sábado, 7 de abril de 2012

Luís Vaz de Camões (Os Lusíadas – A Ilha dos Amores) Análise dos Cantos IX e X


É no canto IX que se gera a controvérsia quanto ao caráter utópico do texto. A ilha surge como um local ideal, porto prazenteiro de marinheiros valentes que neste locus amoenus geram a descendência semi-divina da raça lusa, da qual uma ninfa profetiza os feitos futuros. É ainda do topo de uma montanha desta ilha que Tétis mostra a Gama a Grande Máquina do Mundo, ao estilo de Dante. Não havendo um projeto social, uma organização comunitária na Ilha dos Amores não podemos falar de utopia em sentido estrito, mas o significado simbólico e a complexa divisão de tempo e espaço no que se refere a este episódio são claras marcas utópicas.

Em Os Lusíadas o autor exalta as realizações dos navegadores lusitanos e descreve os transtornos impostos a eles pelos mouros. Depois de muitas peripécias, seguem para o sul afrontando os perigos do mar, em direção ao Cabo da Boa Esperança, mas desejosos de voltar à pátria para relatar as ocorrências da viagem. Ao mesmo tempo, Vênus imagina um meio de recompensá-los por todas as dificuldades enfrentadas com um prêmio. Auxiliada por Cupido prepara-lhes uma ilha maravilhosa onde as mais belas ninfas esperarão por eles. Camões mostra o local como um verdadeiro paraíso:

Nesta frescura tal desembarcaram
Já das naus os segundos argonautas,
Onde pela floresta se deixavam
Andar as belas deusas, como incautas
Agüas doces cítaras tocavam,
Agüas harpas e sonoras flautas;
Outras, cos arcos de ouro, se fingiam
Seguir os animais que não seguiam.

(...)

Duma os cabelos de ouro o vento leva
Correndo, e de outra as fraldas delicadas.
Acende-se o desejo, que se cava
Nas alvas carnes, súbito mostradas.

Os marinheiros divisam por entre os ramos das árvores as cores dos tecidos das vestes das ninfas, as quais deliberadamente vão se deixando alcançar. Outras são surpreendidas no banho e correm nuas por entre o mato, enquanto alguns jovens entram vestidos na água. Elas não fogem e deixam-se cair aos pés de seus perseguidores.

A leitura do poema indica o quanto Camões se inclina à forma plástica.

A alegoria da Conquista se dá na Ilha dos Amores e nela toda a tensão configurada nas duas anteriores se desfaz em harmonia, uma vez que, cumprida a Provação e suprida a Carência, o épico e o dramático cedem lugar ao lírico. Na alegoria da Ilha novamente se ratifica a ideologia dominante, já que os prazeres recebidos de Tétis representam a fama pela conquista sobre o mar desconhecido. Estes prazeres vêm atender aos dois planos da Carência: o material, figurado no amor sensual e no banquete, e o espiritual que se retrata na demonstração da Grande Máquina do Mundo.

Estes três conjuntos alegóricos se organizam e se complementam, pois o da Carência e o da Conquista se apresentam como discursos que disfarçam a ideologia de dominação, enquanto que o da Provação explicita, pelo seu processo de alegorização, o questionamento dessa mesma ideologia.

a Ilha dos Amores é a síntese espaço-temporal e histórica da trajetória portuguesa. Sendo ilha, compreende os elementos espaciais terra, mar e céu, enquanto elevação. Levando-se em conta que ela é o resultado presente da história de um povo e, ainda, que nela acontece a profecia da ninfa, temos também na ilha a ocorrência dos três planos temporais: o presente, o passado e o futuro. Estes espaços e estes planos temporais se correspondem: a terra é o espaço de realização do passado português, o da consolidação do Reino; o mar é o lugar do presente em que se dá a ação expansionista; e na ilha se prediz o futuro de outras conquistas que consumarão a grandeza e a fama. E a ilha se configura como o espaço do interstício e da comunhão entre o mundo concreto e da horizontalidade em que se dá a ação heróica do homem e o universo abstrato e da verticalidade em que atuam os deuses. É o que se verifica logo na preparação da ilha, quando Vênus convoca seu filho Cupido:

Parece-lhe razão que conta desse
A seu filho, por cuja potestade
Os deuses faz decer ao vil terreno
E os humanos subir ao Céu sereno.

Desta síntese do mítico com o real, do céu com a terra também participa a natureza cósmica que é configurada de modo paradisíaco:

Pera julgar difícil cousa fora,
No céu vendo e na terra as mesmas cores,
Se dava às flores cor a bela Aurora,
Ou se lha dão a ela as belas flores.

A premiação do herói e do povo que ele representa é, pois, o alcance do paraíso, seja terrestre, seja transcendente. Esta premiação inclui a transposição do herói para os umbrais da fama cantada pela “Deusa Gigantéia”, 5 e, no canto X, estrofe 74, pela própria Tétis seguida pelo coro de suas ninfas. E ela inclui a dimensão humana da fruição dos prazeres mundanos do amor sensual, da beleza sensorial e do regalo do banquete, assim como também a dimensão intelectiva do conhecimento profético do futuro e da cosmovisão da máquina do mundo.

A Ilha dos Amores simboliza porto e prêmio aos fatigados navegadores. Ainda mais, a glorificação pelos feitos heróicos, a imortalidade do nome, para sempre gravado na História. E o Amor representa a vitória sobre o desconcerto do mundo, afinal travara “u'a famosa expedição / contra o mundo rebelde”.

