terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Guerra Junqueiro (A Serpente Branca)


Era uma vez um rei cuja sabedoria tinha fama por todo o mundo. Não havia nada que ele não soubesse, parecia até que o próprio ar lhe trazia notícias das coisas mais secretas. Tinha porém um costume esquisito: todos os dias, no fim do jantar, quando já não estava ninguém à mesa vinha um criado da sua confiança que lhe trazia um prato coberto. Nem o criado nem ninguém sabia o que lá vinha dentro, porque o monarca não o destapava, nem de lá comia enquanto não estivesse só.

Havia muito tempo que durava aquele costume, até que um dia o criado, não podendo resistir à tentação de ver o interior do prato levou-o e, às escondidas, destapou-o. Estava lá dentro uma serpente branca. O criado assim que a viu quis provar um bocado. Apenas lhe chegou com a língua, começou a ouvir diante da janela uma conversa de vozinhas muito delicadas.

Aproximou-se e viu que era um bando de pardais conversando uns com os outros e contando o que tinham visto pelos campos e pelos arvoredos. O sabor da cobra tinha-lhe dado a virtude de entender a linguagem de todos os animais.

Aconteceu nessa ocasião perder a rainha o mais lindo dos seus anéis; e, como o criado de confiança tinha entrada em toda a parte, suspeitou que seria ele quem lho teria roubado. O rei mandou-o chamar à sua presença, e disse-lhe ameaçadoramente: «Se até amanhã não descobrires o ladrão, é porque foste tu que roubaste o anel, e nesse caso mandar-te-ei matar». Por mais que o criado jurasse a sua inocência de nada lhe valeu.

O pobre rapaz, aflito e consternado, desceu a um pátio do palácio, e pôs-se a matutar no modo de sair daqueles apertos. Havia ali um arroio onde nadavam muitos patos: uns mergulhavam, outros alisavam as penas com o bico, muito satisfeitos e faladores. O criado pôs-se a escutar o que diziam. Contavam eles por onde tinham passado a manhã, e as: boas coisas que tinham comido. Um deles queixou-se então: «Sinto uma coisa pesada no estômago, e parece-me que é um anel que estava debaixo da janela da rainha, e que eu engoli sem querer». O criado que tal ouviu, lançou-lhe logo as unhas ao pescoço, levou-o à cozinheira e disse-lhe: «Mata-o que está bem gordo». A cozinheira tomou-lhe o peso e retorquiu: «Está, está, e não lhe custou muito a engordar: já devia estar assado há muito». Dito isto cortou-lhe o pescoço, e lá se lhe encontrou no estômago o anel da rainha.

O criado ficou alegríssimo por levar ao rei a prova da sua inocência. E disse-lhe o rei: «Pede-me o que queiras, tudo te concedo. Desejas o melhor lugar na minha corte?» O rapaz respondeu-lhe que nada queria a não ser um cavalo e dinheiro para viajar, ir correr mundo. O rei satisfez-lhe o pedido, e ele pôs-se a caminho. Um dia chegou ao pé de um grande poço, e viu três peixes presos a umas grandes canas, fazendo muitos esforços para chegar à água, lastimando-se de ali morrerem à sede, morte tão miserável. O rapaz que era bondoso, apeou-se e soltou os peixes que foram à água.

Os peixes ficaram muito contentes, e disseram para o rapaz: «Deixa estar que não nos havemos de esquecer, e ainda um dia te recompensaremos de nos salvares da morte».

O rapaz montou de novo, e ia já a caminho quando julgou perceber uma voz que saía da areia, mesmo debaixo das patas do cavalo. Pôs-se à escuta e pareceu-lhe a voz de uma rainha das formigas que dizia: «Ainda que os homens como os animais ignorantes se arredem de nós, vem agora este estúpido cavalo pisar sem piedade a minha pobre gente com as suas patas pesadas!» Ele então desviou o cavalo e a rainha das formigas disse-lhe: «Ainda um dia te havemos de dar os agradecimentos e a recompensa».

Foi continuando o seu caminho, até que chegou a uma floresta onde encontrou dois corvos a atirar com os filhos fora do ninho e que lhes diziam: «Fora daqui, seus patifes, não estamos já para vos aturar, já sois muito grandes, ide tratar da vossa vida».

Os pobres corvitos ficaram estendidos no chão, a bater as asitas e choramingando: «Ai! coitadinhos de nós, que somos tão pequeninos e ainda não sabemos voar. Quem nos dará de comer! que há-de ser de nós senão morreremos de fome!» Então o bondoso rapaz apeou-se, matou o cavalo, e deixou-o para os corvos terem de comer. Eles foram chegando-se aos pulinhos: mataram a fome e no fim disseram muito contentes: «Deixa estar que ainda te havemos de agradecer e recompensar».

O rapaz continuou o seu caminho a pé, e depois de ter andado muito, chegou a uma grande cidade. Havia muita gente pelas ruas, e apareceu um homem a cavalo, que deitou este pregão: «A filha do rei deseja um noivo, quem a pretender há-de fazer duas coisas muito difíceis, mas se não conseguir fazê-las o rei manda-o matar». Todos os que se tinham apresentado morreram sem proveito; mas o rapaz, assim que viu a filha do rei, ficou tão fascinado da sua grande formosura, que esqueceu todos os perigos e foi-se apresentar ao rei a pedir a mão da princesa.

Levaram-no à borda do mar, e a sua vista atiraram com um anel às ondas. O rei disse-lhe então: «Hás-de ir buscar o anel ao fundo do mar, mas se voltares sem ele serás lançado outra vez ao mar e lá morrerás». Todos lamentaram a sorte do pobre moço, e deixaram-no sozinho à beira do mar. Pensou muito tempo no que devia fazer, quando viu três peixes que vinham nadando: eram os três peixes que ele salvara da morte. O do meio trazia uma concha na boca, e lançou-a na areia, mesmo aos pés do rapaz. Quando este a abriu, achou-lhe dentro o anel de ouro. Ficou muito contente e foi-se logo ao rei a ver se lhe dava a recompensa prometida. A filha do rei quando soube que ele era homem de baixa condição, repeliu-o e declarou que só casaria com ele se fizesse o que ela mesma lhe mandasse.

Então desceram todos ao jardim, e a princesa entornou pela relva dez sacos cheios de sementes muito pequeninas. Depois disse para o rapaz: «Amanhã antes de nascer o dia hás-de trazer-mas todas outra vez, sem faltar uma só».

O pobre rapaz ficou no jardim a pensar na maneira por que havia de satisfazer o desejo da princesa; nada lhe lembrava e já estava muito triste à espera de nascer o Sol, sem esperança de se furtar ao cruel destino. Mas assim que despontou a madrugada viu os dez sacos todos cheios, sem lhes faltar uma semente. É que a rainha das formigas tinha vindo durante a noite com todo o seu formigueiro e aqueles gratos animaizinhos recolheram as sementes uma a uma, e com todo o cuidado, para que nem um só grão escapasse.

A princesa veio ao jardim, e qual não foi o seu espanto ao encarar o rapaz, que fizera tudo o que lhe tinha exigido! Todavia, como era orgulhosa, não queria ainda ceder, e disse-lhe: «É verdade que resolveste as dificuldades que te apresentaram, mas não serás meu esposo, sem que aqui nos tragas um ramo da árvore da vida.

O pobre moço não sabia onde estava a árvore da vida, mas pôs-se a caminho, com tenção de ir andando, enquanto pudesse, mas já sem esperança de encontrar o que buscava. Já percorrera três remos, quando chegou de tarde a uma floresta, muito cansado e moído, e sentou-se debaixo de uma árvore com vontade de ali mesmo adormecer; passados instantes sentiu um pequeno ruído na folhagem da árvore, caiu-lhe nas mãos um pomo de ouro; ao mesmo tempo esvoaçavam por cima dele três corvos, que lhe foram pousar nos joelhos e lhe disseram: «Nós somos os três corvos que tu salvaste de morrer à fome; quando já éramos grandes e ouvimos dizer que buscavas um pomo de oiro, deitámos a voar por cima do mar até chegarmos ao fim do mundo, que é onde está a árvore da vida, e de lá trouxemos o fruto que procuravas».

O rapaz, todo alegre e contente, voltou ao palácio do rei a entregar à bela princesa o pomo colhido na árvore da vida. A princesa, que já não podia vir com novos subterfúgios, partiu o fruto ao meio e ambos comeram dele. Assim que a princesa acabou de comer, sentiu o coração tão cheio de ternura, que logo casou com o bom do rapaz, e ambos viveram muito felizes até aos cem anos de idade.

Fonte:
Guerra Junqueiro. Contos para a infância.

A. A. de Assis (A Província do Guairá: Um pouco da história do antes de Maringá) Parte 8, final


RUMO À TERRA ROXA

-Foi nessa época que o café chegou a São Paulo, onde encontrou canteiro ideal: as prodigiosas terras roxas, cujas primeiras manchas encontravam-se na região de Campinas. Era o ponto de partida para a mais significativa arrancada de que se tem notícia na história da economia brasileira. Na terra roxa os cafezais passaram a produzir o dobro, muitas vezes o triplo daqueles cultivados em outros solos.

-Como se explica essa força da terra roxa?

-Isso é coisa para ser explicada por especialistas, porém já li que há cerca de 180 milhões de anos ocorreram derrames basálticos em vastas áreas hoje pertencentes a São Paulo e ao Paraná, dando origem a esse tipo de solo. A natureza costuma operar maravilhas em seus misteriosos laboratórios. O fato é que essas terras, graças àquele enxerto químico, adquiriram nova coloração e extraordinária fertilidade. Pois bem: com tal canteiro à sua disposição, os fazendeiros paulistas formaram um verdadeiro “mar de café”, obtendo fartos,
lucros cujos excedentes passaram a ser diversificados. Cresceu o comércio, construíram-se estradas de ferro e usinas de eletricidade, e surgiram as primeiras grandes indústrias.

-São Paulo assumiu o papel de locomotiva...

-Com dinheiro sobrando, São Paulo nunca mais parou de crescer, para tornar-se em menos de um século o maior centro social, político e econômico da América do Sul. A locomotiva disparou!

-Campinas disparou junto...

