quarta-feira, 11 de janeiro de 2023

Varal de Trovas n. 575

 

Fabiane Braga Lima (Apenas uma mulher…)


Cheguei numa fase da vida que me sinto privilegiada. Sabe, aquela fase, onde desatamos os nós que nos prendia a tantas futilidades. Faço o que gosto, sem pressa e sem precisar agradar ninguém. Porque, no fim, sempre acabamos sozinhos (as).            

Como é bom acordar bem humorada! Não, com o semblante triste, envergonhado por absolver tanto desprezo, e muitas vezes sermos chamadas de louca, ou vadia. Sinceramente, eu não me importo mais, não sou uma princesa, nem pretendo ser. Sou apenas uma mulher, a qual quebra tabus, nada santa! Tenho paixão pela escrita de vários gêneros, posso ser pura e impura, depende do dia. Não sou de dar indireta, sou direta sempre e apenas uma vez.                                                                         

Cresci psicologicamente! Gosto de pessoas com espíritos livres, mas nem sempre fui assim, me prendia muito ao passado. Hoje sou errante, não tenho destino. O vento me guia. Sofri muito no passado! Mas cá entre nós, o que o passado nos reserva!? Nada! Pois o passado é apenas passado. Exceto que ficam as lembranças boas, ainda dói muito. Como dói! Mas a vida segue, somos instantes. Quantas vezes chorei por amores passageiros. Hoje, restou-me o presente, onde me enxergo uma mulher, com rugas em volta dos olhos, alguns cabelos brancos, um corpão, sonhadora, e ao mesmo tempo realista.                         

São tempos sombrios de amores líquidos, fuja! Lute, lute muito, tenha sempre expectativa na vida, mas se coloque em primeiro lugar. Se priorize, quebre tabus, e (amor-próprio) sempre. Converse com o espelho e diga: — Mulher, como você é linda, tão pura e impura! Santa!? Só você pode responder...! Apenas uma mulher.

Fonte:
Texto enviado por Samuel da Costa

Domingos Freire Cardoso (Poemas Escolhidos) IX

Obs do blog: O primeiro verso e título de cada poema é do poeta colocado abaixo do título, com a página e livro onde se encontra.


À JANELA DO MEU QUARTO DE ALFAZEMA

(Augusto Nunes in "Os Espelhos da Água", p. 16)


À janela do meu quarto de alfazema
Vem a lua, de leve e a sorrir
Indagar se eu estou mesmo a dormir
Ou se namoro ainda o meu poema.

E vendo que eu hesito no fonema
Que a voz do coração há de exprimir
Um raio de luar vem redigir
A frase que me solta do dilema.

De miradouro faz esta janela
E em muitas noites saio através dela
Levado por estrelas e miragens.

E quando me levanto, de manhã
Sinto que a alma está mais pura e sã
Depois de eu regressar dessas viagens.
= = = = = = = = = = = = = = = = = =

O SILÊNCIO TEM A VOZ DUMA SAUDADE

(Cacilda Celso in "Mar Mítico / Mer Mythique", p. 27)


O silêncio tem a voz d’uma saudade
Não bate à porta e entra sem licença
Impondo a sua incômoda presença
E em casa os cantos todos ele invade.

Senta-se à mesa sem urbanidade
Mal entra pousa em tudo, sem detença
Alastra e tudo infecta, qual doença
Que venha só mostrar sua maldade.

Que se vá embora, eu tanto lhe imploro
E que me deixe em paz, eu quase choro
Temendo o que ele quer e, ao menos, fale!

Mas arrogante, mau e prepotente
Aos meus queixumes sempre indiferente
É ele que me exige que eu me cale!
= = = = == = = = = = = = =  = = = =

PRISIONEIRO EM PRISÃO DE PORTA ABERTA

(Augusto Nunes in "Os Espelhos da Água", p. 82)

Prisioneiro em prisão de porta aberta
Nas grades dos teus olhos cumpro a pena
A que este amor tão cego me condena
Mas que faz a minha alma tão liberta.

O mal de que te queixas é uma oferta
E eu dou-te a minha vida tão pequena
Em troca dos teus olhos de açucena
Onde a luz deste mundo se acoberta.

Mas impugno a sentença do juiz
E o que nos autos diz a acusação
E que num pobre réu me transformou

Pois nunca fui na vida tão feliz
E se aqui foi roubado um coração
É o meu!... e foste tu quem m’o roubou!
= = = = = = = = = = = = = = = = = =

UM RIO QUE BUSCANDO UM MAR ME DÓI

(Augusto Nunes in "Os Espelhos da Água", p. 87)


Um rio que buscando um mar me dói
Brota destes meus olhos tão magoados
Por tantos sonhos mortos e enterrados
No meu peito que a dor esmaga e mói.

O futuro almejado se destrói
Pelo nefasto e negro fel dos fados
Que os seus voos lhe traz tão amarrados
À humana pequenez que sempre os rói.

Fosse outra a sorte e a obra outra seria
Do tamanho e da cor de uma utopia
Talhada num perfume de mulher.

Fruto de tantos súbitos acasos
Se os meus olhos eu trago de água rasos
É porque o meu destino assim o quer.
= = = = = = = = = = = = = = = = = =

VIVIAM-SE MUITOS ANOS NUM SÓ DIA

(Alberto Pereira in "Textos de Amor", p. 21)


Viviam-se muitos anos num só dia
Quando esse teu sorriso em mim entrava
E aos teus beijos, inteiro, eu me entregava
Isento da noção do que ocorria.

O carinho encurtava a travessia
Do terno abraço ao fogo que avançava
Numa fogueira ardente que gastava
Os corpos que a paixão enlouquecia.

Como tochas ardendo em noite escura
Libertos do pudor e da censura
Lembramos dois faróis rasgando as trevas.

Somos partes de um todo indivisível
Mas tu roubas de mim o impossível
E a minha alma, em ti viva, tu a levas.

Fonte:
Enviado pelo poeta. Disponível em Domingos Freire Cardoso. Por entre poetas. Ilhavo/Portugal, 2016.

Samuel da Costa (Uma flor chamada Margarida)


(Para Cheila Cristina Rita)


Uma vida simples, bem ali no pé do morro, em uma pequena cidade. No fogão à lenha, uma chaleira avisa que a água está pronta para coar o café e lá fora a vida segue normalmente. E ela nem sabe que dia da semana é hoje.

Só sabe que lá fora, pessoas vestidas de negro, municiadas com velas, em uma estranha procissão, ganham as ruas, estão a fazer muito barulho, ali bem perto, e seu velho marido resmungou do quarto: — “Shara! Traz um café pro vô.” — ‘’Que alívio! Chamou a neta e não eu!” — diz Adélia em voz baixa e olhando para o chão meneando a cabeça.

A senhora de idade avançada fez as seguintes reflexões: “Quem diria que, após tantos anos de convivência, muita luta, muita fome, filhos criados, netos e netas, bisnetos e bisnetas e agora é a solidão a dois. Justamente agora que temos um teto, graças a Deus’’. Adélia Caetano com seus sessenta anos de idade e sua cor de ébano vê a vida passar de forma bem lenta. Vez ou outra, um filho, uma filha ou os netos e netas vem lhe fazer visitas rápidas ou mesmo passar um final de semana em sua humilde casa. Nesses breves períodos afasta-se a solidão.

Lá fora notícias, dão conta que o mandatário local não está mais no poder, coisas do mundo da política, dizem que ele roubou um monte de dinheiro do povo, coisas de políticos, coisas que não me meto, diz para si mesma e para mais ninguém dona Delinha como é chamada Adélia, de forma carinhosa pelos seus vizinhos e familiares.

Fonte:
Texto enviado pelo autor.

Carlos Leite Ribeiro (Marchas Populares de Lisboa) Bairro dos Olivais


O bairro está irreconhecível. A exposição mundial de Lisboa, dedicada aos oceanos, mudou por completo a sua face ribeirinha. Do tempo das oliveiras restam, ainda, a Igreja e o Coreto dos Olivais Velho.

A paróquia de Santa Maria dos Olivais é tão antiga como a sua igreja. Os arqueólogos garantem que é habitada desde os tempos pré-históricos. Zona essencialmente agrícola, os Olivais foram sendo progressivamente conquistados pela indústria, chegando a ser considerados das áreas mais industrializadas no século passado. Talvez por isso, foi criado o Concelho dos Olivais em 1860, englobando 21 freguesias. Mas esta condição durou apenas até 1886, quando volta a pertencer ao Concelho de Lisboa.