A Ilha é, assim, o restabelecimento da Harmonia, de modo que a consagração e a transfiguração mítica dos heróis, que na ilha e pela ilha se opera, são, também e sobretudo, a recolocação do Amor, do verdadeiro Amor, como centro da Harmonia e do Mundo. A Ilha é uma catarse total, não apenas de todos os recalcamentos, mas das misérias da própria História, e das misérias da vida no tempo de Camões e fora dele. É a reconciliação, a transcendência.

Portanto, a concretização amorosa é uma das maiores conquistas dos lusíadas em toda a empreitada marítima. É a celebração da vitória do povo que ousou desafiar os mares. No fundo, é um prêmio àqueles que bravamente navegaram para além “do que prometia a força humana.”

Andavam pelas florestas “as belas deusas, como incautas”. Algumas tocavam cítaras, outras harpas e doces flautas e simulavam “cos arcos de ouro” “seguir os animais”, como em uma caçada. Já tendo os argonautas desembarcado, às ninfas

[...]aconselhara a mestra experta:
Que andassem pelos campos espalhadas;
Que, vista dos barões a presa incerta,
Se fizessem primeiro desejadas.
Alguas, que na forma descoberta
Do belo corpo estavam confiadas,
Posta a artificiosa formosura,
Nuas lavar se deixam na água pura.
(Canto IX, 65)

Estavam os navegantes desejosos de encontrar caça selvagem. Lançavam-se com determinação, empunhando espingardas e bestas, “pelos sombrios matos e florestas”. Não esperavam, porém, enxergar

Por entre verdes ramos, várias cores,
Cores de quem a vista julga e sente
Que não eram das rosas ou das flores,
Mas da lã fina e seda diferente,
Que mais incita a força dos amores,
De que se vestem as humanas rosas,
Fazendo-se por arte mais fermosas.
(Canto IX, 68, v.2-8)

O encontro entre as nereidas e os navegantes estava selado. Em um jogo amoroso, “fugindo as ninfas vão por entre os ramos”, fogem manhosas, mais que ligeiras e, “pouco a pouco, sorrindo e gritos dando, / se deixam ir dos galgos alcançando”. Uma “os cabelos de ouro o vento leva”, outra “as fraldas delicadas” e “alvas carnes” mostra. Uma se deixa apanhar pelo seu perseguidor e outras, despidas, nas águas se “lançam / nuas por entre o mato, aos olhos dando / o que às mãos cobiçosas vão negando”. Um mancebo, desejoso de amor, “a matar na água o fogo que nele arde”, toma a sua presa. Estava consumada a perseguição e simulada fuga.

Vencedores e vencidas, estavam todos entregues ao puro amor. O sentimento é tão intenso, o afago é tamanho, que os enamorados “se prometem eterna companhia, / em vida e morte, de honra e alegria”. Nos versos seguintes, inundados de lascívia, o relacionamento amoroso entre as ninfas e os portugueses não representa uma orgia desenfreada e desmedida:

Oh, que famintos beijos na floresta,
E que mimoso choro que soava!
Que afagos tão suaves! Que ira honesta,
Que em risinhos alegres se tornava!
O que mais passam na manhã e na sesta,
Que Vênus com prazeres inflamava,
Melhor é experimentá-lo que julgá-lo;
Mas julgue-o quem não pode experimentá-lo.
(Canto IX, 83)

É, sim, a realização do amor, do desejo de amar e ser amado. É o momento de glória. Ainda mais, o momento em que o Amor, através do desejo, manifesta-se de forma que, mesmo que por um momento, o mundo recupera sua harmonia, estando livre de toda sorte de desconcerto. Evidentemente há uma entrega aos prazeres da carne, mas é um prazer fruto do Amor, que preenche a alma e purifica. O Amor que deifica homens e humaniza deuses, unindo-os em um só ser, fazendo com que entre eles não haja mais distinção, deixando criaturas humanas e divinas em um mesmo patamar, em uma mesma existência.

O Paraíso é a Ilha dos Amores, episódio final que desvenda todo o significado do Poema. Vênus concedeu-a para que ali nascesse uma ‘progênie forte e bela’ e para que o ‘mundo vil e maligno’, caracterizado pela ‘triste hipocrisia’, que tenta separar os amantes por um muro intransponível como o diamante (‘muro adamantino’), soubesse que nada resiste à força do Amor. A Ilha é um pomar onde a natureza produz todos os frutos necessários à vida, ‘sem ter necessidade de cultura’. Em Os Lusíadas a revelação súbita da nudez desperta o instinto para o qual o pecado não existe. É em plena inocência, como se o tabu bíblico nunca tivesse existido, que se realiza e consuma o conúbio geral, sem restrições Depois desta recuperação da inocência e desta abolição da consciência do Bem e do Mal, os homens recuperam também a imortalidade. Como amantes das ninfas imortais, tornam-se eles próprios divinos. A mulher, intermediária à serpente maléfica, fizera Adão ser sujeito à morte. Na Ilha dos Amores é também a mulher (agora no plural) que liberta os homens da lei da morte.

A concretização sexual entre os lusos e as nereidas, a concretização do amor e do desejo, ultrapassando quaisquer convenções da ars amatoria clássica é o único momento da epopéia em que há a plenitude amorosa. E aqui nos recordamos da trágica história de D. Inês de Castro, a bela de “colo de garça”, feita Rainha depois de morta, e do triste lamento do Gigante Adamastor, subjugado pelo poder avassalador do Amor. Em ambas as histórias, além do aspecto trágico, não há a realização plena do amor.

