quinta-feira, 9 de novembro de 2023

Lucy V. Hay (Como Escrever um Mistério de Assassinato) – Parte 1

Escrever um romance de suspense (ou melhor, de qualquer gênero) é uma tarefa complicada. Pensando assim, você pode organizar as suas ideias no papel antes de começar de fato para não se perder. Depois, crie personagens, vítimas, suspeitos e protagonistas para dar o pontapé inicial na narrativa!

PENSANDO NA ESTRUTURA DO ROMANCE

1 – Decida onde o enredo vai acontecer. 

A ambientação da história nem sempre é tão importante no início, a menos que você tenha uma ideia geral de onde quer que ela aconteça de fato. Essa ambientação inclui o local, a data, a época do ano, a região geográfica e até o clima. 

Pense no clima (não de tempo) que você quer dar à história, que é bastante influenciado pelo local onde ela acontece.

Por exemplo: um suspense ambientado em São Paulo no início do século XIX seria muito diferente de outro, ambientado no interior de Minas Gerais no início do século XX.

Outro exemplo: os romances estrelados por Sherlock Holmes criam toda uma ambientação soturna a partir da Era Vitoriana e de Londres.

2– Organize a narrativa. 

A narrativa inclui todos os passos do romance, indo do início ao fim. Geralmente, ela tem oito etapas: inércia, gatilho, busca, surpresa, escolha crítica, clímax, inversão e resolução (embora esses nomes variem de autor a autor).

– Na inércia, tudo ainda está na normalidade. Você pode começar contando o dia a dia do detetive, de uma testemunha ou de qualquer ponto de vista que queira abordar. 

– O gatilho, por sua vez, é o evento que dá o pontapé inicial à busca (geralmente, um assassinato em suspenses).

– A surpresa está nas complicações que surgem a cada momento da narrativa. Em um romance de suspense, as surpresas podem acontecer quando urgem novas provas do crime, novas motivações para o que aconteceu, novos suspeitos e assim por diante.

– A escolha crítica é o ponto crucial da história do protagonista. É nesse momento que ele tem que decidir como vai agir para terminar o enredo — e, muitas vezes, a decisão não é fácil e define o caráter do personagem. De forma geral, essa decisão leva ao clímax, momento em que a ação e a tensão chegam ao ponto máximo. 

Por exemplo: o detetive pode começar a perseguir o suspeito para capturá-lo.

– A inversão e a resolução mostram como os personagens mudaram e o que caracteriza a nova realidade deles.

3 – Coloque intrigas no cerne da história. 

Você tem que deixar o leitor com a pulga atrás da orelha o tempo todo. Dá até para começar o enredo com um cadáver e detetives investigando a cena, mas é muito mais interessante fazer o leitor se questionar o que está acontecendo desde o início. 

Crie uma situação hipotética improvável. Por exemplo: um enredo em que uma mulher tire os seus filhos do seu testamento e deixe tudo para um homem que está no leito de morte; logo depois, alguém é assassinado. Isso é interessante, dá um gosto de quero mais e não é exatamente corriqueiro.

4 – Monte um esqueleto da progressão do enredo. 

Depois de decidir os passos básicos da narrativa, passe a montar um esqueleto mais detalhado dela. Avance de capítulo a capítulo, sempre escrevendo uma descrição breve do que vai acontecer para não se perder na hora de colocar tudo no papel pela última vez.

Por exemplo: escreva "Capítulo 1: apresentar a protagonista, a detetive Rebeca Novaes. Começar em casa, mostrando ela se arrumando para o trabalho. O telefone toca e ela descobre que houve um homicídio".

DICA DE ESPECIALISTA

Comece com a pergunta à qual o personagem principal tem que responder. A escritora e roteirista Lucy Hay afirma: "O roteiro de um suspense é complexo. No geral, ele começa com um crime ou uma pergunta a que alguém tem que responder. Além disso, há um personagem que assume o 'papel' de detetive no centro narrativo. Essa pessoa não precisa literalmente trabalhar com investigação, mas deve ter motivação para sanar a dúvida que tem em mente".

5 – Dê pistas físicas, verbais e temáticas ao leitor. 

Essas pistas se encaixam em três categorias: físicas, verbais e temáticas. As pistas físicas são: gotículas de sangue, rastros de DNA que podem ser analisados, marcas de pegadas etc.; as verbais são as coisas que os personagens dizem uns aos outros; as temáticas são aquelas que têm a ver com trejeitos e características desses personagens, como um vilão que só usa preto ou tem um tique nervoso.

Você pode criar essas pistas de duas formas diferentes: imediata, como quando o assassino deixa cair um objeto pessoal na cena do crime (que o leitor nota ou não), e futura, como quando os investigadores fazem um teste com uma amostra de DNA e o leitor demora um pouco para ser informado do resultado.

Também existe uma diferença no nível de sutileza. Algumas pistas são bastante óbvias, como quando o assassino deixa a arma na cena do crime. Outras são mais sutis, como quando a roupa que a vítima está usando ajuda na resolução do homicídio.

Você não precisa incluir todas as pistas nos estágios iniciais do planejamento, mas pelo menos pense em alguns pontos indispensáveis ao longo do romance. Também não adianta tentar enfiar tudo em uma só cena.

6 – Estude a fundo o tema do enredo. 

Você tem que saber do que está falando para convencer o leitor. Por exemplo: se pretende escrever um suspense que traga rituais bíblicos ou pagãos, estude esse assunto de maneira aprofundada.

Você pode pesquisar na internet, mas não se esqueça de usar também recursos como a biblioteca pública local.

