sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Carlos Leite (Mensagem Natalícia: Um conto de Natal)


Naquela véspera de Natal, o senhor Freitas regressava a casa, sozinho como sempre, pois, já há muito tempo que não convivia com ninguém, pois tinha um feitio muito especial que afastava os amigos.

Um saco de plástico na mão esquerda, chapéu-de-chuva no braço direito, uma gabardina muito comprida e muito usada; botas gastas e a "comerem" a bainha das calças já muito coçadas; óculos encarrapitados no seu grosso nariz, e uma boina muito velha na cabeça. Corpo vergado pelo peso de muitos anos - era assim o senhor Freitas!

O dia estava a findar e, o movimento nas ruas era enorme, pois, toda a gente queria chegar a casa o mais cedo possível, com os presentes para os seus familiares e amigos. Chuviscava.

Ninguém parecia reparar naquela personagem, nem este, parecia notar a presença de outros.

Uma criança se abeirou dele:

- Senhor, uma esmolinha por favor... Senhor, uma esmolinha por favor...

- Eu não dou nada a ninguém - vai-te embora daqui!" - Respondeu-lhe com mau modo o velhote.

Mas a pequena insistia

- Hoje é Natal - dê-me uma esmolinha por favor...

- O Natal é só para os outros, garota! O Natal para mim é um dia igual aos outros... ... Ai, ai que eu caio, ai...aiii…

E o senhor Freitas escorregou numa casca de banana e caiu mesmo. Logo a criança, muito aflita, gritou-lhe:

- Cuidado, senhor...

- Ai...ai, meu braço. Maldita casca de banana!...

- O senhor magoou-se? Terá algum osso partido? coitadinho... - Não se cansava de perguntar, muito aflita, a garotinha.

O velhote parecia que nem a ouvia:

- Ai, o meu braço que me dói tanto... Ó garota, apanha-me essas maçãs e também o pão. Ajuda-me a levantar. Mas cuidado, cuidado... Ai, ai o meu braço…

- Tenha calma, eu ajudo o senhor a levantar-se... Vá lá, com muito cuidadinho; vá, vá, pronto. Agora, vou levá-lo ao hospital.

O senhor Freitas, teimosamente, tentava prescindir dos seus préstimos:

- Não preciso de nada, garota! Eu vou sozinho... Mas, ai, ai... O meu braço...

Carinhosamente, a garota tentava convencê-lo a ir tratar-se:

- Está a ver?... o senhor precisa da minha ajuda. Não seja teimoso, nem mauzinho. O senhor até tem cara de homem bom!

- Eu cara de homem bom? Eu bom? Tu estás enganada - ou pretendes enganar-me... Ai…

- Olhe que é preciso ter uma grande paciência para lidar consigo! Você tem cara de homem bom e pronto - é a minha opinião!

Como sempre, o senhor Freitas estava desconfiado:

- Deixa-te disso garoto, que a mim não me consegues convencer com essa cara de anjo. Tu queres é o meu dinheiro, nada mais. Ai, o meu rico braço que cada vez me dói mais!

Já revoltada, a garota respondeu-lhe:

- Sou muito pobrezinha e não tenho ninguém que me dê de comer, mas juro que não quero o seu dinheiro, como diz...

- Tretas! É só lérias, pois todos que de mim se abeiram, só querem o meu dinheiro! E vens tu agora, com falinhas mansas, a dizeres que não o queres! E isto só por eu ter cara de homem bom!... Ai... O meu braço que me dói tanto...

A garota revoltada e já com lágrimas nos olhos, retorquiu-lhe:

- O senhor está a ser injusto para comigo!... Por acaso nunca ouviu falar em solidariedade humana?

Embora com muitas dores, o senhor Freitas não desarmava:

- Puuff, sei lá o que é que isso! A única coisa que conheço é o valor do dinheiro!

Mas não ficou sem resposta:

- Então, meu senhor, enrole todo o seu dinheiro em volta do seu braço que deve estar partido, e, talvez assim fique sem dores e com o braço curado! Por acaso o senhor não compreende o significado do Natal?!

- Lá jeito para discursos, tens tu, garota! - Comentou o velho "resmungão".

- Vou-me embora. Como vê, eu não quero o seu dinheiro. Simplesmente, estava a tentar ajudá-lo.

Dando meia-volta, ia-se a afastar, deixando o senhor Freitas muito estupefato.

- Como assim?! Vais-te embora? Tens coragem de me deixares aqui sozinho? Finalmente tu és como os outros que por aqui passam, sem repararem neste pobre velho - que até tem um braço partido...

Ao ouvir isto, a garota parou e respondeu-lhe:

- Mas o senhor é que não quer a minha ajuda!

O velhote ouviu e "engoliu em seco". Mas, logo continuou:

- Aonde está a tal tua solidariedade que ainda há pouco apregoavas? Sim, aonde é que ela está? Ao deixares aqui sozinho um pobre velho, doente e com um braço partido? Ai, ai que me dói tanto!

A garota sorriu e já mais confiante, retorqui-lhe:

- Meu senhor, enrole todo o seu dinheiro em volta do seu braço. Talvez assim se cure...

Já em tom quase suplicante, o velhote pediu-lhe:

- Mas o dinheiro não me vai curar! Preciso da tua ajuda! Eu pago-te o que tu quiseres, mas, por favor, ajuda-me a ir ao hospital! Pois preciso de me curar. Ajuda-me, garota!... Por favor!

- Dê cá o saco e o guarda-chuva: Agora, encoste-se ao meu ombro e vamos ao hospital...

E era bonito de ver.

Um velho sovina, curvado pelo peso de muitos anos, encostado ao corpo frágil de uma criança, a caminho do hospital onde ia ser tratado.

Naquela noite de Natal, o senhor Freitas, finalmente, devia de ter compreendido a mensagem de Deus:
"Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade"

Fonte:
Texto enviado por Carlos Leite Ribeiro (Marinha Grande – PORTUGAL)

Trova Ecológica 60 - Eliana Ruiz Jimenez (SC)

Autran Dourado (Ópera dos Mortos) Parte I


Sobre o autor:
http://singrandohorizontes.blogspot.com/2010/01/autran-dourado-1926.html
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É um dos romances que melhor espelha a temática e o rigor formal de Autran Dourado.

Cruzando as vozes dos diversos personagens em comentários e contrapontos, Autran Dourado mostra que o título de seu romance não foi escolhido ao acaso. Como no gênero musical a que faz referência, é a certeza de um fim trágico e as emoções arquetípicas que percorrem esta Ópera dos Mortos, uma meditação sobre os fantasmas do passado e, sobretudo, um exercício de virtuosismo narrativo.

Sua narrativa é um mergulho no passado da família Honório Cota a partir de um velho sobrado que, em sua arquitetura barroca, já corroída pelo tempo, vai revelando o destino de seus moradores, marcados pela tragédia, numa cidadezinha no interior de Minas Gerais.

O senhor atente depois para o velho sobrado com a memória, com o coração, adverte um narrador que aos poucos se confunde com a cidade onde reinava o coronel Lucas Procópio Honório Cota. Homem valente, que impunha respeito pela força e truculência, traços que passavam distante da personalidade de seu filho e herdeiro, João Capistrano. Melancólico, em luta permanente para se livrar do fantasma do pai, este fracassa na política — sua única chance de se impor na cidade, e passa o resto de seus dias trancado no sobrado que ergueu como uma espécie de monumento à família.

Com o correr dos anos, o casarão vai se impregnando cada vez mais dos fantasmas dos antepassados, que transformam tudo, de objetos a ambientes, em signos da morte. É neste ambiente opressivo e desolado que Rosalina, filha única de Capistrano, vai viver depois da morte de seus pais. Solteira, isolada do mundo e tendo como única companhia a empregada Quiquina, que é muda, ela passa seus dias fazendo flores de pano e vagando entre relógios parados e paredes carcomidas.

A rotina do sobrado vai ser alterada com a chegada de José Feliciano. Biscateiro, em busca de trabalho de cidade em cidade, Juca Passarinho, como é chamado por todos, vai aos poucos entrando no universo enigmático da casa e, principalmente, na vida da austera Rosalina.

A obra é dividida em nove capítulos cujos títulos servem de temática ao desenvolvimento dos mesmo; cada capítulo induz o leitor a uma leitura visual pelo interior e exterior dos personagens e à medida que a narrativa se desenrola, o leitor vai recebendo explicações sobre os acontecimentos anteriores e entendendo que, na verdade, são os mortos que comandam essas vidas.

Percebe-se na narrativa que o sobrado é o ponto de referência para se retornar à história da família Honório Cota uma vez que as suas ruínas contam o passado de três gerações. Com dois pavimentos, a parte de baixo, austera e pesada, fora construída pelo Coronel Lucas Procópio Honório Cota (pai). A parte de cima, leve e elegante, fora construída pelo filho João Capistrano Honório Cota.

No sobrado decadente da família Honório Cota, restou a filha Rosalina, o imponente relógio-armário parado na hora da morte de sua mãe, as flores de pano e a escrava Quiquina que se encarrega de vendê-las pelas ruas da cidade por onde Rosalina raramente aparece, sempre trancada entre as paredes sufocantes, as lembranças da família, dos mortos e do passado.

A narrativa portanto, focaliza o íntimo de Rosalina, que assume as personalidades contraditórias do pai e do avô, Lucas Procópio, herdando deles não apenas características físicas e psicológicas. Do pai herda também o orgulho ferido de um fracasso político. Todo o texto é organizado em torno da morte. Rosalina só nasce após sucessivos abortos da mãe e ela própria perde o filho no desfecho da narrativa. Solitária, vivendo apenas com Quiquina, que é muda, a protagonista se enclausura no sobrado construído pelo pai.

Isolada das pessoas da cidade, Rosalina passa os dias fazendo flores de pano entre os relógios parados. Após a morte da mãe, seu pai pára o relógio da sala sem nenhuma explicação e Rosalina repete o gesto quando seu pai morre. No desfecho, Rosalina não morre, mas, enlouquecida, é levada embora da cidade, o que pode ser considerada uma forma de morte, pois Quiquina pára o último relógio da casa.

