo que já imaginava: A maioria dos estudantes de Letras têm medo de escrever, deixam de escrever, resolvem apenas lecionar, pesquisar, fazer qualquer coisa menos literatura. Isso acontece, entre outras, pelas cobranças que se fazem em relação à língua, à gramática, às concordâncias a serem utilizadas, à escolha das melhores palavras, enfim, diversos fatores linguísticos que bloqueiam o processo criativo e o seu fluxo.

Lógico que muitos escrevem bem, formam-se, fazem mestrado, doutorado, pós-doutorado, o diabo a quatro e publicam boas obras – o próprio entrevistado do site deste mês, Renato Tapado, é um exemplo. Mas, leiam novamente o que eu escrevi no primeiro parágrafo, e que agora ratifico aqui em letras maiúsculas: A MAIORIA deixa de escrever. E, se a maioria deixa de escrever, é sinal que uma graduação em letras não é o melhor caminho para quem deseja escrever seus sonhados best-sellers, é bom dizer. Nem sei, na verdade, se existe "melhor caminho" para se escrever algum best-seller, mas o que quero dizer é que aqueles que imaginam que a faculdade de Letras fará com que virem exímios Saramagos, Kafkas, Clarices, Éricos, tirem o "cavalinho da chuva". Não é por aí.

Se eu, que não faço Letras, fico me perguntando todos os dias a frase-título desta crônica ("escrever ou não escrever, eis a questão!") imaginem os que se graduam! Tantos exames fazem, tantas livros clássicos maravilhosos (ou trechos) lêem, tantas regras encaram, tantas exigências e cuidados para não maltratarem a língua possuem que abdicam até mesmo de tentar fazer uma boa literatura. “É melhor não tentar a fazer uma porcaria”, pensam, com certeza. De porcarias o mundo já está cheio mesmo, basta visitar a seção de mais vendidos das livrarias, por exemplo, ou criar um site de literatura como este e ver isso ainda mais de perto...

Todos os dias novas porcarias são publicadas. Graças a Deus, criariam a Internet e, desta forma, muitos pseudo-escritores puderam criar seus blogs e escreverem bobagens por lá ou nos fóruns das comunidades de relacionamentos, por exemplo. Se não fosse a Internet, teríamos mais destruições de milhares de árvores por aí para fabricação de papel para produção de mais lixo literário, o que é um atentado contra a natureza, que deveria ser punido como qualquer outro crime. Destruição da natureza para a produção de lixo literário é um absurdo que eu abomino! Viva a Internet!

Aliás, sou a favor de algo tipo "exame de OAB" para alguém poder ser declarar escritor (uma “OEB” – Ordem dos Escritores do Brasil), pois mesmo que estes exames não necessariamente formem bons advogados, pelo menos ninguém pode sair se declarando advogado por aí porque cursou um ou dois anos de Direito ou mesmo terminou a faculdade. É necessário mais que isso para ser considerado um advogado, bem como deveria ser necessário mais que um ou dois livros de poesias para alguém ser chamado de escritor. E falo não somente em relação à quantidade, pois há autores de um livro só muito bons, logicamente, mas sim em relação à qualidade, visto que da mesma forma há quem escreva quinze, vinte livros ruins e, portanto, não deveria ser chamado de escritor.

Na Bienal do Livro de Curitiba até livro do Alexandre Frota eu encontrei. Acho que ele ainda não se disse “escritor”, mas muitos que escrevem como ele se dizem. Sem contar os autores sem-noção e sem-talento que ficam enviando e-mails coletivos quase todos os dias (ou semanas) divulgando um monte de coisas desinteressantes que estão fazendo à espera de alguma atenção, elogio ou notoriedade.

Quero ressaltar então que se a faculdade de Letras é ruim pelo bloqueio criativo que ela pode trazer, o bom é que pelo menos ela dá para muitos esta noção de que é melhor não escrever para que depois não fiquem se ridicularizando por aí que nem estes autores que estou comentando, os divulgadores inconscientes de ruindades próprias. Pois acredito que é melhor não se dizer um “jogador de futebol” a ser um futebolista medíocre, que fica no banco de reservas ou nem no banco de reservas de um timeco da quarta divisão tem lugar.

Claro que muitos escrevem só pelo prazer de escrever, publicam só pelo prazer de publicar, bem como muitos jogam futebol nos campinhos de várzeas nos fins de semana com os amigos apenas porque gostam do esporte - fazendo uma pequena comparação, já que trouxe a questão do futebol. Só que não é por causa disse que podem se dizer “escritores”. Penso que o ideal seria dizer: “Eu escrevo”; “Eu gosto de escrever”, “Eu aprecio brincar de literatura”, mas não se identificar como “Escritor”.