Camões faz “voar o pensamento, libertando-o de quaisquer grilhetas conceituais (neoplatónicas ou outras) graças ao poder das emoções e à força sempre misteriosa do desejo e do amor que o eleva e legitima”. É o amor concreto, realizado, mas que não apaga ou oblitera o desejo, e sim ultrapassa os modelos clássicos petrarquistas.

Encerrada a celebração amorosa entre as ninfas e os heróis portugueses, Tethys

[...]a quem se humilha
Todo o coro das Ninfas e obedece
, Que dizem ser de Celo e Vesta filha,
O que no gesto belo se parece,
Enchendo a terra e o mar de maravilha,
O capitão ilustre, que o merece,
Recebe ali com pompa honesta e régia,
Mostrando-se senhora grande e egrégia.

Que, despois de lhe ter dito quem era,
Cum alto exórdio, de alta graça ornado,
Dando-lhe a entender que ali viera
Por alta influïção do imóbil fado,
Pera lhe descobrir da unida esfera
Da terra imensa e mar não navegado
Os segredos, por alta profecia,
O que esta sua nação só merecia,

Tomando-o pela mão, o leva e guia
Pera o cume dum monte alto e divino,
No qual ua rica fábrica se erguia,
De cristal toda e de ouro puro e fino.
A maior parte aqui passam do dia,
Em doces jogos e em prazer contino.
Ela nos paços logra seus amores,
As outras pelas sombras, entre as flores.
(Canto IX, 85-87)

A leitura do Canto IX deixa aberta e livre a possibilidade de fazer várias abordagens textuais, permitindo interrogar os vários sentidos propostos pela palavra.

No contexto da viagem, ação central do poema épico Os Lusíadas se inscrevem os percursos reflexivos decorrentes da dimensão da viagem pessoal e interpessoal desejada.

Os navegadores portugueses passaram ainda além da Taporbana / em perigos e guerras esforçados / mais do que prometia a força humana / e entre gente remota edificaram / novo reino que tanto sublimara (Canto I, estrofe 1).

Os navegadores portugueses cumpriram a viagem de conhecimento e descoberta do caminho marítimo para a Índia, aproximando gentes, culturas e memórias. Os navegadores portugueses por obras valerosas / pelo trabalho imenso que se chama / caminho da virtude, alto e fragoso / foram compensados na Ilha dos Amores “doce, alegre e deleitosa (Canto IX, estrofe 90) a qual constitui a promessa de uma compensação absoluta do esforço e mérito humanos, por proposta de Vênus.

A divinização dos heróis é a conclusão para que aponta a intriga mitológica: os portugueses, ao longo da aventura que constitui o núcleo narrativo, são favorecidos por Vênus e hostilizados por Baco. Os homens tornam-se deuses e descem do pedestal as antigas divindades. No Canto IX, o recebimento dos nautas pelas ninfas significa, entre outras coisas, a confirmação dos receios de Baco: de fato, os navegantes cometeram atos tão grandiosos que se tornam amados por deusas; e, de certo modo, divinizam-se eles também. Aqui temos um mito construído com elementos da cultura greco-latina, mas elaborado para o efeito específico que Camões visa. Este efeito desejado pelo poeta é o de imortalizar os heróis através de um acontecimento nuclear, a viagem de Vasco da Gama à Índia.

Como já citado, os navegantes portugueses são recebidos e homenageados num ambiente paradisíaco, idealizado pelos deuses à mercê dos humanos, divinizados e imortalizados por via do Amor.

Assim aparece um quadro idílico, formado por uma Natureza belíssima e cheia de atrativos: o doce murmúrio das águas, o cantar dos pássaros, os variados sabores dos frutos, o perfume das flores, a amenidade, a frescura e o recolhimento de um bosque, a verdura repousante de um porto seguro. E neste ambiente, sem metáfora, paradisíaco, o amor torna-se de repente possível, um amor total feito de sensualidade e galanteria, de desejo e de paixão pela beleza. Nada o ensombra: decepções, receios, insatisfação, pecado, remorsos foram, de repente, banidos no glorioso presente de um instante que se furta ao fluxo temporal.

Mais ainda: para que os nautas sejam acumulados em todos os aspectos, depois de uma banquete magnífico é-lhes facultado o conhecimento da história futura, a contemplação do sistema cosmológico e uma visão geográfica do globo.

Este mito opõe-se simetricamente e compensatoriamente ao cortejo de dores, frustrações e desespero que a vida historicamente acarreta, em particular a vida cheia de privações que os navegantes suportaram durante vários meses.

Exprime a ânsia por uma felicidade absoluta, com a imaginação à idade do ouro ao paraíso perdido.

Aliás, essa é um dos componentes do espírito humanista, voltado para a utopia: conceber o homem realizado em plenitude e harmonia, sem as limitações e contradições que a condição e natureza humanas a cada passo impõem; a conciliação dos contrários constitui justamente um dos traços dessa visão de beatitude: a harmonia do amor físico e do amor espiritual; dos gozos sensuais e intelectuais; o feliz encontro do homem e da natureza; a realização dos desejos sem que ressaibos de culpa venham ensombrar a felicidade inocente.

Parece expressamente intencional este desejado e merecido encontro de Homens e Deuses, numa ilha recriada que se faz ao caminho dos navegadores e se prepara para os seduzir e retribuir na ideia de que o Amor só com Amor(es) vence e se propaga (Canto IX, estrofe 51, 52, 53).

Nota-se que é expressamente intencional o discurso amoroso assumido, cuja dimensão é valorizada pela adequada procura de uma estética textual.