O território a que se chama Olivais Velho pode considerar-se uma verdadeira ilha no meio dos prédios modernos que o cercam. Essa área, possui uma riqueza histórica relevante. É aqui que se situa a Igreja Matriz onde, em 1700, existia um tronco de árvore com propriedades milagrosas. Este pedaço de oliveira assinalava a aparição da Nossa Senhora dos Olivais, padroeira do bairro.

São ainda de realçar os azulejos do interior do templo e um Cruzeiro do século XVll. Depois, no largo principal, sobressaem o Coreto e o Chafariz. Hoje, a freguesia de Santa Maria dos Olivais é uma das mais populosas da cidade de Lisboa e, nos últimos anos, viu acrescentada uma mais-valia: a Expo 98, hoje Parque das Nações.

Desde 1965, o Centro de Cultura e Desporto dos Olivais Sul (CCDOS) organiza a Marcha Popular dos Olivais, tendo já obtido algumas classificações honrosas. Fundado em 2 de Maio de 1964, o CCDOS, tem essencialmente preocupações de caráter desportivo e social. No plano desportivo, o Clube marcou presença numa série de modalidades, incluindo tenis de mesa, basquetebol, handebol e futebol. No atletismo e na ginástica desportiva sobressaem vários recordistas nacionais, dois dos quais conseguiram as marcas mínimas necessárias para estarem presentes nos Jogos Olímpicos de Seul. Também a pesca desportiva merece destaque, pois foi três vezes campeã nacional.
 
MARCHA DOS OLIVAIS
(Hortelãs e Hortelãos)


Letra de Mário Silva
Música de Sales Martins

“Olivais que a marcha entoa
Renovado dia a dia:
Foste horta em Lisboa;
És guião: serves de guia.
Bandeirinhas tremulando,
Corações a palpitar!
Sementinha germinando,
Vidas duras, doce amar!
(Refrão)

Hortelã e hortelãos ...
Foi o nosso começar!
Coração nas nossas mãos,
P’lo futuro a trabalhar!

Couves, nabos, rabanetes,
Uvas doces, coisa boa!
Plantamos, fomos crescendo,
Fizemos crescer Lisboa!

Toca a banda no Coreto,
Dançam pares ao redor...
Trabalhar e divertir,
Tratar d’ hortas com amor!
(BIS)

E nos serões, ocarinas
Reunidas, musicavam;
Moças novas em cantigas
Enquanto os pares dançavam!

Olivais! ... Ó terra querida,
Que passado! Realeza!...
Vida, que vida, óh Vida!?...
Povo nobre, que nobreza!...

Verdes campos, malmequeres,
Entre olivedos ... Olivais
Bairro novo ... Hortas antigas:
Exemplo p’ra muito mais !!?”


Fonte:
Este trabalho teve apoio de EBAHL – Equipamento dos Bairros Históricos de Lisboa F.P.
http://www.caestamosnos.org/autores/autores_c/Carlos_Leite_Ribeiro-anexos/TP/marchas_populares/marchas_populares.htm

segunda-feira, 9 de janeiro de 2023

Nélio Bessant (Caderno de Trovas) 9

 

Cláudio de Cápua (Observar para pensar)


O ponto básico da vida, para o ser pensante, é o poder de observar. É fácil ou difícil ter esse poder de observar?

O Novo Testamento nos dá um exemplo, que nada tem a ver com religião, quando o Nazareno observa que existem pessoas que possuem olhos e não veem, ouvidos e não ouvem.

É evidente que existem pessoas com mais facilidade de observar do que outras, pois a elas nada passa despercebido. Num piscar de olhos, filtram tudo, até as minúcias de certos aspectos.

E é ai que entra a afirmação que o observar é fundamental para a vida e para a ciência.

De início, um bom exercício pode ser a observação do bater das asas dos pássaros, das nuances da luz do dia a dia, das belezas da natureza, do jeito de ser de cada pessoa, dos hábitos da sociedade, dos vários matizes das cores e do progresso das diversas técnicas de trabalho.

A partir da observação é que formamos o nosso pensamento.
* * * * * * * * * * * * * * * * * *
Publicado na Revista Santos Arte e Cultura - Outubro 2015

Fonte:
Cláudio de Cápua. Retalhos de Imprensa. São Paulo: EditorAção, 2020.
Livro enviado pelo escritor.

Heitor Stockler de França (Poemas Avulsos) III


DENTRO DE UM GRANDE SONHO


Alma simples de poeta e coração sem jaça,
Nasci para ser bom, livre de preconceito,
Vivendo para amar na beleza e na graça
Tudo que é natural e tudo que é perfeito.

E sinto este meu ser já de tal forma afeito
A esse fino prazer, licor de azules taça,
Que me julgo feliz, glorioso e satisfeito
Na artística emoção que todo me repassa.

Embora a aparecer na áurea legião da rima,
Não vislumbro fulgor no estro que me anima,
Nem sei se há vibração nos versos que componho.

E assim, tal como a névoa errante pela altura
Infinita do céu, a mim se me afigura
Que passo por aqui, dentro de um grande sonho!
= = = = = = = = = = = = = = = = = =

BURGUÊS, BOÊMIO OU ARTISTA?

Sou burguês,
Sou boêmio,
E sou artista!

Tirar-me o privilégio
Desses dons de ventura da existência.
É um sacrilégio,
É um crime, até violência!

Na burguesia eu vivo como artista,
Entre artistas não passo de burguês…
Entretanto, não sou mais que um boêmio
Ou artista, ou burguês entre os mortais.

No meio dos artistas, sou um poeta,
Na roda dos burgueses — a honradez,
E na escala dos boêmios — ignoto! , . .

Mas para mim, tudo isso é grande prêmio,
Porque, pelo que penso, sinto e noto,
Não sou boêmio, burguês e nem artista . . .
— Sou um homem feliz e nada mais!
= = = = = = = = = = = = = = = = = =

REFLEXOS DA INFÂNCIA

Gosto de fazer versos quando chove
E ouço o marulho d'água nas sarjetas;
Esse fragor de indômitas maretas,
Tem não sei que de estranho e me comove .. .
Não é que eu seja um triste, uma alma doente,
As belezas da vida indiferente,

Mas, apenas porque
Minhas recordações de infância,
Despertam meu passado
Que, embora distante,
Ainda mora em meu ser.

Revejo, entalo, contemplativo,
Como num cosmorama,
Detalhes da época vivida
No lugarejo natal.

Agora, a casa paterna.
Depois, lá fora, na chácara,
A horta verde, o pomar,
O campo, a aguada, a mangueira,
A lida da criação;
O vento, a chuva, a bonança,
A enxurrada nos caminhos,
O sol dourando a paisagem,
E eu, como um rei de tudo,
Contente a gozar a vida.

Por isso, se está a chover
E se outra coisa não faço,
Faço poemas, versos traço,
Para a infância reviver!…
= = = = = = = = =

MELINDRE DE NAMORADO

Adeus, que me vou embora!
Adeus, garota sem alma!
Já que me roubaste a calma
Nada mais me resta agora.
Sem calma,
Agora,
É melhor que eu me vá embora,
Adeus, garota sem alma!

Já de uma feita fugi,
Quis ficar longe de ti,
Bem longe, em qualquer lugar,
Fui morar no Quero-Quero
Mas, lá não pude ficar.
Pois, meu coração sincero,
Perto do teu devia estar.

Fiz tudo para esquecer
A quem não quis me querer
Por caprichinhos banais.
Ajuntei minha bagagem,
As minhas coisas triviais
E pus-me logo de viagem
Para longe de onde estás.

Adeus, que me vou embora!
Adeus, garota sem alma!
Já que me roubaste a calma
Nada mais me resta agora.
Sem calma,
Agora,
É melhor que eu me vá embora,
Adeus, garota sem alma!

Fugindo, assim, do meu pago
Fui dar comigo no Lago,
Pensando em mansão segura.
Mas, nem lá encontrei sossego
Que me trouxesse ventura.
Por ti este meu apego,
Confesso que é mal sem cura.

Pois, foi debalde, a saudade
Falou-me com ansiedade
Na garota que eu adoro.
Voltei e tu não me queres
Fico triste mas, não choro.
Há no mundo outras mulheres
O teu amor não imploro!

Garota namoradeira,
É nossa terra Palmeira,
Cada qual do seu rincão.
Nasceste no Ferrador,
E eu nasci no Boqueirão.
Tenho n'alma um grande amor,
Tu tens fel no coração.