Dá para descobrir bastante com uma pesquisa básica, mas contar com a experiência é ainda melhor. Por exemplo: participe de algum ritual que tenha a ver com a história que você quer escrever.
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continua…


quarta-feira, 8 de novembro de 2023

Vanice Zimerman (Tela de versos) 25

 

Mensagem na Garrafa – 28 –

Catulo da Paixão Cearense

São Luís/MA, 1863 – 1946, Rio de Janeiro/RJ

João Pernambuco
Jatobá/PE, 1883 – 1947, Rio de Janeiro/RJ

LUAR DO SERTÃO

Não há, ó gente, ó não
Luar como esse do sertão
Não há, ó gente, ó não
Luar como esse do sertão

Oh! que saudade do luar da minha terra
Lá na serra branquejando folhas secas pelo chão
Este luar cá da cidade tão escuro
Não tem aquela saudade do luar lá do sertão

Não há, ó gente, ó não
Luar como esse do sertão
Não há, ó gente, ó não
Luar como esse do sertão

Se a lua nasce por detrás da verde mata
Mais parece um sol de prata prateando a solidão
E a gente pega na viola que ponteia
E a canção e a lua cheia a nos nascer do coração

Não há, ó gente, ó não
Luar como esse do sertão
Não há, ó gente, ó não
Luar como esse do sertão

Mas como é lindo ver depois por entre o mato
Deslizar calmo, regato, transparente como um véu
No leito azul das suas águas murmurando
E por sua vez roubando as estrelas lá do céu

Não há, ó gente, ó não
Luar como esse do sertão
Não há, ó gente, ó não
Luar como esse do sertão

Júlia Lopes de Almeida (Os beijos)

Falam os senhores médicos contra os beijos condenando-os como transmissores de micróbios assassinos. Misérias do sangue ou feias doenças incubadas passam invisível e perfidamente de uma para outra criatura, no mais rápido ou sutil dos ósculos.

— Não se beijem! é uma das fórmulas modernas dos higienistas; resta-nos duvidar que eles, para exemplo, se submetam a essas leis de esquivança (desamor) que apregoam... Porque, em verdade, quem haverá por todo este mundo vasto, por mais emurchecidos que tenha os lábios ou por mais seca que tenha a alma, que não sinta florir no peito, com maior ou menor viço, o desejo imperioso de unir a sua boca a outra boca amada ou de refrescá-la nas faces acetinadas de uma criança?

Fagulhas das labaredas em que nos consumimos, os beijos crepitarão por toda a larga face da terra, embora a ciência contra eles asseste a ducha gelada dos seus decretos proibitivos.

Não há em língua humana palavra que, como o beijo, exprima, por mais silencioso que ele seja, a ternura e o amor.

A boca de um mudo diz tudo quanto há de mais elevado e de mais veemente, quando beija; no beijo está o único triunfo da sua alma encarcerada!

Bem prega Frei Thomaz... Não se beijem! Dentro do beijo, como dentro do cálice de uma flor de aroma capitoso, está muitas vezes escondido o veneno que nos leva ao último sono. Cuidado... Quando tais palavras escrevem, esses senhores que só olham para a vida através das lentes dos microscópios, deverão sentir em si próprios o rugido da natureza ofendida a clamar contra essa impiedosa verdade da ciência.

A vida sem beijos! A vida sem beijos é como um jardim sem flores, um pomar sem frutos, ou (que escorregue ainda mais esta velha comparação) um deserto sem oásis. Não valeria a pena prolongar a existência à custa de tamanho sacrifício. Por assim entender é que a humanidade faz e fará sempre ouvidos surdos à teoria da supressão do beijo. Para ela, ele não é tal o veículo da peçonha, a ameaça constante dos fantasmas terríficos de doenças asquerosas e tristes, coisa desvirtuada e maléfica, mas sim, e por todos os séculos dos séculos, o que dele disse um poeta meu amigo:

"... O selo da amizade
E do amor! Ele só nos dá felicidade.
Dois corações que o tédio ou o cansaço importune,
Só um beijo de amor os levanta e reúne.
O beijo é vida, o beijo é luz, o beijo é glória!
Observai bem: vereis que o beijo é toda a história
Da humanidade. Foi o beijo primitivo
Que na terra o primeiro homem tornou cativo
Da primeira mulher; depois, ardente ou brando,
Veio o beijo de amor as raças perpetuando,
Unindo gerações a gerações, e unindo
O passado ao futuro insondável e infindo.
O beijo é a transfusão das almas; ele encerra
Tudo que possa haver de divino na terra."


Não é só o beijo perpetuador das raças que derrama na alma o clarão mirífico (maravilhoso) da felicidade. Quando uma mãe beija um filho, como que sente o seu coração maior que o mundo e mais vitorioso que todos os hinos do universo! Saberá alguém de coisa mais doce nem mais pura, que o beijo da amizade?

Infelizmente, nem todos os beijos são: "Tudo que possa haver de divino na terra!" Como diz o poeta. É que Filinto de Almeida desconhece o horror dos beijos convencionais, que só os lábios femininos trocam entre si.

Para esses o rigor das leis científicas deveria ser bem aceito... Que se beijem duas amigas que se estimam, sim! Que por um enlevo de simpatia, uma mulher beije a outra em um primeiro dia de encontro, como um pacto de futura amizade, sim! Mas, que, sem espontaneidade de afeto ou sem velha estima, só por cortesia e obediência ao hábito, duas criaturas indiferentes, e que às vezes até se desestimam, troquem beijinhos cada vez que se encontram... Por Deus, nem é decente nem agradável!

Por mais que a gente queira esquivar-se, não pode, sem incorrer em falta grave, furtar-se ao impulso com que certas damas atraem as outras para o cumprimento da praxe. Que desastres, às vezes, nesse movimento! Abas de chapéus que se chocam, véus que se enrugam, corpos que se contrafazem, e no fim: um chapéu torto, uma face babada, e no íntimo uns vestígios de mel avinagrado.