-Campinas foi o marco inicial dessa nova era, passando a centralizar o comércio cafeeiro, que antes dera vida às cidades do Vale do Paraíba: Bananal, Parati, Queluz, Pindamonhangaba e outras. A partir de Campinas, seguindo os rastros da terra roxa, o café expandiu-se para oeste e sudoeste. Tamanha era a produção, que não podia mais ser transportada em lombo de burro. Daí a urgente necessidade de se construir ferrovias: a Sorocabana, a Mojiana, e a fantástica Santos-Jundiaí, que venceu o bloqueio da serra do Mar e passou a levar o café diretamente ao porto.

-E o trem chegou ao Paraná...

-E me trouxe até Londrina.

-Já existia Londrina?

-Estava ainda com cheiro de mato, porém já fervilhando. E como lhe disse no início, em Londrina permaneci durante dez anos, dali partindo em 1942 para me estabelecer definitivamente em Maringá.

-E então...

-Então testemunhei desde a primeira hora a fascinante história desta cidade. Mas aqui podemos encerrar a conversa, visto que o que dali por diante aconteceu é por demais conhecido de todos.

Rodrigo acendeu outro cigarrinho de palha, despediu-se, e nada mais me restou senão agradecer e pôr a fábula em ata.

FIM
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O e-book pode ser feito o download no blog do Assis http://aadeassis.blogspot.com

Fonte:
A. A. de Assis (A Província do Guairá: Um pouco da história do antes de Maringá). e-book. 2011
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Monteiro Lobato (Reinações de Narizinho) O Pó de Pirlimpimpim - VII – Melhor que o pó


Dona Benta recolheu-se muito cedo aquela noite, depois de tomar um calmante, aconselhado pelo barão. Já os meninos deitaram-se tarde. Ficaram a ver troféus de caça e a ouvir da própria boca do barão aventuras espantosas que nenhum dos seus livros conta. No pedaço mais interessante, porém, foram interrompidos pela chegada dum mensageiro vindo da Alemanha no galope, com carta do imperador. O barão leu-a e disse, muito aborrecido:

— Que maçada! Tenho de partir incontinenti para meu país, que acaba de declarar guerra aos turcos. O imperador está aflito pela minha volta.

— E nós? — perguntou Pedrinho.

— Vocês podem ficar no castelo quanto tempo quiserem. Darei ordem aos criados para que os tratem como donos.

Disse e foi arrumar as malas. Minutos depois reapareceu para despedir-se.

— Até a volta, meninada! Quando a senhora dona Benta acordar, digam-lhe que senti muito não me despedir dela, mas que estarei sempre às suas ordens, na Alemanha ou na Turquia.

— Adeus, senhor barão! Volte logo...

— Traga um turco para mim! — gritou Emília.

No dia seguinte, quando dona Benta acordou e soube da inesperada partida do barão, sentiu de novo a pontada no peito.

Voltou a lamentar-se.

— Que será de mim agora, neste castelo sem dono, entre criados estranhos e com um vizinho feroz como o pássaro Roca? Ah, meu Deus, por que me deixei levar pela cabeça duma criança como Pedrinho? Estou recebendo o merecido castigo...

Os meninos ficaram inquietos. Naquele andar dona Benta acabaria doida. Era melhor levarem-na imediatamente para casa, apesar de tanta coisa que poderiam fazer naquele maravilhoso castelo do barão.

— Maçada! — exclamou Pedrinho aborrecido. — Andar com velha é isto. Nunca mais me meto em outra.

E voltando-se para dona Benta, de mau humor:

— Pare com a lamentação, vovó! Assim como eu a trouxe cá, levo-a para o sítio outra vez. Pare de torcer as mãos, que já me está deixando nervoso...

Tirou do canudo uma pitada de pó de pirlimpimpim e, sempre com maus modos, deu-lha a cheirar. Dona Benta cheirou o pó avidamente, como se cheirasse o pó da salvação. Com espanto geral, porém, o pó não fez efeito. Outra dose, e nada. Pirlimpimpim perdera a força... Molhara-se na água do mar quando Pedrinho entrou por ele adentro para acudir o burro. Pirlimpimpim agüenta tudo, menos sal.

E agora? O burro ninguém sabia dele, ficara na praia transformado em esfinge. A caleça tinha seguido com o barão para a Alemanha. Como voltar para casa? Estava Pedrinho coçando a cabeça, atrapalhado com o terrível problema, quando um rumor de asas se fez ouvir lá fora. Correu à janela e empalideceu. O pássaro Roca vinha vindo, veloz como um avião!...

— Lá vem a peste!... — exclamou o menino, mais pálido ainda.

— Socorro! — berrou dona Benta, feito uma louca. — Acudam!...

O momento era dos mais terríveis. Ninguém sabia o que fazer.

Todos corriam dum lado para outro, completamente desorientados. E aquilo acabaria muito mal se Emília não viesse como uma das suas grandes idéias.

— Fechem os olhos com toda a força! — berrou ela dando o exemplo.

Instintivamente todos obdeceram. Fecharam os olhos, com toda a força, como a gente faz nos sonhos quando vai caindo num precipício. Ficaram um minuto assim, Quando de novo abriram os olhos... estavam no sítio outra vez, perto da porteira! Dona Benta respirou aliviada e assoprou várias vezes, como quem está ressuscitando, depois disse aos meninos:

— Não contem nada a tia Nastácia para que ela não pense que estou caducando. Vamos fingir que estivemos na casa do compadre Teodorico.

Todos fizeram cara de quem vinha chegando da casa do compadre Teodorico, abriram a porteira e entraram. Mas deram logo com a preta de mãos na cintura, plantada na varanda, sacudindo a cabeça com ar de quem está ciente de tudo.

— Sim, senhora! — disse Nastácia, assim que dona Benta começou a subir a escadinha. — Já sei que encontrou o coronel Teodorico muito bem obrigado, não é?

Dona Benta armou a boca para pregar uma mentirinha, com um ar muito desconchavado, porque a pobre nunca havia mentido em toda a sua vida. A diaba da negra, porém, impediu-a disso.

— Não diga, sinhá — resmungou. — Já sei tudo. O burro veio na frente e me contou a história inteirinha, tintim por tintim...

A pobre dona Benta, muito passada, baixou os olhos e seguiu para o seu quarto sem dizer coisa nenhuma...

No dia seguinte chegou da cidade uma carta de dona Antonica chamando Pedrinho.

— Que maçada, vovó! — exclamou ele aborrecidíssimo.

— Justamente agora que temos o burro falante e tenho de ir embora!...

Mas que remédio? Quem o governava era dona Antonica, e portanto teve de arrumar a bagagem para seguir no dia seguinte.

No dia seguinte o cavalo pangaré foi arreado e bem cedo. Às seis horas Pedrinho tomou o seu café com mistura e montou.

— Adeus vovó! — exclamou antes de dar no cavale a primeira lambada. — Adeus, Narizinho! Adeus, tia Nastácia! Adeus, Emília. Adeus, Faz-de-conta...

— Adeus! adeus! — exclamaram todos, com os olhos úmidos.

Lept!... Uma lambada só — de leve, e o cavalinho partiu...

Antes, porém, que chegasse à porteira, Emília gritou-lhe que parasse.

— Você esqueceu de despedir-se do Visconde, Pedrinho! Ele também é gente... O menino sofreou as rédeas.

— Que idéia! Pois o Visconde não morreu, Emília?

— Morreu mas não acabou ainda! — replicou a boneca, correndo na direção dele com o resto do Visconde mão. Despeça se deste toco, que é bem capaz de virar gente outra vez.

Pedrinho riu-se e, para não descontentar a boneca tornou-lhe das mãos o toco de sabugo e fingiu que lhe dava um beijo. Em seguida deu outra lambada no cavalinho — desta vez com bastante força, e partiu no galope. Não queria que a boneca visse duas lágrimas que já iam pingando dos seus olhos...

FIM

Fonte:
LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. I. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Rosamel/RS (Poemas Avulsos)



VISÃO

Que aura tão linda desponta no mar
o sol e a lua ondas esperam galgar
Quem vem lá com vestido rendado
com mãos espalmadas e doce olhar

Trazendo na testa um raio estelar
ungindo seu povo em suave bailar
Ó mãe quem me dera que a tua visão
em mim derramasse tua mansidão

No mar minha casa deleito o olhar
e lá no horizonte fico a espreitar
Se vejo o encontro do povo do mar
que sacode e balança meu caramujar

Que bênçãos derrames em favos de méis
em perfumes de flores fartos farnéis
Em ondas que embrulham trazendo cabal
o mistério da lenda em grande final

E eu sonho e como sonho em dia claro
levantas nas ondas e contigo deparo
Em azul tão celeste crivado de estrelas
obrigada mamãe por deixar-me vê-las.

MINHA CAMA

Larga lisa e perfumada
Vestida de puro cetim
Ela está sempre arrumada
Cheirosa como um jasmim

Mas está tão solitária
Feito uma ilha isolada
Cansada de ser sedentária
E nunca está ocupada

As cenas não tem replay
Nem som, orquestra ou luz
Ainda resta um long play
Que dança no prato e conduz

Quem me dera voltar ao tempo
Em que a alcova era um ninho
E sem nenhum contra tempo
Devora a loba o cordeirinho

Ficou na minha lembrança
O cheiro da pele suada
Só restando a esperança
De ver a cama molhada

ANTI SOCIAL

Associei meu querer
ao amor que dizias ter.
Mas quebrei a cara
e minhálma dispara.
Ao perceber a traição
maldição...
Mais uma vez, lamento
e choro
por um amor fracassado.

Caminhei milhas
por duros anos
para esquecer
desenganos.
Tentei uma sociedade
amizade colorida
mas virou em ferida
esta ansiedade.
Pura maldade
E por não saber separar
o bem do mal
hoje.....
sou anti social.

AMIGO X AMIGO

Se não te procuro mais é que algo aconteceu
As vezes coisas fatais que meu coração sofreu
Mas tenha então certeza que estou a esperar

De tu'alma a nobreza em vir a mim procurar
Não te afastes de um amigo sem ter motivo ou razão
Carregue sempre contigo bem junto ao coração

Quem tem o bem precioso de ter amigo por perto
É ter um sol radioso iluminando deserto

VÔO DA ÁGUIA

Esse azul sentimental
Raiando por entre as nuvens
Clareando o espaço
Entre picos e montes
É no vôo da águia
Que vai em busca do ninho
Onde encontra o repouso
Do seu longo viajar
Mergulhando na cascata
Bem no interior da mata
Buscando o seu alimento
Dos filhotes o sustento
Leva para o abrigo rochoso
Onde luta carinhoso
Pela vida em liberdade
E o olhar aguçado e profundo
Que rastreia todo mundo
Em milhas a campear
E do alto céu em ocaso
Mergulha firme num raso
E sobe feito uma flecha
Abrindo uma larga brecha
Para um dia novo raiar.