Adeus, que me vou embora!
Adeus garota sem alma!
Já que me roubaste a calma
Nada mais me resta agora.
Sem calma,
Agora,
É melhor que eu me vá embora,
Adeus, garota sem alma!

Fonte:
Heitor Stockler de França. Alma e coração do Paraná. Brasília: Coleção Morvan Dias de Figueiredo, 1983.
Livro enviado por Vânia Ennes.

Renato Frata (Nanocontos) 4

Abstêmia

Trêmulo, encheu o copo e esperou a vontade passar. Ao se ir, sorriu vingado. Entornou na pia.
= = = = = = = = =

Alvitre

Passei 90 dias lembrando da senhora mãe do meu dentista. Aí acabou o tratamento.
= = = = = = = = =

Amélia

Apaixonada, a    borracha se acabou desfazendo os erros do amado lápis.
= = = = = = = = =

Azar

Seus gemidos nunca foram ouvidos; é que morava num beco sem saída.
= = = = = = = = =

Banho a dois

Nos fiapos da toalha, seu perfume ainda se contorce... e banha seu frescor no meu nariz.
= = = = = = = = =

Birra

Sombra teimosa: esticou, engordou, cresceu e quase sumiu de encolhida, mas não largou do meu pé.
= = = = = = = = =

Culpa

Nos grotões da vida, pia sempre em tardia hora a coruja preguiçosa da consciência,
= = = = = = = = =

Despeito

Atrasado, vestiu-se e saiu apressado. Tropeçou no sol sentindo a vida lhe correr pela cara.
= = = = = = = = =

Espaventado

Seus caminhos sempre foram tortuosos e ele nunca se encontrou: eixo fora de centro.
= = = = = = = = =

Estoque

Sob a minha cama, gemem camadas de sono pouco usadas.
= = = = = = = = =



Ao se levantar, orou e agradeceu pela noite. Nada sentiu, mas sua alma se vestiu com armadura.
= = = = = = = = =

Frigoríficos

Tão forte a velhacagem que a "Carne Fraca" fortaleceu o açougueiro da esquina.
= = = = = = = = =

Gratidão

O tapete de sibipiruna, tão lindo, inspirou poema; então, embevecido, dediquei-o a você,
= = = = = = = = =

Herança

Hoje nossas marcas são enxutas. As de ontem se banharam no suor do trabalho.
= = = = = = = = =

História

Num pé-de-vento a saia foi à cabeça e corpo se empoeirou. Era o diabo assanhado nele.
= = = = = = = = =

Lábios

Grossos, finos, largos, grandes, pequenos deslizam beijos e palavras. O doce fica por sua conta.
= = = = = = = = =

Natureza

A alma da árvore esfarelou-se nos dentes da serra e o vento espalhou cinzas da incinerada.
= = = = = = = = =

Paciência

O dia de ontem foi tão bom que deveriam inverter o calendário, porque hoje, ó, tá um saco!
= = = = = = = = =

Poesia negra

Verso perverso é aquele que sai da boca com raiva em praguejo: procura por Augusto dos Anjos.
= = = = = = = = =

Precaução

Diante da juventude de Chapeuzinho, o lobo, velhusco, saiu de fininho: melhor preservar a fama.
= = = = = = = = =

Resfriado

Chuva fininha, arrepio na espinha, frio na alma e lágrima escorrida do nariz.
= = = = = = = = =

Responda Rápido

Se a Terra do Ninguém é de ninguém, e se ninguém é ninguém, quem será o dono?
= = = = = = = = =

Sem-teto

Não tendo para onde ir, todos os ais se esconderam na ponta da agulha.
= = = = = = = = =

Só observam

Na briga entre o Bem e o Mal, o Bom e o Mau ficaram de fora. Questão de semântica.
= = = = = = = = =

Visão

No balanço das horas, as cordas do relógio despertam o despertador Olho-a que dorme feliz.
= = = = = = = = =

Visita

Um louco invadiu com faca na mão o hospital onde se tratava. Na outra levava uma laranja.

Fonte:
Renato Benvindo Frata. 308 Nanocontos. Paranavaí/PR: Autografia, 2017.
Livro enviado pelo autor.

Jaqueline Machado (Justiça estupidificada)


Queria muito entender de justiça, mas no mundo em que vivo, a realização deste meu querer se torna quase impossível. Vejamos o caso do bandido Mineirinho, aquele do conto de Clarice Lispector, adorado por alguns, odiado por tantos...

Sim. Mineirinho existiu e era bandido. E seus atos precisavam ser contidos pela ação da justiça. É o que tinha de ser feito. E foi. Até aí, tudo bem, não fosse a maneira com que a justiça se manifestou.

Mineirinho foi morto com treze tiros, quando precisava de apenas um”, disse a autora certa vez em entrevista.

Se apenas um tiro bastava, por que o policial continuou a atirar?

Por justiça?

Não, porque queria cometer o seu crime particular. A ação da vingança e do ódio tornou o que deveria ser justo, em um ato de justiça estupidificada, como descreve o texto de Clarice.

Este conto não trata de uma apologia à violência. Pelo contrário, é uma nota de repúdio ao crime e ao ser criminoso que se esconde pelos labirintos sombrios de nossas entranhas trevosas, sedento de ira.

É claro que a justiça tinha que ser feita, mas o que houve naquele acerto de contas foi um assassino interrompendo a vida de outro assassino, não mais cruel, apenas mais visível aos olhos de todos.

Mineirinho me faz refletir: até onde somos honestos ao executarmos atos de honestidade?  Até que ponto chega a nossa verdade?  E a nossa compaixão?

Quantas vezes nos flagramos irritados, donos da verdade, querendo resolver tudo no grito. desejando fazer desse grito um ato de poder, quando que gritar só nos torna mais frágeis do que costumamos ser nas horas que parecemos estar em paz.

Não podemos esquecer, que todo ser humano, independente de seus acertos ou erros, é um semelhante nosso, parido de uma mesma natureza. A injustiça se apresenta em suas múltiplas faces, e somos pequenos demais para agir com tanta supremacia, uns perante os outros.

Precisamos vencer a escuridão e nos entregarmos à luz criadora. A luz que deu origem às nossas vidas. Quando isso acontecer, se é que vai acontecer, a igualdade social se fará e não existirá mais bandidos, pois todos estarão unificados pelo poderoso laço do amor.

Somos todos irmãos, parentes de uma mesma célula, de uma mesma corrente sanguínea, portanto, a justiça deve ser justa, e não estupidificada, pois toda estupidez é um sinal de ignorância, e a ignorância por si só, é uma assassina, uma assassina em série, que primeiro corrompe, depois mata a nossa dignidade.

Gostaria muito de aprender mais sobre justiça, mas está difícil...

Fonte:
Texto enviado pela autora.

domingo, 8 de janeiro de 2023

Dorothy Jansson Moretti (Álbum de Trovas) 18

 

Silmar Böhrer (Croniquinha) 71

 
Poesia ?
Expressão revelando pensamentos, sentimentos, estado de espírito. Manifestação de singularidade da vida, como também da linguagem.

Mas onde está a Poesia ?
Estamos onde está a poesia, a poesia existe onde nós existimos. Em qualquer lugar ou qualquer coisa podemos encontrar ou fazer poesia. O murmúrio das águas do córrego, um pássaro que canta, as nuvens que passeiam no espaço, em tudo há poesia - - basta que a nossa musa inspiradora esteja predisposta para perceber, num relance, as palpitações latentes que falam no interior com amenidade e cheias de doçura.

A poesia campeia no planeta, desde o mar às serranias, do deserto às florestas, entre flores e espinhos, nos vendavais e nas calmarias, em choros e gargalhadas. E é mesmo assim:  
Por mais que a tecnologia
mude a vida dos viventes,
estamos sempre presentes
aos encantos da poesia.

Fonte:
Texto enviado pelo autor

Mara Garin (Existem borboletas em mim)


Dia destes conversando com uma amiga, ela olhando minhas couves na horta, exclamou:

– Tem lagartas comendo as couves, não vai matá-las? Que nojo!!

Fui obrigada a sorrir e questionar:

– Gostas de borboletas?? Eu gosto muito de borboletas no meu jardim, então tenho que alimentar as lagartas na horta e plantar muitos pés de couves, pois mesmo elas comendo muitas folhas, nós aqui de casa, não vencemos comer as que sobram, e, quando chega a primavera , as lagartas que alimentei com  couves, dão um espetáculo divino, cor, luz, brilho e polinização no jardim.