Para romper com o silêncio da casa (Quiquina é muda) entra em cena Juca Passarinho, sonoro, falante (cujo nome é José Feliciano, ou seja, tanto o nome quanto o apelido lembram felicidade). Desde sua aproximação da cidade, Juca pressente a tragédia que causará sua ruína: tem pesadelos, a primeira visão da cidade é a voçoroca (sinal de destruição) e o cemitério (sinal de finitude). De fato, o fim trágico, característico de ópera, irá confirmar a suspeita de Juca. Transformando Rosalina e sendo transformado por ela, suas vidas são esmagadas pela engrenagem. São os fantasmas de Rosalina que tudo transformam em morte. A presença dos mortos na casa e na vida de Rosalina só é possível através do culto dos vivos, ou seja, da própria Rosalina. É nesta dimensão n egadora da morte que surge a importância do ritual.

Sozinha, reprimida por um amor que não deu certo, Rosalina que se embriaga todas as noites, se envolve sexualmente com Juca Passarinho. Mesmo sob o olhar de censura de Quiquina, eles passam a se encontrar com freqüência. Dividida em duas, pois à noite Rosalina assume uma personalidade completamente diferente da aparência diurna, confundindo Juca que se vê transformado (não tem mais a alegria do passarinho), ela engravida. Resultado de uma união profana, o filho nasce morto.

Diante disso, Rosalina enlouquece e é levada para longe da cidade. Desta vez, numa atitude antecipada no texto, Quiquina pára o último relógio da casa. As pessoas percebem, então, que não seria mais possível uma reconciliação com a família Honório Cota.

AÇÃO / ESPAÇO / TEMPO

Predominam, em Ópera dos Mortos, as ações passadas no "sobrado", centro da solidão de onde emanam lembranças e sentimento de ódio, rancor e amargura. Além do sobrado, temos a presença de outros lugares fechados: a cozinha de Quiquina, a sala e o quarto de Rosalina, o cemitério da localidade. Qualquer transição da personagem para outro território é vista como violação, transgressão. O sobrado é o "além" para a gente da cidade e até mesmo para as suas moradoras. É sagrado para Rosalina e Quiquina. Ele presentifica os mortos, uma vez que o seu valor é o não-tempo, ou seja, o tempo em que não há avanço, progresso, sucessão. Em Ópera dos Mortos, a morte está fortemente presente como a situação-limite, o evento que constitui uma determinação insuperável da vida e não pode ser contornado ou transformado pela ação. No entanto, a esta concepção existencial, contrapõe-se a deliberada decisão de Rosalina em negar o tempo presente e o tempo futuro para ater-se ao tempo passado o que possibilita, simbolicamente, a conservação daqueles que um dia viveram no sobrado. A presença dos mortos se dá, portanto, segundo a manutenção de um vínculo interanímico, estratégia que pressupõe o contato sem palavras entre vivos e mortos, para além do espaço e do tempo. Espaço, tempo e indivíduo se equivalem, o que significa ver o homem, em sentido ontológico, como um ser em contato com outros seres, consigo mesmo e com as coisas que constituem seu mundo.

Os habitantes do sobrado, espaço central da narrativa em Ópera dos Mortos, são chamados de A Gente Honório Cota. Honório vem de "honor" – honra, e a honra é defendida pelos dois de maneira diferente. Apresentados logo após a descrição minuciosa do casarão, Lucas e João serão vistos como a causa da vida conflituosa de Rosalina.

NARRAÇÃO

Ópera dos Mortos é um drama, tendo um narrador onisciente e distante que fala a uma outra pessoa o que se passou com os moradores do sobrado daquela cidadezinha do interior: Lucas Procópio (o avô), João Capistrano (o pai) e Rosalina, a filha, são personagens centrais dessa ópera, que tem como personagens secundários Juca Passarinho (o amante), Quiquina (a empregada) e seu Emanuel (o velho amigo que trabalhara para seu pai), tão importante quanto os demais.

A figura do narrador é uma peça fundamental em Ópera dos Mortos. Os costumes da gente da cidade pequena e a história de uma família vão servir de pano de fundo para uma narrativa que, por vezes, assume características reais, como que para provar sua verossimilhança.

O termo "univocidade" talvez não seja o mais apropriado para este tipo de narrador, mas é o que faz referência à esta voz que controla a narrativa: a de alguém da cidade que toma para si as vozes do povo local ao usar o termo “a gente”. Esse “a gente’ é a voz de um ser único, mas de sentimentos múltiplos, que acabará por induzir o leitor à história de suas memórias. É fato que os monólogos interiores de Rosalina, Juca Passarinho e Quiquina tomam força sozinhos, mas o narrador amarra o corpo do romance ao iniciá-lo com suas lembranças: E agora chega, não? Estou vendo que o senhor quer é gente. Paciência, só um pouco mais, um gostinho só (...) Não fazem mais disto hoje em dia. E como num teatro anuncia-se, na última linha do primeiro capítulo a personagem principal:

(E então, silêncio. Rosalina vai chegar à janela). O leitor tem a sensação de um deslocamento espaço-temporal ao ouvir a descrição memorialística do sobrado, pois deseja voltar-se para ver se realmente Rosalina está à janela:

Se quiser, o senhor pode ver Rosalina, acompanhar seus mínimos gestos, como ela acompanhava os passeantes, não com aqueles olhos embaciados, aquela neutralidade morna. Mas veja antes a casa, deixa Rosalina pra depois, tem tempo.

Não se percebe que a relação ingênua entre o ouvinte e o narrador é denominada pelo interesse em conservar o que foi narrado. E é isso que o narrador faz, prendendo o leitor-ouvinte à teia dos acontecimentos. É a partir deste momento que o narrador começa as construções de suas metáforas. O narrador, na verdade, vai bem mais além do que apenas apresentar e encerrar a história dos personagens (a presença da opinião pessoal e não só das memórias e fatual nos primeiro e último capítulos); ele serve de guia e detentor da travessia de vida dos personagens. É ele quem invoca as passagens do tempo: “Recue no tempo, nas calendas, a gente vai imaginando; chegue até o tempo do Coronel Honório”; “De repente a gente voltava ao sobrado”, como que para indicar ao leitor que, mesmo que os relógios da casa pare, o tempo não pára. Após dar direito aos personagens para que se movam e contem sua história, o narrador chega ao final da história voltando-se para o sobrado coo se não quisesse ter ou não tivesse influência nos problemas de Rosalina. Enunciado e enunciação caminham juntos e o passado torna-se presente.

Há duas grandes imagens no romance: o sobrado e o relógio. Construído pelo avô Lucas, o sobrado é terminado pelo filho João; o relógio, do tipo armário, tem um pêndulo que vai de um lado a outro, representando assim Lucas e João na vida de Rosalina. Rosalina é dupla: sobrado e relógio, bem como o sangue do pai e do avô que corre em suas veias. Juca Passarinho a escuta dizer: “Eu pensava que era igual a ele (o pai), não sou igual a ele não, sou igual a ele, o outro (o avô)”.

Há todo um envolvimento mítico em torno desse sobrado chegando mesmo a ser personificado, conforme lemos no texto:

...o reboco caído em alguns trechos como grandes placas de ferida, mostra mesmo as pedras e os tijolos e as taipas de sua carne e ossos, feitos para durar toda a vida....

PERSONAGENS

Lucas Procópio Honório Cota - é o avô de Rosalina, que lhe deixará como herança seu comportamento sexual livre. Vivia povoando a terra com filhos naturais. De caráter intempestivo, temido por suas maldades e dureza. É interessante ver que o legado (comportamento sexual livre) fica para a neta e não para o filho e o narrador nos confirma porquê: “Não, João Capistrano não era do mesmo feitio do pai”; ele só se parece com o pai:

Quando falava dos grandes planos que tinha para sua vida... e se exaltava a seu modo, os olhos lumeando muito, as mãos magras ligeiramente trêmulas é que Quincas Ciríaco cuidava vislumbrar nele a sombra do pai. mas era um Lucas Procópio em repouso, medido, compassado, não aquele turbilhão de homem.

Lucas é Procópio, que em grego significa “o que progride, o que sonha”. Ele progride ao construir a casa mais bela do lugar e fará ali o seu chão. Lucas é com o filho João uma antítese. Quincas Ciríaco, o empregado do armazém, tem medo de ser filho de Lucas, o “coisa-ruim” (uma vez que ele possuía todas as mulheres da cidade que desejava) e diz: “Só mesmo sabendo é que a gente vê que aqueles sobrados são duas casas”. Em verdade, é João Capistrano quem constrói a parte de cia do sobrado, unindo-se ao pai, dando-lhe continuidade.

João Capistrano Honório Cota - "alto, magro, descarnado como uma ave pernalta de grande porte”. Gostava das alturas: Se os balcões levavam grades de ferro batida, se a cachorrada dos beirais era aparente de onde ficaria suspenso no ar para cumprimentar o povo. Capistrano, originado de capistro, significa cabestro, mordaça e esse nome só serve para confirmar a vida controladora que legará à filha Rosalina. A vida seguiria normal, não fosse a crescente raiva de João pelos habitantes da cidade por conta de um briga política, que o levará a desprezá-los e mostrar-se superior a eles. É essa superioridade que levará a filha à clausura no sobrado e a impedirá de se relacionar com Juca Passarinho, uma vez que ele também é um habitante de fora do sobrado.

O Sobrado seria a síntese de Lucas Procópio e Joäo Capistrano.

José Feliciano (Juca Passarinho) - Tinha este apelido por causa das suas características com o passarinho. Pousava aqui e alí. Não fixava residência em parte alguma. Mas quando viu o sobrado resolveu pousar ali definitivamente. Vivia procurando uma sombra e encontrou a do sobrado. Tinha medo do fogo em todos os sentidos. Fogo para ele significava perigo de vida e quando ele se aproximou da cidade viu uma voçoroca e se aterrorizou com o fogo que lhe pareceu diabólico: Que é aquilo, seu Silvino? quase gritou, disse espantado José Feliciano apontando o buracão enorme como o leito de um grande rio seco, que ia desde as margens da estrada até se perder de vista, se confundindo com o vale, vermelho, negro. Ah, disse Silvino, o senhor nunca viu uma voçoroca? Já vi aluvião, erosão virar voçoroca, disse José Feliciano, mas deste tamanho nunca na minha vida.