A CADA ESTAÇÃO

Os amores se esvaem
as lágrimas descem
os risos desfalecem
o olhar obscura
e com flamejo lampeja
a face da criatura
seja amarga ou seja pura

Um dia
o amor volta
some toda a revolta
a lágrima seca com um beijo
e o riso é o despejo
que desce cascateado
no som inebriado
com o amor em construção
que rompe a cada estação

Fonte:
http://fioredemel.blogspot.com

A. A. de Assis (A Província do Guairá: Um pouco da história do antes de Maringá) Parte 7


A PROVÍNCIA DO PARANÁ

-19 de dezembro de 1853... Confere?

-A Lei Imperial n. 704, que criou a província do Paraná, foi sancionada no dia 29 de agosto de 1853. No dia 19 de dezembro, com a chegada de Zacarias de Góis e Vasconcelos, enviado como primeiro presidente e encarregado de organizar os serviços administrativos, instalou-se oficialmente a nova província.

-Paraná, capital Curitiba!

-Curitiba já havia sido elevada à categoria de cidade desde 1842, sediando a 5ª comarca da província de São Paulo. Pela posição geográfica e por apresentar condições de rápido desenvolvimento, foi naturalmente escolhida para capital. O Paraná abrigava na época uma população de 62.258 habitantes, dos quais 6.791 viviam em Curitiba. Paranaguá contava com 6.533 moradores e Ponta Grossa com 3.033.

-Luís Pedro, certamente, assistiu à posse de Zacarias...

-Estava lá, capengando mas cheio de orgulho. Morreu dois anos depois, em 1855. A essa altura os Campos Gerais passavam por uma fase de extraordinário progresso. O comércio de mulas, cavalos e bois estava no auge. Os tropeiros iam buscar os animais no Rio Grande do Sul, no Uruguai e na Argentina, invernando-os nas imediações de Ponta Grossa. Dali eram levados à Feira de Sorocaba, onde eram vendidos aos fazendeiros de café de Minas Gerais e do Vale do Paraíba. Consta que a média de comercialização de animais em Sorocaba era de 100 mil cabeças por ano. Com isso, cresciam animadamente as vilas paranaenses do roteiro: Palmas, Guarapuava, Ponta Grossa, Castro...

-Dizem que os cavalos de Palmas e Guarapuava eram de maior valor no mercado...

-Famosíssimos.

-Me diga uma coisa: não se plantava trigo no Paraná nessa época?

-Claro que sim. Mas trigo não se planta; semeia-se. Pelo menos é o que se ensinava naqueles tempos. A técnica utilizada nos Campos Gerais era a seguinte: começava-se por fazer o gado estacionar na área a ser cultivada, para estercá-la; depois trabalhava-se a terra com enxada e arado e em seguida semeava-se à mão, cobrindo os grãos e fazendo passar por cima, à maneira de grade, a copa de uma árvore puxada por bois. Dizia-se que a colheita seria tanto melhor quanto mais fortes tivessem sido as geadas. Nas próprias fazendas moía-se e panificava-se o trigo.

-Os Torales se dedicavam também à lavoura de trigo?

-O negócio quente deles era o comércio de mulas. Luís Pedro deixou três filhos homens, que se organizaram para expandir a “rede”. Um deles ficou em Ponta Grossa cuidando da invernada; outro viajava seguidamente ao Sul comprando mulas e cavalos; o terceiro, Fernando Paulo Torales, que veio a ser meu bisavô, estabeleceu-se em Sorocaba: a ele cabia receber os animais enviados de Ponta Grossa e orientar a comercialização na feira. Dessa forma o negócio continuou de vento em popa, até 1874, ano em que morreu Fernando Paulo.

-Os herdeiros não quiseram lidar com mulas?

-Fernando morreu relativamente jovem, com 53 anos. Tinha apenas um filho, meu avô João Afonso, do qual tenho falado desde o início desta narrativa. Ocorre que nessa época já corriam trens em várias regiões do Brasil, desvalorizando as mulas como meio de transporte. Não vendo futuro naquele comércio, João Afonso preferiu então mudar de ramo. Abolicionista e republicano ferrenho, no fogo dos seus 22 anos, vendeu a pequena fazenda que herdara do pai nas vizinhanças de Sorocaba (onde eram invernados os animais antes de serem levados à feira), alforriou os poucos escravos lá existentes e montou uma casa de secos e molhados. Na cidade estaria dentro da lufa-lufa política que tanto o fascinava. Naquela casa meu pai José Francisco Torales cresceu vendendo feijão, cachaça e ferramentas. Em 1903, meu pai se casou com minha mãe Carmen, uma espanhola bonita e de gênio forte que ele conhecera em Santos. Como presente de casamento, João Afonso lhe deu sociedade na firma e passou a cuidar mais de política do que de negócios.

-E a tal farmácia?

-A farmácia meu avô montou dois anos depois, para continuar mantendo contato com o povo. Quando completei 15 anos, ele me colocou lá como aprendiz, dizendo que o estabelecimento futuramente seria meu. Sei lá por que razão, ele tinha um dengo todo especial por mim. Ensinou-me a lidar com remédios, fez-me frequentar a escola, conversava muito comigo, e foi nessas longas conversas que fiquei sabendo das aventuras dos Torales. O velho morreu em 1929, com 77 anos, deixando de fato a farmacinha para mim.

-Mas o senhor não ficou lá por muito tempo...

-Na época falava-se muito das terras roxas que começavam a ser abertas no norte do Paraná. Empolgado com aquelas notícias, e diante da oportunidade de retornar às origens da família, não resisti à tentação. Em 1932 já estava morando em Londrina.

-Família predestinada essa sua. Os Torales estiveram envolvidos em histórias de índios, de mineradores e de tropeiros. Agora vão mergulhar na história dos bandeirantes do café...

-Prefiro dizer pioneiros do café. Pioneiro me parece uma denominação mais adequada a quem chega para ficar, produzir, sofrer, crescer com a terra onde se instala. Mas falemos do café, que tem uma história muito interessante.

A BEBIDA DA MODA

-Tudo começou com Melo Palheta... Correto?

-No Brasil, sim, porém o café é muito mais antigo. Em 1500, quando Cabral chegou aqui, os beduínos já o conheciam havia 650 anos. No início do século 18, o produto começava a ser consumido intensamente na Europa, especialmente na França, onde ganhou status de bebida da moda, rivalizando com o chá. Os elegantes cafés de Paris são famosos desde aquela época. Além do sabor agradável, o produto apresentava a virtude de combater o frio e curar as enxaquecas.

-Ainda hoje ele é tido como ótimo remédio contra ressaca...

-Os franceses andavam à procura de algo que substituísse o chá da Índia, então monopolizado pelos ingleses. Decidiram por isso introduzir a cultura do café na Guiana, por volta de 1710. Foi dali que a preciosa rubiácea passou para o Brasil, trazida pelo comerciante português Francisco de Melo Palheta, em 1727. Consta que Palheta foi à Guiana Francesa em missão específica do governo de Lisboa: obter mudas de café para iniciar o plantio em terras brasileiras. Portugal estava de olho grande no crescente mercado aberto para a nova bebida na Europa. O fato é que logo em seguida surgiram nos quintais de Belém do Pará os nossos primeiros cafeeiros, prosseguindo a expansão ao longo do litoral: Maranhão, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia, Espírito Santo, Rio de Janeiro...

-Em grande escala?

-Ainda não. Plantava-se café em chácaras e quintais para uso caseiro das famílias mais sofisticadas, que gostavam de imitar os hábitos europeus. O forte da agricultura brasileira continuava sendo a cana-de-açúcar, o fumo e o algodão. Somente a partir de 1820 surgiram grandes lavouras de café, sobretudo em Minas Gerais e no Vale do Paraíba. Em 1830, o produto já ocupava o terceiro lugar em nossa pauta de exportações, alcançando em 1850 a liderança.

-Nova era na história do Brasil...
–––––––––––-
continua…

O e-book completo pode ser feito o download no blog do Assis http://aadeassis.blogspot.com

Fonte:
A. A. de Assis (A Província do Guairá: Um pouco da história do antes de Maringá). e-book. 2011.

Trova Ecológica 75 – Wagner Marques Lopes (MG)

Ialmar Pio Schneider/RS (Soneto Mistico)


Estou sentindo um sopro realmente...
É a hora em que refrescas minha fronte
e sou Tua flor, erguida em alto monte,
a quem deste um aroma permanente.

O dia em que eu tombar murcho no chão
recolhe para Ti todo o perfume
para que eterno queime no Teu lume
incensando Tua plácida mansão.

Não o deixes perder-se em treva densa,
mas faze que ele sempre a Ti pertença
co’a glória de servir-Te e que somente

um dia - não sei quando - em Teu louvor,
retorne finalmente à mesma flor
p’ra que unidos os guardes eternamente.


Publicado em O TIMONEIRO - Pág. 12 de 3.9.82 - CANOAS (RS)

Fonte:
http://ialmarpioschneider.blogspot.com/

Ademar Macedo (Mensagens Poética n. 480)


Uma Trova de Ademar

Hoje me fiz “Homem-Trova”
e, em atentados dispersos,
engatilhei uma nova
e atirei com "Quatro Versos"
–ADEMAR MACEDO/RN–

Uma Trova Nacional


A saudade tem tal arte,
é em bondade tão rica,
que não despreza quem parte,
nem abandona quem fica!
–ARIETE REGINA/RJ–

Uma Trova Potiguar

Tanto tempo se passou,
mas pra mim presente estás,
naquele verso de amor
que não esqueço jamais.
–MARA MELINNI GARCIA/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Fui vaqueiro... hoje, sou monge!...
Minha saudade, depois,
ficou mugindo... lá longe!...
Na voz dolente dos bois!...
–ONILDO DE CAMPOS/RJ–

Uma Trova Premiada

2011 - Falando de Trovas/SP
Tema: SAUDADE - 2º Lugar


A mesa, agora, deserta,
no bule, o café já frio...
E pela porta entreaberta
a dor de um grande vazio!
–FRANCISCO MACEDO/RN–

Simplesmente Poesia

Acróstico...
–JOÃO BATISTA XAVIER/SP–


Amanhecer com seus versos na tela
Devaneio nas cores da paisagem;
Enalteço o arrebol que na passagem
Mistura os brilhos em linda aquarela.
Aurora potiguar, a luz mais bela,
Resplandecendo em bênçãos sua imagem.