A graça esquisita dessa insistência está muitas vezes em que a senhora que imprime à outra o puxão para o beijo, dá-lhe logo a face a beijar, face em que não raro desabotoam espinhas e quase sempre o cold cream (Creme para espinhas) se alastra. E não há resistência capaz de livrar uma criatura de tais assaltos; quer queira quer não queira, ela há de beijar e há de ser beijada em plena rua, em plena luz, por pessoas a quem não a prende nenhum laço de afeto, ou mesmo de simpatia muito forte.

Sei que me atiro para dentro de uma casa de marimbondos falando assim; pouco importa.

De resto, esta impressão não é só minha. Nenhuma mulher deixará de sentir revolver-se no seu coração um sentimento de desagrado, ao unir a sua boca a outra boca de que tenham saído por ventura epigramas que a firam ou indiretas que a molestem.

O beijo é uma coisa muito nobre para ser esbanjada assim, sem significação, em encontros de acaso, em qualquer canto de rua... Para que ele seja suave e doce, deve ser dado com a consciência da amizade; do contrário, quando não é perverso, é ridículo.

Não se diga que foi a nossa índole meiga e expansiva que inventou tal costume; ele foi importado, mas creio que já caiu em desuso nas terras de que proveio. Pelo menos, as estrangeiras não se beijam entre si com tamanha efusão. Elas desconfiam, talvez, de que perdem o valor os beijos de uma criatura que os dispensa a toda a gente, e por isso só os gastam em família e pouco mais... Aqui, ao contrário, o furor do beijo a esmo tem aumentado; toda a gente se julga com direito a ele e o reclama num gesto imperioso que não admite recusa...

Em resumo, a minha opinião neste assunto melindroso e terrível é esta: não compreendo a vida sem o beijo, como não compreendo o beijo sem o afeto. Como, enquanto houver mundo, há de haver o amor, o beijo triunfará de todas as perseguições que lhe fizerem os senhores bacteriologistas. Eles mesmos, depois de horas e horas passadas no interior dos seus gabinetes e dos seus laboratórios, ao levantarem os olhos, cansados das páginas dos livros ou das lentes dos microscópios, sentirão, para refrigério das suas almas entontecidas pela vertigem de tantas misérias humanas, o desejo de as suavizarem num beijo, em que os seus lábios impuros de homens encontrem a fresca inocência da face de uma criança... E estou certa de que apressarão os passos, para irem beijar em casa os filhos pequeninos…

Fonte: Júlia Lopes de Almeida. Livro das donas e donzelas. Publicado originalmente em 1906. Disponível em Domínio Público.