“Eu sou escritor”, como alguns adoram dizer por ego ou sei lá o quê, é ofensivo, virulento e machuca a verdadeira e boa literatura.

Não tenho preconceito contra quem sabe que não é escritor, contra quem escreve por brincadeira, por prazer, por contentamento interno ou por julgar que só é feliz mesmo quem planta uma árvore, faz um filho e publica um livro. Tenho preconceito apenas contra quem escreve mal e afirma ao mundo que é escritor, mas mesmo assim seus nomes (muitos nomes) estão até mesmo neste site que edito porque não gosto de discriminações. Se dizem que são escritores e não há exames de “OEB” para dizer o contrário, quem sou eu para contestar? Por que tiraria um doce da boca de uma criança?

Meu maior preconceito, no entanto, é contra quem escreve bem mas decide não escrever devido às regras, bloqueios e exigências que passou a ter na faculdade, sobretudo na faculdade de Letras. Estes, sim, são até piores que os que escrevem mal e gritam ao mundo que são escritores, porque, como diria Kant, "não usar um talento que se tenha é uma das piores coisas que alguém pode fazer contra si mesmo." – é bonito citar Kant, mesmo que uma das poucas coisas claras realmente nele, algo quase inconfessável, é verdade, para a maioria dos estudantes de filosofia).

Mas, voltando à literatura, para terminar, escreva independente de alguma graduação se você de fato tem talento (mas não faça esta pergunta à sua mãe e a seus amigos, é lógico). E faça urgentemente uma faculdade de Letras se você não tem talento porque, desta forma, você se desencatará e não escreverá - ou pelo menos publicará lixos com algum requinte, disfarçados de "formosos" - o que é até aceitável, pois a beleza é sempre admirável, ainda que de palavras, frases soltas ou unicamente da capa...

(*Leandro Rodrigues (lerodriguesoriginal@hotmail.com) é editor do site Escritores do Sul, co-editor da revista Ciências da Saúde, estudante de filosofia da UFSC e autor de alguns textos que, talvez, um dia, virem livros...sabe-se lá...)

Fonte:
http://www.escritoresdosul.com.br/

Angelo Batista (Quem me dera)



Ter conhecimento das estrelas
e ao vê-las chamá-las de você
intimamente, sem deixar de dar um oi
ao sol estrela menor.

Andar pelo firmamento alhures
como se chutasse latas
em uma viela de minha cidade

Como se as enormes galáxias
fossem como um oceano, uma montanha
e suas entranhas sem novidade.

Conhecedor do universo, do mundo
seria eu senhor da vida
e aí sonhar com o que
seria um Deus, sonhar pra que?

(Extraído do seu livro "Poetas da Feira e da Pátria Brasileira - 1994)
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Angelo Batista


Nascido na cidade de Mandaguari, no interior do Paraná, criado na lavoura, enfrentando todas as dificuldades da vida pobre na companhia dos 11 irmãos, mas com toda a garra herdada de seus pais Francisco e Laura.

Angelo encontrou sempre na família o escopo da sua formação humana. Lição aprendida dos pais, Angelo fortalece a sua família, juntamente com a sua esposa Sônia, dando o melhor exemplo de virtude para seus 4 filhos: Ana Paula, Marcos Elvécio, Angelo Júnior e Guilherme Luís. Tem larga experiência como homem público pela dedicação dos seus quase 40 anos trabalhando no ramo farmacêutico.

Angelo trabalhou com afinco na defesa dos interesses da classe, conjuntamente aos demais membros do Sindicato do Comércio Varejista de Produtos Farmacêuticos do Estado do Paraná - SINDIFARMA.

Além da efetiva atuação como membro sindical, Angelo sempre se destacou pela força de sua ação comunitária nos bairros de Curitiba, especialmente no bairro Uberaba. Prestando auxílio como conselheiro comunitário nas igrejas, ministrando palestras, colaborando com escolas e outras entidades onde a cidadania é exercida, Angelo sempre personificou a honestidade e perseverança do cidadão.

Grande conhecedor da história brasileira e mundial é compositor, poeta e escritor com 4 livros publicados - além de outros ainda inéditos. Angelo, além de participar da União Brasileira de Trovadores- UBT/Curitiba, do Centro de Letras do Paraná, da Academia Paranaense da Poesia (Cadeira 37) e da Academia de Cultura de Curitiba, fez parte da Comissão Municipal de Incentivo a Cultura da Cidade de Curitiba, contribuindo assim para arte e expressão cultural genuínas de nossa cidade.