Assim é a vida, nem todos os amigos são borboletas sempre, tem dias em que preciso alimentá-los com muito verde, para que a cor volte a iluminar seus caminhos.

Bom dia aos amigos que estão na horta, bom dia aos que estão no casulo e bom dia aos que entenderam os ciclos e hoje são borboletas em meu jardim.
* * * * * * * * * * * * * * * * * *

Mara Garin, bruxa sempre, escritora às vezes. Professora Aposentada da Rede Pública, Membro da ACL - Academia Cachoeirense de Letras e UBT - União Brasileira de Trovadores. Faz Parte dos coletivos " Poetas do Vale" Cachoeira do Sul e "Poemas à Flor da Pele" Porto Alegre.

Formada em Arte Educação- ESASC-FUNVALE/ Gestão Pública-IFSC/ Letras - Língua Portuguesa e Literatura / Língua Espanhola  - UFSM. Cursando Filosofia - UFPel.

Um currículo sem sobressaltos, mas um coração transbordante de palavras e sentimentos.

Reside e espalha a escrita nas redes sociais em Cachoeira do Sul-RS.


Fonte:
Texto enviado pela autora.

Lucília Alzira Trindade Decarli (Inquietude) 3


AUSÊNCIA

“Sentí que a ausência doída
ganhou maior dimensão
ao constatar minha vida
ausente em seu coração!”


Você, que foi presença em minha vida,
mas foi embora sem dizer-me adeus,
por avaliar, talvez, que a despedida
traria a dor crucial dos lábios seus...

Você, que no momento da partida
não se furtou de olhar nos olhos meus,
fez-me pensar ainda ser querida,
quase gritar: "não vá, fique, por Deus"!

Ante o silêncio imposto entre nós dois,
pairou a dúvida cruel, depois;
— quem, a este amor, negou vital clemência?...

— Quem pouco amou! — Constato, ao responder:
menos amando, não pôde entender
quem mais sofreu a dor que trouxe a ausência!
= = = = = = = = = = = = = = = = = =

FRUTO DA SEMENTE

Não meças nela o trabalho,
pois colheita é contingente,
mas quanto, de orvalho a orvalho,
Tu já plantaste… em "semente"…


De sol a sol, firmando as mãos no arado,
suor pingando, ao solo se entregava...
— Hoje, um trabalho rude e ultrapassado
do lavrador, que a terra cultivava.

Com grande afinco e sempre atarefado,
fazia os sulcos, com as mãos semeava
e, esperançoso a capinar, cansado,
o agricultor temente a Deus, rezava...

Pedia chuva para aquela empreita,
o pensamento firme na colheita,
depois que via germinando o grão...

E desejava, então, ardentemente,
ver pão na mesa, fruto da semente,
que enverdecera todo aquele chão!
= = = = = = = = = = = = = = = = = =

QUANDO...

“Quando eu morrer deitarei
em ti tamanha saudade,
que bem pouco ficarei
sozinha na eternidade…”


Quando estiver inerte para o mundo,
não faltará quem diga, assim: — "Coitada!"
Outros dirão a respirar bem fundo:
— "Ela descansa em paz, não sente nada..."

Terei, do amigo, a frase entusiasmada:
— "O seu trabalho resultou fecundo!"
Do desdenhoso, embora em voz velada:
— "Mas não fez nada, assim, de mais profundo..."

Não pensarão que tudo escuto, ali,
que alma não morre e não sairá daqui
até que a prece para Deus a eleve...

Nem saberão que em meio a tanta prosa,
aguardo apenas uma rubra rosa
das mãos de alguém que só dirá: — "Até breve!..."
= = = = = = = = = = = = = = = = = =

QUE AMOR É ESTE?!…

"Este amor, que ressurgiu
das cinzas, ardentemente,
veio provar que sentiu
saudade de estar presente!…”


Que amor é este, que impetuoso vem
depois de estar fadado a ser lembrança?...
Parece até desconhecer em quem
ele se agita, pois ousado avança!

Que amor é este, cheio de confiança,
que, ágil, me aponta a direção de alguém,
vindo instingar-me a radical mudança,
impondo a força que ele ainda tem?...

Que amor é este, pleno de certeza,
a convencer-me da real grandeza
que do passado traz e descortina?

Que amor é este em mim, todo Incoerente?!...
No espelho, mostra a idade, fielmente;
por dentro, faz sentir-me uma menina!...
= = = = = = = = = = = = = = = = = =

REENCONTRO

Na tua ausência formei
um rosário dos meus "ais"
e, hoje, que te reencontrei:
- Meu Deus, sofrer, nunca mais!


Antevendo o momento em que irei reencontrar-te,
repensando, feliz, quanto ainda te quero,
intento este preencher do meu tempo com arte,
vindo expor num soneto o amor puro e sincero.

A ansiedade me envolve e já sei que faz parte,
leva quase à loucura e quando eu desespero,
desse anseio sofrido, almejando o descarte,
ouço a voz da esperança e esta angústia, supero!

Com excelso desvelo eu desejo te olhar,
abraçar-te bem forte e, depois, mergulhar
na paixão que revela o que sinto por ti.

Hora e dia a apontar, terra e céu presenciando
o milagre da volta e eu prossigo rogando:
— teu amor para sempre... e esquecer que sofri!
= = = = = = = = = = = = = = = = = =

QUEM SOU?

Prossigo, nesta minha trajetória,
cantando os sonhos perdidos
de tantos amores sofridos,
dispersos no tempo e na história.
Falo de sentimentos abalados,
dos corações machucados,
das dores incrustadas na memória.

Penetro no recôndito dos seres humanos
e faço emergir dos pensamentos
as lembranças dos relevantes momentos
de alegrias, de tristezas, de desenganos...
Desnudo as paixões mais ardentes,
dos que foram muito amados,
dos que foram desprezados;
— os vitoriosos e os carentes!...

Liberto os gritos silenciosos
dos corações oprimidos e exacerbados,
até então em mutismo encarcerados...
Denuncio, com veemência, esse mal
que veloz se propaga — a injustiça social!...
Nunca me esqueço de louvar o Criador,
pois dEle é que se origina a essência do Amor.
Tampouco me omito de exaltar a Natureza;
dela , reconheço a indiscutível grandeza,
o seu árduo e incessante labor!

Persigo, entretanto, a ingrata felicidade
que, indiferente e com requintes de crueldade,
deixa a dolente saudade em seu lugar...
Por isso, abrigo-me nas almas dos poetas
incitando-os a lançarem ao vento
as palavras inspiradas neste meu intento:
— manter a chama do amor sempre acesa!
Mesmo que as expressões sejam indiscretas
e nem sempre revestidas de beleza...

E nunca é demais repetir:
melhor amar, ainda que sofrendo;
melhor a ilusão, que ter rancor remoendo;
melhor a paixão, inflamada a cada dia,
que trazer o coração congelado, a alma vazia
e, pouco a pouco, só de inércia ir morrendo...

Ah! O meu nome?... Pode chamar-me: POESIA!

Fonte:
Lucília Alzira Trindade Decarli. Inquietude. Bandeirantes/PR: Sthampa, 2008.
Livro entregue pela poetisa.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2023

Edy Soares (Manuscritos (Di)versos) – 24: Desumanidades

 

Sinclair Pozza Casemiro (Dia Universal da Paz)


Meu é só o jeito de contar

Era uma vez... uma espécie de concurso no mundo. Era preciso escolher o símbolo da paz. E era bem no início dos tempos, o mundo ainda não tinha tanta gente, tanto bicho, não. Um tempo em que os bichos também falavam.

Já se tinha certo de que seria uma pomba. Então, entre as pombas, teria que se escolher uma delas para simbolizar a paz.

E a notícia correu.

Bem...chegou o dia da escolha, muitas espécies de pomba compareceram. E todas estavam alvoroçadas, desejavam ser escolhidas como símbolo da paz.

O mundo parou para acompanhar o importante evento. Todo tipo de bicho. Da mata, do céu, das águas e do ar, homens, mulheres, crianças, jovens, velhinhos e velhinhas, pararam tudo o que estavam fazendo para acompanhar o espetáculo. O maior de todos os sábios, o mais generoso, o mais amoroso e o mais justo de todo o mundo era quem daria o veredito da “pomba da paz”.

Juntaram-se muitas pombas e de todas as espécies. Com calma, o sábio as identificou, tinha que saber quais estariam participando dessa largada. Fez questão de memorizar cada uma para não prejudicar nenhuma delas.