Baú de Trovas LXXI




Num mundo sem consciência,
o futuro é assustador:
Cresce e expande-se a ciência,
porém sai de moda o amor.
A. A. de Assis
Maringá/PR
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Todo rio na corrente
busca um lago, um rio, um mar.
Mas o destino da gente
quem sabe onde vai parar?
Adelmar Tavares +
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Tem cão que mora no morro,
outro morando em mansão;
porque nem todo cachorro
leva uma vida de cão.
Ademar Macedo +
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Em sepultura modesta
repousa quem foi meu bem;
isso é motivo de festa:
ela descansa... e eu também...
Almeida Corrêa +
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As rosas do amor, colhi-as,
rosas de vários matizes...
Tenho hoje nas mãos vazias
saudades e cicatrizes.
Anderson Braga Horta
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Saudade! És a ressonância
de uma cantiga sentida,
que embalando a nossa infância
nos segue por toda a vida!
Antonio Francisco da Costa e Silva +
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Viver fiado em quimera
é coisa que não convém
porque de onde não se espera...
de lá mesmo é que não vem!
Antônio Juraci Siqueira
Belém/PA
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São ermos os arredores,
mas não vivo num deserto:
por mais longe que tu mores,
eu acho o caminho perto.
Bernardo Guimarães Filho +
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Melhor o mundo seria,
se no horizonte se lesse
a palavra AMOR... E, um dia,
nesse AMOR ... o mundo cresse!
Carolina Ramos
Santos/SP
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A tua vida futura
na de hoje está latente,
como a seara madura
se escondia na semente.
Pe. Celso de Carvalho +
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Por certo eu não viveria
sem a poesia, meu sal.
É que o mundo da poesia
sustenta o mundo real.
César Augusto Ribas Sovinski
Curitiba/PR
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A estrela ainda reluz,
e a madrugada artesã
cose retalhos de luz
no alvo lençol da manhã.
Domitilla Borges Beltrame
São Paulo/SP
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Que bela seria a vida
se acima de ódios mortais,
uma ponte fosse erguida
unindo margens rivais!
Dorothy Jansson Moretti +
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Naqueles tempos de antanho,
de escribas e fariseus,
um Homem do meu tamanho
tinha o tamanho de Deus!
Durval Mendonça +
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- Não quero mais!... É verdade
e o meu orgulho assim lavra.
Mas em respeito à saudade,
descumpro a minha palavra!
Edmar Japiassú Maia
Nova Friburgo/RJ
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Quando penso que o cenário
da fome é o pior na Terra,
a morte mostra o contrário
nos tristes campos de guerra!
Edy Soares
Vila Velha/ES
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Meu amor por ti alcança
alturas tão colossais,
que amar-te sem esperança
é amar-te mil vezes mais!
Elly Jones de Carvalho
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O tempo, grande artesão,
com ternura e com meiguice,
tece flores de algodão
nos cabelos da velhice...
Elizabeth Martha Notz Paschoal +
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Podes negar o teu crime,
burlar a lei, nesta esfera,
o tempo não te redime
outra justiça te espera,
Eloy Maria de Oliveira Fardo +
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O matiz dos meus cabelos,
que outrora foram dourados,
tem o cinza dos desvelos,
de uma vida de cuidados.
Elvira Fontes +
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O perdão é tão sublime,
mas poucos o querem dar...
Belo gesto, que redime,
e é tão fácil perdoar!
Elza Aparecida Ramos do Amaral
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Tenho à vida imenso apreço
e vivo em renovação.
Criando sonhos, eu os teço
no tear do coração...
Elza Ferraro de Melo +
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O meu fado? Viver só,
o passado recordando;
eu caminho sob o pó
que a saudade vai soprando.
Elzio Barbosa Alencar +
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Dessa tão ferrenha mágoa
de querer vos esperar,
meus olhos se encheram d'água
salgada como a do mar.
Emiliano David Perneta +
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Rosas que o pranto descerra
mirando estrelas ao léu,
vós sois estrelas da terra,
elas, são rosas do céu.
Emília Oliveira de Castro
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Passa o tempo... A mocidade
já deixamos para trás..,
- Só não passa essa saudade
que tua ausência me traz.
Emilio Leão de Matos Sounis +
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A laranja é fruta fraca,
bem mais fraca do que a canja,
mas em dia de ressaca
até Deus chupa laranja.,.
Emilio de Menezes +
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Pretendo ser nesta lida
humilde como a candeia
que, esquecendo a própria vida,
ilumina a vida alheia.
Evandro Moreira
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Saudade — uma vida cheia
de outra vida que passou.
— Marcas de passos na areia,
que o tempo não apagou...
Ferreira Gullar +
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No grande baile da vida
Danço a valsa da saudade
Destas ilusões vividas
Nos tempos da mocidade.
Fran Silva +
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O tormento é ver o irmão,
desalentado na dor.
Sem ter teto, sem ter pão,
desempregado. Senhor!
Francinete de Azevedo Ferreira
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Contemplando nossas praças,
nossos hortos florestais,
nos surpreendem verdes taças
dos pinheiros colossais.
Francisco Filipak +
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Se a mágoa não nos conforta,
por que é que a felicidade
tem mais sabor quando morta,
depois que se faz saudade?
Gilka Machado +
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As flores, na primavera,
desabrocham sem pudor,
se eu pudesse, quem me dera
desabrochar sem temor.
Henriette Effenberger
Bragança Paulista/SP
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O nosso amor conjugado
no pretérito imperfeito,
perdeu-se indeterminado
numa oração sem sujeito.
Hilton Vargas
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Se toda gente soubesse
dos outros o mal e o bem,
talvez ninguém maldissesse
a pouca sorte que tem...
Horácio Bahiense +
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O gatuno a uma senhora:
— A bolsa, logo! Ou a vida!
— É tarde, larápio, agora
sou cardíaca e falida...
Irineu Martins dos Santos +
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Sobre opiniões e crenças,
a sensatez nos diria
que o respeito às diferenças
tece teias de harmonia.
Jerson Lima de Brito
Porto Velho/RO
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Avisto já no horizonte,
em pleno declínio, o sol;
mas não me abato, ergo a fronte
e aguardo um novo arrebol.
Jessé Fernandes do Nascimento
Angra dos Reis/RJ
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Atravessei a fronteira
do meu tempo de criança...
lá deixei a brincadeira,
mas de lá trouxe a esperança!
Jesy Bueno Alves
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Saudade, voz sem ruídos,
um jardim que explode em cor,
música para os ouvidos,
"espinho cheirando a flor",.,
Joana Maria Ferreira
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Quantas pedras removidas
e quantas por remover.
Provações em nossas vidas
que só nos fazem crescer!
João Batista Xavier de Oliveira
Bauru/SP
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Desde o começo do mundo,
o ciúme armou querelas.
O próprio Adão surpreendeu
Eva a contar-lhe as costelas.
João Martins de Almeida +
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Ele tem cama agitada,
agita como ninguém.
Pudera! Está situada
sob uma linha de trem...
José Feldman
Campo Mourão/PR
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Bate o relógio sisudo,
mede a vida com rigor,
e o tempo, que vence tudo,
não vence a força do amor.
José Lucas de Barros +
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Quem das noites tem pavor,
procure fazer o bem:
— a noite tem sempre a cor
do dia que a gente tem.
José Maria Machado de Araújo +
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Todos morremos um dia,
findamos do mesmo jeito.
Isto, a meu ver, bastaria
para o fim do preconceito.
Julimar Andrade Vieira
Aracaju/SE
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Coração desconsolado,
não podeis esmorecer.
Se viver é complicado,
muito mais é não viver!
Luiz Antonio Cardoso
Taubaté/SP
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Nessas angústias que oprimem,
que trazem o medo e o pranto,
há gritos que nada exprimem,
silêncios que dizem tanto!
Luiz Otávio +
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És meu gênio predileto,
pois, sem lâmpada e magia,
meu desejo mais secreto
me concedes dia a dia.
Luzia Brisolla Fuim
São Paulo/SP
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Nos ocasos, é que a gente,
sem cobrança e sem medida,
vê que a vida é diferente
nos horizontes da vida!…
Mara Melinni
Caicó / RN
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Deus, ao homem cada dia,
dá a sua preocupação,
mas há quem perca a alegria
por males que nem virão.
Maria Thereza Cavalheiro +
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A verdadeira amizade
tem a semente da flor,
germina com a bondade
e traz na raiz o amor.
Myrthes Spina de Moraes
Atibaia/SP
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O tudo que o mundo tem
não vale nem a metade
da metade de um vintém
de uma sincera amizade!
Nemésio Prata
Fortaleza/CE
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Outros são meus horizontes...
Não tracem o meu caminho,
quero beber de outras fontes,
acertar e errar sozinho.
Nilsa Alves de Melo
Maringá/PR
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Por mais que o destino apronte,
te levando a novos ares,
sigo fitando o horizonte,
esperando regressares.
Paulo Roberto de Oliveira Caruso
Niterói/RJ
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Bondade não tem fronteira,
seja aqui, seja onde for:
é de paz sua bandeira,
não tem credo e nem tem cor.
P. de Petrus +
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Senhor, eu te rogo em prece
de joelhos e tão sozinho,
que eu não caia e nem tropece
nas pedras do teu caminho!
Professor Garcia
Caicó/RN
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O homem que honesto se aclama
só aos ingênuos ilude:
virtude que se proclama
dificilmente é virtude!
Reginaldo Silva +
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Prefiro ficar no sonho
a embarcar na realidade;
lá, meu mundo é mais risonho,
mais seguro e sem maldade!
Renato Alves
Rio de Janeiro/RJ
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Frasco de perfume fino,
que se quebra num esbarro,
a vida é sopro divino,
num bonequinho de barro!
Renato Vieira da Silva +
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Através do olhar do filho,
viu no espelho refletindo
vida, em um único brilho,
o ontem no hoje coexistindo.
Solange Colombara
São Paulo/SP
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Ao vir "de fogo" recua
gritando, após a topada:
- Que faz um poste na rua
às duas da madrugada?!
Therezinha Dieguez Brisolla
São Paulo/SP
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Esquecida na lareira,
esta cinza sem calor
lembra a chama passageira
que incendiou nosso amor.
Vanda Alves da Silva
Curitiba/PR
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Não há paz na ansiedade
que temos de mais ventura:
— termina a lelioidade,
quando começa a procura.
Zalkind Piatigorsky +
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Lima Barreto (Maio)