Foi Juiz vogal da 18ª Vara do Trabalho de Curitiba. Por insistentes pedidos de amigos, familiares e da população, Angelo candidatou-se ao cargo de Vereador na eleição municipal de Curitiba no ano de 2000, sagrando-se mandatário da confiança popular, sendo então eleito pela primeira vez Vereador de Curitiba.

Foi reeleito para mais um mandato consolidando sua posição de defesa dos interesses da população curitibana. Na Câmara Municipal de Curitiba, além das suas atribuições como vereador presidiu a Comissão Permanente de Educação, Cultura, Bem Estar Social e Ecologia nos anos de 2001 e 2002.

Atualmente é membro da Comissão de Legislação, Justiça e Redação, da Comissão de Educação e Cultura e da Comissão do Eixo-Metropolitano, da CPI das Invasões, do Comupa e da Comissão de Revisão da Lei Orgânica de Curitiba, além de participações anteriores na Comissão de Economia, Finanças e Fiscalização, da CPI da Telefonia, da CPI das Águas, da CPI das Funerárias e da CPI dos Combustíveis.

Eis a relação de Obras já publicadas pelo:

No Universo das Rimas - Poemas, Versos, Temas
Poetas da Feira e da Pátria Brasileira
Remediando Com Pílulas de Poesia
Contos do Balcão
Livreto Comemorativo - Bodas de Ouro de Francisco e Laura, Uma História de Amor

Fonte:
http://www.angelobatista.com.br/

Reinoldo Atem (Aquarelas Marinhas)


Prefácio

Após umas férias de um mês, há uns dez anos atrás, encantei-me pelo lugar e, a partir de então, tenho ido todos os anos com a família.
As paisagens marinhas e praias desertas, tendo ao fundo os recortes azuis da Serra do Mar, o trabalho dos pescadores, as dificuldades da pesca, as salgas do camarão, o temperamento afável do povo local, tudo isso nos faz querer retornar sempre.

As conversas de balcão de bar entre os pescadores, o perigo das águas-vivas numerosas, que vêm dar à praia e queimam nossa pele, podendo causar febre e vômito.
A graça dos sirizinhos garoçás, correndo enfiar-se em seus buraquinhos, a qualquer aproximação, erguendo as garrinhas brancas para defender-se.

As gaivotas numerosas voando em bandos nas alturas ou rasante sobre a água para agarrar algum peixinho. Os golfinhos que acompanham a movimentação dos barcos.
A maresia cheirosa e acolhedora, o vai-e-vem das marés.
Todos esses aspectos, em seu conjunto, formam um ambiente admirável, para quem vive nas cidades grandes.

Os animais endêmicos: o mico-leão-da-cara-preta e o papagaio chauá, o jacaré do papo-amarelo.
As moças caiçaras, bonitas e tímidas, habitando lugarejos variados, ao pé da serra, à beira d'água, escondidos nos recantos da Baía de Paranaguá, tão cheia de ilhas habitadas por gente do mar.

A Ilha de Superagüi, que antes era uma península, foi comprada toda, por volta de 1850, pelo cônsul geral da Suíça, em São Paulo, para planos de colonização da Ilha. Juntos vieram italianos, franceses, alemães.
Anteriormente, foi por lá que começou o povoamento do Paraná, pois, para quem vinha ao sul pelo mar, era o primeiro pedaço de terra paranaense encontrado.

Hoje é uma vila de pescadores artesanais, que sofrem concorrência das traineiras profissionais de fora, que lhes tiram o pescado, sem qualquer preocupação dos poderes públicos com a saúde e a sobrevivência daquela população afável e carente.

Reinoldo Atem

Radicou-se no Paraná aos quatro anos de idade, já tendo virado curitibano. Começou a interessar-se por literatura bem cedo, antes dos quinze anos de idade, lendo e escrevendo, principalmente poesia. Em Londrina, onde morava na época.

De volta a Curitiba, por volta dos vinte e cinco anos de idade começou a publicar por conta própria poesias e contos. Tem um livro de contos intitulado "Eterna Primavera". E vários de poesia: "Urbe Urge", "O Sopro de Tudo", "O Aprendizado da Vida", "Sob o Céu do País. Tendo também participado de várias coletâneas de prosa e poesia. Tem uma novela sobre a época da ditadura militar, intitulada "1971", uma metáfora sobre a repressão.

Naquela época, ainda, fundou em Curitiba, com alguns amigos escritores, a Editora Cooperativa de Escritores, que teve participantes de vários estados, em âmbito nacional. Mais tarde, fundou também em Curitiba, com outros amigos, de várias áreas das artes, o Movimento ZéBlue, que publicou revistas culturais abrangentes, expondo o trabalho de músicos, fotógrafos, escritores.