Manhãs floridas na semana inteira:
Alento que balsama nossa lida;
Convite e busca à alegria perdida
Exalando os aromas da roseira.
Desperta a cadência em rima fagueira
O Poeta do Amanhecer à vida!!!

Estrofe do Dia

Vamos lá meus cantadores
percorrer a vastidão
ver o sol deitar no chão
num horizonte de cores,
pequeninos beija-flores
na roseira do nascente
da janela do poente
a despedida do dia;
vamos beber poesia
na cacimba do repente.
–ONILDO BARBOSA/PB–

Soneto do Dia

Estátua Arrependida
–AGNELO CAMPOS/SP–


Havia num imenso estatuário,
entre outras obras, uma singular:
de um genial artista milenário,
uma estátua de execução sem par !

Esculpida nos traços mais perfeitos,
examinada, apenas num relance,
não se viam nem sombras de defeitos
que estivessem dos olhos ao alcance.

Apesar da beleza e do bom gosto,
percebia-se claro no seu rosto
a expressão de pessoa arrependida:

Pois o artista que lhe dera tanto,
não pudera dar-lhe o último encanto;
faltou-lhe força: não lhe dera a vida!

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

J. G. de Araújo Jorge (Garimpando Sonetos)


A imortalidade de um poema não é decretada pela crítica mas pelo “referendum” popular. Só o tempo e a memória do povo - fichário de seu coração - consagram realmente um poema.

Homero foi declamado durante séculos pelos aedos gregos, antes que escribas de Psitrato recebessem a incumbência de fixar pela forma gráfica os seus dois poemas imortais.

Mas com os poemas e sonetos acontece às vezes o mesmo que com as trovinhas. À proporção que se popularizam, ou justamente por isso, vão sendo envolvidos pelo anonimato. Das trovas, quase se poderia dizer, talvez pela facilidade com que podem ser decoradas ou transcritas, que muitas, das mais belas, correm na “ boca do povo ”, esquecidas dos seus autores. Uma delas, que todos nós sabemos de cor, tem sido atribuída não só a poetas brasileiros como a portugueses. Leio agora, entretanto, no número 25 do jornalzinho “ Trovas e Trovadores ”, órgão oficial da União Brasileira de Trovadores, num artigo de Luiz Otávio, e com documentação irrefutável, que pertence a um trovador pernambucano Barreto Coutinho. É aquela quadrinha:

Eu vi minha mãe rezando
aos pés da Virgem Maria.
Era uma santa escutando
o que outra santa dizia.”


Numa crônica anterior, “ Sonetos Imortais”, referindo-nos aos poetas que se imortalizaram apenas por um soneto, citamos “Romance” de Octávio Rocha, que retiramos de velho recorte do “Correio da Manhã” de mais de vinte anos, com um comentário em que o redator Aédo de Carvoliva informa que o transcrevia de uma revista, e estranhava não conhecer o poeta.

Este soneto, que agora incluímos em nova edição de nossa antologia “Os Mais Belos Sonetos que o Amor Inspirou”, volume I, (Poesia Brasileira), já se encontra identificado. Recebemos uma carta do poeta, que vive atualmente em Campinas, é jornalista, colabora no jornal “Correio Popular”, nasceu em Mogi-Mirim, e conta 76 anos. Teve conhecimento de nossa c rônica por intermédio de uma filha, residente em S. Paulo, leitora da revista. Trata-se realmente de um belo soneto lírico, cuja idéia é um verdadeiro “achado”, uma novidade, dentro do mais velho e do mais difícil dos temas: o Amor.

Como sugeri ao seu autor uma pequena modificação, simples apara, em dois versos, para que o soneto ganhasse em inteireza, sugestão que ele recebeu de bom grado, vou transcreve-lo novamente, para quem não o recortou:

ROMANCE

“- Venha me ver sem falta, estou velhinha.
Iremos recordar nosso passado.
A sua mão quero apertar na minha,
quero sonhar ternuras ao seu lado...

Respondi, pressuroso, numa linha:
“ - Perdoa-me não ir... ando ocupado...”
Amei-a tanto, quando foi mocinha,
e de tal modo, também fui amado.

Passou a mocidade, num relance...
Hoje, estou velho, velha está... Suponho
que perdeu da beleza os vivos traços...

Não quero ver morrer nosso romance:
“ - prefiro tê-la, jovem, no meu sonho,
do que, velha, aperta-la nos meus braços!”


Quando eu apresentava, pela Rádio nacional, o programa “Encontro com a poesia”, solicitei aos meus ouvintes que, se conhecessem qualquer belo soneto me enviassem sem compromisso, e por isso, eu lhes ficaria muito grato, já que não pertenço (nem pretendo) a grupos literários.

Pois bem em meio à correspondência, chegaram-me, inclusive, cadernos inteiros de poesia. De dois destes cadernos recolhi quase cinqüenta novos trabalhos, que acrescentei a 3.a edição de “ Os Mais Belos Sonetos que o Amor Inspirou ”. Do caderno enviado pela Prof.a Maria José de Menezes, organizado ao tempo em que era normalista, e onde, para minha alegria, encontrei uma grande quantidade de meus sonetos, retirei entre outros, um intitulado “Mente Mais”, de Raul Giudicelli. Não conhecia o poeta de nome, e julguei até pudesse ser a t radução de algum soneto de autor italiano.

Pesquisando, entretanto, acabei por localizar o escritor que mora no Rio, é carioca, da Ilha do Governador, não tem livro publicado, e faz parte da direção da revista “O Cruzeiro”. Eis o soneto:

MENTE MAIS

Sei que os carinhos teus sempre serão
carinhos mentirosos, aparentes,
mas não sei se é vaidade ou compaixão
o secreto motivo por que mente...

Sei que não falas pelo coração
quando falas do amor que por mim sentes,
mas tens finuras tais de sedução
que das próprias mentiras te desmentes...

Se puderes dizer-me sempre “sim”
com ternuras e olhares sempre iguais,
sem te cansares de mentir assim,

sem te esgotares de mentiras tais,
não te apartes, então, jamais de mim,
e eu te peço, querida, mente mais!


E já que estamos “ garimpando ” poesia, e que devo a revista “ Jóia ” a identificação de uma gema preciosa, vou aproveitar a oportunidade, e encerrar esta croniqueta com um soneto, retirado ao caderno de outra ouvinte, onde foi copiado sem o nome do autor.

Publicado, talvez os leitores me ajudem a descobrir o poeta. Escrevam-me enviando os dados biográficos, pois que o soneto figura também na nova edição da antologia, mas como anônimo.

RÉU DE AMOR

Sou réu de amor! Confesso o meu pecado
porém não me arrependo desse crime,
que amar alguém e ser também amado
é o crime mais gostoso e mais sublime!

A confissão por certo não redime
a quem quer continuar a ser culpado,
e seu for, por acaso, condenado,
não há razão para que desanime.

Pelo contrário. Altivo, embora fique
meu coração partido em mil pedaços,
eu quero que a justiça se pratique...

Sou réu de amor, e julgo-me indefeso!
Pela justiça, entrego-me a teus braços:
eternamente quero ficar preso...


Fonte:
JG de Araujo Jorge. "No Mundo da Poesia " Edição do Autor -1969

Projeto de Trovas para uma Vida Melhor (2a. Etapa – 4o. Concurso – Tema: Perdão)


GRUPO: 1 – NACIONAL

1º LUGAR
Retirada - não inédita

2º LUGAR
Perdão é a esponja macia
que se passa numa ofensa
por se crer na luz do dia
contra a noite da descrença.
Nilton Manoel –
RIBEIRÃO PRETO – SP – BRASIL

3º LUGAR

Em nome do amor, em nome
dos sentimentos mais nobres,
perdão, meu Deus, pela fome
que a injustiça impõe aos pobres!
ANTONIO AUGUSTO DE ASSIS
- MARINGÁ – PR – BRASIL

MENÇÃO HONROSA

1. Perdão de amor é incerteza,
é aquela pedra em desvio
que segura a correnteza
mas não traz de volta o rio
ALBA CHRISTINA
SÃO PAULO – SP – BRASIL

2. Tão doce o perdão ressoa
nas fibras do coração;
mais nobre que quem perdoa
é o que suplica o perdão!
HUMBERTO RODRIGUES NETO
- SÃO PAULO – SP – BRASIL

3. Sendo o amor doce legado
que Jesus Cristo deixou,
embora crucificado,
seu perdão não nos negou!
DILMA RIBEIRO SUERO
- RIO DE JANEIRO – RJ – BRASIL

4. Este perdão que me negas
por "um nada" que te fiz,
é mais um cravo que pregas
na cruz de um peito infeliz.
THALMA TAVARES
- SÃO SIMÃO – SP – BRASIL

5. Se és duro de coração,
não perdes por esperar...
Do céu só terá perdão
quem é capaz de perdoar!
RENATO ALVES
- RIO DE JANEIRO – RJ – BRASIL

MENÇÃO ESPECIAL

1. É uma sublime atitude
o saber pedir perdão.
Bem mais nobre é a virtude,
perdoar sem restrição.
NEIVA FERNANDES
- CAMPOS DOS GOYTACAZES – RJ – BRASIL

2. Quando a mágoa nos revolta,
e os dias tinge de breu,
só o Perdão nos traz de volta
a luz que a mágoa escondeu.
MARISA VIEIRA OLIVAES
- PORTO ALEGRE – RS – BRASIL

3. Perdão, eu peço, Senhor,
por não ter dado atenção
e nem repartido amor
com o meu carente irmão!
DELCY CANALLES
- PORTO ALEGRE – RS – BRASIL