As palavras e a sua organização no texto transmitem uma mensagem envolvente e portadora de sentido(s) provocador(es) de renovadas sensações e reflexões por parte de atentos leitores.

O recurso estratégico a uma adjetivação rica, abundante, repetida e antitética favorece uma pintura descritiva ao pormenor de quadros idealizados, mas reais, porque se inscrevem nas nossas referências culturais, apelando à melhor compreensão e entendimento do que se pretende captar, o Amor nas suas manifestações mais comuns, mais visíveis e inteligíveis.

Os recursos estilísticos recorrentes e selecionados com o mesmo objetivo de clarear a mensagem, mostram para que se veja e se sinta, nomeadamente, através de sucessivas e eloquentes comparações, imagens, personificações, antíteses, repetições, jogos de palavras (trocadilhos), paralelismos, enumerações e gradação das representações. Servem, igualmente, as intenções de (re)dimensionar e complexar o discurso, a utilização da plasticidade do tempo traduzido pelo gerúndio e conjugação perifrástica, traduzindo um movimento de perpétua sedução, permitindo olhar o que merece ser sentido e vivido. O discurso está também possuído de sensações múltiplas, remetendo para a visão, a audição, o olfato, o tato, o paladar, sentidos naturais e humanos que podem ser sensibilizados, aprofundados e harmonizados para o desafio existencial, para a construção da felicidade, enquanto processo de transformação suscetível de ser potencializado pelo Homem.

A Ilha dos Amores sublima a competência do Homem na sua própria superação e na busca permanente dos seus ideais, merecendo, pela sua ação, o natural reconhecimento.

O gozo da experiência amorosa e felicidade na Ilha mitológica representam a fama grande e nome alto e subido, que o mundo está guardando, isto é, a glorificação pela memória da história. E que as Ninfas do Oceano... Tétis e a Ilha angélica nada mais são do que as honras que imortalizam a vida. Os deleites desta ilha» são as preminências gloriosas, os triunfos, a coroação pela vitória, a admiração e glorificação dos navegantes.

Afinal também os deuses da Antiguidade eram deuses porque os homens os tinham transposto a esse estado glorioso, pelas grandes façanhas que tinham realizado, enquanto homens. E segue-se o conselho: se os humanos quiserem alcançar a glória e a fama, lancem-se em ações valorosas, fugindo duma indolência deprimente, que torna as almas escravas.

Assim as Ninfas... Tétis e a ilha... os deleites representam o prêmio que os navegantes receberão pelos altos feitos realizados, prêmios que, podemos interpretá-lo polissemicamente, são por um lado nitidamente uma imortalização pela glória, por outro e sobretudo a partir das expressões preminências gloriosas... triunfos... fronte coroada de palma e louro poderão ser prêmios a doar pelo Rei e pela nação. Estes últimos prêmios, e sobretudo se tivermos em conta os membros da nobreza participantes nas descobertas, poderiam vir a ser estipêndios em dinheiro ou doação de terras, honra, poderes jurisdicionais, títulos de nobreza, ou cargos na administração ultramarina como os de donatários, governadores, vice-reis, capitães de fortalezas ou outros.

De qualquer modo só na época do Renascimento com uma visão humanista aberta, que no tempo de elaboração e publicação de Os Lusíadas, estava já claramente a fechar-se, um poeta como Camões poderia lembrar-se de simbolizar todos esses prêmios pelo conúbio amoroso e erótico entre os navegantes e as deusas.

Fonte:
Passeiweb

Luís Vaz de Camões (Os Lusíadas - Cantos IX e X – A Ilha dos Amores)


1
Tiveram longamente na cidade,
Sem vender-se, a fazenda os dous feitores,
Que os Infiéis, por manha e falsidade,
Fazem que não lha comprem mercadores;
Que todo seu propósito e vontade
Era deter ali os descobridores
Da Índia tanto tempo que viessem
De Meca as naus, que as suas desfizessem.

2
Lá no seio Eritreu, onde fundada
Arsínoe foi do Egípcio Ptolomeu
(Do nome da irmã sua assi chamada,
Que despois em Suez se converteu),
Não longe o porto jaz da nomeada
Cidade Meca, que se engrandeceu
Com a superstição falsa e profana
Da religiosa água Maumetana.

3
Gidá se chama o porto aonde o trato
De todo o Roxo Mar mais florecia,
De que tinha proveito grande e grato
O Soldão que esse Reino possuía.
Daqui aos Malabares, por contrato
Dos Infiéis, fermosa companhia
De grandes naus, pelo Índico Oceano,
Especiaria vem buscar cada ano.

4
Por estas naus os Mouros esperavam,
Que, como fossem grandes e possantes,
Aquelas que o comércio lhe tomavam,
Com flamas abrasassem crepitantes.
Neste socorro tanto confiavam
Que já não querem mais dos navegantes
Senão que tanto tempo ali tardassem
Que da famosa Meca as naus chegassem.

5
Mas o Governador dos Céus e gentes,
Que, pera quanto tem determinado,
De longe os meios dá convenientes
Por onde vem a efeito o fim fadado,
Influiu piadosos acidentes
De afeição em Monçaide, que guardado
Estava pera dar ao Gama aviso
E merecer por isso o Paraíso.

6
Este, de quem se os Mouros não guardavam
Por ser Mouro como eles (antes era
Participante em quanto maquinavam),
A tenção lhe descobre torpe e fera.
Muitas vezes as naus que longe estavam
Visita, e com piedade considera
O dano sem razão que se lhe ordena
Pela maligna gente Sarracena.