Editou por conta a revista cultural Outras Palavras, antes que Caetano Veloso lançasse o disco de mesmo nome. Foi elogiado, na Gazeta do Povo, em artigos de Miguel Sanches Neto e Wilson Martins, pelo seu trabalho de poesia.

Agora, volta à prosa com o livro Aquarelas Marinhas, retratando uma parte distante e desconhecida do Paraná, contando sua história e a vida dos pescadores artesanais.

FONTE:
http://reinoldoatem.com.br/

Folclore Japonês (Tanabata)


Através do céu estrelado de uma noite de verão, é possível avistar duas estrelas, em lados opostos: Altair e Vega. Dizem que estas duas estrelas foram, há muito tempo, um homem e uma mulher, que agora só se encontram um vez por ano, no sétimo dia do sétimo mês, 7 de julho. A lenda a seguir é a história dos dois.

Era uma vez um homem, chamado Mikeram. Um dia, quando voltada do trabalho e andava perto de um lago, avistou uma manto preso a uma árvore. Era feito de tecidos finos, muito bonito e brilhante. “Que lindo manto! Deve valer uma fortuna”, pensou o rapaz. Ele pegou o manto e guardou consigo.

“Com licença senhor”, ouviu alguém dizer enquanto se preparava para ir embora. “O senhor viu o meu manto, ele estava aqui, sobre esta árvore?” Mikeram mentiu, “não, não vi nada parecido com um manto aqui”. “Ai, como voltarei agora para o meu reino, acima das nuvens, sem meu manto eu não consigo.”, disse a jovem mulher.

Ela se chamava Tanabata. Mikeram apaixonou-se pela linda mulher à primeira vista e tinha medo que, ao devolver o manto, ela partisse para longe. “Venha comigo, você pode ficar na minha casa enquanto não encontra seu manto sagrado”.

Eles se casaram e viveram juntos por alguns anos. Mas Tanabata olhava para as estrelas todas as noites, ela tinha muita saudade de seu reino. Todos os dias Mikeram saía para trabalhar e Tanabata ficava em casa, com os passarinhos. Um belo dia, ela viu um passarinho bicando algo no telhado e logo percebeu que era o seu manto.

“Então foi Mikeram que pegou meu manto, ele sabia o tempo todo”. Preparou-se para partir, vestiu seu manto e ia subindo, quando ouviu Mikeram gritando. “Você encontrou seu manto, me perdoe, não vá, eu te amo”. Tanabata gritou, “Se realmente me ama, faça mil pares de chinelos e enterre-os perto de um broto de bambu. Assim nós nos encontraremos novamente, eu estarei esperando”. E partiu voando.

Assim, dia após dia e noite após noite, Mikeram produziu chinelos e mais chinelos. Quando finalmente conseguiu juntar mil pares, correu para um broto de bambu e os enterrou. De repente, o bambu cresceu e cresceu. Sem perder tempo, Mikeram subiu até as nuvens. Mas, quando chegou perto do topo, percebeu que não havia mais árvore para subir e ainda faltava um pouco para chegarão topo. Na verdade, ele havia errado na conta, construíra somente 999 pares de chinelo.

“Tanabata, Tanabata, me ajude a subir, sou eu, Mikeram”. Tanabata ouviu os gritos do marido e correu para ajuda-lo. Quando ele finalmente conseguir subir, os dois se abraçaram. Mas de repente, ouviram um grito, “quem é você?”, perguntou o pai de Tanaba a Mikeram.

“Ele é meu marido e eu o amo”, disse Tanabata. O pai não gostou nada de Mikeram, ele era de outro reino e não servia para sua linda filha. “Para ficar aqui, meu rapaz, você terá que cumprir algumas tarefas. Está vendo aquelas cestas, eu quero que você plante todas as sementes que estão nelas”. “Sim, senhor, farei isso.”, respondeu timidamente Mikeram.

Havia milhares de sementes e ao final de três dias, Mikeram plantara todas. “Mas, o que significa isso? Você plantou as sementes no campo errado”, disse o pai, enfurecido. “Você terá que plantar todas novamente e rápido”, ordenou. Pobre Mikeram, levaria anos para achar todas as sementes e planta-las novamente.

Felizmente, Tanabata teve uma grande idéia: chamou seus pássaros de estimação e pediu para que eles achassem e replantassem todas sementes, juntos com outros pássaros amigos. Assim, o céu ficou coberto de pássaros, que cumpriram a tarefa.