4. Um erro sempre é semente
de uma dor que vai nascer.
Perdão é o melhor presente
que alguém pode receber...
MILTON SOUZA
- PORTO ALEGRE – RS – BRASIL

5. Por tudo que tu fizeste,
meu perdão, ainda te dei!...
Não, pelo amor que me deste,
mas, pelo amor que sonhei!
PROF. GARCIA
- CAICÓ – RN – BRASIL
***************************
GRUPO: 2 – NACIONAL

1º LUGAR
O rancor me corroía
flagelava o coração.
Resolvi um certo dia
libertar-me com o perdão.
JOSÉ ALMIR DA LUZ JUNIOR
- CURITIBA – PR – BRASIL

2º LUGAR
Ao receberes perdão,
por um instante dourado,
sentes Deus em comunhão
e o coração aliviado.
MIFORI
- MOGI DAS CRUZES – SP – BRASIL

3º LUGAR
Queres definir o amar?
Dentro da minha visão
amar é não precisar
jamais pedir o perdão!
LÓRIS TURRINI
- TREMEMBÉ – SP – BRASIL

MENÇÃO HONROSA

1. Concedido por esmola
o perdão não traz fiança.
Dificilmente consola
tendo sabor de vingança...
RUTH FARAH NACIF LUTTERBACK
- CANTAGALO – RJ – BRASIL

2.Se uma injúria alguém lhe lança,
dê-lhe a luz do seu perdão;
seja como uma criança
que traz limpo o coração.
ILZE SOARES
- SÃO PAULO - SP

3. Coisa mais bela da vida
é saber pedir perdão;
mostra humildade contida
dentro do seu coração.
WANDA DUARTE DA SILVA
- RIBEIRÃO PRETO – SP

4. Para dirimir um crime
consumado na paixão,
não há nada mais sublime
do que beijo do perdão.
ADAMORES
- SÃO JOSÉ DOS CAMPOS – SP – BRASIL

5. Vence valores, de fato,
quando em meio à discussão,
se revolta de imediato,
mas, na ofensa... dá o perdão!!!
VÂNIA MARIA SOUZA ENNES
- CURITIBA – PR – BRASIL
********************************
MENÇÃO ESPECIAL

1. Não vejo gesto de amor
que se compare ao perdão;
nem mais nobre, nem maior,
que estender a sua mão.
RAYMUNDO DE SALLES BRASIL
- SALVADOR – BAHIA – BRASIL

2. Perdoe pra ser perdoado:
esse é o lema cristão.
Não fique aí machucado,
peça e dê seu perdão.
JAIR PEREIRA DA SILVA
********************************
GRUPO INTERNACIONAL

1º LUGAR
Ninguém me peça perdão
por algo que fez errado;
basta que atente a razão
logo fica perdoado!
FERNANDO REIS COSTA
- COIMBRA – PORTUGAL

2º LUGAR
Uma palavra eu conheço,
que todos chamam PERDÃO!
Que a porta se abra em apreço.
Rancor ...faz mal, coração!
LIBIA BEATRIZ CARCIOFETTI
- SANTIAGO DEL ESTERO – ARGENTINA

3º LUGAR
Senhor sofre o coração
pois muito te há ofendido,
triste te pede PERDÃO
com o peito arrependido...
CRISTINA OLIVEIRA CHAVEZ
- ESTADOS UNIDOS

MENÇÃO HONROSA

1. Como se derrete o gelo,
suave brisa do perdão,
sempre alcança o seu apelo,
com amor, o coração.
MARIA CRISTINA FERVIER
- SALTO GRANDE – SANTA FE – ARGENTINA

2. Perdão por amar-te tanto
contigo perco o sentido
pois eu só vivo do encanto
de teus olhos meu querido...
ANGELA DESIRÉE PALACIOS

3. É difícil esquecer
um insulto, uma agressão?
Mas é assim, podeis crer,
que tem valor o perdão.
JUDITE RAQUEL NEVES FERNANDES
- URBANIZAÇÃO QUINTA DA LAVRA – PORTUGAL

MENÇÃO ESPECIAL

1. Quem um filho castigar
por erro ou por omissão,
põe, no rosto, um mau olhar,
mas na alma dá-lhe o perdão.
ANTÓNIO JOSÉ BARRADAS BARROSO
- PAREDE – PORTUGAL

2. Senhor, pecados alinho
para te pedir perdão,
que o padre já está velhinho
e dorme na confissão.
OLÍVIA ALVAREZ MIGUEZ BARROSO
- PAREDE – PORTUGAL

3. P'ra podermos perdoar,
teremos de estar em paz.
É como aprender a andar
e ver como se é capaz...
JORGE A. G. VICENTE
- SUIÇA –

4. Dar perdão é dar Amor!
Sabes amar? Reza e canta.
Por amor, ao pecador,
perdoa Deus e encanta!
ISAURA MARTINS
- LAMEIRAS – TÁBUA – PORTUGAL

5. Jesus, nosso Professor,
ensinou esta lição:
- Perdoa e dá muito amor,
terás sempre o meu PERDÃO!
GISELA ALVES SINFRÓNIO
- OLHÃO - PORTUGAL
***************************
GRUPO 3 – ALUNOS

1º LUGAR
Você não sabe o tamanho
dessa minha imensa dor.
Mas, se o perdão eu não ganho,
sinto falta desse amor.
DANIELA APARECIDA S. DIAS
PARAIBUNA – SP – BRASIL
EE. “Dr. Cerqueira César”- Profª Celina

2º LUGAR
Eu tenho uma linda amiga
que já me pediu perdão;
ela aprontou uma briga...
Mas ganhou meu coração.
CARLOS MAGNO BATISTA DA SILVA
PARAIBUNA – SP – BRASIL
EE. “Dr. Cerqueira César” - Profª. Celina

3º LUGAR
Eu lhe dei o meu perdão,
ganhe, pois o meu amor.
Vou lhe dar meu coração,
como se dá uma flor.
RAFAELA RODRIGUES LOLO
PARAIBUNA – SP – BRASIL
EE. “Dr. Cerqueira César”- Profª Celina

MENÇÃO HONROSA

1 O perdão é obra prima
que nasce no coração,
de quem perdoa e estima
o outro, e tem compaixão.
LARISSA ALVES- 13 ANOS
PARAIBUNA – SP - BRASIL
EE. “Dr. Cerqueira César” – Prof. Rose

2. Ajoelhando-se no chão,
suplicando ao Criador,
ofereça seu perdão,
num grande gesto de amor.
ISABELLE C. G. GALVÃO SILVA
PARAIBUNA – SP – BRASIL
EE. “Dr. Cerqueira César” - Prof. Rose

3. Amor, tenha piedade!
Eu imploro o seu perdão;
você é a realidade
que vive em meu coração.
MARIA PAULA ANTUNES DAVI
PARAIBUNA – SP – BRASIL
EE. “Dr. Cerqueira César” - Profª. Celina

4. Aprendi dar meu perdão
e também ser perdoada.
Quero dar meu coração
e também ser muito amada.
CAROLINE APARECIDA S. SANTOS.
PARAIBUNA – SP – BRASIL
EE. “Dr. Cerqueira César” - Profª. Celina

MENÇÃO ESPECIAL

1. Um passo para o perdão
é muito mais que bondade,
que mora no coração,
como amor e amizade.
JÉSSICA DUARTE DE MATOS
PARAIBUNA – SP – BRASIL
EE. “Dr. Cerqueira César” - Profª. Celina

2. Perdão por não ser perfeito,
perfeito sei que não sou,
com você fico sem jeito,
porque assim sempre é que estou!
FABRÍCIO B. DE LIMA.
PARAIBUNA – SP – BRASIL
EE. “Cel. Eduardo José de Camargo” – ProfªHelô

3. O perdão é um grande dom
se ele vem do coração,
só quem realmente é bom.
é que tem a salvação.
JOSIANE OLIVEIRA JERÔNYMO
PARAIBUNA – SP – BRASIL
EE. “Cel. Eduardo José de Camargo” – ProfªHelô

4. No mundo quero aprender
que perdão temos que dar,
para podermos viver
e respirar um bom ar.
YASMIM SCARLAT RIBEIRO GONZAGA
PARAIBUNA – SP – BRASIL
EE. “Dr. Cerqueira César” - Profª. Celina

5. Quase morri, meu amor,
sofrendo por solidão.
Agora morro de dor
por não ter o seu perdão.
ANA CAROLINA NUNES DE PAULA.
PARAIBUNA – SP – BRASIL
EE. “Dr. Cerqueira César” - Profª. Celina

Fonte:
Mifori

Machado de Assis (Fuga do Hospício e Outras Crônicas)


O livro Fuga do Hospício e Outras Crônicas é uma antologia com alguns textos publicados por Machado de Assis.

Divide-se em três partes, cada uma contendo dez crônicas com temática que se relacionam exatamente com o título de cada parte. São elas:

PARTE I – ALMA HUMANA

A primeira parte da seleção de crônicas ressalta bem as peculiaridades do íntimo humano, o pensamento, a postura e as atitudes do ser humano nas mais variadas circunstâncias, ressaltando a loucura, a ganância, a hipocrisia, o abandono, o canibalismo e muitas outras atitudes de cunho negativo que podem ser produzidas pela alma humana.

Fuga do hospício

Publicada em 31 de maio de 1896. O autor narra uma fuga de loucos que ocorreu num hospício carioca e discorre sobre seu temor em dirigir a palavra às pessoas na rua da tal fuga, afinal, qualquer uma delas pode ser um dos loucos que fugiram do hospício, como nos revela este trecho:

De ora avante, quando alguém vier dizer-me as coisas mais simples do mundo, ainda que me não arranque os botões, fico incerto se é pessoa que se governa, ou se apenas está num daqueles intervalos lúcidos, que permitem ligar as pontas da demência às da razão. Não posso deixar de desconfiar de todos.