7
Informa o cauto Gama das armadas
Que de Arábica Meca vem cad' ano,
Que agora são dos seus tão desejadas,
Pera ser instrumento deste dano;
Diz-lhe que vêm de gente carregadas
E dos trovões horrendos de Vulcano,
E que pode ser delas oprimido,
Segundo estava mal apercebido.

8
O Gama, que também considerava
O tempo que pera a partida o chama,
E que despacho já não esperava
Milhor do Rei, que os Maumetanos ama,
Aos feitores que em terra estão, mandava
Que se tornem às naus; e, por que a fama
Desta súbita vinda os não impida,
Lhe manda que a fizessem escondida.

9
Porém não tardou muito que, voando,
Um rumor não soasse, com verdade:
Que foram presos os feitores, quando
Foram sentidos vir-se da cidade.
Esta fama as orelhas penetrando
Do sábio Capitão, com brevidade
Faz represária nuns que às naus vieram
A vender pedraria que trouxeram.

10
Eram estes antigos mercadores
Ricos em Calecu e conhecidos;
Da falta deles, logo entre os milhores
Sentido foi que estão no mar retidos.
Mas já nas naus os bons trabalhadores
Volvem o cabrestante e, repartidos
Pelo trabalho, uns puxam pela amarra,
Outros quebram co peito duro a barra,

11
Outros pendem da verga e já desatam
A vela, que com grita se soltava,
Quando, com maior grita, ao Rei relatam
A pressa com que a armada se levava.
As mulheres e filhos, que se matam,
Daqueles que vão presos, onde estava
O Samorim se aqueixam que perdidos
Uns têm os pais, as outras os maridos.

12
Manda logo os feitores Lusitanos
Com toda sua fazenda, livremente,
Apesar dos imigos Maumetanos,
Por que lhe torne a sua presa gente.
Desculpas manda o Rei de seus enganos;
Recebe o Capitão de melhormente
Os presos que as desculpas e, tornando
Alguns negros, se parte, as velas dando.

13
Parte-se costa abaxo, porque entende
Que em vão co Rei gentio trabalhava
Em querer dele paz, a qual pretende
Por firmar o comércio que tratava;
Mas como aquela terra, que se estende
Pela Aurora, sabida já deixava,
Com estas novas torna à pátria cara,
Certos sinais levando do que achara.

14
Leva alguns Malabares, que tomou
Per força, dos que o Samorim mandara
Quando os presos feitores lhe tornou;
Leva pimenta ardente, que comprara;
A seca flor de Banda não ficou;
A noz e o negro cravo, que faz clara
A nova ilha Maluco, co a canela
Com que Ceilão é rica, ilustre e bela.

15
Isto tudo lhe houvera a diligência
De Monçaide fiel, que também leva,
Que, inspirado de Angélica influência,
Quer no livro de Cristo que se escreva.
Oh, ditoso Africano, que a demência
Divina assi tirou de escura treva,
E tão longe da pátria achou maneira
Pera subir à pátria verdadeira!

16
Apartadas assi da ardente costa
As venturosas naus, levando a proa
Pera onde a Natureza tinha posta
A meta Austrina da Esperança Boa,
Levando alegres novas e reposta
Da parte Oriental pera Lisboa,
Outra vez cometendo os duros medos
Do mar incerto, tímidos e ledos.

17
O prazer de chegar à pátria cara,
A seus penates caros e parentes,
Pera contar a peregrina e rara
Navegação, os vários céus e gentes;
Vir a lograr o prémio que ganhara,
Por tão longos trabalhos e acidentes:
Cada um tem por gosto tão perfeito,
Que o coração para ele é vaso estreito.

18
Porém a Deusa Cípria, que ordenada
Era, pera favor dos Lusitanos,
Do Padre Eterno, e por bom génio dada,
Que sempre os guia já de longos anos,
A g1ória por trabalhos alcançada,
Satisfação de bem sofridos danos,
Lhe andava já ordenando, e pretendia
Dar-lhe nos mares tristes, alegria.

19
Depois de ter um pouco revolvido
Na mente o largo mar que navegaram,
Os trabalhos que pelo Deus nascido
Nas Anfiónias Tebas se causaram,
Já trazia de longe no sentido,
Pera primo de quanto mal passaram,
Buscar-lhe algum deleite, algum descanso,
No Reino de cristal, líquido e manso;

20
Algum repouso, enfim, com que pudesse
Refocilar a lassa humanidade
Dos navegantes seus, como interesse
Do trabalho que encurta a breve idade.
Parece-lhe razão que conta desse
A seu filho, por cuja potestade
Os Deuses faz decer ao vil terreno
E os humanos subir ao Céu sereno.

21
Isto bem revolvido, determina
De ter-lhe aparelhada, lá no meio
Das águas, algua ínsula divina,
Ornada d' esmaltado e verde arreio;
Que muitas tem no reino que confina
Da primeira co terreno seio,
Afora as que possui soberanas
Pera dentro das portas Herculanas.

22
Ali quer que as aquáticas donzelas
Esperem os fortíssimos barões
(Todas as que têm título de belas,
Glória dos olhos, dor dos corações)
Com danças e coreias, porque nelas
Influïrá secretas afeições,
Pera com mais vontade trabalharem
De contentar a quem se afeiçoarem.

23
Tal manha buscou já pera que aquele
Que de Anquises pariu, bem recebido
Fosse no campo que a bovina pele
Tomou de espaço, por sutil partido.
Seu filho vai buscar, porque só nele
Tem todo seu poder, fero Cupido,
Que, assi como naquela empresa antiga
A ajudou já, nestoutra a ajude e siga.