Chegou finalmente a hora. Todas elas a postos, o grande sábio pediu-lhes que, dada a largada, voassem, escolhessem um ramo e ali retornassem com o tal ramo. Nada mais disse. Só que prestassem atenção ao sinal que ele daria com um gesto de largada. E com o corpo e a alma, gritou: “Já!”

Foi um alvoroço, algumas já ali mesmo se precipitaram, se atropelaram, mas se repuseram rapidinho. Nenhuma se entregou aos embaraços da partida. Houve uma delas que escolheu um ramo que estava mais próximo, fez um rápido caminho de voo e imediatamente lhe entregou.

-Venci?

O sábio lhe fez um gesto de espera e ela, folgadamente se acomodou, iria aguardar. Afinal, seu ramo era perfeito, foi a primeira a chegar, era, sim, a vitoriosa.

E foram chegando, cada uma com um ramo mais lindo que o outro, assim imaginavam. Algumas se demoraram mais, caprichosas, detalhadamente escolheram seu ramo. Outras demoraram mais, também, porque foram se banhar, ajeitar as penas, apresentar-se bem. Por muitos cuidados, enfim, se envolveram. Cada qual escolheu uma razão para ser escolhida: voo caprichoso, velocidade, aparência perfeita, enfim, cada uma fez, a seu modo, sua investidura.

Todas chegaram. Todas?

- Não, falta uma. – disse o sábio.

- Será?

-Sim, vamos aguardá-la.

Mas ela não chegava. O público ficou cansado de esperar; porém, não cedeu. Ficou por ali. As pombas, algumas delas, dormiram, outras conversavam. Outras reclamavam...que falta de respeito! Que fazer? O jeito, pensavam elas, era mesmo esperar. O sábio aguardava.

Quando se passaram muitas horas, passado o dia, a dúvida de que a pomba pudesse ter-se machucado incomodou algumas. Mas...que fazer?

A noite veio, chegou a manhã, muitas dormiam, eis que, lá longe, avistaram uma ave chegando,
seria ela?

O sábio postou-se para a receber. Era mesmo ela.

A pomba, estropiada, suja, aparência de desleixo, já foi logo se desculpando:

– Me perdoem, Mestre, companheiras. Só vim, mesmo, para não desonrar o compromisso.

- Por que se demorou? Perguntou o sábio.

- Ah... Escolhi meu caminho, voava feliz, com velocidade, beleza, peguei meu ramo, muito bonito. Encontrei um pássaro em queda. Segurei-o, levei-o até o chão, vi que era velho, estava cansado. Dei-lhe água, esperei que se recuperasse, se alimentasse e o conduzi até seu ninho, mas...não era perto! Pra ajudar, na volta, me deparei com um filhote no ninho, piava muito, esperei por seus pais, que não vieram! Por certo algum caçador os abatera. Nada fácil, consegui encontrar outro ninho para o filhote, que ficou bem, ficou seguro. Não longe, uma lebre estava ferida por um predador. Consegui conduzi-la a uma fonte, mas estava com muita sede, bebeu muita água, demorou-se, a infeliz. Deitou-se, mas logo que pude a deixei em casa. E assim, Mestre, foram acontecendo coisas inesperadas, umas atrás das outras! Também, de repente... me desculpe, percebi que não era tão importante assim ser um símbolo da paz. Porém lhe dou minha palavra, o mais rápido que pude, aqui estou. Acho que maldosos souberam desse evento, Mestre, e quiseram prejudicar nossa disputa, dificultando nossos trajetos. Até chegar aqui, foram muitas as desgraças espalhadas por aí! E creio que ainda haja muitos concorrentes por aí, há muito sofrimento, podem estar ainda a caminho, se atrasando, também... Faltam muitos para chegar, ainda? Perguntou e se amontoou, exausta.

O Mestre respondeu-lhe:

-Ninguém quer prejudicar nosso evento, não, distinta pomba! O que você viu, acontece sempre. Nos caminhos, são mesmo muitas as dores e sofrimento. Não pedi a ninguém velocidade, que estivesse com a melhor aparência, que chegasse com o ramo impecável. Pedi que fizessem um caminho e que retornassem me trazendo um ramo. Chegaram bem, com excelente aparência, aqui estamos todos. Só você demorou tanto... Ora, veja...você fez o caminho da forma mais certa, mais bela! Pensou nos que encontrou em sofrimento e deu-lhes sua atenção, seus cuidados. Sem se preocupar em ser honorável, sem desejar a glória para si, você distribuiu paz. Portanto, digníssima pomba, você é a vitoriosa! Você, sim, é símbolo da paz!
= = = = = = = = = = = = = = = = = =

Devem existir muitas versões dessa história, era criança quando a ouvi. Como contar exatamente do jeito que a ouvi? Mas jamais esquecerei o que foi realmente que fez aquela pomba se tornar o símbolo da paz!

Fonte:
Texto enviado pela autora.

Baú de Trovas LX


Depois de tomar uns "treco"
para aquecer a "moringa",
o trovador de boteco
"soluceia"... e a rima pinga!
A. A. de Assis
= = = = = = = = =

Sempre que eu ponho em versos
as coisas do coração,
os pensamentos dispersos
tomam forma de oração.
Aldo Silva Junior
= = = = = = = = =

Quem já foi homem de bem,
e se fez trapo na vida,
sabe as lágrimas que tem
cada copo de bebida...
Aloísio Alves da Costa
= = = = = = = = =

É só da noite o luar;
dos pássaros, os gorjeios;
é do dia, o ensolarar,
mas do homem, os receios.
Apollo Taborda França
= = = = = = = = =

Um pai ébrio. Um infeliz
vagão que foge dos trilhos,
deixando uma cicatriz
no coração de seus filhos.
Argentina de Mello e Silva
= = = = = = = = =

Perto, sóis, ao longe, estrelas,
as mães não nos deixam sós.
Se vivas, moramos nelas,
se mortas, vivem em nós.
Barreto Coutinho
= = = = = = = = =

Em trovas fui transformando
ideias e pensamento,
que agora seguem voando,
tais como plumas ao vento!...
Carolina Azevedo de Castro
= = = = = = = = =

Dos jovens, dos anciãos,
de infantes em tenra idade,
a união de todas as mãos
faz o dom da caridade.
Cesar Augusto Sovinski
= = = = = = = = =

Palmeira que o vento abana,
na praia à beira do mar...
Ao lado de uma cabana,
jogo trovinhas ao ar!
Dario Nogueira dos Santos
= = = = = = = = =

Missa em curso e o sacristão
põe cachaça em vez de vinho,
e o vigário, no sermão,
chama o Papa de Chiquinho...
Dulcídio Moreira de Barros Sobrinho
= = = = = = = = =

Até parece chalaça,
mas a vida é mesmo assim:
Eu não gosto de cachaça;
ela é que gosta de mim!
Durval Mendonça
= = = = = = = = =

Beber com fé é o Manoel
quando aos seus santos se agarra:
De dia "San Raphael",
de noite..."São João da Barra"!
Edmar Japiassú Maia
= = = = = = = = =

O sol com exuberância
já desponta e eu, comovida,
busco nas sombras da infância
a minha aurora perdida...
Élbea Priscila de S. Souza
= = = = = = = = =

Triste a terra está incompleta
com a morte da floresta;
mas, ainda existe um poeta
cantando o pouco que resta.
Eleonora Brasil Pompeo
= = = = = = = = =

A mística de uma trova
que se evola pelos ares
reside na boa nova
das quadras bem populares!
Flávio R. Stefani
= = = = = = = = =

A mais bela experiência
que todo homem pode ter
é bem viver na decência
e na decência morrer.
Gilberto Ferreira
= = = = = = = = =

A Pátria não é somente
o céu, o rio e o chão; é mais:
É a alma da gente
que vibra no coração.
Harley Clóvis Stocchero
= = = = = = = = =

O céu de estrelas constela
o infinito azul de Deus,
mas, nenhum dos astros vela
o fulgor dos olhos teus…
Heitor Stockler de França
= = = = = = = = =

A juventude é divisa
que a vida nos dá de graça,
e a gente só valoriza
muito depois que ela passa.
Helena Kolody
= = = = = = = = =

Andávamos de mãos dadas
num amor lindo demais...
A poeira das estradas
hoje encobre nossos ais.
Janske Schlenker
= = = = = = = = =

- Cachaça traz morte lenta!
Falou a esposa, possessa.
E o sujeito nem esquenta...
- Quem disse que eu tenho pressa?!
Jerson Lima de Brito
= = = = = = = = =