O pai de Tanabata mal pode acreditar no que viu. Logo pensou em outra tarefa difícil para Mikeram: ele deveria cuidar da plantação de melancias por três dias e três noites, sem comer ou beber nada. “Tome muito cuidado, Mikeram, melancias são frutas sagradas no meu reino”, advertiu Tanabata, “não coma uma sequer.”

Após dois longos e cansativos dias, Mikeram estava exausto, como muita fome e sede. Ele não resistiu e abriu uma das milhares de melancia. De repente, uma enorme quantidade de água jorrou da melancia, como um rio turbulento, arrastando Mikeram para longe, muito longe do reino das estrelas e de Tanabata.

A partir deste dia, Tanabata e Mikeram se encontram somente uma vez por ano, no dia 7 de julho. Nesta data, o pai de Tanabata convoca todos os pássaros do reino para formar uma grande ponte, que leva Mikeram a Tanabata.
(autor desconhecido)
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O Festival Tanabata, ou Festival das Estrelas, combina tradição chinesa com crenças japonesas. Tanabata celebra o encontro de dois amantes míticos simbolizados pelas estrelas: Kengyu (a estrela Altair) e Shokujo (Vega). Estão separados pela Via Láctea, mas reúnem-se uma vez por ano, nos princípios de Julho. Muito famoso, o Festival Tanabata efetua-se de 6 a 8 de Agosto em Sendai, no distrito de Miyagi. Cada família local ergue um poste de bambu, profusamente decorado com tiras de papel colorido. As decorações mais elaboradas são colocadas ao longo das ruas do comércio. Dos tetos dos centros comerciais pendem centenas de decorações em papel, cada uma com mais de dez metros de altura. Na véspera do Festival Tanabata de Sendai, os organizadores montam uma fantástica exibição de mais de 10 mil peças de fogo de artifício para os dois milhões de turistas que assistem. O Tohoku Shinkansen (comboio rápido) leva-os de Tóquio a Sendai em pouco mais de duas horas
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Fonte:
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domingo, 8 de novembro de 2009

Carlos Leite Ribeiro (O Papel)


O papel, tal como o conhecemos hoje, teve origem na China, misturando cascas de árvores e trapos de tecidos. Depois de molhados, eram batidos até formarem uma pasta. Esta pasta, depositada em peneiras para escorrer a água, depois de seca em superfícies planas, tornava-se uma folha de papel.

Na Europa, no final do século XIII, começa uma outra revolução no mundo da escrita: a substituição do pergaminho pelo papel. No entanto, a história do papel como suporte da escrita remonta ao ano 105 depois de Cristo e tem como protagonistas os chineses.

Dados históricos mostram que o papel foi muito difundido entre os árabes, e que foram eles os responsáveis pela instalação da primeira fábrica de papel na cidade de Játiva, Espanha, em 1150 após a invasão da Península Ibérica.

No final da Idade Média, a importância do papel cresceu com a expansão do comércio europeu e tornou-se produto essencial para a administração pública e para a divulgação literária. Johann Gutenberg inventou o processo de impressão com caracteres móveis.

Antes da invenção do papel, o homem se utilizava de diversas formas para se expressar através da escrita. Na Índia, eram usadas as folhas de palmeiras. Os esquimós utilizavam ossos de baleia e dentes de foca. Na China escrevia-se em conchas e em cascos de tartaruga. As matérias primas mais famosas e próximas do papel foram o papiro e o pergaminho. O primeiro, o papiro, foi inventado pelos egípcios e apesar de sua fragilidade, milhares de documentos em papiro chegaram até nos. O pergaminho era muito mais resistente, pois se tratava de pele de animal, geralmente carneiro, bezerro ou cabra e tinham um custo muito elevado.

Os Maias e os Astecas guardavam seus livros de matemática, astronomia e medicina em cascas de árvores, chamadas de "tonalamatl".

A palavra papel é originária do latim "papyrus". Nome dado a um vegetal da família "Cepareas" (Cyperua papyrus). A medula dos seus caules era empregada, como suporte da escrita, pelos egípcios, há 2 400 anos antes de Cristo. Entretanto foram os chineses os primeiros a fabricarem o papel como o actual, começando a produção de papel a partir de fibras de bambu e da seda.

A invenção do papel feito de fibras vegetais é atribuída aos chineses. A invenção teria sido obra do ministro chinês da agricultura Tsai-Lun, no ano de 123 antes de Cristo. A folha de papel fabricada na época seria feita pela fibra da Morus papyrifer ou Broussonetia papurifera, Kodzu e da erva chinesa "Boehmeria", além do bambu. Por volta do ano 610 depois de Cristo., os monges coreanos Doncho e Hojo, enviados à China pelo rei da Coreia disseminaram o invento pela Coréia e também pelo Japão. Entre os prisioneiros que chegaram a Samarkand (Ásia Central), havia alguns que aprenderam as técnicas de fabricação. O papel fabricado pelos samarkandos e coreanos, mais tarde, passaram a ser feitos com restos de tecidos, desprezando-se os demais materiais fibrosos.