24
No carro ajunta as aves que na vida
Vão da morte as exéquias celebrando,
E aquelas em que já foi convertida
Perístera, as boninas apanhando;
Em derredor da Deusa, já partida,
No ar lascivos beijos se vão dando;
Ela, por onde passa, o ar e o vento
Sereno faz, com brando movimento.

25
Já sobre os Idálios montes pende,
Onde o filho frecheiro estava então,
Ajuntando outros muitos, que pretende
Fazer ua famosa expedição
Contra o mundo revelde, por que emende
Erros grandes que há dias nele estão,
Amando cousas que nos foram dadas,
Não pera ser amadas, mas usadas.

26
Via Actéon na caça tão austero,
De cego na alegria bruta, insana,
Que, por seguir um feio animal fero,
Foge da gente e bela forma humana;
E por castigo quer, doce e severo,
Mostrar-lhe a formosura de Diana.
(E guarde-se não seja inda comido
Desses cães que agora ama, e consumido).

27
E vê do mundo todo os principais
Que nenhum no bem púbrico imagina;
Vê neles que não têm amor a mais
Que a si sòmente, e a quem Filáucia ensina;
Vê que esses que frequentam os reais
Paços, por verdadeira e sã doutrina
Vendem adulação, que mal consente
Mondar-se o novo trigo florecente.

28
Vê que aqueles que devem à pobreza
Amor divino, e ao povo caridade,
Amam sòmente mandos e riqueza,
Simulando justiça e integridade;
Da feia tirania e de aspereza
Fazem direito e vã severidade;
Leis em favor do Rei se estabelecem,
As em favor do povo só perecem.

29
Vê, enfim, que ninguém ama o que deve,
Senão o que sòmente mal deseja.
Não quer que tanto tempo se releve
O castigo que duro e justo seja.
Seus ministros ajunta, por que leve
Exércitos conformes à peleja
Que espera ter co a mal regida gente
Que lhe não for agora obediente.

30
Muitos destes mininos voadores
Estão em várias obras trabalhando:
Uns amolando ferros passadores,
Outros hásteas de setas delgaçando.
Trabalhando, cantando estão de amores,
Vários casos em verso modulando;
Melodia sonora e concertada,
Suave a letra, angélica a soada.

31
Nas fráguas imortais onde forjavam
Pera as setas as pontas penetrantes,
Por lenha corações ardendo estavam,
Vivas entranhas inda palpitantes;
As águas onde os ferros temperavam,
Lágrimas são de míseros amantes;
A viva flama, o nunca morto lume,
Desejo é só que queima e não consume.

32
Alguns exercitando a mão andavam
Nos duros corações da plebe ruda;
Crebros suspiros pelo ar soavam
Dos que feridos vão da seta aguda.
Fermosas Ninfas são as que curavam
As chagas recebidas, cuja ajuda
Não sòmente dá vida aos mal feridos,
Mas põe em vida os inda não nascidos.

33
Fermosas são alguas e outras feias,
Segundo a qualidade for das chagas,
Que o veneno espalhado pelas veias
Curam-no às vezes ásperas triagas.
Alguns ficam ligados em cadeias
Por palavras sutis de sábias magas;
Isto acontece às vezes, quando as setas
Acertam de levar ervas secretas.

34
Destes tiros assi desordenados,
Que estes moços mal destros vão tirando,
Nascem amores mil desconcertados
Entre o povo ferido miserando;
E também nos heróis de altos estados
Exemplos mil se vêm de amor nefando,
Qual o das moças Bíbli e Cinireia,
Um mancebo de Assíria, um de Judeia.

35
E vós, ó poderosos, por pastoras
Muitas vezes ferido o peito vedes;
E por baixos e rudos, vós, senhoras,
Também vos tomam nas Vulcâneas redes.
Uns esperando andais nocturnas horas,
Outros subis telhados e paredes;
Mas eu creio que deste amor indino
É mais culpa a da mãe que a do minino.

36
Mas já no verde prado o carro leve
Punham os brancos cisnes mansamente;
E Dione, que as rosas entre a neve
No rosto traz, decia diligente.
O frecheiro que contra o Céu se atreve
O recebê-la vem, ledo e contente;
Vêm todos os Cupidos servidores
Beijar a mão à Deusa dos amores.

37
Ela, por que não gaste o tempo em vão,
Nos braços tendo o filho, confiada
Lhe diz: – "Amado filho, em cuja mão
Toda minha potência está fundada;
Filho, em quem minhas forças sempre estão,
Tu, que as armas Tifeias tens em nada,
A socorrer-me a tua potestade
Me traz especial necessidade.

38
"Bem vês as Lusitânicas fadigas,
Que eu já de muito longe favoreço,
Porque das Parcas sei, minhas amigas,
Que me hão-de venerar e ter em preço.
E porque tanto imitam as antigas
Obras de meus Romanos, me ofereço
A lhe dar tanta ajuda, em quanto posso,
A quanto se estender o poder nosso.

39
"E porque das insídias do odioso
Baco foram na Índia molestados,
E das injúrias sós do mar undoso
Puderam mais ser mortos que cansados,
No mesmo mar, que sempre temeroso
Lhe foi, quero que sejam repousados,
Tomando aquele prémio e doce glória
Do trabalho que faz clara a memória.