Machado defende que todos podem ser loucos, afinal, naqueles dias “o juízo passou a ser uma probabilidade, uma eventualidade, uma hipótese”. Justifica tal afirmativa ao descrever os fatos que ocorreram durante a semana, como se os mesmos fossem fruto da loucura que compõe tais dias:

De resto, toda esta semana foi de sangue, – ou por política, ou por desastre, ou por desforço pessoal. O acaso luta com o homem para fazer sangrar a gente pacata e temente a Deus. No caso de Santa Teresa, o cocheiro evadiu-se e começou o inquérito. Como os feridos não pedem indenização à companhia, tudo irá pelo melhor no melhor dos mundos possíveis. No caso de Copacabana, deu-se a mesma fuga, com a diferença que o autor do crime não é cocheiro; mas a fuga não é privilégio de oficio, e, demais, o criminoso já está preso. Em Manhuaçu continua a chover sangue, tanto que marchou para lá um batalhão daqui. O comendador ferreira Barbosa, (a esta hora assassinado) em carta que escreveu ao diretor da Gazeta e foi ontem publicada, conta minuciosamente o estado daquelas paragens. Os combates têm sido medonhos. Chegou a haver barricadas (...)

O autor encerra o texto apontando a música como uma solução à demência, à loucura de seus dias:

Enxuguemos a alma. Ouçamos, em vez de gemidos, notas de música. (...) se consideramos (...) a necessidade que há de arrancar a alma ao tumulto vulgar para a região serena e divina (...).

Um pouco de astronomia

Publicada em 23 de dezembro de 1894, versa sobre o ocorrido durante a semana. Num primeiro momento, o autor narra um jantar realizado pelos ministros da Suécia e Noruega junto a oficiais da marinha e os cônsules da Holanda e Dinamarca.

Num segundo momento, através de uma pergunta feita por seu criado, o autor discorre sobre política e encerra seu texto falando sobre a descoberta de um novo planeta entre Marte e Mercúrio, relacionado à descoberta do astro com um terremoto ocorrido na Itália.

(...) um astrônomo diria sobre este novo planeta coisas importantes. Que direi eu? Nada ou algum absurdo. Buscaria achar alguma relação entre os planetas que aparecerem e as cidades que ameaçam desaparecer com terremotos (...)
Andará a terra com dores de parto, e alguma coisa vai sair dela, que ninguém espera nem sonha? Tudo é possível! Quem sabe se o planeta novo não foi o filho que ela deu à luz por ocasião dos terremotos italianos?

Por fim, num teor reflexivo, conjectura se a ganância das grandes nações fará que estas, depois de dominarem o continente africano por completo, não decidirão partir para a conquista dos outros planetas. Mais uma vez, narrando os fatos da semana, constrói uma crítica. Seu alvo agora é a ganância das grandes nações que exploram a África, as quais acabam por digladiar ideológica ou belicamente por necessidade de impor sua economia e ideologia às nações daquele continente.

Abolição e liberdade

Publicada em 19 de maio de 1888, um homem reúne seus amigos para um jantar e anuncia que, mesmo sem a escravidão ser abolida, dar alforria ao seu escravo Pancrácio. Tamanho ato de humanidade é elogiado por todos os seus companheiros. O homem permite que o negro continue morando em sua casa e trabalhando em troca de um salário. No entanto, mesmo alforriado, o negro apanha constantemente do patrão, o qual almeja um cargo na política:

Pancrácio aceitou tudo; aceitou até um peteleco que lhe dei no dia seguinte, por não me escovar bem as botas; efeitos da liberdade. Mas eu expliquei-lhe o peteleco, sendo um impulso natural, não podia anular o direito civil adquirido por um direito que lhe dei. Ele continuava livre, eu de mau humor; eram dois estados naturais, quase divinos.
Tudo compreendeu o meu bom Pancrácio; daí para cá, tenho-lhe despedido alguns pontapés, um ou outro puxão de orelhas, e chamo-lhe besta quando lhe chamo filho do diabo; coisas todas que ele recebe humildemente, e (Deus me perdoe!) creio que até alegre.

O autor busca, através deste irônico caso em particular, demonstrar sua opinião acerca da escravidão e, sobretudo, criticar a postura hipócrita daqueles que buscam, através de demonstrações públicas de um falso caráter, angariar a simpatia e admiração da sociedade, quando, em seus íntimos, continuam a ser pessoas mesquinhas e pobres de espírito.

Bondes elétricos

Publicada em 16 de outubro de 1892, num bonde, o narrador nota que, enquanto o cocheiro e o condutor cochilam, os dois burros que puxam o veículo conversam. Ambos falam um ao outro sobre a tristeza e a amargura de serem burros e o destino que lhes é reservado, afinal, quando não servirem mais para puxar bondes serão enviados para puxar carroças. Depois quando não servirem mais para tal serviço, serão abandonados nas ruas, onde morrerão e serão levados por uma carroça, puxada por outro burro, o qual possuirá o mesmo destino. O diálogo entre os dois animais e o assunto sobre o qual falam é uma espécie de metáfora sobre velhice, esquecimento e abandono e, por fim, a morte. O autor busca traçar uma crítica à modernidade que suplanta os antigos moldes de trabalho, pois os bondes elétricos começavam a surgir pelas ruas do Rio de Janeiro, substituindo os burros que antes faziam tal tarefa.

Carnívoros e vegetarianos

Publicada em de março de 1893, uma greve de açougueiros corta o abastecimento de carne para a cidade. O autor, vegetariano por escolha própria, revela as vantagens da dieta composta apenas por vegetais. Aponta as diferenças entre a carne repleta de vícios) e os vegetais (repletos de virtude). Mudando um pouco de assunto, encerra o texto criticando o pensamento de que a instrução pública de sua época devesse ensinar a língua italiana para as crianças e jovens, tendo em
vista o grande número de imigrantes italianos no Brasil. O objetivo central do texto é, partindo de assunto da greve dos açougueiros (assunto em alta na semana em questão), criticar as propostas entabuladas nas discussões entre os senhores Capelli e Maia Lacerda sobre lecionar, na instrução pública brasileira, o idioma italiano. O autor usa de seu sutil sarcasmo ao construir o texto, concluindo em tom de sugestão:

Outro ponto alegre do discurso é o que trata da necessidade de ensinar a língua italiana, fundando-se em que a colônia italiana aqui é numerosa e crescente, e espalha-se por todo o interior. Parece que a conclusão devia ser o contrário; não ensinar italiano a povo, antes ensinar nossa língua aos italianos. Mas, posto que isso não tenha nada a ver com o vegetarianismo, desde que faz com que o povo possa ouvir as óperas sem libreto na mão, é um progresso.

Poder relativo

Publicada em 20 de abril de 1885, nela o autor justifica seu posicionamento acerca de ter seu nome citado nas listas de sugestão para o Ministério e defende sua vontade em ingressar na política. Mesmo falando sobre si mesmo, machado ironiza:

Creia o leitor só a presença do nome na lista me faria muito bem. Faz-se sempre bom juízo de um homem lembrado, em papéis públicos, para ocupar um lugar nos conselhos da coroa, e a influência da gente cresce.

Crônica que deixa de lado o ato de narra ou comentar os acontecimentos da semana, o autor concentra-se apenas em falar sobre seus desejos de ingressar na vida política.

Antropofagia

Publicada em 1 de setembro de 1895, a crônica discorre sobre as notícias de enforcamento de um professor de inglês que devorou algumas crianças em Guiné. Como de costume, o autor utiliza-se da ironia ao cogitar que talvez, o professor, ao devorar as crianças, estivesse apenas tentando explicar de modo prático o que era a antropofagia. A seguir, faz apontamentos sobre casos semelhantes de canibalismo ocorridos no Brasil. A crônica parte de tal fato para, num tom sutil criticar o academicismo e a intelectualidade, como vemos no trecho:

Demais, pode ser que o professor quisesse explicar aos ouvintes o que era canibalismo, cientificamente falando. Pegou um pequeno e comeu-o. os ouvintes, sem saber onde ficava a diferença entre canibalismo científico e o vulgar, pediram explicações; o professor comeu outro pequeno. Não sendo provável que os espíritos da Guiné tenham a compreensão fácil de um Aristóteles, continuaram a não entender, e o professor continuou a devorar meninos. É o que em pedagogia se chama ‘lição das coisas’.
Se fosse assim, deveríamos antes lastimar o sacrifício que fez tal homem, comendo o semelhante, para o fim de ensinar e civilizar gentes incultas.

Uma fábula persa

Publicada em 11 de agosto de 1878. O autor traça uma comparação entre o partido republicano e uma lenda persa, em que um jovem decide plantar limas para vender. Como as mesmas não se desenvolvem, ele passa a culpar o sol ao invés do solo, do adubo ou de sua própria inexperiência como lavrador. O sol foi assim escolhido por ser a razão mais visível, que lhe servil ao desabafo e que pudesse gritar e esbravejar seu ódio mesmo que não fosse culpado. O jovem arranca as ervas do solo e fica sem ofício. O autor conclui, numa relação mais do que direta ao Partido Republicano, afirmando que o mesmo deve conhecer toda a política social antes de entrar na vida política do país, para que num problema causado por sua própria incapacidade, um inocente não seja acusado injustamente.

Devaneio de um rei

Publicada em 11 de março de 1894. Partindo da história da colonização da ilha de Trindade, o autor defende que, se fosse rei, o preferiria ser sem súditos. Viver em uma ilha apenas com sua rainha e seu cozinheiro. O texto é uma crítica aos bajuladores dos poderosos, afinal, se ele desejava ser rei sem súditos era apenas para livrar-se tanto de petições e burocracia quanto de bajuladores, como fica evidenciado nas palavras do autor. Tratar-se, portanto, de uma forte crítica à conduta humana, sobretudo, quando levamos em conta o assédio bajulatório característico de pessoas que buscam um reconhecimento social através de “amizades” com homens públicos, para obterem respaldo e, quem sabe, posição pública favorável:

Quando nascesse uma espinha na cara, não haveria uma corte inteira para me dizer que era uma flor, uma açucena, que todas as pessoas bem constituídas usavam por enfeite; (...) Se eu perdesse um pé, não teria o prazer de ver coxear os meus vassalos.

A forma irônica e picante com que o narrador se pronuncia nessa passagem demonstra sua habilidade em detectar e expor as falhas e os interesses humanos, que se apresentam como seres fracos e venais, não escolhendo postura ética ou moral para que possam ascender-se a alcançarem reconhecimento perante a sociedade.

Sobre a morte e o morrer

Publicada em 6 de setembro de 1896. Influenciado pela lembrança das mortes dos amigos Alfredo e Artur Gonçalves, o autor faz considerações sobre o envelhecer e o morrer. Versa sobre o número cada vez mais crescente de mortes que permeiam sua época:

Não me acuseis de teimar neste chão melancólico. O livro da semana foi o obituário, e não terás lido outra coisa, fora daqui, senão mortes e mais mortes.