Rosalina - Rosalina tem em sua vida um grande problema: sóbria, sente-se o pai, João; embriagada, sente-se o avô, Lucas:

Quem sabe Lucas Procópio não morreu de todo, vivia ainda dentro dela? Ela semente de Lucas Procópio. No canto mais escuro da alma onde brotava toda a sua força sombria. Uma força que precisava ser libertada, queria ar livre. [...] Sei, não sou Lucas Procópio, de jeito nenhum. Era mais o pai, o homem reto, cidadão. Não lhe imitava os gestos, a postura diante da vida? Sou igual a papai, sou ele não.

Rosalina, porém, sabe que “Sou de alma o coronel João Capistrano Honório Cota”, enquanto que no corpo habita o espírito de Lucas Procópio. A personagem é composta de dualidades: se é Lucas ou João, erotismo ou repressão. Ela é sobrado (duas partes, a de baixo, que o avô construiu; a de cima, cuja obra o pai completou dizendo Não derrubo obra de meu pai. Eu sou ele agora, no sangue, por dentro. A casa tem de ser assim, eu quero. Eu mais ele, e que o narrador apresenta ao leitor-ouvinte como uma obra do estilo Barroco, o período das antíteses, do duplo, do céu e da terra, de cima e de baixo, de Lucas e João; é relógio, no pêndulo que vai para lá e para cá, levando-a de menina a mulher; é o relógio da independência, que o avô usava, e é relógio de ouro, que o pai usava. Rosalina é uma mulher séria e reservada, ao mesmo tempo que se entrega para Juca, o forasteiro, como se o espírito se encontrasse com o corpo e se fundisse na mesma substância.

Aos poucos, porém, vai surgindo uma outra Rosalina, uma terceira na construção imagética da personagem. Depois de sua entrega, ela sente nojo de Juca, apesar da vontade de tocá-lo novamente. É a repressão lutando com a libertação do desejo do corpo, movendo essa engrenagem chamada Rosalina. Esse jogo de vai e vem provocará a aparição de uma outra mulher: não duas mas três pessoas distintas numa só pessoa, ou melhor – duas Rosalinas que embora se parecessem eram diferentes, a gente via, reparando bem, a primeira, a antiga, crispada e dura, a segunda redonda e pacificada, tranqüila no remanso dos gestos, e uma Rosalina solitária, sem encontro possível a não ser através do choque, da posse através do corpo, não pelos olhos e pela mente, desesperada e noturna, que em nada se parecia com as outras duas a não ser pelo fato de morarem no mesmo corpo.

É Juca quem faz a descoberta das três mulheres em uma, que se “arredondava a olhos vistos”. Sim, Rosalina está grávida, o caçador sem munição acertou o alvo. Ele começava a sentir a segunda (a solitária) “tão mansa, maternal” e muda seu comportamento. O sexo traz a morte entre eles. Juca vai se afastando de Rosalina à medida que sente nela a mudança, que sente que ela agora se comporta “feito uma fêmea de bicho não recebe macho depois de prenhe”, como diz Quiquina. Esse afastamento se concretiza quando Juca encontra as portas da casa fechada, antes ficavam apenas encostadas, para que ele pudesse entrar à noite sem ser visto por Quiquina, e a luz do quarto (que fica na parte superior do sobrado) está apagada: a fase João Capistrano voltou ao seu lugar.

Juca Passarinho é chamado pelo narrador de ‘caçador sem munição” porque ele nem sempre tinha realmente munição para caçar codornas, meio de alimentação comum ao local. Sua espingarda, símbolo de representação fálica, não lhe permite boa pontaria (devido ao problema já citado anteriormente); apesar de atirar a esmo, acaba por acertar um outro alvo, que é Rosalina. É o respeito e a submissão que ele devota a ela que vai permiti-lo o direito de conhecê-la. A personagem, então, permite a inserção de Juca em sua vida.

Grávida, Rosalina se fasta de Juca e permite que somente Quiquina a veja em seu “estado interessante”. No momento de seu parto, a gestante abandona seu lado Lucas para ser João, Quiquina pensa: “Não grita para não dar parte de fraca, coitadinha.” Ela não assume sua fraqueza nem nos momentos mais cruéis da dor do parto. Os pensamentos de Quiquina são a realidade de Rosalina, embora a empregada tivesse vontade de deixar o bebê morrer, para que a patroa volte a ser o que era antes, um membro da gente Honório Cota.

O parto de Rosalina deveria negar a descontinuidade da vida, uma vez que ela aconteceria num outro ser, mas o bebê está morto, embora não se saiba se a criança nasceu morta, pois o narrador “fecha os olhos” e as janelas para o que acontece após o parto, e a semente que estava no corpo desce à terra, ao lugar das voçorocas que “engolem” a cidade com suas goelas vermelhas, sedentas de sangue, confirmando que, se a vida é imortal, a continuidade do ser não o é. Caberá a Juca Passarinho enterrar o fruto da “imundície” praticada por ambos nas noites no sobrado:

Apanhou o embrulho e ficou olhando apalermado olhando Quiquina sem saber o que fazer com aquele peso úmido e sujo. Indagava com os olhos o que devia fazer, embora soubesse, porque não conseguia articular uma só palavra, como se ele é que fosse mudo. Quiquina fez assim com as mãos, comas unhas, igual um cachorro cavando ligeiro um buraco na terra. Depois voltou os olhos para debaixo do banco onde ele estivera sentado, e ele viu a pá; sabia agora o que ela queria dizer.

Juca não suporta mais a cadeia sentimental em que vive e decide ir-se embora do sobrado e da cidade. Ao fim da narrativa, o narrador traz o leitor de volta ao cenário inicial: De repente a gente voltava ao sobrado. Atravessávamos finalmente a ponte, o sobrado abria a porta para nós. O cenário da ópera abre-se ao público, para que este possa ouvir os acordes finais. Rosalina entoa uma cantiga em meio às noites de solidão, sem Juca e sem o filho. É vista saindo do cemitério, à noite, vestida como uma noiva. É preciso chamar seu Emanuel (que significa o que está conosco (Deus)), o amigo que administra seus bens, para transformar em atitude a cantilena de Rosalina, cuja letra ninguém é capaz de entender. Diz o narrador que “nestas horas a gente imagina, inventa muito.”

É vestida de branco e com uma rosa branca no cabelo que Rosalina desce as escadas para sair do sobrado. Sua superioridade está em outra esfera, dando “um sorriso meio abobalhado, para ninguém”. Emanuel cumprimenta-a, como um vassalo a uma rainha, como se ela ainda pertencesse à gente Honório Cota, mas sua engrenagem está parada: ela está em longes terras, “os olhos vidrados com que não viam”, nem Lucas nem João, apenas ela Rosalina, senhora do tempo que passou e que não mais voltará. Os mortos comandam enfim, o mundo dos vivos e a vida de Rosalina, que se esvai na loucura dos dias e na clausura de seu sobrado, seu mundo, seu universo, seu cosmos.

Vê-se, então que em Ópera do Mortos, o erotismo faz-se presente na vida de Rosalina, mas é sempre traspassado pela profunda repressão que a personagem vive. O que há entre Rosalina e Juca Passarinho é o movimento do ser dentro de si, uma engrenagem em movimento. Ao sair de sua posição de “senhora” para a de “amante”, Rosalina transgride o interdito de não se envolver com o que vem de fora do sobrado. Essa transgressão vai lhe gerar uma angústia

Assim ficou muito tempo, até que pudesse se mover e abrir os olhos. De onde vinha, onde estava, mesmo quem era? Eu, Rosalina, conseguiu pensar com dificuldade. Eu, viva. À dor de viver, preferia estar morta, não ter acordado nunca. Eu, por quê? Por que, como se procurasse uma conexão com o mundo e a existência. Eu, como uma liturgia, um batismo: para começar a viver, para se livrar do vazio, da angústia, do nojo no corpo.

E dúvida. No entanto, a transgressão sustenta o interdito, para dar prazer à experiência interior. Sendo assim, ao se permitir estar com Juca Passarinho, Rosalina confirma a ordem dos acontecimentos. Juca é o elo, a ponte entre ela e a cidade e amá-lo à noite (depois de se embebedar com vinho Madeira, seu favorito) faz com que ela volte a ser a reclusa durante o dia; nesta, o espírito do pai; naquela, o do avô.

Rosalina faz flores de seda e papel crepom durante o dia e Quiquina as vende na rua. Ela é o outro elo entre o sobrado e a vida que está lá fora, é a marca da continuidade da vida perante o descontínuo do ser: ela é parteira. Leva as flores para vender, em especial as rosas, as favoritas de Rosalina, pois combinam com seu nome. Enquanto faz flores, a jovem esquece o mundo. Como o trabalho não absorve a mente de Rosalina após sua entrega a Juca, há a liberação do corpo para a presença do erotismo; entretanto, esse erotismo é ambíguo, pois pode ser repressão e permissão ao mesmo tempo.

Para haver transgressão é preciso haver o proibido. O vinho às escondidas, as rosas de pano mais bonitas que ela guarda para si e o desejo por Juca Passarinho são os “proibidos” de Rosalina. A repressão que a memória do pai falecido provoca nela (em nome da honra, são a gente Honório Cota, ela deve ser melhor que os demais habitantes da cidade) funciona mais quando ela tenta esquecer e disfarçar que esteve com Juca, depois que ele a “conheceu”, no sentido bíblico da palavra. Juca pensa: “ela se guarda pra de noite, pensava quando a via neutra e fria, entretida com as flores de pano.”

Rosalina, porém, abandona aos poucos o fazer suas flores e liberta o erotismo em sua vida. O trabalho não é capaz de controlar o desejo, a sexualidade de Rosalina. Ao mesmo tempo, as ações cedem lugar ao interior, ao plano do pensamento, quando é impelida pelo instinto repressor, Rosalina chama seu envolvimento com Juca Passarinho de “águas lodosas e enganosas que estão escondidas”. Liberdade e repressão duelam nas entranhas de Rosalina; como as voçorocas simbolizam seu interior, o final desse duelo surpreenderá a cidade.

Em Ópera dos Mortos, Autran Dourado em plena sintonia com a escritura moderna do século XX utiliza símbolos para narrar uma história entremeada de acontecimentos.

O "Sobrado" representa na narrativa de Ópera dos Mortos um importante actante, visto que ele está presente nos mais significativos momentos da história (conflito, clímax e desfecho). Torna-se, portanto, de suma importância conhecê-lo, para que possamos entender a narrativa. O sobrado é a memória da Gente Honório Cota, seu passado, seu presente e seu futuro. É a casa da Ópera. A grande metáfora do romance.