40
"E pera isso queria que, feridas
As filhas de Nereu no ponto fundo,
D' amor dos Lusitanos incendidas
Que vêm de descobrir o novo mundo,
Todas nua ilha juntas e subidas,
(Ilha que nas entranhas do profundo
Oceano terei aparelhada,
De dões de Flora e Zéfiro adornada);

41
"Ali, com mil refrescos e manjares,
Com vinhos odoríferos e rosas,
Em cristalinos paços singulares,
Fermosos leitos, e elas mais fermosas;
Enfim, com mil deleites não vulgares,
Os esperem as Ninfas amorosas,
D' amor feridas, pera lhe entregarem
Quanto delas os olhos cobiçarem.

42
"Quero que haja no reino Neptunino,
Onde eu nasci, progénie forte e bela;
E tome exemplo o mundo vil, malino,
Que contra tua potência se rebela,
Por que entendam que muro Adamantino
Nem triste hipocrisia val contra ela;
Mal haverá na terra quem se guarde
Se teu fogo imortal nas águas arde."

43
Assi Vénus propôs; e o filho inico,
Pera lhe obedecer, já se apercebe:
Manda trazer o arco ebúrneo rico,
Onde as setas de ponta de ouro embebe.
Com gesto ledo a Cípria, e impudico,
Dentro no carro o filho seu recebe;
A rédea larga às aves cujo canto
A Faetonteia morte chorou tanto.

44
Mas diz Cupido que era necessária
Ua famosa e célebre terceira,
Que, posto que mil vezes lhe é contrária,
Outras muitas a tem por companheira:
A Deusa Giganteia, temerária,
Jactante, mentirosa e verdadeira,
Que com cem olhos vê, e, por onde voa,
O que vê, com mil bocas apregoa.

45
Vão-a buscar e mandam-a diante,
Que celebrando vá com tuba clara
Os louvores da gente navegante,
Mais do que nunca os d' outrem celebrara.
Já, murmurando, a Fama penetrante
Pelas fundas cavernas se espalhara;
Fala verdade, havida por verdade,
Que junto a Deusa traz Credulidade.

46
O louvor grande, o rumor excelente,
No coração dos Deuses que indinados
Foram por Baco contra a ilustre gente,
Mudando, os fez um pouco afeiçoados.
O peito feminil, que levemente
Muda quaisquer propósitos tomados,
Já julga por mau zelo e por crueza
Desejar mal a tanta fortaleza.

47
Despede nisto o fero moço as setas,
Ua após outra: geme o mar cos tiros;
Direitas pelas ondas inquietas
Alguas vão, e alguas fazem giros;
Caem as Ninfas, lançam das secretas
Entranhas ardentíssimos suspiros;
Cai qualquer, sem ver o vulto que ama,
Que tanto como a vista pode a fama.

48
Os cornos ajuntou da ebúrnea Lua,
Com força, o moço indómito, excessiva,
Que Tétis quer ferir mais que nenhua,
Porque mais que nenhua lhe era esquiva.
Já não fica na aljava seta algua,
Nem nos equóreos campos Ninfa viva;
E se, feridas, inda estão vivendo,
Será pera sentir que vão morrendo.

49
Dai lugar, altas e cerúleas ondas,
Que, vedes, Vénus traz a medicina,
Mostrando as brancas velas e redondas,
Que vêm por cima da água Neptunina.
Pera que tu recíproco respondas,
Ardente Amor, à flama feminina,
É forçado que a pudicícia honesta
Faça quanto lhe Vénus amoesta.

50 Já todo o belo coro se aparelha
Das Nereidas, e junto caminhava
Em coreias gentis, usança velha,
Pera a ilha a que Vénus as guiava.
Ali a fermosa Deusa lhe aconselha
O que ela fez mil vezes, quando amava;
Elas, que vão do doce amor vencidas,
Estão a seu conselho oferecidas.

51
Cortando vão as naus a larga via
Do mar ingente pera a pátria amada,
Desejando prover-se de água fria
Pera a grande viagem prolongada,
Quando, juntas, com súbita alegria,
Houveram vista da Ilha namorada,
Rompendo pelo céu a mãe fermosa
De Menónio, suave e deleitosa.

52
De longe a Ilha viram, fresca e bela,
Que Vénus pelas ondas lha levava
(Bem como o vento leva branca vela)
Pera onde a forte armada se enxergava;
Que, por que não passassem, sem que nela
Tomassem porto, como desejava,
Pera onde as naus navegam a movia
A Acidália, que tudo, enfim, podia.

53
Mas firme a fez e imóbil, como viu
Que era dos Nautas vista e demandada,
Qual ficou Delos, tanto que pariu
Latona Febo e a Deusa à caça usada.
Pera lá logo a proa o mar abriu,
Onde a costa fazia ua enseada
Curva e quieta, cuja branca areia
Pintou de ruivas conchas Citereia.

54
Três fermosos outeiros se mostravam,
Erguidos com soberba graciosa,
Que de gramíneo esmalte se adornavam,
Na fermosa Ilha, alegre e deleitosa.
Claras fontes e límpidas manavam
Do cume, que a verdura tem viçosa;
Por entre pedras alvas se deriva
A sonorosa linfa fugitiva.

55
Num vale ameno, que os outeiros fende,
Vinham as claras águas ajuntar-se,
Onde ua mesa fazem, que se estende
Tão bela quanto pode imaginar-se.
Arvoredo gentil sobre ela pende,
Como que pronto está pera afeitar-se,
Vendo-se no cristal resplandecente,
Que em si o está pintando propriamente.

56
Mil árvores estão ao céu subindo,
Com pomos odoríferos e belos;
A laranjeira tem no fruito lindo
A cor que tinha Dafne nos cabelos.
Encosta-se no chão, que está caindo,
A cidreira cos pesos amarelos;
Os fermosos limões ali cheirando,
Estão virgíneas tetas imitando.