Estamos em maio, o mês das flores, o mês sagrado pela poesia. Não é sem emoção que o vejo entrar. Há em minha alma um renovamento; as ambições desabrocham de novo e, de novo, me chegam revoadas de sonhos. Nasci sob o seu signo, a treze, e creio que em sexta feira; e, por isso, também à emoção que o mês sagrado me traz, se misturam recordações da minha meninice.

Agora mesmo estou a lembrar-me que, em 1888, dias antes da data áurea, meu pai chegou em casa e disse-me: a lei da abolição vai passar no dia de teus anos. E de fato passou; e nós fomos esperar a assinatura no largo do Paço.

- Na minha lembrança desses acontecimentos, o edifício do antigo paço, hoje repartição dos Telégrafos, fica muito alto, um arranha-céu; e lá de uma das janelas eu vejo um homem que acena para o povo.

Não me recordo bem se ele falou e não sou capaz de afirmar se era mesmo o grande Patrocínio.

Havia uma imensa multidão ansiosa, com o olhar preso às janelas do velho casarão. Afinal a lei foi assinada e, num segundo, todos aqueles milhares de pessoas o souberam. A princesa veio à janela. Foi uma ovação: palmas, acenos com lenço, vivas... Fazia sol e o dia estava claro. Jamais, na minha vida, vi tanta alegria. Era geral, era total; e os dias que se seguiram, dias de folganças e satisfação, deram-me uma visão da vida inteiramente festa e harmonia.

Houve missa campal, no Campo de São Cristóvão. Eu fui também com meu pai; mas pouco me recordo dela, a não ser lembrar-me que, ao assisti-la, me vinha aos olhos a Primeira missa, de Vitor Meireles*. Era como se o Brasil tivesse sido descoberto outra vez... Houve o barulho de bandas de músicas, de bombas e girândolas, indispensável aos nossos regozijos; e houve também préstitos cívicos. Anjos despedaçando grilhões, alegrias toscas passaram lentamente pelas ruas. Construíram-se estrados para bailes populares; houve desfile de batalhões escolares e eu me lembro que vi a princesa imperial, na porta da atual Prefeitura, cercada de filhos, assistindo àquela fieira de numerosos soldados desfiar devagar. Devia ser de tarde, ao anoitecer.

Ela me parecia loura, muito loura, maternal, com um olhar doce e apiedado. Nunca mais a vi e o imperador nunca vi, mas me lembro dos seus carros, aqueles enormes carros dourados, puxados por quatro cavalos, com cocheiros montados e um criado à traseira.

Eu tinha então sete anos e o cativeiro não me impressionava. Não lhe imaginava o horror; não conhecia a sua injustiça. Eu me recordo, nunca conheci uma pessoa escrava. Criado no Rio de Janeiro, na cidade, onde já os escravos rareavam, faltava-me o conhecimento direto da vexatória instituição, para lhe sentir bem os aspectos hediondos.

Era bom-saber se a alegria que trouxe à cidade a lei da abolição foi geral pelo país. Havia de ser, porque já tinha entrado na consciência de todos a injustiça originária da escravidão. Quando fui para o colégio, um colégio público, à rua do Resende, a alegria entre a criançada era grande. Nós não sabíamos o alcance da lei, mas a alegria ambiente nos tinha tomado.

A professora, Dona Teresa Pimentel do Amaral, uma senhora muito inteligente, a quem muito deve o meu espírito, creio que nos explicou a significação da coisa; mas com aquele feitio mental de criança, só uma coisa me ficou: livre! livre!

Julgava que podíamos fazer tudo que quiséssemos; que dali em diante não havia mais limitação aos propósitos da nossa fantasia.

Parece que essa convicção era geral na meninada, porquanto um colega meu, depois de um castigo, me disse: "Vou dizer a papai que não quero voltar mais ao colégio. Não somos todos livres?"

Mas como ainda estamos longe de ser livres! Como ainda nos enleamos nas teias dos preceitos, das regras e das leis!

Dos jornais e folhetos distribuídos por aquela ocasião, eu me lembro de um pequeno jornal, publicado pelos tipógrafos da Casa Lombaerts. Estava bem impresso, tinha umas vinhetas elzevirianas, pequenos artigos e sonetos. Desses, dois eram dedicados a José do Patrocínio e o outro à princesa. Eu me lembro, foi a minha primeira emoção poética a leitura dele. Intitulava-se "Princesa e Mãe" e ainda tenho de memória um dos versos:

"Houve um tempo, senhora, há muito já passado..."

São boas essas recordações;  elas têm um perfume de saudade  e fazem com que sintamos a eternidade do tempo.