Em Ópera dos Mortos encontra-se a radicalização da estrutura lúdica do barroco, o que promove a isomorfia entre forma e conteúdo. Já no primeiro bloco tem-se uma teoria do barroco, quando o narrador (coro) descreve o sobrado. As mudanças, os vários ângulos, a ilusão, o jogo de movimento e repouso, fazem da obra também um meta-romance. Ao parodiar o barroco, Autran Dourado une linguagem, estrutura e forma; para ele, o barroco não é apenas um conceito histórico, capítulo da história da arte, mas alguma coisa viva e atuante, que me estimula na elaboração da minha própria criação literária. Observamos que o barroco é um estilo marcado pela tensão harmônica de contrários. Como arte da contra-reforma, o barroco revela não a dúvida, mas a própria unidade dual do ser humano: corpo/espírito, luz/sombra, sagrado/profano, antropocentrismo/teocentrismo, entre outras. Há um forte apelo para os sentidos e para a experiência humana, por isso Autran Dourado abre Ópera dos Mortos com a frase: "O senhor querendo saber, primeiro veja", isso é propiciado pelo jogo de contrários do barroco e o aparente exagero. Ao observar as imagens barrocas, sejam elas literárias ou pictóricas, o espectador adquire novos pontos de vista, novos horizontes, porque elas não podem ser interpretadas (não se pode sabê-las) com o ponto de vista pré-existente.

Na linguagem literária, tal apelo se mostra nas imagens ambíguas produzidas pelas metáforas e oxímoros, mas essas figuras surgem aqui como produtoras de significado, o que vale dizer, de mundo, e não como mera ornamentação da linguagem.

Em Ópera dos Mortos a ambigüidade característica do barroco radicaliza-se, a ponto de unirem-se casa e personagens barrocas (o sobrado e Rosalina). Os elementos do barroco, parodiados pelo autor já na primeira parte são imagens que constroem que construirão a casa:

Veja tudo, de vários ângulos e sinta, não sossegue nunca o olho, siga o exemplo do rio que está sempre indo, mesmo parado vai mudando. O senhor veja o efeito, apenas sensação, imagine; veja a ilusão do barroco, mesmo em movimento é como um rio parado, veja o jogo de luz e sombra, de cheios e vazios, de retas e curvas, de retas que se partem para continuar mais adiante, de giros e volutas, o senhor vai achando sempre uma novidade. Cada vez que vê, de cada lado, cada hora que vê, é uma figuração, uma vista diferente. O senhor querendo veja: a casa ou a história.

O rio (repouso e movimento), o jogo de luz e sombra, de cheios e vazios, de retas e curvas, constróem a casa, a habitação das personagens principais (lembramos que o próprio sobrado é personagem).

Em Ópera dos Mortos observa-se que a riqueza simbólica é plena, porque se alarga abrangendo toda a narrativa, desde a representatividade como signo à sua vasta significação simbólica. Nos capítulos "Sobrado" e "Flor de Seda", constata-se a intenção do narrador ao nomeá-los, desenvolvendo-os com maestria e sensibilidade, revelando a importância de ambos para a obra como um todo. "O Sobrado", uma verdadeira "caixa" de segredos que centrava o conflito, o clímax e o desfecho da narrativa, é o cenário ideal para a apresentação da Ópera dos Mortos, visto que ele foi criado, meticulosamente, como um símbolo, tanto da arquitetura barroca como da fusão dos Honório Cota. Um espaço físico que também é personagem não se podendo deixar de notar a sua presença imponente e sombria. No capítulo "Flor de Seda" nota-se a sensibilidade, a delicadeza e a sofisticação de Rosalina. Uma mulher forte que desabrocha ao tornar-se frágil, ao acordar pra vida e sentir aflorar os seus desejos, ao perceber que era a flor do sobrado e que ainda exalava perfume capaz de seduzir e encontrar um homem. No entanto, para que esse rito de passagem aconteça, outros elementos da narrativa têm importante significação na sucessão desses acontecimentos. Primeiro, a "escada", símbolo da unidade, entre os dois pavimentos do sobrado, uma ponte de ligação entre o passado e o presente, às vezes o caminho da fuga; em segundo lugar, a "janela", uma espécie de fenda que permitia que um pouco do interior do sobrado fosse revelado, isto sob a névoa da cortina na qual Rosalina se escondia; em terceiro lugar, as "voçorocas", imensas crateras que ameaçam engolir tudo, o símbolo da destruição; em quarto lugar, "os relógios" instrumentos que simbolizam o tempo dos Honório Cota, e sonorizam o espaço sombrio e misterioso do sobrado.
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continua...Parte final
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Fontes:
Denilson Albano Portácio - Universidade Federal do Ceará
Laura Goulart Fonseca - doutoranda em Ciência da Literatura, Teoria Literária, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Marilúze Ferreira de Andrade e Silva - Departamento das Filosofias e Métodos - FUNREI
Carla Aparecida Alves Bento, Mestranda em Literatura Brasileira - Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Disponível em http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/livros/analises_completas/o/opera_dos_mortos

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 427)

Árvore de Natal na Praça Portugal, em Fortaleza/CE
Uma Trova Nacional

Mensagem feita de luz,
por Deus, há dois mil natais,
é a presença de Jesus
no coração dos mortais!...
HERMOCLYDES S. FRANCO/RJ–

Uma Trova Potiguar

Natal, é Cristo surgindo
para trazer salvação,
é o céu que está sorrindo
trazendo paz e perdão!
–SEVERINO CAMPÊLO/RN–

Uma Trova Premiada

2007 – Caicó/RN (Conc. Int)
Tema: NATALINO - 1º Lugar.

Melhor o mundo seria,
de harmonia e de união,
se nascesse a cada dia
um Cristo em cada cristão.
–DJALMA MOTA/RN–

Uma Trova de Ademar

Natal é festa... Emoção;
Natal é tempo de luz...
Tempo de paz e oração
para o Menino Jesus.
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram


...Uma Estrela, e a silhueta
dos Magos – sobre o areal...
Um cartão... uma caneta...
... Será só isso o Natal?!...
–NEWTON MEYER AZEVEDO/MG–

Simplesmente Poesia

Natal de Antigamente...
–WANDIRA FAGUNDES/PR–

Quando o Natal se aproxima
e acorda meu lado poeta,
mensagens transformo em rima
e o meu coração se aquieta.

Do Natal de antigamente...
guardo a imagem tão bela,
da mamãe erguendo a gente
para alcançar a janela.

Sapatinho na janela.
Lindo sonho de criança!
Meu Noel fugiu por ela ,
mas não levou a esperança.

Para não trair Noel,
meu pobre pai, em segredo,
fez de caixa e carretel
meu trenzinho de brinquedo.

Estrofe do Dia

Perdoe os seus inimigos
tire da vida, esta cruz,
onde existir ódio e treva
do amor, coloque a luz;
pense em Deus e faça isto,
dê esse presente a Cristo
nessa festa de Jesus!!!
–GERALDO AMANCIO/CE–

Soneto do Dia

Soneto de Natal
–JOSÉ ANTONIO JACOB/MG–

Essa mulher, que sonha, sofre e chora,
E o escasso seio estende, e o acaricia,
Ao filho magro, que seu leite implora,
Podia se chamar Virgem Maria.

O que lhe importa se essa noite é fria
E além da porta é Natal lá fora,
Se Jesus Cristo nasce todo dia
E está dormindo no seu colo agora?

Ela é Nossa Senhora da Pureza,
Cuida da nossa vida de pobreza
E ora por nós que somos filhos seus...

Essa Mulher, que sonha, sofre e chora,
Só pode ser então Nossa Senhora,
A Mãe de todos nós... A Mãe de Deus!

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Monteiro Lobato (Reinações de Narizinho) Cara De Coruja – II – Cinderela


Uma carruagem parou no terreiro. O marquês de Rabicó adiantou-se para perguntar de quem era. Em seguida abriu a porta e anunciou:

— Senhorita Cinderela, a princesa das botinas de vidro!

— Como é estúpido! — exclamou Narizinho. — Cinderela é casada e não usa “botinas de vidro”. Uma boa botina de vidro de garrafa precisa você no focinho...

Depois foi receber a famosa princesa, à qual fez uma grande mesura, dizendo: “Assalam alêikan!” Cinderela admirou aquele modo oriental de saudação, que Narizinho tinha aprendido num volume das Mil e Uma Noites, e como também entendesse muito de coisas orientais, porque ia a muitas festas do príncipe Codadad e outros, respondeu na mesma língua: “Alêikan assalam!”

— Faça o favor de sentar-se, princesa! — disse a menina indicando uma cadeira de espaldar marcado com as iniciais G. B. (Gata Borralheira) em grandes letras de ouro — letras recortadas em casca de laranja por Pedrinho. Depois fez as apresentações:

— Permita-me, senhora princesa, que apresente meu primo Pedrinho, o conde dos Bigodes de Manga, e a minha amiga Emília, marquesa de Rabicó.

Pedrinho saudou Cinderela com uma curvatura de cabeça. Já Emília esqueceu todas as recomendações e enfiou-se debaixo da cadeira de Cinderela para ver bem de perto os seus famosos pés calçados no menor sapatinho do mundo. A menina horrorizou-se com aquela inconveniência; Cinderela, porém, achou muita graça. Pôs Emília no colo, dizendo:

— Já a conheço de fama!

A boneca tomou conta dela imediatamente.

— Também eu conheço toda a sua história. Mas há um ponto que não entendo bem. É a respeito dos tais sapatinhos. Um livro diz que eram de cristal; outro diz que eram de cetim. Afinal de contas estou vendo você com sapatinhos de couro...

Cinderela riu-se muito da questão e respondeu que na verdade fora com sapatinhos de cristal ao famoso baile onde se encontrou com o príncipe pela a primeira vez. Mas que esses sapatinhos não eram nada cômodos, faziam calos; por isso só usava sapatinhos de camurça.

— E de que número?

— Trinta.

— Trinta? — exclamou a boneca admirada. — Então meu pé é muito menor, porque o meu número é 3 — e no entanto nunca me apareceu nenhum príncipe encantado!...

— Sim — disse a princesa — mas ainda pode aparecer. Não perca a esperança, Emília!...

— Há outro ponto que me causa dúvidas — continuou a boneca. — Que é que aconteceu para sua madrasta e suas irmãs, afinal de contas? Um livro diz que foram condenadas à morte pelo príncipe; outro diz que um pombinho furou os olhos das duas...