A trova pra ser bonita
tal qual filhinha dileta:
traz sempre o laço de fita
da inspiração do poeta!
Joaquim Carvalho
= = = = = = = = =

Se a cachaça é uma fraqueza,
adoro viver fraquinho!
E pra aumentar a moleza,
me bota mais um traguinho.
Josué Vargas Ferreira
= = = = = = = = =

Nem mesmo o inverno mais triste,
dentro da noite enfadonha,
tira a distância que existe
entre a minha e a tua fronha.
Lourdes Strozzi
= = = = = = = = =

Malabarista, a criança,
para mendigar o pão,
equilibra uma esperança,
com três bolinhas na mão.
Madalena Ferrante Pizzatto
= = = = = = = = =

Poeta, a glória do dia
lhe seja bênção vibrante!
Busque em tudo a poesia
e faça o que sabe: cante!
Manuel M. Ramirez de Anguita
= = = = = = = = =

Preso em flagrante arruaça,
diz num sonoro impropério:
-Prendam também a cachaça,
que é quem me tira do sério!
Maria Madalena Ferreira
= = = = = = = = =

Há trovas que o vento leva;
outras, o fogo desfaz...
Mas, as minhas, sem reserva
são trovas que o vento traz.
Maria Nicolas
= = = = = = = = =

As mãos na frente, coragem
de enfrentar o diferente,
juntas levam a bagagem
do bem ou do mal da gente.
Marilena Budel
= = = = = = = = =

Depois do amor, me enternece
a vitória de ser dono
desta paz que transparece
no suspirar do teu sono!
Marina Bruna
= = = = = = = = =

Sinto meu nome tão doce,
ao você chamar por mim,
escuto como se fosse,
o canto de um Querubim.
Marita França
= = = = = = = = =

Minhas mãos em movimento
cantam a Deus uma prece.
Neste amor não há tormento,
o divino reconhece.
Marli Voigt
= = = = = = = = =

Arte, uma expressão divina,
é prece, amor ou carinho,
que grandiosa ou pequenina,
enfeita o nosso caminho!
Nair Cravo Westphalen
= = = = = = = = =

Com crianças tagarelas,
em meu rancho alegre e lindo,
até portas e janelas
vivem cantando e sorrindo!
Orlando Brito
= = = = = = = = =

Vendo o meu retrato agora,
vejo que o tempo inclemente…
fez do meu rosto de outrora,
outro rosto no presente!
Professor Garcia
= = = = = = = = =

Não me chames de senhor
que não sou tão velho assim,
e ao teu lado, meu amor,
não sou senhor nem de mim.
Rodrigues Crespo
= = = = = = = = =

Da vida, no grande coro,
eis nosso destino atroz:
Seguimos de choro em choro,
até que chorem por nós!
Tasso da Silveira
= = = = = = = = =

Fazer trova é dom... é graça...
Desce o Santo e me socorre...
E já que a trova é cachaça.
passo os meus dias... de "porre"
Therezinha Dieguez Brisolla
= = = = = = = = =

A terra é sempre esperança,
dá ao homem tudo que cria;
e nela, por fim, descansa,
ele, que em vida a feria.
Vasco José Ribas
= = = = = = = = =

Em minhas mãos tive as tuas
em tempos de doce união.
Mas minhas mãos, ora nuas
são tristeza e solidão!
Vera Rolim
= = = = = = = = =

Bendito seja o Poeta
que na leveza do verso
enfeita, acalanta, aquieta,
toda a angústia do Universo.
Vera Vargas

Concursos Literários com Inscrições Abertas para 2023


37.º Concurso Literário Yoshio Takemoto
Prazo: 15 de Janeiro de 2023


A Associação Cultural e Literária Nikkei Bungaku do Brasil, com o apoio da Fundação Kunito Miyasaka, promove o 37.º Concurso Literário Yoshio Takemoto, em suas quatro categorias em língua portuguesa: Haicai, Poesia, Conto e Crônica.

REGULAMENTO

SOBRE O TEMA:
Os trabalhos para a modalidade haicai são de tema livre.

Os demais (poesia, conto e crônica) deverão seguir o tema “Japão”.

SOBRE AS MODALIDADES:

Para Haicai, deve ser enviado um conjunto de exatos cinco haicais, inéditos e de forma tradicional, por concorrente.

Para Poesia, serão aceitos até dois poemas inéditos por concorrente, com até trinta linhas ou versos cada.

Para Conto, será aceito um único trabalho inédito por concorrente, com até cinco páginas.

Para Crônica, será aceito um único trabalho inédito por concorrente, com até três páginas.

Entende-se por inédito o trabalho que não tenha sido publicado em meio impresso ou virtual até a data do encerramento das inscrições.

SOBRE A INSCRIÇÃO:

Poderão se inscrever pessoas residentes em qualquer país do mundo, desde que se expressem em língua portuguesa e que possuam endereço no Brasil para receberem o prêmio, incluindo conta bancária neste território. Membros da diretoria da associação não poderão participar.

Cada participante poderá se inscrever em uma ou em até todas as modalidades, porém, poderá ser premiado em primeiro lugar em apenas uma.

Todos os trabalhos devem ser encaminhados para o e-mail nikkeibungaku@gmail.com, com o campo do assunto preenchido com a modalidade (haicai, poesia, conto ou crônica). Cada e-mail deve conter em anexo um único arquivo (em word) com o texto, o título, o pseudônimo e a modalidade. No corpo do e-mail deverá constar os dados: nome completo, pseudônimo, título do trabalho, modalidade, endereço completo, telefone, e-mail e biografia com até cinco linhas. No caso da modalidade haicai os cinco trabalhos deverão ser enviados em arquivo único, sem necessidade de título. No caso da modalidade poesia, se o candidato enviar mais de um poema, deverá fazer o envio em dois arquivos, no mesmo e-mail.

É importante que cada modalidade seja enviada em e-mails separados. Para garantir o anonimato, é importante que não haja qualquer forma de identificação do(a) candidato(a) no texto literário, sendo que o pseudônimo escolhido pelo concorrente não poderá estar relacionado com o seu nome verdadeiro ou literário.

O prazo para envio dos trabalhos será até às 23h59 do dia 15 de janeiro de 2023 (horário de Brasília).

SOBRE A PREMIAÇÃO:

Serão selecionados três trabalhos de cada categoria para receberem diplomas de premiação.

O(a) autor(a) do trabalho escolhido em primeiro lugar de cada categoria receberá um prêmio no valor de R$ 1000,00. O primeiro lugar também receberá uma anuidade gratuita, com o envio de três revistas e participação em nossa antologia anual. Após este primeiro ano, o premiado poderá optar por continuar ou não em nossa associação.

Também serão selecionados mais doze trabalhos em cada categoria, que receberão menção honrosa, sendo publicados ao longo do ano em edições de nossa revista impressa Brasil Nikkei Bungaku.

Cada autor(a) premiado(a) ou selecionado(a) receberá um exemplar de cortesia da revista, enviado apenas para endereços no Brasil.

SOBRE AS CONDIÇÕES DE PARTICIPAÇÂO:

Os(as) autores(as) premiados(as) e selecionados(as) concordam em autorizar, desde já, de forma gratuita e NÃO exclusiva, a Associação Cultural e Literária Nikkei Bungaku do Brasil a utilizar os trabalhos correspondentes em suas publicações, com os devidos créditos, bem como se responsabilizam totalmente pela veracidade das informações fornecidas, bem como sobre questões autorais e de qualquer ordem legal, respondendo judicialmente pelos seus atos.

Casos omissos serão decididos pela diretoria.

A simples participação neste concurso implica na aceitação plena e irrestrita de todos os termos deste regulamento.

​SOBRE O RESULTADO:

O resultado será divulgado até o dia 01 de Março de 2023, em nossos sites: www.nikkeibungaku.org.br ou www.nikkeibungaku.com.br e em nossas redes sociais (Facebook e Instagram): @nikkeibungaku.

DÚVIDAS: nikkeisecretaria@gmail.com
Fonte:
https://nikkeibungaku.com.br/yoshiotakemoto.html

= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

II Concurso de Contos Curtos – Sebo do Edy - 2023”.

Prazo: 10/01/2023 a 15/03/2023.


O Sebo do Edy com o apoio do blog: www.edmilsonnaves.blogspot.com, lança o “ II Concurso de Contos Curtos – Sebo do Edy - 2023”.