Oh! O tempo! O inflexível tempo, que como o Amor, é também irmão da Morte,  vai ceifando aspirações, tirando presunções, trazendo desalentos, e só nos deixa na uma essa saudade do passado às vezes composta de coisas fúteis, cujo relembrar, porém, traz sempre prazer.

Quanta ambição ele não mata! Primeiro são os sonhos de posição: com os dias e as horas e, a pouco e pouco, a gente vai descendo de ministro a amanuense; depois são os do Amor - oh! como se desce nesses! Os de saber, de erudição, vão caindo até ficarem reduzidos ao bondoso Larousse. Viagens... Oh! As viagens! Ficamos a fazê-las nos nossos pobres quartos, com auxílio do Baedecker e outros livros complacentes.

Obras, satisfações, glórias, tudo se esvai e se esbate. Pelos trinta anos, a gente que se julgava Shakespeare, está rente que não passa de um "Mal das Vinhas" qualquer; tenazmente, porém, ficamos a viver, -esperando, esperando... o quê? O imprevisto, o que pode acontecer amanhã ou depois. Esperando os milagres do tempo e olhando o céu vazio de Deus ou Deuses, mas sempre olhando para ele, como o filósofo Guyau**.

Esperando, quem sabe se a sorte grande ou um tesouro oculto no quintal?

E maio volta... Há pelo ar blandícias e afagos; as coisas ligeiras têm mais poesia; os pássaros como que cantam melhor; o verde das encostas é mais macio; um forte flux de vida percorre e anima tudo... O mês augusto e sagrado pela poesia e pela arte, jungido eternamente à marcha da Terra, volta; e os galhos da nossa alma que tinham sido amputados - os sonhos, enchem-se de brotos muito verdes, de um claro e macio verde de pelúcia, reverdecem mais uma vez, para de novo perderem as folhas, secarem, antes mesmo de chegar o tórrido dezembro.

E assim se faz a vida, com desalentos e esperanças, com recordações e saudades, com tolices e coisas sensatas, com baixezas e grandezas, à espera da morte, da doce morte, padroeira dos aflitos e desesperados…
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*Vitor Meireles de Lima (Nossa Senhora do Desterro, 18 de agosto de 1832 — Rio de Janeiro, 22 de fevereiro de 1903) foi um pintor e professor brasileiro, autor da famosa pintura Primeira Missa no Brasil, pintor histórico preferido de D. Pedro II.

**Jean-Marie Guyau (Laval/França, 28 de Outubro de 1854 — Menton/França, 31 de Março de 1888) foi um filósofo e poeta francês, por vezes considerado como o Nietzsche francês.


Fonte: Lima Barreto. Feiras e mafuás, 4-5-1911. Disponível em Domínio Público

25a. Festa do Livro da USP (8 a 12 de novembro)


Organizada anualmente pela Edusp desde 1999, a Festa do Livro da USP é um evento já tradicional na Universidade de São Paulo que procura aproximar editoras e leitores, oferecendo livros de qualidade a um preço especial.

Em 2023, a Festa foi estendida também para o domingo. Mais um dia para um encontro presencial com os livros e os amigos! Acontecerá entre os dias 8 e 12 de novembro.

Acesse a relação das editoras participantes, consulte as listas dos livros que estão disponíveis e venha nos visitar novamente no campus butantã da USP.

De quarta a sexta das 9h às 21h e no sábado e no domingo das 9h às 19h.

As editoras com participação confirmada, veja no link https://festadolivro.edusp.com.br/sites/default/files/editoras_confirmadas.pdf


Fonte: Email enviado pelo Grupo Editorial Pensamento.

terça-feira, 7 de novembro de 2023

Carolina Ramos (Trovando) “06”

 

Mensagem na Garrafa – 27 –


Casimiro de Abreu
Barra de São João/RJ (1839 - 1860) Nova Friburgo/RJ

MEUS OITO ANOS

Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!

Como são belos os dias
Do despontar da existência!
- Respira a alma inocência
Como perfumes a flor;
O mar é - lago sereno,
O céu - um manto azulado,
O mundo - um sonho dourado,
A vida - um hino d'amor!

Que aurora, que sol, que vida,
Que noites de melodia
Naquela doce alegria,
Naquele ingênuo folgar!
O céu bordado d'estrelas,
A terra de aromas cheia
As ondas beijando a areia
E a lua beijando o mar!

Oh! dias da minha infância!
Oh! meu céu de primavera!
Que doce a vida não era
Nessa risonha manhã!
Em vez das mágoas de agora,
Eu tinha nessas delícias
De minha mãe as carícias
E beijos de minha irmã!

Livre filho das montanhas,
Eu ia bem satisfeito,
Da camisa aberta o peito,
- Pés descalços, braços nus -
Correndo pelas campinas
A roda das cachoeiras,
Atrás das asas ligeiras
Das borboletas azuis!

Naqueles tempos ditosos
Ia colher as pitangas,
Trepava a tirar as mangas,
Brincava à beira do mar;
Rezava às Ave-Marias,
Achava o céu sempre lindo.
Adormecia sorrindo
E despertava a cantar!

Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
- Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
A sombra das bananeiras
Debaixo dos laranjais!

Contos e Lendas do Mundo (Honduras: O Carrinho Fantasma)

Se entrarmos em um papel esotérico, o carrinho fantasma pode ser entendida como uma história de Honduras onde encontramos a história de uma alma em dor, a história remonta ao início de 1900, quando a cidade de San Rafael se autodenominava La Carreta e era um espaço de progresso incipiente ao qual muitos Homens e mulheres hondurenhos se mudaram com a intenção de crescer economicamente.

Naquele lugar havia uma grande cultura de comércio de café e outros alimentos, razão pela qual o espaço estava cada vez mais cheio de novos vizinhos, muitos dos quais construíram suas próprias fazendas. Mas na cidade havia um homem que já tinha uma má reputação, seu nome era Bartolo.