— Nada disso aconteceu — disse Cinderela. — Perdoei-lhes o mal que me fizeram — e hoje já estão curadas da maldade e vivem contentes numa casinha que lhes dei, bem atrás do meu castelo.

— Como a senhora é boa! Se fosse comigo, eu não perdoava! Sou mázinha. Tia Nastácia se esqueceu de me botar coração, quando me fez...

Narizinho achou que a prosa de Emília estava se prolongando muito.

— Basta, Emília — advertiu. — Conversar demais com uma princesa é contra as regras da etiqueta.
––––––––
Continua... Cara de Coruja– III – Branca de Neve

Fonte:
LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. I. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa

José Carlos Dutra do Carmo (Manual de Técnicas de Redação) Parte XVI


PROLIXO.

Linguagem prolixa é aquela desenvolvida através de termos e expressões supérfluas, digressões inúteis, excesso de adjetivos, períodos extensos e emaranhados.

Ser prolixo é ficar “enrolando”, “enchendo lingüiça”, não ir direto ao assunto.

Antes de mais nada, sem mais delongas, permito-me apresentar minhas sinceras e respeitosas discordâncias com relação às proposições que vossa senhoria fez presentes nesse colóquio.

Expressões prolixas: antes de mais nada, muito pelo contrário, por outro lado, por sua vez.

PRONOME.

Cuidado com o emprego ambíguo dos pronomes seu, sua, dele, dela.

Não comece frase com pronome.

ERRADO_____________CERTO
Me dá_______________Dá-me
Me presenteou_________Presenteou-me
Lhe disse isso__________Disse-lhe isso

Evite usar pronomes a todo o momento.

EM VEZ DE________________PREFIRA
Eu brinquei________________Brinquei
Eu estudei_________________Estudei
Eu dormi__________________Dormi

Não empregue pronomes pessoais do caso reto no lugar do pronome oblíquo. Escreva sempre “julgá-lo”, nunca “julgar ele”.

PROSOPOPÉIA.

É a atribuição de qualidades ou sentimentos humanos a seres irracionais ou inanimados.

A Lua espia-nos através da vidraça.
A raposa disse algo que convenceu o corvo.
O tempo passou na janela e só Carolina não viu.

PROVÉRBIO OU DITO POPULAR.

Não utilize provérbios, ditos populares, frases feitas, pois eles empobrecem a redação. Faz parecer que seu autor não tem criatividade ao lançar mão de formas já gastas pelo uso freqüente.

Portanto, nada de ficar usando:

A palavra é de prata e o silêncio de ouro.
Quem com o ferro fere, com o ferro será ferido.

Entretanto, como já diziam os sábios: depois da tempestade sempre vem a bonança. Após longo suplício, meu coração apaziguava as tormentas e a sensatez me mostrava que só estaríamos separadas carnalmente.

QUANTIDADE DE LINHAS.

Não deixe linhas em branco no corpo do texto.

Não faça menos nem ultrapasse o máximo de linhas exigido na redação.

Quando for redigir alguns temas, para efeito de treinamento, escreva 15 (quinze) linhas no mínimo a 30 (trinta) linhas no máximo, pois é assim que são pedidas as redações em vestibulares e concursos.

QUE, DE QUE.

Lembre-se de que os verbos gostar e precisar são transitivos indiretos e, portanto, são sempre precedidos de “de que”.

ERRADO
Outra coisa que gostei.
O livro que precisava era aquele.
Este é o professor que lhe falei.

CERTO
Outra coisa de que gostei.
O livro de que precisava era aquele.
Este é o professor de quem lhe falei.

QUEÍSMO.

É o uso excessivo do “que”, cuja conseqüência é produzir períodos longos. Evite-o.

ERRADO
Aquele que diz que faz que é forte e que tudo pode é que teme que se diga dele que é fraco e que nada pode.
Este é o apartamento que comprei de João, que tinha outros seis imóveis que estavam todos à venda.

CERTO
Quem diz ser forte e tudo poder teme que se revele sua fraqueza e impotência.
Este é o apartamento que comprei de João, dono também de outros seis imóveis. Estavam todos à venda.

RADICALISMO.

Não afirme o que não pode provar.

Evite análises radicais e posições extremistas, injustas e levianas.

Nada como um texto equilibrado. Posicione-se, mas sem exagero.

Todos os deputados são corruptos.
A bem da verdade, nem todos o são, não é mesmo?

Esse tipo de gente merece ser exterminado.

Radical demais, não lhe parece? E até grosseiro!

RASCUNHO.

Jamais deixe de fazer o rascunho. Ele é a primeira versão do texto. Os escritores fazem várias versões de seus livros antes de publicá-los. Não seja você, um iniciante, a querer dispensá-lo. Nele há a possibilidade de melhorar sua redação, alterar palavras, construir melhor os períodos, mudar a posição dos parágrafos, etc.

Para evitar rasuras no texto definitivo, releia o rascunho com muita atenção. Não tenha preguiça nem pressa em passá-lo a limpo. O sucesso do seu texto depende, muitas vezes, de uma leitura atenta e cuidadosa do rascunho.

Ao reler o rascunho, você se torna um leitor crítico do próprio texto. Revise-o com muita atenção: elimine, acrescente, substitua. Questione o seu texto. Esse trabalho irá, certamente, contribuir para a qualidade de seu texto definitivo.

RASURAS, BORRÕES.

Não use borracha.

Não apresente as questões desarrumadas e riscadas.

Não faça rasuras, marcas, sinais e borrões no corpo da redação.

Em caso de erro na redação já passada a limpo, risque o que estiver errado e escreva adiante de modo correto.

REALIDADE.

A realidade pode ser reproduzida literalmente ou, a partir dela, pode-se criar uma outra, com sensibilidade e imaginação.

Dorme a floresta circundante, sem sussurros de brisas, nem regorjeio de aves. Só o urutau pia longe, e uma ou outra suindara perpassa. No centro do terreiro, atado a um poste da canjerana rija, o prisioneiro branco vela.

As lágrimas da cidade enchiam bueiros que não agüentavam e empurravam para fora toda a sujeira interior. Os carros parados, na infinita espera de algo que não iria acontecer, com suas buzinas destoantes do choro de São Paulo.

REDAÇÃO OU COMPOSIÇÃO.

Leia atentamente o que está sendo solicitado.

As provas de redação têm maior peso na maioria dos vestibulares.

Planeje o texto sem utilizar fórmulas prontas. O fio condutor deve ser seu pensamento. Acredite em seus pontos de vista e defenda-os com convicção. Eles são seu maior trunfo. Capriche no conteúdo, não se desviando do tema proposto, e não se descuide da parte gramatical.

Escrever uma redação é como vender um peixe. Você precisa convencer o cliente da qualidade do seu produto. O texto escrito não é para você. Será lido e entendido por outras pessoas. Ninguém vai perder tempo para ler textos confusos e ininteligíveis. Portanto, capriche na escrita, alinhe os parágrafos, escolha bem o vocabulário, mostre organização.

Leia e releia aquilo que escreveu e faça a você mesmo as seguintes perguntas:
será que vão entender minhas idéias?
Fui claro em minhas exposições?
As orações estão bem coordenadas entre si?
Será que os períodos estão muito longos e cansativos para quem irá lê-los?
Escrevi muito e não disse nada?
Houve fuga do tema?
Escrevi o mínimo de linhas exigido pelo vestibular?

REDUNDÂNCIA.

Cuidado com as redundâncias. É errado escrever, por exemplo: “Há cinco anos atrás”. Corte o “há” ou dispense o “atrás”. O certo é “Há cinco anos...”.

Fonte:
http://www.sitenotadez.net

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Paraná em Trovas Collection - 30 - Hildemar Cardoso Moreira (Contenda/PR)

A. A. de Assis (Poêmica I)


a palavra
é uma
parábola

1.

É sexta-feira,
véspera da folia.
Lá vai Maria.
Lá vai lavar em lágrimas
a vida ávida de vida,
sofrida vida dividida
em dívidas e dúvidas.

É sábado, é domingo,
é segunda, é terça gorda.
Roda no asfalto o samba,
geme o povo em sobressalto.
Roda rotunda a moça moma,
peitos nus lançando chamas.
Gemem bocas de crianças,
barrigas ocas
mendigando mamas.
Roda impávido o desfile
na avenida multicor.
Gemem pálidos
rostos esquálidos
desfilando a dor.
O sonho roda, geme o horror.

O samba enredo, o medo em roda.
A serpentina, o ser penante.
A passarela, o pária ao lado.

O palanque, a pelanca.
O pandeiro, a pancada.
O sambeiro, o sem-nada.
O tamborim, o camburão.
O saxofone, o saque-sem-fundo.
A fantasia, a mão vazia.
A apoteose, a verminose.
A alegoria, onde a alegria?

O trilo do apito,
o grito do aflito,
o confete, o conflito.

É quarta-feira, cinzas.
Lá vai Maria.

Lavai, Maria.
Lavai o mundo, Maria.
Mundo imundo vasto mundo,
lavai o mundo, Maria!

3.

Tinha o céu e tinha a terra,
tinha o sol e tinha a lua,
tinha as estrelas,
milhares.

Tinha os lagos e as lagoas,
tinha os rios e os riachos,
e os verdes bravios
mares.

Tinha as serras e as colinas,
tinha as selvas e as campinas,
tinha os jardins e os
pomares.

Bichos nas matas correndo,
peixes nas águas brincando,
cantando as aves
nos ares,

e tudo era muito bom.

Deu-se porém que
criados
o homem mais a mulher,
criaram logo o machado,
a foice, o fogo e o veneno,

e pôs-se tudo a perder.

12.

Ave, avós.
Hão de
um dia
devolver
a vós a voz.

13.

Fascinante
ilusão:
um povo
faz-se na ação
e na ação
faz-se nação.

17.

Serra serra,
será dor.

Cessa serra,
será flor.

18.

Vai devagar,
irmão.
Melhor que o
cooper
talvez seja a
cooper/ação.

22.


A terra, irmão,
a terra
quer estar casada
com quem
puxando a enxada
lhe empreste
o braço amigo
para produzir
o trigo,
arroz, feijão.

A terra, irmão,
a terra
é generosa,
quer parir fartura.