Por volta de 795 instalou-se em Bagdad (Turquia) uma fábrica de papel. A indústria floresceu na cidade até o século XV. Em Damasco (Síria), no século X, além de objectos de arte, tecidos e tapetes, se fabricava o papel chamado "carta damascena", que se exportava ao Ocidente.

O Papiro: muito da História do Egipto nos foi transmitido pelos rolos de papiro encontrados nos túmulos dos nobres e faraós. Foram os egípcios que, por volta de 2200 antes de Cristo, inventaram o papiro, espécie de pergaminho e antepassado do papel.

Papiro é uma planta aquática existente no delta do Nilo. Seu talo em forma piramidal chega a ter de 5 a 6 metros de comprimento. Era considerada sagrada porque sua flor, formada por finas hastes verdes, lembra os raios do Sol, divindade máxima desse povo. O miolo do talo era transformado em papiros e a casca, bem resistente depois de seca, utilizada na confecção de cestos, camas e até barcos.

Para se fazer o papiro, corta-se o miolo do talo - que é esbranquiçado e poroso - em finas lâminas. Depois de secas em um pano, são mergulhadas em água com vinagre onde permanecem por seis dias para eliminar o açúcar. Novamente secas, as lâminas são dispostas em fileiras horizontais e verticais, umas sobre as outras. Esse material é colocado entre dois pedaços de tecido de algodão e vai para uma prensa por seis dias. Com o peso, as finas lâminas se misturam e formam um pedaço de papel amarelado, pronto para ser usado.

De papiro, deriva-se a nossa palavra papel. O seu uso na escrita vem de 3000 antes Cristo, era o Pergaminho, que é pele de animal, curtida e polida utilizada na escrita. Vem dos primórdios da era Cristã.

A palavra Bíblia, que quer dizer livro, deriva do nome do porto de Biblos, no Líbano, que era o principal porto de exportação de rolos de papiro. Na literatura egípcia de 2.500 antes de Cristo, já se encontram tratados científicos de medicina, textos religiosos, manuais e mesmo obras de ficção científica! Em particular, a história das aventuras do faraó Snofru, pai de Quépis, é um verdadeiro romance de antecipação de invenções extraordinárias, de monstros e máquinas.

Em 2200 antes de Cristo, usava-se para pinturas e registos da época, algo como pergaminhos: o papiro. Na verdade o papiro é uma planta aquática, originária do Delta do Nilo. Sua família científica é Cyperus Papyrus. Os antigos egípcios extraiam a casca da planta e a usavam para artesanatos, camas e barcos. O miolo era cortado em finas tiras que, depois de secas em um pano, eram mergulhadas em água com vinagre, permanecendo ali por seis dias.

Existe um antigo papiro egípcio escrito por volta de 2000 antes de Cristo, que nos conta da existência de um mágico chamado Dedi. O relato, nos conta à história de sua incrível performance perante a corte do faraó Queops. Dizia-se que era capaz de colocar a cabeça de volta em corpos decapitados fazendo-os voltar à vida, entre outros truques. De seu número perante a corte, diz-se que lhe trouxeram um ganso decapitado, o qual ele pôs do lado oeste da sala, e com algumas palavras mágicas fez com que a cabeça voltasse ao sítio.

O primeiro jogo de adivinhação inventado pelo ser humano, e também o provável primeiro jogo de palavras da História, faz parte do folclore oral da maioria dos povos desde tempos imemoriais, assim como as lendas e os mitos. O Livro dos Recordes, o mais antigo quebra-cabeças matemático também é uma adivinha, encontrada num papiro egípcio datado por volta de 1650 antes de Cristo.

Na história da origem da anatomia, o mais antigo tratado anatômico existente é um papiro egípcio escrito por volta de 1600 antes de Cristo . Ele demonstra que o coração, fígado, baço, rins, ureteres e vesícula já eram conhecidos. Os egípcios acreditavam que a causa da dor estava na possessão de deuses ou espíritos. A história da prática médica egípcia está descrita em sete papiros, entre os quais o papiro de Georg Ebers de 1550 antes de Cristo é o mais extenso e que contempla descrições de varias doenças, os tratamentos médicos, encantamentos e feitiços. Há evidências de que os egípcios também buscaram outras explicações além das causas divinas para a causa das doenças.