O blog. www.edmilsonnaves.blogspot.com torna-se público o “II Concurso de Contos Curtos – Sebo do Edy – Resende/RJ - 2023.”

1) Objetivo

Apresentar textos na forma de narração – dois textos escritos em tema livre.

2) Concorrentes

Somente categoria adulta acima de 18 anos de idade, a inscrição é aberta para todo o território nacional e internacional. Para autores de língua portuguesa morando fora do país.

Cada concorrente pode se inscrever com até 2 (dois) Contos Curtos.

As inscrições serão feitas por e-mail: edmilsonnaves.escritor@gmail.com.

3) Prazos

As inscrições estarão abertas - 10/01/2023 a 15/03/2023.

Os resultados estarão disponíveis no Blog: edmilsonnaves.blogspot.com no dia 01/04/2023.

4) Categoria

Texto redigido em extensão. Word Doc;

Fonte Arial, tamanho 12, espaçamento entre linhas 1.5. Conter no máximo duas páginas A4. Não deve estar formatado e nem em PDF.

No arquivo da obra deve conter:

Título em negrito, nome do autor do trabalho. Não será aceito pseudônimo.

O arquivo deve ser anexado ao e-mail: edmilsonnaves.escritor@gmail.com

O título do assunto do e-mail: II concurso de Contos Curtos –  2023 - Sebo do Edy.

Texto do e-mail: Estou enviando meu (s) trabalho (s) para participar do concurso de Contos Curtos. Colocar nome completo, endereço para correspondência e e-mail.

E uma breve biografia do autor de até 5 linhas.

Os trabalhos que não estiverem de acordo, não serão aceitos.

5) Direitos

A simples inscrição do concorrente já autoriza a publicação do trabalho (caso) classificado em Livreto Antológico com o título do concurso em formato PDF, não podendo vir a ser comercializado.

Será de responsabilidades do (a) autor (a) o dever de garantir ser de sua própria autoria o texto – não plágio - podendo o participante responder judicialmente por infringir o artigo 9.610/98 de direitos autorais.

6) Premiação

Os primeiros 12 textos classificados receberão um diploma de Menção Honrosa.

Os Contos classificados serão editados em livreto Antológico com o título “II Concurso de Contos Curtos – 2023 - Sebo do Edy”.

Cada concorrente receberá o livreto em formato PDF como lembrança da participação e não será comercializado.

6) Julgamento

O julgamento encerra-se no dia  15 de março de 2023.

As avaliações serão feitas por uma comissão de 5 membros sem vínculos com os participantes.

7) Considerações finais

Qualquer dúvida poderá ser consultada pelo e-mail: edmilsonnaves.escritor@gmail.com

A organização do concurso pede aos amigos das redes sociais que compartilhem o máximo o regulamento desta edição, a fim de obtermos o maior número de participantes no ‘ II Concurso de Contos Curtos – 2023 - Sebo do Edy – Resende/RJ”.

Edmilson Naves de Oliveira – Organizador e proprietário Sebo do Edy.

Fonte:
https://edmilsonnaves.blogspot.com/

quinta-feira, 5 de janeiro de 2023

Varal de Trovas n. 574

 


Filemon Martins (Um cara folgado)


Entrei no ônibus e só havia um lugar desocupado. Poltrona dupla, já havia um cidadão sentado na outra parte, mas com as pernas abertas ocupando todo o banco. É como se dissesse aqui é meu e ninguém tasca. Pedi licença e me sentei um pouco desconfortável, é verdade. Mas fiquei matutando: que cara folgado! Merece uma reprimenda. Este fato ocorreu muito antes do Coronavírus invadir a terra. Se fosse agora em tempo de pandemia, talvez, justificasse esse procedimento. De repente, entrou um cidadão com uma massa corpórea bem avantajada e veio vindo em minha direção e se postou bem em frente. Pensei: taí a reprimenda que eu queria. Fiz sinal para ele e cedi meu lugar para o cidadão mais forte do que eu, embora meio idoso e me encaminhei para trás do ônibus. Deixei o folgado se acertar com o recém-chegado. É o que se chama "tapa com luva de pelica".

Fonte:
Filemon Martins. Caminhos do Jordão da Bahia. SP: RG Editores, 2022.
Livro enviado pelo autor.

Humberto de Campos (O "bravo dos bravos")


Quando o tenente Felisberto regressou do "front", precedia-o a mais invejável das famas. Notícias dos jornais, telegramas do governo e cartas dos camaradas, haviam espalhado, realmente, pelo Brasil, os ecos da sua bravura. Em Verdun, no forte de Vaux, fora ele o herói por excelência, defendendo, uma a uma, as pedras daquele reduto. Na Champagne, comandando um pelotão de "poilus", operara prodígios, resistências assombrosas, a ponto de ser preciso arrancá-lo, às vezes, do seu entrincheiramento, rilhando os dentes, coberto de lama e de sangue. O seu heroísmo tornou-se, em suma, tão acentuado, tão famoso, tão evidente, que o seu nome se constituíra, em toda a extensão do setor, uma espécie de grito de guerra. A Morte passava por ele, medrosa, de asas fechadas, como se temesse cair ferida, ela própria, atingida pela sua espada.

Ao chegar ao Rio, eram conhecidos, já, de toda a cidade, os seus feitos, as suas investidas corajosas, o ímpeto das suas cargas de baioneta, a que correspondia, sempre, uma nova trincheira arrancada ao inimigo. E foi por isso mesmo que o seu desembarque teve o caráter de uma verdadeira apoteose, que envolvia na mesma auréola o glorioso exército nacional.

Festejado e querido, foi, aqui, o tenente Felisberto rodeado pelos amigos e, principalmente, pelos colegas de classe, que se disputavam, gentis, a sua companhia. E tanto o cercaram, tanto o arrastaram pelos lugares festivos da cidade, que ele foi acabar, uma noite, no Assírio, onde se realizava um ruidoso baile de Carnaval.

Desconfiado no meio daquele tumulto, que lhe entontecia mais os sentidos do que o perturbavam, na França, as tempestades de fogo e de fumo da formidável artilharia alemã, o tenente observava aquelas danças, aquela orgia, aquela alegria desordenada, quando um dos camaradas lhe pediu, insistente, à mesa da ceia:

- Conta as tuas aventuras de guerra, Felisberto! Que diabo! Tudo que nós sabemos de ti, é por intermédio dos outros. Ainda não nos contaste nada!

- Conta! - pediu outro, pondo-se de pé.

- Conta! Conta! - reclamaram todos.

O tenente sorriu modesto, mas, reclamado pelos colegas, começou a narrar singelamente os seus feitos.

- O que eu fiz, - começou - qualquer de vocês o faria, estando no meu lugar. Fui eu, efetivamente, quem defendeu o forte de Vaux, durante três dias, com pouco mais de duzentos homens. O rompimento da linha de Hindemburgo foi, também, obra minha, que obteve, como é sabido, os resultados mais felizes. Tomei, a arma branca, dezessete trincheiras; subjuguei algumas dezenas de soldados, corpo a corpo; conquistei, a sabre, oito canhões; destruí, em suma, todo o poder ofensivo do inimigo, no setor a meu cargo.

Nesse momento, alarmando a sala, ouve-se, a alguns metros de distancia, um tiro de revólver, e, em seguida, o barulho da multidão elegante, a precipitar-se no rumo da detonação. Ao segundo tiro, porém, o capitão, que se calara com o primeiro, empalidece, e, sem dissimular o seu pavor, põe-se a tremer, a ponto de se não poder sustentar nas pernas. Espantados com aquela modificação, os amigos entreolham-se, duvidando, já, da bravura do herói, quando um deles, indignado, pergunta:

- Está com medo?

- Estou! - confessou o bravo dos bravos.

E explicou:

- Imaginem que isto degenera em rolo, em barulho, em conflito...

E concluindo, aterrorizado, batendo o queixo:

- E minha mulher sabe... que eu vim aqui!...

Fonte:
Humberto de Campos. A Serpente de Bronze. Publicado originalmente em 1925.