Porém a terra, irmão,
a terra
é coração,
quer ser amada,
quer calor, ternura.

A terra é fêmea,
quer estar na mão
de quem lhe dê
carinho, ardor, paixão.

A terra é doação.

A terra é fêmea,
irmão.

Fonte:
http://aadeassis.blogspot.com/p/diversos.html

Efigênia Coutinho (É Tempo de "Reflexão")


Vem surgindo sobre a humanidade, um tipo de visão "planetária".

O mundo explode e se move, por círculos, cada vez maiores à nossa volta. Minados por tensões, conflitos, guerras, mesmo acontecendo distante de nós, repercutem-se na vida de cada um.

Não temos como evitar estas explosões, contudo, até onde podemos responder a essa consciência planetária? Somos solicitados por todo Universo a refletir intelectualmente acerca de todas estas informações , que nos saltam por todo o lado; a expressar com ação todo o impulso ético que venha do coração e da mente. A inter-relação entre os cidadãos do mundo, nos liga a cada segundo, e há muitas mais pessoas do que nossos corações conseguem acolher!
(Ou melhor: acredito que o coração seja infinito).

Sendo assim a comunicação moderna nos sobrecarrega, com mais problemas do que a Natureza Humana pode suportar e assumir. É gratificante que o coração intelecto e poder de imaginação se expandam, mas nosso corpo, nossos nervos, nosso grau de resistência e tempo de vida, não são tão flexíveis, e não consigo ajudar a todas as pessoas que tocam meu coração.

Fomos criados numa tradição, que agora se tornou inviável, pois nosso círculo foi ampliado em tempo e espaço! E por não conseguir assimilar em sua totalidade a complexidade do presente, simplifico, por sonhos Futurecidos ao lado de todos neste Natal de 2011 e Ano Novo 2012!

"A FESTA DA VIDA SOMENTE ACONTECE QUANDO PARTILHAMOS A PRÓPRIA VIDA".
Efigênia Coutinho 2011
Dezembro - 2011 - Feliz Natal
Janeiro 2012 Feliz Ano Novo
================

Todos estão convidados, e convide seus amigos!Deixem suas mensagens, sejam poesias, textos, mensagens, com alegria!

Esta foi a última semana de trabalhos na nossa Academia Virtual Sala de Poetas e Escritores, pois preciso de umas pequenas férias, tempo para mim, um ir além de todos os limites existenciais, onde numa mansuetude, conseguimos atingir um equilíbrio alma corpo, para que possamos sentir a grandeza deste Universo em que vivemos.

Agradeço o convívio com todos os amigos, poetas e escritores de nossa AVSPE, onde somamos muitas poesias e alegrias.

A Festa de Natal de nossa AVSPE, será realizada em nosso Livro de Visitas, dando a liberdade de todos participarem com suas mensagens e poesias, quantas forem seus desejos em editar.

Deixo o Link para que possam postar:
http://www.avspe.eti.br/afbook/

Fonte:
Texto enviado pela autor

Artur da Távola (A Crônica e seu Vasto Mundo)


A crônica, como a provar a inexistência de limites para a sua classificação, envereda com amplitude e liberdade pelo terreno da descrição, da narração, da reflexão ou do episódio cotidiano. Essa modalidade jornalístico-literária ou lítero-jornalística, que fez a glória de Baudelaire a Álvaro Moreyra e Rubem Braga, é uma forma contemporânea de filosofar através do devaneio, (essa instância deliciosa e sonsa) do qual a crônica se aproveita para ser profunda a fingir que é irrelevante...

Abandona os grandes assuntos e aprofunda a relação do artista escritor com os fatos de aparência corriqueira, descobrindo-lhes a graça, a poesia, o inusitado, o valoroso. A analogia, aqui, pode ser feita com o movimento impressionista na pintura quando desobrigou-se dos temas grandiosos para fixar-se em flagrantes expressivos da densidade poética assumida pela relação entre a luz, os objetos e as pessoas, segundo o acaso. Para tal concepção não importa propriamente a vista mas a visão do artista.

Sua narrativa torna-se, por isso mesmo, próxima a desenvolvimentos relacionados com a prosa poética, o texto curto, a poesia em prosa, a crônica pura e simples, o pequeno conto ou a narrativa fatual despretensiosa. Em suma, modalidades várias, um não limite. A crônica não é crônica: é aguda...

Literatura jornalística ou jornalismo literário, é gênero de difícil classificação mas real e presente tanto na história da literatura quanto na da imprensa. Não tem prestígio: tem leitores.

A dificuldade de sua elaboração está na razão inversa da facilidade de sua leitura. Daí a sutileza de seu império: ser serva. Servir. Vir a ser. Vir. Ver. Virver.

Cônego Benedito Vieira Telles (Natal em Trovas)


Maringá, 25 de dezembro de 2011

Deserto, o pasto nevado,
o vento uivava, zumbia.
O céu límpido, estrelado,
saudava a Deus que nascia.

Que luz, azul, fulgurante,
do cocho esparge o luzeiro.
Esta Luz é Deus-infante,
que ilumina o Mundo inteiro.

Em Belém, pasto deserto,
ua manjedoura plantada.
No cocho, dorme Jesus,
e a seu lado, a Mãe amada!

Em oração, o casal...
e Maria refletia.
José, todo paternal,
de beijos seu Deus cobria!

Ó Noite, tão anunciada,
o anjo aos pastores, dizia:
- vão a Belém desprezada,
à terra da profecia.

Há festa no céu, na Terra,
foi a maior deste Mundo,
nos mares, rios e serras...
Natal, mistério profundo!

Sob o pálio azul de estrelas
esgarça a neve brilhante,
cobre a gruta de Belém,
em que nasceu Deus infante.

E no silêncio da escuta,
sob o signo da alegria,
ouçamos na humilde gruta
o Deus, Filho de Maria!

Fontes:
Trovas enviadas pelo autor
Imagem obtida na Fundação de Cultura do Mato Grosso do Sul (Concurso de Presépios)

Inglês de Souza (Conto: O rebelde)


análise por Ms. Livia Sousa da Cunha

O conto O Rebelde, do livro Contos Amazônico, de Inglês de Sousa, publicado em 1893, no Rio de Janeiro, traz em sua composição nove histórias, que na introdução da terceira edição de Contos Amazônicos, podem ser consideradas quase como crônicas de costumes, ou um documento social construído a partir da observação de aspectos da região amazônica.

De maneira geral a narrativa apresenta a história do personagem Luís, ainda criança; mostra a amizade entre Luís, Júlia e Paulo da Rocha, um homem desprezado por toda a população de Vila Bela, pelo fato de ter participado da revolta de 1817 em Pernambuco. O assunto que atravessa toda a narrativa é a Cabanagem, fato que gera um clima tenso na região, bem como um sentimento de medo nos moradores pela ameaça de invasão dos cabanos. A situação se complica quando a ameaça se concretiza, os cabanos invadem Vila Bela e matam o juiz de paz Guilherme da Silveira. Luís e sua mãe Mariquinhas são salvos por Rocha e fogem juntamente com o padre João e Júlia para o sítio de Andresa.

O texto segue contando as várias situações vivenciadas pelos personagens no sítio. O personagem de Paulo da Rocha mostra-se ao longo da narrativa um grande amigo e protetor dos refugiados. Como último problema, Paulo tem sua filha capturada pelos revoltosos, que propõem uma troca da jovem pelo filho do juiz, e mais uma vez Luís é salvo, pois Paulo não faz a troca. O conto termina com Luís já adulto reencontrando Paulo que havia sido preso como um dos revoltosos, Luís consegue a liberdade de seu amigo, mas Paulo morre logo em seguida.

Em O Rebelde o tema central, o problema que impulsiona a narrativa, é a Cabanagem, assunto que envolve os personagens e direciona toda a narrativa. Neste sentido, são apresentados por meio das vozes do narrador e dos personagens vários posicionamentos e visões sobre este movimento. Estas vozes trazem versões sobre a situação social, sobre os motivos da revolta, além do posicionamento da igreja, do português, do estado, do homem marginalizado e desfavorecido, com relação às ações praticadas durante a revolta.

É por meio dessas vozes presentes no texto que se fará a leitura do conto, atentando para a organização da narrativa, dos discursos que se entrecruzam e se contrapõe como portugueses versus brasileiros; brancos versus tapuios; favorecidos versus desfavorecidos; estado versus revoltosos.

O primeiro aspecto que merece atenção é o próprio título do conto, pois quando lemos esse título nos perguntamos: Quem é o rebelde? Por que é rebelde? Essas perguntas são respondidas ao longo do texto através do comportamento e atitudes dos personagens.

A primeira resposta para essas perguntas é que Paulo da Rocha é o rebelde, pois participou da revolta de Pernambuco e, é visto pela sociedade de Vila Bela como um velho rebelde “Paulo da Rocha era pernambucano e fora um dos rebeldes de 1817, um soldado fiel do capitão Domingos José Martins, o espírito-santense.” Depois é possível também entender que o narrador, o personagem de Luís, é o rebelde, pois o garoto mostra-se possuidor de um espírito rebelde ao se interessar por tudo que é desprezado, incluindo a amizade dedicada ao homem marginalizado pela população de Vila, Paulo, como se verifica no trecho abaixo:

Desde a mais tenra infância, vivi sempre em contradição de sentimentos e de idéias com os que me cercavam: gostava do que os outros não queriam, e tal era a predisposição malsã do meu espírito rebelde e refratário a toda a disciplina que o melhor título de um homem ou de um animal à minha afeição era ser desprezado por todos.

Os dois amigos, Luís e Paulo, têm em comum um espírito rebelde, essa é a grande marca dos personagens. No entanto o personagem de grande destaque no conto é Paulo da Rocha, que aparece como uma voz de experiência (ele é um homem velho); ele representa o conhecimento (tinha o hábito de ler) e a rebeldia (participou da revolta em Pernambuco e apóia de certa forma a luta dos cabanos); é também o velho do outro mundo (comparado ao murucututu, figura lendária das cantigas usadas pelas mães de Vila para acalentar seus filhos) e um presságio funesto para o pai de Luís (quando aparece na porta da casa antes da invasão dos cabanos). Mas acima de tudo, Paulo da Rocha é um grande herói da narrativa, apresentado como um homem honesto, simples, que tem consciência de sua situação social e que é capaz de renunciar muitas coisas para salvar um grupo de amigos. Essa idéia será retomada mais tarde, quando será falado mais especificamente do personagem Paulo da Rocha.