Prossegue falando sobre os homens que matam uns aos outros e encerra discorrendo não sobre a morte impingida de um homem a outro, e sim à morte causada pela própria natureza:

E ainda não como aquele gênero de morte que nas mãos dos homens, nem dentro deles, o que a natureza reserva no seio da terra para distribuí-la por atacado. Lá se foi mais uma cidade do Japão, comida por um terremoto, com a gente que tinha.

Aqui podemos observar uma forte tendência do escritor: o questionamento existencial e a reflexão acerca do sentido da vida. Não podemos deixar de referir-nos ao fato de que o autor vivenciou as contradições do fim do século, deixando-se, portanto, impregnar-se de angústia e desilusão em relação à euforia materialista que tomou conta do mundo desde a segunda metade do século XIX. Não é de se estranhar que em várias narrativas do autor aparecem personagens que passam pela angústia do viver e que buscam no tempo, na solidão e na própria escrita literária uma forma de exorcização de suas certezas metafísicas.

PARTE II – MUNDO MODERNO

Nesta parte, encontram-se aquelas que versam sobre os aspectos da época e da sociedade em que o autor viveu: o transporte através dos bondes, a visita de personalidades importantes em sua época e fatos marcantes que ocorreram em tais dias, como um famoso caso de bigamia, um homem que deu à luz e outros ocorridos relevantes em seu tempo. O autor não deixa de se preocupar, como bom cronista, com a nova realidade por que passava o país. A urbanização, o cosmopolitismo gerado pelo capitalismo, o processo de desenvolvimento social e científico, tudo vai ser captado com a perspicácia e visão crítica desse escritor carioca, considerado pela crítica como “o implacável crítico da consciência humana” e o grande observador da sociedade de sua época.

Como comportar-se no bonde

Publicada em 4 de julho de 1883. O autor, de modo lúdico, constrói um conjunto de regras para todos que queiram usar os bondes como meio de locomoção. O texto se baseia em 10 artigos que definem como deve se portar desde os passageiros com resfriado, até aqueles que queiram ler jornal durante a viagem. Critica a sociedade e suas atitudes cotidianas. Partindo de algo simples como usar um bonde, o autor ironiza a própria sociedade e sua falta de respeito, educação e cortesia ao tratar a se mesma. É, como sabemos, a função do cronista, ou seja, captar um flagrante social e expor de forma analítica e crítica. É o escritor do dia-a-dia.

Visita de um anarquista

Publicada em 20 de outubro de 1895. Narra a viagem da anarquista Luísa Michel ao Brasil. Conta um incidente ocorrido entre ela e um grupo de locatários. Os capitalistas vão até a anarquista e pedem-lhe ajuda, expondo as amarguras financeiras que lhes são impostas por seus inquilinos. Ao ouvir tal relato, a anarquista vibra de emoção, julgando o anarquismo já consumado no Brasil. O texto ironiza a ignorância dos locatários ao demonstrarem sequer saber o que é anarquismo e, mesmo assim, o temerem. Critica também o fato de que, aos olhos da anarquista, o anarquismo já se consumou no país. Com tal postura, o autor nada mais quis do que atacar a falta de ordem que dominava a sociedade, o que, aos olhos de uma estrangeira era algo nunca antes visto. Ele relacionou a doutrina política com o significado pejorativo que o termo “anarquismo” adquiriu com o passar dos anos. O autor versa sobre a realidade política brasileira e a (des)organização pública de nosso país.

Um acontecimento inusitado

Publicada em 7 de julho de 1878. Crônica que analisa o caso de um quadragenário da cidade de Caravelas, na Bahia, que dera à luz a uma criança:

(...) sentiu uma dor agudíssima na região precordial, movimentos desordenados do coração, dispnéia, forte edemacia em todo o lado esquerdo. Entrou em uso de remédios, até que, com geral surpresa, trouxe a este vale de lágrimas uma criança, que não era exatamente uma criança, porque eram as tíbias, as omoplatas, as costelas, os fêmures, trechos soltos da criatura, que não chegou a viver.

Depois, de um modo bem humorado, mas com teores de ponderação, o autor concluiu:

E porque não suponho que ocaso de Caravelas deve ser o único, acontece que não posso ver agora nenhum amigo, opresso e pálido, sem supor que vai me cair nos braços e bradar (...) “sou mãe”. Esta palavra retine-me os ouvidos, e gela-me a alma... imaginem o que será de nós, se tivermos de dar à luz (...)

Aqui se percebe um caráter profético, bem pouco cultivado por autores da época. Não esqueçamos que o autor foi um dos maiores críticos da ciência, do positivismo, sobretudo.

Progresso

Publicada em 15 de março de 1877. Narra a inauguração do sistema de bondes em Santa Teresa, fazendo uma referência à modernidade e, a seguir, de modo bastante descontraído, afirma que os bondes farão bem a santa Teresa, que agora “vai ficar à moda”. Percebe-se que, por trás do aparecer ar de felicidade, existe uma forte crítica do narrador.

Espiritismo

Publicada em 5 de outubro de 1885. O autor narra uma incursão ida a um encontro espírita de um modo bastante inusitado: sua alma desprende-se de seu corpo e vai à reunião, mas, ao retornar, encontra seu corpo possuído pelo diabo o qual, depois de fazer insinuações sobre a doutrina espírita, devolve o corpo ao espírito.

O texto versa sobre o espiritismo, comparando-o a um medicamento novo, que promete curar as doenças de modo eficaz que todas as medicações antigas. A crônica pode ser vista, também, como uma crítica a todos aqueles que, ao manterem um primeiro contato com uma nova religião, aceitam – sem questionar – todas as suas doutrinas e ensinamentos, suplantando, com eles, suas antigas crenças. Não se pode deixar de observar, por outro lado, a obsessão e o interesse do autor pela metafísica. Afinal, em várias de suas narrativas esse tema salta aos olhos. Podemos citar narrativas como A cartomante, A igreja do Diabo, O enfermeiro, por exemplo.

Verbas públicas

Publicada em 1 de setembro de 1878. Crônica que fala sobre a atitude da Câmara Municipal de negar o fornecimento de jantar para o júri quando as sessões se prolongassem até tarde. O autor se mostra a favor do fato, complementando que isso desordenaria a mente dos jurados e encerra seu texto afirmando:

O que me admira é que só agora reclame o júri um bocado de pão. Pois nunca pediu o júri uma verbazinha para os seus pastéis? Só agora há processos longos e juízes famintos?
Tanto pior; se esperam tantos anos, podem esperam alguns mais.

O texto também pode ser visto como uma crítica ao comodismo da sociedade e sua necessidade de sempre receber algo em troca do serviço que esteja prestando, não importa qual seja ele.

Direitos dos burros

Publicada em 10 de junho de 1894. Ao sair em seu jardim, o autor encontra um burro. O animal dirige-lhe a palavra e pede que ele, como homem da imprensa, interceda por sua espécie tão injustiçada. A crônica critica a disparidade existente na aplicação de penas existente entre ricos e pobres. Os primeiros, não importa o que façam, safam-se da justiça mediante seus recursos financeiros, os outros, por mais insignificantes que sejam seus crimes, cumprem penas exageradas. Em outro momento, Machado de Assis aproveita para criticar as propostas de ensinar o inglês nas escolas públicas, afinal, para alguns professores de seu tempo, tal idioma possuía mais importância que o português.

O boi

Publicada em 1 de outubro de 1876. Fragmento de crônica que critica a opinião pública para representar. O autor usa a figura do boi para representar a pecuária criticada pela opinião pública, partindo de tal analogia, ele ressalta o papel do boi em tal embate, afirmando que ele nada tem a ver com tal debate, afinal, seu interesse nunca importa, sempre estando subordinado aos interesses do produtor, do intermediário e do consumidor.

Caso de bigamia

Publicada em 23 de setembro de 1894. Partindo de um suposto caso de bigamia que não pode ser comprovado perante a lei (já que existe um atestado de óbito para a primeira esposa do homem), o autor defende que o único meio de se chegar até a verdade é através do espiritismo. O texto critica o fato de que apenas levamos a sério, ignorando-as. Veja, por exemplo, o que acontece com o personagem “Camilo”, de A cartomante.

História de bichos

Publicada em 1 de julho de 1894. O texto narra outro dilúvio. O autor reuniu sete casais de cada animal e, pondo-os em uma arca, tentou conter as diferenças entre eles, no final, soltou uma pomba pela janela e ela não voltou, soube assim que o dilúvio havia acabado e liberou os animais que saíram juntos, alguns enroscados amigavelmente em outros e outros, por sua vez, oscilando entre vôos e saltos de felicidade. A crônica trata das diferenças entre aqueles que, à primeira vista, são semelhantes, dos desentendimentos surgidos pela superlotação e, sobretudo, da alegria daqueles que sobrevivem a acidentes e desastres, uma alegria que derruba todas as barreiras.

PARTE III - PALAVRAS E PENSAMENTOS

Nesta terceira e última parte do livro, encontram-se as crônicas de Machado de Assis que versam sobre o poder das palavras, do discurso, da escrita e, sobretudo, suas influências na sociedade. Existem também em algumas crônicas certas incursões metalingüísticas feitas pelo autor acerca do ofício do cronista e todos os fatores que compõem esse gênero textual.

Pergunta e resposta

Publicada em 5 de novembro de 1883. Sempre que sai na rua, algum curioso se acerca do autor e lhe indaga: “o que há de novo?”. Cansado de responder a tais perguntas, decide pôr um plano em prática; sempre que alguém lhe perguntar as novidades, ele conta um fato passado, como o terremoto de Lisboa e a morte de Gonçalves Dias. Os curiosos, como queriam saber de fatos novos e não passados, param de fazer tais perguntas ao autor. O texto é uma crítica explícita aos curiosos e mexeriqueiros da sociedade daquela época, pessoas curiosas que viam no autor – por ser um homem da imprensa – a oportunidade de se inteirarem nas últimas novidades e acontecimentos de seus dias. É também uma crítica ao descaso para com o passado, como se o que um dia aconteceu pouco valor tivesse hoje quando comparado com os mexericos da corte. Não se pode ignorar também o destaque que o autor dar às palavras, à influência que exercem no comportamento das pessoas.