Outro papiro Egípcio importante é o de Ebers, que relata casos que envolvem a causa orgânica do esquecimento, depressão e outras condições clínicas importantes. A prática Cirúrgica e as Civilizações Sul-Americanas. A história do cérebro e dos comportamentos, sempre esteve intimamente relacionada com praticas de abertura cirúrgica do cérebro e procedimentos neurocirúrgicos de craniotomia. Essa cirurgia, extremamente difícil, tem sido feita desde o período paleolítico até os dias actuais. Importante notar que nem todas craniotomias foram feitas por problemas de traumatismo cranianos, e que evidências de cérebros que passaram por trepanação. Os instrumentos mais antigos encontrados, para tais cirurgias eram compostos de pedras, mas com o advento de novas tecnologias começam a serem empregados instrumentos feitos de ferro e bronze.

Voltando ao papel, o seu fabrico é a madeira, a sua obra-prima mais importante. Até um passado recente foi utilizada, principalmente, a madeira das coníferas, com predomínio do pinheiro e do abeto, mas actualmente emprega-se cada vez maior quantidade a madeira de árvores caducifólias, com maior incidência para o álamo, a bétula e o eucalipto.

Definitivamente aceite, com relativa exatidão, a data da invenção do papel, no ano de 105 da era Cristã, na China. O seu inventor, Ts’ai Lun, apresentou ao imperador Ho Ti informação sobre o seu processo baseado no emprego de cascas de árvores, Cânhamo, trapos e velhas redes de pesca como principais matérias primas. O segredo do fabrico do papel foi ciosamente guardado durante cerca de sete séculos, tendo o isolamento e as dificuldades de comunicação ajudando a impedir a propagação do invento.

O fabrico do papel foi introduzido, porém, no Japão, onde já era conhecido no ano 611 e, mais tarde, viria a estender-se a outras regiões em desenvolvimentos históricos. O papel chegou à Península Ibérica, após a invasão árabe tornou possível a primeira fábrica, em 1150, em Xativa (Valência), que foi a primeira fábrica na Europa.

Em Portugal é aceite que a utilização do papel remonta ao reinado de D. Dinis. Quanto ao seu fabrico, os primeiros engenhos foram levantados no arredores da cidade de Leiria, junto ao rio Lis, por Gonçalo Lourenço de Gomide, escrivão da puridade de D. João I, que em 1411 recebeu dois moinhos em ruínas por escambo celebrado com as freiras de Santa Clara de Coimbra. Posteriormente aparecem as fábricas da Batalha em 1514, de Fervença (perto de Alcobaça) em 1537 e de Alenquer em 1565. Portugal, porém, não era auto-suficiente, e continuava a importar papel, nomeadamente de França e de Itália.

A fundação da fábrica da Lousã, em finais de XVII, provocou a expansão da industria do papel, aumentando a produção e a qualidade. Em 1802, Moreira de Sá fundou a fábrica de Vizela, segundo alguns estudiosos a primeira do mundo a fabricar pasta de madeira, pois até então era feita de trapos. No ano de 1863, existiam 52 fábricas produtoras de papel em Portugal.

Para o fabrico do papel, as matérias-primas, ou o conjunto de produção necessário ao seu fabrico, são a água, as diferentes pastas (mecânica, química, semimecânica, semiquímica, etc.), os papéis velhos, as cargas e os produtos auxiliares, cuja função é conferir ao papel qualidades complementares ou especiais, como a resistência, coloração, impermeabilidade, etc.

As pastas e os papéis velhos são desintegrados e libertos das impurezas grosseiras. Após as operações de depuração de refinação, a suspensão é diluída. As cargas e os produtos auxiliares são geralmente incorporados no decurso destas operações. As cargas utilizam-se essencialmente em papéis de escrita e de impressão para lhes aumentar os graus de opacidade e de brancura, embora lhes diminua o grau de resistência. As principais cargas utilizadas ao longo das várias épocas e para diferentes finalidades são constituídas por caulino, talco, carbonato de cálcio. Ultimamente, começou a ser utilizado, com vantagens qualitativas, carbonato de cálcio, farinha cálcio e magnésio, óxido e sulfureto de zinco.

Fonte:
Trabalho e pesquisa de Carlos Leite Ribeiro – Marinha Grande – Portugal. Portal CEN.

Walter Galvani (Mal Rompe a Manhã...”)

Amanhecer em Alcafache (pintura em pastel s/cartolina)
de Eduardo Soares Pereira Leitão
Por força das circunstâncias e uma longa atividade jornalística, acabei formatando (como diriam os viciados em informática) um estilo que se caracterizava por deitar tarde e levantar tarde. Depois a corrupção de costumes foi completada com o trabalho em um vespertino (sonho e glória de muitos jornalistas, mas hoje quase completamente expurgado do mercado pelo advento das televisões e as confusões do trânsito) que me propiciava a chance de dormir cada vez menos e misturar cada vez mais os horários.