Esta narrativa traz duas visões sobre o movimento cabano: uma que condena a revolta, visão dos brancos, portugueses, pessoas que detinham o poder; e outra que mostra ser justa a luta dos cabanos, visão defendida pelos grupos excluídos, diferentemente do conto A Quadrilha de Jacó Patacho, que traz um recorte da invasão de um grupo de revoltosos à casa da família do português Félix Salvaterra. Neste conto é ressaltado o papel de vítima dos portugueses, quando qualifica a família de Félix Salvaterra como “honrada” e possuidora de uma “consciência honesta”, e o papel de vilão dos cabanos, quando descreve os revoltosos como um aspecto feio e repugnante, “figura baixa e beixigosa”, “nariz roído de bexigas”, “boca imunda e servil”.

Nesta narrativa é mostrado apenas um lado da revolta, a violência praticada pelos cabanos, o clima de medo e terror instaurado na região amazônica durante este período, sem mostrar o porquê da revolta, a situação de exclusão social e miséria vivida por uma parcela da população paraense. O narrador conta as ações criminosas dos revoltosos, mas não mostra a violência cometida pelos guardas do governo ao conter a revolta. Já o conto O Rebelde, como foi dito anteriormente, nos possibilita a visão dos dois lados envolvidos na cabanagem, dos portugueses, brancos, da classe mais favorecida e a visão dos revoltosos e excluídos.

O texto deixa bem marcado as posições opostas tomadas pelos brancos e os caboclos, que se personificam nas figuras de Guilherme da Silveira e Matias Paxiúba. O primeiro assume o papel de dominador, conquistador e civilizado enquanto o outro é relegado ao papel de dominado, conquistado e incivilizado, ressaltando o ódio cultivado e mantido pelas duas “raças”, vejamos um trecho:

O certo é que o branco e o caboclo se haviam jurado um ódio eterno. Naqueles tempos de fortes paixões, em que todos os sentimentos tinham uma possança e uma pureza extrema, ódios arraigados e entranháveis eram comuns. Matias Paxiúba, o brasileiro, e Guilherme da Silveira, o marinheiro, tinham-se sempre encontrado inimigos – desde a primeira vez que se viram, parecia que todo o ódio das duas raças, a conquistadora e a indígena, se tinha personificado naqueles dois homens, cujos nomes eram o grito de guerra de cada um dos partidos adversos.

No conto encontramos muitas vozes que contam a Cabanagem, a do narrador adulto que conta sua experiência durante a infância com a revolta; a voz de Paulo da Rocha, homem marginalizado pela sociedade, participante da revolução de 1817 em Pernambuco; a voz de Guilherme da Silveira, juiz de paz; a voz de João da Costa do Amaral, padre e português; a voz de Mariquinhas, mãe de Luís e esposa de Guilherme da Silveira (voz que pouco aparece); a voz dos cabanos e de um dos líderes Matias Paxiúba. Essas vozes caracterizam posicionamentos políticos, representam pontos de vistas de classes sociais e marcam as relações de poder entre dominados e dominadores, compondo um painel da sociedade de meados do século XIX na Amazônia.

A voz do narrador Luís por vezes se posiciona com uma voz que condena os revoltosos chamando-os de “corja de bandidos”, de “fanáticos” possuidores de “uma alucinação religiosa e patriótica”, bem como mostra as crueldades praticadas a homens, mulheres e crianças

Os viajantes que passavam por Vila Bela narravam a meia voz as façanhas desses fanáticos caboclos, vítimas de uma dupla alucinação religiosa e patriótica, e o faziam com tal exagero que infundiam terror aos mais destemidos. Diziam de homens queimados vivos, de mulheres violadas e esfoladas e do terrível correio, suplício que inventara a feroz imaginação de um chefe.
Consistia em amarrar solidamente aos pés e as mãos da vítima e embarcá-la assim em uma canoa que, entregue à correnteza do rio, abria água em poucos minutos. [...]

A voz de Luís é essa voz que traz consigo a visão da classe em que ele está inserido, a classe favorecida e dominadora, possuidora de bens e de cargos públicos (o pai de Luís era juiz de paz), como aponta o próprio narrador “Meu pai representava a civilização, a ordem, a luz, a abastança.”, que via na luta dos cabanos uma forte ameaça para a continuação de sua dominação, o que explica o motivo dos “tapuios” serem apontados como fanáticos.

A voz do padre João representa um discurso que contradiz o seu próprio posicionamento dentro da sociedade, o de ter sempre a fé, a confiança na “Providência Divina”, pelo fato de que em alguns momentos ele declara não poder fica esperando pela providência

[...] Não podemos ficar de braços cruzados, à mercê da Providência [...] De que vale ser ministro do altar? Para esses fanáticos sanguinários, a minha antiga nacionalidade é crime que tudo faz esquecer!

e em outros ele apenas se entrega a essa possibilidade, vejamos a fala do personagem, ” – Entreguemo-nos à Divina Providência, o melhor amparo dos que padecem.” Padre João representa a voz da Igreja, de uma classe favorecida na sua condição de representante de Deus, da moral e da ordem, além de representar também o português, o branco e o colonizador. Essa voz aparece na narrativa condenando as ações dos revoltosos, “fanáticos sanguinários”, é uma voz marcada pelo medo da invasão a Vila, pelo medo do encontro com os revoltosos e que se esconde num discurso de preocupação com o povo, vejamos um trecho:

[...] — Oh! – continuou ele (padre João), depois de uma pausa, e como receando que fossem mal interpretadas as suas palavras.
– Deus me é testemunha de que não temo por mim, mas por estes povos infelizes, que serão vítima da minha involuntária culpa.

A voz de Mariquinhas soma-se à voz de Luís e a do padre João, pois é a voz de uma mulher ligada à classe social mais favorecida, voz de quem ocupa um papel de destaque, esposa do juiz de paz da região. É importante observar que essa personagem pouco fala ao longo de toda a narrativa, mas num momento de desespero desabafa e expõe sua visão obre a revolta, condenando os cabanos, apontando a luta como uma mera vontade de roubar e matar “— Isso dizem os cabanos para esconder os seus torpes motivos. O que eles querem é matar e roubar.[...]”.

Mariquinhas é uma personagem que traz consigo o preconceito de cor e de posicionamento social, pois mesmo depois de Paulo da Rocha lhe ter salvo, a personagem não consegue confiar no mulato “[...] Não posso explicar uma tal desconfiança, mas minha mãe, principalmente, não se soubera despir de antigos preconceitos, nem podia olhar com segurança para o mulato.” Como podemos verificar esta personagem esta arraigada em suas origens e em todos os preconceitos de sua classe, fato este notável na sua relação de desconfiança com Paulo, um homem simples, pobre e participante da revolta de Pernambuco.

O texto também revela a crueldade dos guardas, que fazem um cerco ao grupo de Matias Paxiúba, matam homens, mulheres e crianças. Os guardas também acham natural todas as brutalidades cometidas contra os revoltosos e só lamentam ter conseguido um único prisioneiro. Como é percebido na fala do tenente-coronel Miranda:

Atirando-se à água. Muitos deles foram mortos a tiro, outros se afogaram, alguns foram comidos de jacarés. Quando descobri a fuga mandei ativar o fogo. Ardeu das palhoças. [...] – Os que não se atiraram à água foram poucos. Mulheres e crianças morreram queimadas. Era natural. Nós não lhes podíamos acudir. O que é lamentável é que só se fizesse um prisioneiro, mas esse era de muita importância.

Todas essas vozes convergem para um único ponto: mostrar a situação instável durante a revolta Cabanagem a partir do olhar da classe social mais abastada, dos portugueses, dos brancos, em outras palavras, de como uma classe social que detinha o poder político e econômico da região enxergou a revolta.

A situação dos revoltos é contada pela voz do narrador e de outros personagens, como foi verificado nas observações acima, mas há ainda um acréscimo, pois em um certo momento da narrativa o próprio cabano ganha voz e expõe a sua visão sobre os fatos que o levaram a começar a luta, fato que surge como um diferencial dentro do texto inglesiano, “[...] — Branco mata e rouba o tapuio aos bocadinhos. Tapuio mata o branco de uma vez, porque o branco é maçom e furta o que o tapuio ganha.”. Nesta fala um dos “tapuios” tenta mostrar que o “branco” não é melhor que os revoltosos, visto que ambos matam, no entanto a diferença está na forma, o “branco” mata aos poucos por meio da exploração e o “tapuio” mata “de uma vez”, logo ambos estão cometendo os mesmos crimes só que de formas diferentes.

Esta fala surge dentro de todo o contexto da narrativa como uma força poderosa, capaz de apontar toda a situação de luta do “tapuio” em vencer a exploração que há anos lhe tinha sido imposta pelo “branco”, e por toda uma sociedade comandada pelos conquistadores portugueses, apesar da aparente liberdade alcançada pelo brasileiro com a independência do país.

Um dos lideres da revolta Matias Paxiúba também ganha voz no texto, personagem que é temido pelos portugueses, adjetivado pelo narrador como “feroz”, “cruel” e “desapiedado”, possuidor de uma “voz de trovão”, que aparece como uma figura quase mítica dentro da narrativa, traz a voz da vingança, de toda a revolta que impulsiona um desejo de acerto de contas entre o colonizado e o colonizador “— O filho dessa gente maldita – disse o tapuio em tom resoluto, - o filho de Guilherme da Silveira não pode viver. Tens que entregá-lo à vingança dos teus patrícios".

Dentro dessa fala há o conflito racial e social, traz-se à cena a relação conquistador versus conquistado, o personagem de Guilherme da Silveira, juiz de paz, português, representado a essa altura pelo filho e único herdeiro, versus o de Paxiúba, o brasileiro. Esses personagens caracterizam bem essa luta entre o conquistador, representando a “civilização”, a “ordem”, a “luz”, a “abastança”, e o conquistado representando a “ignorância”, a “superstição”, o “fanatismo”.

Outro momento em que a voz dos revoltosos se faz presente no texto, está justamente no momento da invasão de Vila Bela, em que ecoa o grito de guerra da Cabanagem “— Mata marinheiro, mata, mata!”, mostrando a força e o desejo de vingança dos revoltosos. Este grito quando é ouvido pelos portugueses gera pânico e desespero, é também um dos barulhos que acorda Luís, ainda menino, em sua casa durante a invasão. É um grito que traz consigo uma ação “matar”, um desejo e ao mesmo tempo uma ordem, um imperativo “mata”, e o alvo dessa ação é o “marinheiro”, simbolizando neste contexto a figura do juiz de paz e outros portugueses representantes da injustiça, na visão dos revoltosos.