Ele estava sendo levado pela amargura e pelo álcool, tinha problemas com todos os vizinhos e não estabeleceu amizade com nenhum deles, apenas cumpria seu trabalho de motorista transportando produtos da fazenda até o porto onde os navios levavam as matérias-primas para refinar o que aquela natureza deu, mas para mercados para venda local. Depois de terminar seu trabalho foi para a cantina e gastou sua renda em álcool, não gostava de ir à missa e parece que era um aproveitador.

Certa ocasião, enquanto planejava como conseguir mais dinheiro, começou a lhe ocorrer um plano que o levou à perdição, pois teve a ideia de roubar o “dinheiro” para o partido de Outubro que se celebrava em La Carreta como parte de uma série de celebrações anuais relacionadas à agricultura e ao comércio, nas quais fazendeiros e proprietários de fazendas organizavam festas, partilhas, corridas de cavalos e muitas atrações para os habitantes.

Nos dias de hoje as carroças movimentavam-se muito porque, além de tudo, promoviam os produtos que eram produzidos em cada quinta, o que fazia destas feiras uma grande oportunidade para se tornar conhecido como produtor. No entanto, longe dessa festa e dessa alegria foi o pensamento de Bartolo, o que ele queria era conseguir os recursos que a associação de moradores havia disponibilizado para as despesas de logística.

Ele sabia onde eram guardados, porque era de conhecimento público que o ex-pároco da cidade guardava o dinheiro das festas de cada ano, e como esse velho morava em uma casa modesta perto da igreja, um dia decidiu que iria lá para pegue o saque, mas os passos furtivos daquela noite não puderam fazer menos do que acordar e alertar o velho padre que começou a gritar que estava sendo roubado e que os vizinhos o ajudavam.

Isso alarmou seriamente Bartolo e decidiu matar o padre, deu-lhe uma série de facadas no peito que o fizeram desmaiar entre orações e lamentos para ficar calado no chão de sua casa, como Bartolo queria, mas já era tarde, a comoção havia acordado os vizinhos e era cada vez mais óbvio que eles apareceriam na frente da porta com tochas e ameaças ao serem vistos acendendo as luzes e saindo de suas casas .

Bartolo saiu correndo pela porta dos fundos que dava para o campo, fugiu o mais rápido que pôde sem nem pegar o dinheiro pelo qual se meteu naquele problema, correu tanto e sem saber para onde ia que de repente se viu em frente ao rio e embora tivesse a impressão de que já o tinha seguido até o afluente da água, acalmou-se um pouco, mas não as pernas, que tremiam tanto de medo e fuga que ao tentar atravessar acabou mergulhando rio abaixo, cansado e sem enxergar direito, numa correnteza bastante forte.

Ele foi encontrado morto após alguns dias de intensa busca realizada pelos indígenas quando perceberam a situação e embora os vizinhos não se preocupassem com isso, seu corpo foi retirado de estar preso em um conjunto de pedras que estavam ali.

Com o passar dos dias, a vida continuou com seu tráfego diário de carrinhos para cima e para baixo durante o horário de trabalho, o corpo de Bartolo foi cremado pelo Estado porque um parente próximo não foi encontrado imediatamente para se encarregar dos requisitos funerários. No entanto, algo começou a acontecer que chamou a atenção de toda a cidade.

Acontece que na rua La Carreta, agora San Rafael, todas as noites depois da meia-noite e antes das duas da manhã você pode ouvir o som de uma carroça e suas batidas habituais como se estivesse carregando produtos de um lado para o outro. por mais que os moradores da rua olhem, eles não podem ver, eles só podem ouvir. Este é um fenômeno que, segundo os contos populares de Honduras, continua acontecendo até hoje.

Logo depois, um parente de Bartolo que afirmou ter sido seu sobrinho e que, preocupado com o ocorrido, pediu conselho a Deus para saber qual era a situação espiritual do tio e segundo o jovem, recebeu a informação de que estava pagando uma multa por seus atos que não permite que ele entrasse no reino do céu, mas, ao mesmo tempo, ele foi acompanhado pelo sacerdote que era a carga que estava na carroça.

Muito se especulou sobre esta história de Honduras, algumas versões a encurtam apenas para o seu núcleo para atingir as crianças e não enfatizar o quão aterrorizante pode ser, mas sim refletir sobre o que é o roubo e quais as consequências que pode trazer.

O que é inquestionável é que esta história hondurenha faz parte de seu imaginário coletivo, baseado em um passado não tão distante e ao qual temos maior acesso em termos de dados, nomes e signos que nos permitem reconstruir os fatos e entender por que hondurenhos e especialmente os de San Rafael olham para a rua esperando ver uma carroça que não veem.

Gislaine Canales (Glosas Diversas) LXIII

 MEU NATAL...
 
MOTE:
Andarilho de mil luas,
eu te acalento, menino,
para que, enfim, tu construas
o natal...no meu destino...
Maria Lua
São Fidélis/RJ

GLOSA:
ANDARILHO DE MIL LUAS,
meu Menino, Senhor Deus,
com bênçãos, Tu apaziguas
todos os caminhos meus!
 
Ninando meu novo dia,
EU TE ACALENTO, MENINO,
em sussurros de alegria
peço teu amor divino!
 
O Teu poder Tu acentuas
e eu rogo em doce oração
PARA QUE, ENFIM, TU CONSTRUAS
a paz no meu coração!
 
É meio incerto e indeciso,
meu futuro peregrino,
coloca, então, num sorriso,
O NATAL...NO MEU DESTINO…
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AO TEU LADO...
 
MOTE:
Se o destino está traçado,
se é prevista a caminhada,
que eu possa estar ao teu lado
a cada passo da estrada!
Marisa Vieira Olivaes
Porto Alegre/RS

GLOSA:
SE O DESTINO ESTÁ TRAÇADO,
se não depende de nós,
 o meu sonho mais sonhado
é que não fiquemos sós!
 