O tempo foi fazendo seus habituais estragos, ventos de mais de cem quilômetros passaram a se tornar presentes em nossas vidas e meus relógios revolutearam também enlouquecidos. Hoje, levanto na hora em que antes ia deitar... E então, depois de um bom café à moda dos hotéis brasileiros, sento-me diante do computador. Tomo conhecimento do correio eletrônico, recebo e respondo as mensagens mais urgentes ou mais caras e começo a dedilhar em busca do primeiro texto ou da continuação do que venho transacionando comigo mesmo.

Como diria o velho e insubstituível Drummond: “A luta com as palavras/ é luta vã/ No entanto lutamos/ mal rompe a manhã!”

Hoje um texto curto, amanhã um artigo para uma revista, depois o romance, ah sim, o romance, desafiador, que ressurge sempre, estocado na memória do computador e que a um simples toque deixa seu esconderijo virtual e perpassa minha tela à espera da continuidade, ou para sofrer pacientemente as retificações. Entusiasmo-me e levo adiante, aproveitando o momento propício que se criou e que se repete todo o santo dia, menos aquele que sou obrigado a excluir para devotá-lo integralmente à incineração diante das necessidades prosaicas de vida bancária ou profissional jornalística, algo que me dá um prazer sofrido e condenado.

Certa vez, perguntaram a Pablo Picasso se ele acreditava em inspiração. “Sim, claro - foi sua resposta imediata. Sempre que ela chega me encontra trabalhando”.

E assim é, como foi hoje mesmo e como será amanhã. Cercado por livros, amigos e necessários apoios, com os dicionários alinhados à minha espera, e as fotos da minha mulher e das minhas filhas, como ícones capazes de me garantirem a tranqüilidade, sigo martelando com vigor datilográfico (velhas máquinas Remington e Olivetti) o teclado onde deveria pousar levemente a polpa dos dedos, num exercício de balé eletrônico. Minha digitação acompanha com o seu ritmo o progresso do meu pensamento, que, naturalmente por vezes ultrapassa a velocidade da sua conversão em matéria.

Vá lá, vá lá, ando para trás e para diante, retomo e súbito, um gesto desastrado destrói o que já se acumulava, é preciso recomeçar e eis que o telefone toca.

O recomeço é sempre mais difícil, é como descer um patamar do sonho, é um recuo e aos poucos vou deixando a minha identificação com o vôo. Os cães latem. Há uma nova retomada. Agora reviso o que fiz, retoco, reescrevo, ponho a dourar, reservo e estoco no fundo do misterioso computador. Amanhã, quando a manhã começar, descongelo e retomo o ritmo, procurando rapidamente acertar o passo, antes do mergulho.

Durante o restante do dia, viajo. Entrego-me a outras atividades, sinto que preciso fazer algumas anotações, faço exercícios de memória, mas o texto está lá, distante, ainda não o imprimi para que possa senti-lo, cheirá-lo e mostrá-lo quem sabe a alguém que possa perceber o que estou pretendendo dizer e confirmar-me que recebeu a mensagem, totalmente.

Perco minhas lembranças durante o dia, envolvido na movimentação, nos contatos, nos telefonemas, no trabalho e nas leituras. Os jornais, com textos tão dispersos e tão pouco inspiradores, ou os artigos retirados e reservados para leitura posterior. Há, sim, os livros que estão sendo lidos, religiosamente. Salto de um para o outro, vejo pouquíssima televisão, um pouco mais antes de preparar o sono, e diante de mim, outra vez a manhã.

E puxo então novamente da memória do computador o texto que dormiu o sono justo do esquecimento e lá está ele, implacável, a me cobrar a continuidade. Não, hoje não, ainda não está maduro, a digitação só vai perturbar o que está consolidado, mando-o de volta para sua caverna eletrônica.

Quando termino aquela jornada, alinho a nítida impressão de que desperdicei um dia de minha vida e com este sentimento venenoso faço todo o giro habitual, novamente o sono e outra vez o despertar com a expectativa de que, hoje sim, farei ressurgir do poço fundo do esquecimento, em todo o seu esplendor o que estou buscando botar de pé. Vejo e revejo os erros, hoje mais claros do que anteontem. Refaço, registro, faço o salvamento necessário para que seja aproveitado e sigo adiante. Outra vez o mesmo sofrimento, mal rompe a manhã...”
Portanto, de hoje em diante, “nenhum dia sem uma linha”.
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Fonte:
http://www.escritoresdosul.com.br/