Os revoltosos apesar de terem voz na narrativa e de exporem seus motivos em algumas falas, ainda são poucos os personagens do lado dos “tapuios” que ganham voz no texto se comparados ao número de personagens representantes dos brancos, portugueses, que condenam o movimento. Isso pode ser explicado pelo fato de que o narrador, já adulto, conta a história que vivenciou durante infância, e que foi prejudicado pela ação dos cabanos perdendo a casa, o pai e os amigos Rocha e Júlia.

Além de todas as vozes dos dominadores e dominados, há no texto uma voz diferenciada, a voz do personagem Paulo da Rocha que media de certa forma as outras vozes, uma voz que analisa a situação social do país no contexto histórico em que ele está inserido. Fala da miséria enfrentada pelas populações inferiores, da escravidão dos índios, da proclamação da independência, destaca o porquê da revolta dos cabanos, a situação de marginalização e miséria dos revoltosos mostrando um conhecimento e uma consciência política. Vejamos este momento da narrativa:

Paulo da Rocha dissertou longamente sobre as causas da cabanagem, a miséria originária das populações inferiores, a escravidão dos índios, a crueldade dos brancos, os inqualificáveis abusos com que esmagam o pobre tapuio, a longa paciência destes. Disse da sujeição em que jaziam os brasileiros, apesar da proclamação da independência do país, que fora um ato puramente político, precisando de seu complemento social. Mostrou que os portugueses continuavam a ser senhores do Pará, dispunham do dinheiro, dos cargos públicos, da maçonaria, de todas as fontes de influência, nem na política, nem no comércio o brasileiro nato podia concorrer com eles. Que, enquanto durasse o predomínio despótico do estrangeiro, o negro no sul e o tapuio no norte continuariam vítimas de todas as prepotências, pois que eram brasileiros, e como tais condenados a sustentar com o suor do rosto a raça dos conquistadores. [...]

Nesta fala de Paulo recontada pelo narrador, o personagem cria diante do leitor um panorama da sociedade brasileira, fazendo com que sejam conhecidos os problemas vividos durante o século XIX no Brasil. É feito uma crítica a organização do país, pois aponta a própria proclamação de independência como um ato político, que não possuiu um desdobramento social. Expõe a dominação ainda existente do português sobre o brasileiro, em que o primeiro detinha os cargos públicos e de governo enquanto que o segundo continuava como vítima da exploração do estrangeiro.

Este personagem ganha mais profundidade, pois não defende somente o seu lado marginal, ou tenta justificar os problemas com mais problemas, pelo contrário ele é capaz de descrever toda a situação social e política de sua região e até mesmo do país.

O personagem Rocha também faz algumas considerações sobre a Cabanagem, aponta o movimento paraense como uma extensão da Revolução de 7 de abril, e se questiona porque o governo do Rio de Janeiro, nascido de uma manifestação popular perseguia o povo do Pará . É interessante observar que, o personagem apesar de defender a luta e a causa dos revoltosos, apontando a situação de marginalização social,

[...] Bater os cabanos! Uns pobres diabos que a miséria levou à rebelião! Uns pobres homens cansados de viver sobre o despotismo duro e cruel de uma raça desapiedada! Uns desgraçados que não sabem ler e que não tem pão... e cuja culpa é só terem sido despojados de todos os bens e de todos os direitos [...] e quem disse ao senhor padre João que eu, Paulo da Rocha, o desprezado de todos em Vila Bela, seria capaz de pegar em armas contra os cabanos? [...]

também condena os crimes, as mortes e violências praticadas contra mulheres e crianças “— Senhor padre João, estou longe de provar os morticínios que têm feito os brasileiros por toda a parte [...]”.

Em alguns momentos da narrativa Rocha é visto pelo narrador como um herói, uma figura agigantada, e uma figura quase mítica “[...] uma voz oculta me indicava um herói das antigas lendas [...] um homem como eu sonhava nos meus devaneios infantis”.

Os raios do sol cadente, penetrando na humilde habitação, vinham ferir em cheio o crânio seminu do pernambucano, que, alto, ereto, agigantado e estranho, parecia outro homem, sem rugas no rosto, sem cansaço na voz, sem a habitual tristeza na fisionomia.

O personagem de Paulo é visto na narrativa de diversas formas, em alguns momentos ele é adjetivado como o pernambucano, o rebelde de 1817, o velho do outro mundo, o mulato, o velho feiticeiro, o sineiro da matriz ou estranho sineiro da Matriz, mas acima de todas essas características que lhes são atribuídas, ele é apresentado como o grande herói da história, capaz de ariscar a sua própria vida e a de sua filha para salvar a vida de um amigo e manter a palavra dada a Guilherme da Silveira. O resultado de tudo é apresentado no final do conto, ele passa muitos anos preso na cadeia, confundido como um dos cabanos, e quando ganha a liberdade morre sem condenar seus algozes, dono de uma grande bondade, fato que leva o narrador a compará-lo a Jesus de Nazaré no alto da cruz.

O pernambucano parecia ter mais de cem anos. Rugas profundas cortavam-lhe o bronzeado rosto em todos os sentidos. O corpo era de uma magreza extrema de vida que se esvai. Só lhe ficara o olhar, o olhar sereno e claro, e um sorriso de resignação e de bondade, o sorriso que teve Jesus de Nazaré no alto da cruz. [...] levei-o para minha casa, onde dois dias depois expirou nos meus braços. Voou aquela sublime alma para o céu sem murmurar contra os seus algozes.

Paulo da Rocha juntamente com os outros personagens trazem a voz da exclusão social, possibilitando ao leitor a oportunidade de conhecer um outro lado da revolta, o lado dos que foram marginalizados pelo governo, pelos portugueses, pela população detentora de maior poder aquisitivo, bem como a situação política e social do Brasil no período pós-independência nacional.

De maneira geral o conto O Rebelde, de Inglês de Sousa, conta as ações praticadas pelos cabanos, pelos guardas do governo e por outras pessoas envolvidas, reconfigurando no plano ficcional fatos do mundo real. Neste sentido, é possível por meio das vozes dos personagens e do próprio narrador conhecer os efeitos da Cabanagem na vida da população de Vila Bela.

Através da observação das vozes dos personagens, dominadores e dominados, buscou-se verificar o posicionamento de reprovação e aprovação das classes sociais sobre a revolta, tendo em vista que, essas vozes expõem ao leitor a situação política do país, a situação de miséria da população local (os chamados tapuios), bem como a exploração da população brasileira mantida pelo estrangeiro detentor de cargos públicos e do próprio governo.

A narrativa expõe os dois lados da revolta, as violências cometidas pelos cabanos e as cometidas pelo governo, diferentemente de outros textos e documentos históricos que mostram apenas a visão da classe dominante. Em O Rebelde é possível ver a denúncia na voz de Paulo da Rocha e outros personagens, que a Cabanagem não foi uma revolta sem objetivos ou motivos, pelo contrário, é exposta a situação insustentável de miséria e exclusão social que vivia o tapuio, explicando o porquê das ações violentas e da revolta como um todo, não se resumindo a um relato de guerra pelo poder, mas mostra-se como um texto revelador de uma história da sociedade da Amazônia.

Fonte:
Passeiweb

Trova Ecológica 59 - Wagner Marques Lopes (MG)

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 426)


Uma Trova Nacional

No presépio, um quadro lindo:
a jovem mãe e a criança.
– Era a ternura sorrindo,
amamentando a esperança!
–A. A. DE ASSIS/PR–

Uma Trova Potiguar


Na vida que se renova,
no Natal que se aproxima,
eu forro a mesa com trova,
e brindo a noite com rima.
–PROF. GARCIA/RN–

Uma Trova Premiada

2002 - Garibaldi/RS
Tema: Natal - M/H

O Natal já se insinua...
Na cidade que se agita,
são as crianças de rua
a consciência que grita!...
–DOMITILLA BORGES BELTRAME/SP–

Uma Trova de Ademar

Tal qual num conto de fadas,
quem sabe eu possa ver isto:
todas nações de mãos dadas
no aniversário de Cristo!
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Natal com ódio e ganância!
Bebedeira... bacanal...
– meu Deus, mas quanta distância
do verdadeiro Natal!
–ANTÍDIO AZEVEDO/RN–

Simplesmente Poesia

Luz Divina
–CARMO VASCONCELOS/PRT–

Eram de angústia os tempos tenebrosos,
quando os senhores da heresia opressora,
reinavam neste mundo, poderosos,
semeando a morte injusta, aterradora!

Mas contra a treva vil dos portentosos,
emerge a Luz por dentre a palha loura,
e erguem-se aos céus os hinos jubilosos,
a venerar Jesus na manjedoura!

C’o Deus-Menino nascem sóis radiosos
e nova fé na ansiada Paz vindoura,
que há-de brotar dos ramos amorosos,
da Sua Palavra Santa, imorredoura!

Que o Seu Verbo Divino contra o mal
floresça, vivo em nós, cada Natal!

Estrofe do Dia

Tem tanta criança pobre
Na nossa periferia,
Que nunca teve a alegria
De ter um brinquedo nobre,
pois logo cedo descobre
Não existir velho tal,
Então seja seu fanal
Transforme em seu assistido,
Porque esse é o sentido
Verdadeiro do Natal.
–PETRONILO FILHO/PB–

Soneto do Dia

Natal...
–DIAMANTINO FERREIRA/RJ–

Sinos festivos, repicai, ó sinos!...
Levai a chama da esperança a quantos,
desiludidos dos cruéis destinos,
vagueiam neste mundo, em dor e em prantos!...

Lembrai a todos os sublimes cantos
do bom Jesus, o Deus dos pequeninos:
Falai ao mundo dos fervores santos
na voz mais poderosa: a voz dos hinos!...

Fazei que vejam a bondade apenas;
e, da retina, horripilantes cenas
apagai-lhes da guerra, o horror profundo!

Pregai-lhes a concórdia e o bom senso...
Rendei justiça ao sacrifício imenso
de Quem morreu para salvar o mundo!....

Fonte:
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