Se está mesmo, tudo escrito,
SE É PREVISTA A CAMINHADA,
que ao menos seja bonito,
o rumo...em nossa jornada!
 
Solto, então, forte o meu brado,
com meus desejos sedentos,
QUE EU POSSA ESTAR AO TEU LADO
em todos os teus momentos!
 
Viveremos, com carinhos,
a nossa história dourada,
seguindo, assim, bem juntinhos
A CADA PASSO DA ESTRADA!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

ETERNA ADOLESCENTE...
 
MOTE:
Não tem jeito esta loucura...
nosso amor inconsequente
faz de mim, mulher madura,
uma eterna adolescente...
Nádia Huguenin
Nova Friburgo/RJ, 1946 -2008

NÃO TEM JEITO ESTA LOUCURA...
de todas é a mais sadia,
seu remédio, sua cura,
é um punhado de alegria!
 
Muitos acham, é verdade,
NOSSO AMOR INCONSEQUENTE
mas amor não tem idade,
aparece de repente!
 
É tão doce essa aventura,
mais linda que outra qualquer,
FAZ DE MIM, MULHER MADURA,
me sentir jovem mulher!
 
Minha alma nunca envelhece...
Sentindo esse amor ardente,
cada dia, mais parece
UMA ETERNA ADOLESCENTE…
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LOUCURAS?
 
MOTE:
Na vida, a bem da verdade,
quando se trata de amor,
loucura não tem idade,
sexo, raça, credo ou cor!...
Rodolpho Abbud
Nova Friburgo/RJ, 1926 – 2013

GLOSA:
NA VIDA, A BEM DA VERDADE,
a coisa mais importante
é amar, na realidade,
sempre, sempre, a todo instante!
 
Nada nos deve impedir
QUANDO SE TRATA DE AMOR,
pois é gostoso sentir
seu inquietante calor!
 
Amar é preciosidade,
é também doce loucura...
LOUCURA NÃO TEM IDADE,
e  "é eterna enquanto dura"!
 
O coração enlouquece
com força, com muito ardor
e na loucura ele esquece
SEXO, RAÇA, CREDO OU COR!…
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

A VOZ DO SILÊNCIO
 
MOTE:
Posso jurar de mãos postas,
pesando o que já passei,
que as mais difíceis respostas
foi no silêncio que eu dei...
Waldir Neves
Rio de Janeiro/RJ, 1924 – 2007

GLOSA:
POSSO JURAR DE MÃOS POSTAS,
que não sei, mesmo, porque,
minhas horas são compostas
de horas tristes, sem você!
 
Voltando em meu pensamento,
PESANDO O QUE JÁ PASSEI,
acho que nem mais aguento
lembrar o quanto chorei!
 
Sempre, às perguntas impostas,
sinto ,  respondi com calma,
QUE AS MAIS DIFÍCEIS RESPOSTAS
eu as dei com  a voz da alma!
 
Neste silêncio gritante
minha resposta escutei,
e sinto, a mais delirante
FOI NO SILÊNCIO QUE EU DEI...

Fonte: Gislaine Canales. Glosas Virtuais de Trovas XI. In Carlos Leite Ribeiro (produtor) Biblioteca Virtual Cá Estamos Nós. http://www.portalcen.org. Setembro de 2003.

Jaqueline Machado (“A pequena sereia”, de Hans Christian Andersen)

A Pequena Sereia: um conto sobre sonho, ingratidão e falsos amores...  

A principal versão do conto "A pequena sereia", de Hans Christian Andersen, diz que no fundo do mar havia um reino, com um rei, uma rainha e seis irmãs: as princesas do mar. As sereias eram livres para irem onde quisessem, menos para um lugar: a superfície. Exceto, no 15o.  aniversário, quando teriam permissão para se aventurar na superfície.  Mas só por um dia. 

Na data certa e com a devida permissão, a pequena sereia emerge das águas e vê um príncipe que está a naufragar. Salva sua vida. Sim. Neste conto, a princesa salva o príncipe. E se encanta por ele. A partir deste momento, passa a desejar ter pernas, ser humana.  

Ao acordar, o príncipe se depara com outra princesa ao seu lado, e pensa ter sido salvo por ela. Então, arrasada, a sereia nadou até às profundezas do oceano onde vivia a bruxa do mar. E falou do seu amor e da sua vontade de ter pernas para ser feliz com seu príncipe. A bruxa concede o desejo. Mas alerta: se ao chegar à superfície e não for capaz de encontrar o verdadeiro amor, você se transformará em espuma do mar. A pequena sereia concordou. A promessa foi forjada. O elo, feito. Mas ao encontrar seu príncipe, descobriu que seu coração ainda pertencia à mulher da beira da praia, com quem ele escolhera casar. 

Este conto nos remete a refletir sobre relacionamentos familiares, de amizades e, principalmente, amorosos.  Eis que a sereia sublime em seu habitat, em sua beleza, em seu cantar, se deixa encantar pelas coisas de um mundo que não a pertence. E acaba por ignorar todas as próprias riquezas e poderes, para conquistar o coração de um humano, que não foi capaz de perceber que ela havia salvo sua vida e ainda dá seu coração a outra. 

Com isso, a Pequena Sereia, por amor a alguém, perde-se, e vira espumas do mar. 

A mensagem de Andersen é muito clara ao que se refere a sonho, ingratidão e falsos amores. Vem para nos lembrar que a protagonista do conto era mais livre sem pernas, como sereia, porque essa era a sua natureza, e que somos o nosso próprio reino, e que mesmo quando perdidos de amor, não podemos nos abandonar, nos anular, nem permanecer em longas esperas, caso contrário, corremos o sério risco de deixarmos de ser quem de fato somos, e virarmos espumas do mar…

Fonte: Texto enviado pela autora