Impostos

Publicada em 16 de maio de 1885. O autor encontra-se com os impostos inconstitucionais de Pernambuco. Os impostos estavam no Rio de Janeiro há quatro ou cinco meses e, tristes por terem sido expulsos da Câmara de Deputados, o autor os consola dizendo que o que os define como anticonstitucionais é apenas um adjetivo e se ele fosse escolhido o líder da nação aboliria o uso dos adjetivos e eles seriam apenas “impostos”. O poder das palavras é explorado pelo autor, afinal, sem adjetivos para qualificar as coisas, a linha que define se são boas ou más é apagada. Ele usa o caso dos impostos inconstitucionais para metaforicamente provar que, caso seja da vontade dos donos do poder, algo negativo pode ser visto com bons olhos por todos, através apenas, do uso de uma palavra adequada, que não pejorative o objeto.

O cronista e a semana

Publicada em 16 de setembro de 1894. O autor é visitado por uma semana pobre e esta vem lhe dizer que, enquanto ela durou, seu único ocorrido foi o escorregão de um homem numa casca de banana. O autor põe-se a lembrar da visita que teve anteriormente de uma semana rica. Ela (a semana rica), sempre ruidosa e enfeitada, contou que enquanto ela durou, ocorreram tragédias da pior espécie. Depois ela se despede e sai de seu escritório, o autor pede ao seu criado que, se a semana rica voltar, diga-lhe que ele não se encontra. No começo do texto o autor afirma preferir as semanas pobres às ricas, afinal, o que marca o caráter de pobreza da primeira é exatamente a ausência de assuntos trágicos,quando na segunda,o que a torna rica é exatamente a ocorrência de tais fatos. Há, na abordagem de tal temática em uma crônica,um velado exercício de metalinguagem, já que o cronista necessita de fatos para construir seus textos, e geralmente os melhores fatos dessa espécie ocorrem nas “semanas ricas”. A posição de Machado é uma auto-ironia, pois, mesmo preferindo as semanas pobres, elas pouco material lhes dão para suas crônicas.

O nascimento da crônica

Publicada em 1 de novembro de 1877. O autor fala sobre a crônica e conjectura suas origens, depois narra sua ida ao cemitério num dia quente.Participa de um sepultamento e,entrando em seu carro e indo para casa,repara em alguns coveiros que cavam uma sepultura sob um sol a pino e indaga-se:

Se o sol nos fazia mal, que não fazia àqueles pobres diabos,durante todas as horas quentes do dia?

Há, como no texto anterior, outro exercício metalingüístico, afinal,ele começa seu texto discorrendo sobre como fazer uma crônica,o que dizer a princípio e que a direção seguir e,por fim,infere onde surgiu a crônica. No decorrer do texto fala sobre se queixar da situação em que se vive e afirma que, por mais que seja penoso afirmar, sempre existirão pessoas em situação pior que a nossa, como comprova ao narrar sua ida ao cemitério.

Conto-do-Vigário

Publicada em 31 de março de 1895. O autor fala sobre um homem que passa a perna em outro e cogita onde terá surgido o famoso conto-do-vigário. Faz uma relação entre o conto literário e o conto-do-vigário e afirma que não é o tamanho do segundo que faz a sua obra,e sim de que maneira ele é feito. Uma vez mais
o autor explora o poder das palavras,poder que faz esse um homem arrancar dinheiro de outro sem que esse perceba.

Reflexões de um burro

Publicada em 8 de abril de 1894. O autor vê um burro à beira da morte, deitado sobre os trilhos dos bondes, ao seu lado foi colocada água e capim, mas o animal ignora isso, pondo-se a pensar em sua condição de burro, sua vida, suas tristezas e alegrias e falar sobre sua vida, sobre tudo aquilo que fez ou sobre o que deixou de fazer. A contragosto – tamanha era a sabedoria daquele animal – o autor se afasta, indo trabalhar. No outro dia, ao passar pelo mesmo lugar, encontra o animal morto e já estado de decomposição. O enfoque principal de tal crônica é ressaltar o poder das palavras, da oralidade, do discurso e a beleza que se encerra na comunicação oral, quando o orador domina a palavra a tal ponto que chega a enternecer seu público. Ao mesmo tempo, o autor volta ao mesmo tema de comparar veladamente o animal (neste caso, o burro) ao ser humano, suplantado pelo poder do tempo, da vida que transcorre e o faz envelhecer, definhar e morrer.

Touradas

Publicada em 15 de março de 1877. Machado ironiza a decisão de se fazer uma tourada em caridade aos necessitados, afinal, para prestar uma boa ação ao povo, fazem uma má ação aos animais. Desse modo, critica uma vez mais aqueles que, através de causas nobres (neste caso ajuda aos pobres) buscam angariar a simpatia do povo e galgar, assim, os degraus da vida política. Mais uma vez o autor exercita a metalinguagem ao definir o cronista, ou seja, como “um historiador da quinzena”, alguém que vive de contar – sob o prisma que seja – os eventos ocorridos que marcaram a sociedade neste intervalo de tempo.

Analfabetismo

Publicada em 15 de agosto de 1876. O autor trata das diferenças existentes entre as palavras e os números, afirmando que enquanto as primeiras são mais maleáveis, suscetíveis à interpretações diferentes e a mal-entendidos, os segundos são mais práticos, diretos, impossíveis de ser interpretados de outra maneira que não seja a da lógica e do bom-senso.

Grito do Ipiranga

Publicada em 15 de setembro de 1876. Um amigo do autor lhe fala que o grito do Ipiranga, que marcou a independência do Brasil, como conhecemos não ocorreu do mesmo modo que se disse, foi, na verdade, um apanhado de fatos dispersos que o povo achou melhor resumir miticamente no famoso “grito”. O autor posiciona-se justificando ironicamente:

Minha opinião é que a lenda é melhor do que a história autentica. A lenda todo o fato da in dependência nacional, ao passo que a versão exata o reduz a uma coisa vaga e anônima.
Tenha paciência o meu ilustrado amigo. Eu prefiro o grito do Ipiranga; é mais sumário, mais bonito e mais genérico.

Mais uma vez, o cronista fala sobre as palavras e seu poder, no entanto, partindo agora sobre um enfoque entre a escrita e a oralidade, entre história transcrita em todas as suas minúcias para o papel e a versão oral que resume e, de modo generalizador, dá seus tons épicos ao ocorrido.

Neologismos

Publicada em 7 de março de 1889. Critica a tentativa do senhor Castro Lopes, famoso latinista brasileiro de sua época, em criar uma série de neologismos para substituir as palavras e as frases oriundas do idioma francês – tão comuns no vocabulário dos brasileiros letrados da época. Ironiza o uso de determinadas palavras e, por fim, encerra seu texto defendendo sarcasticamente que, por mais que não se queira aceitar, muitos destes termos e expressões francesas já foram assimilados pelo nosso vocabulário, como é o caso de palavras como “reclame” ou “croquete”.

A última crônica versa sobre o poder universalizante de algumas palavras, que rompem as fronteiras de sua nação de origem e adentram em outras nações, as quais possuem seu próprio idioma. Uma das críticas mais presentes em todo o texto é o fato de que o senhor Castro Lopes repudiava o uso apenas das expressões francesas, fazendo pouco caso sobre o uso de palavras como “xale”, de origem persa.

Fonte:
Prof. Édson Carlos (UFRN). Disponível em Passeiweb

Pedro Malasartes (Vida e Morte do Malasarte)


Dizem que Malasarte era o diabo. Pois não era e tanto não era que um dia, depois que Pedro Malazarte deu pousada a Jesus Cristo, este como sempre acompanhado de Pedro — São Pedro, o chaveiro — concedeu-lhe, em paga, o direito de fazer três pedidos.

— Quero — pediu prontamente Malasarte — que quem subir nessa figueira (apontou para uma figueira no quintal) não possa descer sem que eu mande.

— Concedido.

— Quero...

— Pede o reino do céu. — Aconselhou São Pedro.

— Quero — disse o outro sem fazer caso da interrupção — que quem entrar no meu surrão não possa sair sem minha ordem.

— Concedido.

— E quero...

— ... o reino do céu. — Insinuou São Pedro.

— Que reino do céu, o quê?! Deixe de ser bobo! Quero que ninguém possa por a mão no meu boné. Só eu.

— Concedido.

Somente depois que eles partiram lembrou-se que não tinha pedido nada.

— Não há de ser nada.

Chamou o diabo, pediu-lhe dinheiro e prometeu-lhe a alma, em troca.

— Daqui a dez anos pode vir me buscar.

Daí a dez anos, o diabo apareceu.

— Vou fazer o meu testamento. Você, se quiser, pode subir naquela figueira e ir comendo uns figos enquanto me espera.

O diabo assim fez e, quando quis descer da árvore, não pôde.

Esforçou-se, ameaçou, pediu, e, por fim. Pedto soltou-o com a condição de lhe deixar mestre satanás mais vinte anos de vida. Daí a vinte anos o diabo voltou. Pedro disse:

— Meu surrão está pronto. Quer me ajudar a amarrá-lo?

O diabo foi ajudar, mas quando estava bem perto, Pedro o empurrou para dentro. Por mais que esperneasse, não conseguiu sair. Então Pedro disse:

— Você pode ir embora, mas está desfeito o nosso trato. Nunca mais me ponha os pés aqui.

O diabo deu o fora. E Pedro acabou indo para o céu, por artes do bonezinho. Foi assim: Morreu. Apareceu no céu e São Pedro bateu-lhe com a porta na cara. "Você não quis pedir o reino do céu, agora aqui você não entra".

— Está bem — resignou-se Malasarte. — Então vou para o inferno.

Foi ao inferno e o diabo não o quis lá. Voltou ao céu e pediu a São Pedro que, já que não era possível entrar que o deixasse ficar sentado à porta. São Pedro encolheu os ombros.

— Se é só isso...

Pedro ficou. Não demorou muito aproveitou-se de uma distração do santo chaveiro e atirou o bonezinho para dentro. Acontece que ninguém podia pegar no bonezinho. E acontece também que quem entra no céu não pode mais sair — pormenor típico de várias histórias populares do tipo desta. E, assim, o Malasarte entrou para pegar o boné e ficou no paraíso.