Paulo Leminski (Versos Diversos) 21

 
pergunte ao pó
 
cresce a vida
cresce o tempo
cresce tudo
e vira sempre
esse momento

cresce o ponto
bem no meio
do amor seu centro
assim como
o que a gente sente
e não diz
cresce dentro
* * * * * * * * * * * * * * * * * *

despropósito geral

Esse estranho hábito,
escrever obras-primas,
não me veio rápido.
Custou-me rimas.
Umas, paguei caro,
liras, vidas, preços máximos.
Umas, foi fácil.
Outras, nem falo.
Me lembro duma
que desfiz a socos.
Duas, em suma.
Bati mais um pouco.
Esse estranho abuso,
adquiri, faz séculos.
Aos outros, as músicas.
Eu, senhor, sou todo ecos.
* * * * * * * * * * * * * * * * * *

ler pelo não

    Ler pelo não, quem dera!
Em cada ausência, sentir o cheiro forte
    do corpo que se foi,
a coisa que se espera.
    Ler pelo não, além da letra,
ver, em cada rima vera, a prima pedra,
    onde a forma perdida
procura seus etcéteras.
    Desler, tresler, contraler,
enlear-se nos ritmos da matéria,
    no fora, ver o dentro e, no dentro, o fora,
navegar em direção às Índias
    e descobrir a América.
* * * * * * * * * * * * * * * * * *

m, de memória

Os livros sabem de cor
milhares de poemas.
Que memória!
Lembrar, assim, vale a pena.
Vale a pena o desperdício,
Ulisses voltou de Troia,
assim como Dante disse,
o céu não vale uma história.
Um dia, o diabo veio
seduzir um doutor Fausto.
Byron era verdadeiro.
Fernando, pessoa, era falso.
Mallarmé era tão pálido,
mais parecia uma página.
Rimbaud se mandou pra África,
Hemingway de miragens.
Os livros sabem de tudo.
Já sabem deste dilema.
Só não sabem que, no fundo,
ler não passa de uma lenda.
* * * * * * * * * * * * * * * * * *

Adeus, coisas que nunca tive,
dívidas externas, vaidades terrenas,
lupas de detetive, adeus.
Adeus, plenitudes inesperadas,
sustos, ímpetos e espetáculos, adeus.
Adeus, que lá se vão meus ais.
Um dia, quem sabe, sejam seus,
como um dia foram dos meus pais.
Adeus, mamãe, adeus, papai, adeus,
adeus, meus filhos, quem sabe um dia
todos os filhos serão meus.
Adeus, mundo cruel, fábula de papel,
sopro de vento, torre de babel,
adeus, coisas ao léu, adeus.
* * * * * * * * * * * * * * * * * *

objeto sujeito

você nunca vai saber
quanto custa uma saudade
o peso agudo no peito
de carregar uma cidade
pelo lado de dentro
como fazer de um verso
um objeto sujeito
como passar do presente
para o pretérito perfeito
nunca saber direito

você nunca vai saber
o que vem depois de sábado
quem sabe um século
muito mais lindo e mais sábio
quem sabe apenas
mais um domingo

você nunca vai saber
e isso é sabedoria
nada que valha a pena
a passagem pra pasárgada
xanadu ou shangrilá
quem sabe a chave
de um poema
e olha lá
* * * * * * * * * * * * * * * * * *

último aviso

caso alguma coisa me acontecer,
informem a família,
foi assim, assim tinha que ser

tinha que ser dor e dor
esse processo de crescer

tinha que vir dobrado
esse medo de não ser

tinha que ser mistério
esse meu modo de desaparecer

um poema, por exemplo,
caso alguma coisa me suceder,
vá que seja um indício

quem sabe ainda não acabei de escrever
* * * * * * * * * * * * * * * * * *

v, de viagem

Viajar me deixa
a alma rasa,
perto de tudo,
longe de casa.

Em casa, estava a vida,
aquela que, na viagem,
viajava, bela
e adormecida.

A vida viajava
mas não viajava eu,
que toda viagem
é feita só de partida.
* * * * * * * * * * * * * * * * * *

incenso fosse música

isso de querer
ser exatamente aquilo
que a gente é
ainda vai
nos levar além
* * * * * * * * * * * * * * * * * *

gardênias e hortênsias
não façam nada
que me lembre
que a este mundo eu pertença
deixem-me pensar
que tudo não passa
de uma terrível coincidência
* * * * * * * * * * * * * * * * * *

À glória sucede
o que sucede à água:
por mais água que beba,
qual lhe sacia a sede?
Diverso o sucesso,
basta-lhe um verso
para essa desgraça
que se chama dar certo.

Fonte:
Paulo Leminiski. Distraídos venceremos.  Publicado em 1987.

Malba Tahan (O Problema dos 35 Camelos)

Poucas horas havia que viajávamos sem interrupção, quando nos ocorreu uma aventura digna de registro, na qual meu companheiro Beremiz, com grande talento, pôs em prática as suas habilidades de exímio algebrista.

Encontramos, perto de um antigo caravançará (*) meio abandonado, três homens que discutiam acaloradamente ao pé de um lote de camelos. Por entre pragas e impropérios gritavam possessos, furiosos:

— Não pode ser!

— Isto é um roubo!

— Não aceito!

O inteligente Beremiz procurou informar-se do que se tratava.

— Somos irmãos — esclareceu o mais velho — e recebemos, como herança, esses 35 camelos. Segundo a vontade expressa de meu pai, devo receber a metade, o meu irmão Hamed Namir uma terça parte e ao Harim, o mais moço, deve tocar apenas a nona parte. Não sabemos, porém, como dividir dessa forma os 35 camelos e a cada partilha proposta segue-se a recusa dos outros dois, pois a metade de 35 é 17 e meio. Como fazer a partilha se a terça parte e a nona parte também não são exatas?

— É muito simples — atalhou “o homem que calculava”. Encarrego-me de fazer, com justiça, essa divisão, se permitirem que eu junte aos 35 camelos da herança, este belo animal que, em boa hora, aqui nos trouxe.

Neste ponto, procurei intervir na questão:

— Não posso consentir semelhante loucura! Como poderíamos concluir a viagem, se ficássemos sem o camelo?

— Não te preocupes com o resultado, ó bagdali! — replicou-me em voz baixa Beremiz — Sei muito bem o que estou fazendo. Cede-me o teu camelo e verás no fim a que conclusão quero chegar.

Tal foi o tom de segurança com que ele falou que não tive dúvida em entregar-lhe o meu belo “Jamal” (**), que, imediatamente, foi reunido aos 35 ali presentes, para serem repartidos pelos três herdeiros.

— Vou, meus amigos — disse ele, dirigindo-se aos três irmãos — fazer a divisão justa e exata dos camelos que são agora, como vêem, em número de 36.

E, voltando-se para o mais velho dos irmãos, assim falou:

— Deverias receber, meu amigo, a metade de 35, isto é, 17 e meio. Receberás a metade de 36 e, portanto, 18. Nada tens a reclamar, pois é claro que saíste lucrando com esta divisão!

E, dirigindo-se ao segundo herdeiro, continuou:

— E tu, Hamed Namir, deverias receber um terço de 35, isto é, 11 e pouco. Vais receber um terço de 36, isto é, 12. Não poderás protestar, pois tu também saíste com visível lucro na transação.

E disse, por fim, ao mais moço:

— E tu, Harim Namir, segundo a vontade de teu pai, deverias receber uma nona parte de 35, isto é, 3 e tanto. Vais receber uma nona parte de 36, isto é, 4. O teu lucro foi igualmente notável. Só tens a agradecer-me pelo resultado!

E concluiu:

— Pela vantajosa divisão feita entre os irmãos Namir — partilha em que todos três saíram lucrando — couberam 18 camelos ao primeiro, 12 ao segundo e 4 ao terceiro, o que dá um resultado (18 + 12 + 4) de 34 camelos. Dos 36 camelos, sobram, portanto, dois. Um pertence, como sabem, ao bagdali, meu amigo e companheiro, outro toca por direito a mim, por ter resolvido, a contento de todos, o complicado problema da herança!

— Sois inteligente, ó estrangeiro! — exclamou o mais velho dos três irmãos — Aceitamos a vossa partilha na certeza de que foi feita com justiça e equidade!

E o astucioso Beremiz — o “homem que calculava” — tomou logo posse de um dos mais belos “jamales” do grupo e disse-me entregando-me pela rédea o animal que me pertencia:

— Poderás agora, meu amigo, continuar a viagem no teu camelo manso e seguro! Tenho outro,
especialmente para mim!

E continuamos nossa jornada para Bagdad.
= = = = = = = = = = = = = = = = = =
* Caravançará - Refúgio construído pelo governo e por pessoas piedosas à beira do caminho, para servir de abrigo aos peregrinos. Espécies de “rancho” de grandes dimensões em que se acolhiam as caravanas.
** Jamal - Uma das muitas denominações que os árabes dão ao camelo.


Fonte:
Malba Tahan. O Homem que Calculava. Publicado em 1938.