57
As árvores agrestes, que os outeiros
Têm com frondente coma ennobrecidos,
Álemos são de Alcides, e os loureiros
Do louro Deus amados e queridos;
Mirtos de Citereia, cos pinheiros
De Cibele, por outro amor vencidos;
Está apontando o agudo cipariso
Pera onde é posto o etéreo Paraíso.

58
Os dões que dá Pomona ali Natura
Produze, diferentes nos sabores,
Sem ter necessidade de cultura,
Que sem ela se dão muito milhores:
As cereijas, purpúreas na pintura,
As amoras, que o nome têm de amores,
O pomo que da pátria Pérsia veio,
Milhor tomado no terreno alheio;

59
Abre a romã, mostrando a rubicunda
Cor, com que tu, rubi, teu preço perdes;
Entre os braços do ulmeiro está a jocunda
Vide, cuns cachos roxos e outros verdes;
E vós, se na vossa árvore fecunda,
Peras piramidais, viver quiserdes,
Entregai-vos ao dano que cos bicos
Em vós fazem os pássaros inicos.

60
Pois a tapeçaria bela e fina
Com que se cobre o rústico terreno,
Faz ser a de Aqueménia menos dina,
Mas o sombrio vale mais ameno.
Ali a cabeça a flor Cifísia inclina
Sôbolo tanque lúcido e sereno;
Florece o filho e neto de Ciniras,
Por quem tu, Deusa Páfia, inda suspiras.

61
Pera julgar, difícil cousa fora,
No céu vendo e na terra as mesmas cores,
Se dava às flores cor a bela Aurora,
Ou se lha dão a ela as belas flores.
Pintando estava ali Zéfiro e Flora
As violas da cor dos amadores,
O lírio roxo, a fresca rosa bela,
Qual reluze nas faces da donzela;

62
A cândida cecém, das matutinas
Lágrimas rociada, e a manjerona;
Vêm-se as letras nas flores Hiacintinas,
Tão queridas do filho de Latona.
Bem se enxerga nos pomos e boninas
Que competia Clóris com Pomona.
Pois, se as aves no ar cantando voam,
Alegres animais o chão povoam.

63
Ao longo da água o níveo cisne canta;
Responde-lhe do ramo filomela;
Da sombra de seus cornos não se espanta
Acteon n' água cristalina e bela.
Aqui a fugace lebre se levanta
Da espessa mata, ou tímida gazela;
Ali no bico traz ao caro ninho
O mantimento o leve passarinho.

64
Nesta frescura tal desembarcavam
Já das naus os segundos Argonautas,
Onde pela floresta se deixavam
Andar as belas Deusas, como incautas.
Alguas, doces cítaras tocavam;
Alguas, harpas e sonoras frautas;
Outras, cos arcos de ouro, se fingiam
Seguir os animais, que não seguiam.

65
Assi lho aconselhara a mestra experta:
Que andassem pelos campos espalhadas;
Que, vista dos barões a presa incerta,
Se fizessem primeiro desejadas.
Alguas, que na forma descoberta
Do belo corpo estavam confiadas,
Posta a artificiosa formosura,
Nuas lavar se deixam na água pura.

66
Mas os fortes mancebos, que na praia
Punham os pés, de terra cobiçosos
(Que não há nenhum deles que não saia),
De acharem caça agreste desejosos,
Não cuidam que, sem laço ou redes, caia
Caça naqueles montes deleitosos,
Tão suave, doméstica e benina,
Qual ferida lha tinha já Ericina.

67
Alguns, que em espingardas e nas bestas
Pera ferir os cervos, se fiavam,
Pelos sombrios matos e florestas
Determinadamente se lançavam;
Outros, nas sombras, que de as altas sestas
Defendem a verdura, passeavam
Ao longo da água, que, suave e queda,
Por alvas pedras corre à praia leda.

68
Começam de enxergar subitamente,
Por entre verdes ramos, várias cores,
Cores de quem a vista julga e sente
Que não eram das rosas ou das flores,
Mas da lã fina e seda diferente,
Que mais incita a força dos amores,
De que se vestem as humanas rosas,
Fazendo-se por arte mais fermosas.

69
Dá Veloso, espantado, um grande grito:
– "Senhores, caça estranha (disse) é esta!
Se inda dura o Gentio antigo rito,
A Deusas é sagrada esta floresta.
Mais descobrimos do que humano esprito
Desejou nunca, e bem se manifesta
Que são grandes as cousas e excelentes
Que o mundo encobre aos homens imprudentes.

70
"Sigamos estas Deusas e vejamos
Se fantásticas são, se verdadeiras."
Isto dito, veloces mais que gamos,
Se lançam a correr pelas ribeiras.
Fugindo as Ninfas vão por entre os ramos,
Mas, mais industriosas que ligeiras,
Pouco e pouco, sorrindo e gritos dando,
Se deixam ir dos galgos alcançando.

71
De u'a os cabelos de ouro o vento leva,
Correndo, e da outra as fraldas delicadas;
Acende-se o desejo, que se ceva
Nas alves carnes, súbito mostradas.
Ua de indústria cai, e já releva,
Com mostras mais macias que indinadas,
Que sobre ela, empecendo, também caia
Quem a seguiu pela arenosa praia.

72
Outros, por outra parte, vão topar
Com as Deusas despidas, que se lavam;
Elas começam súbito a gritar,
Como que assalto tal não esperavam;
Uas, fingindo menos estimar
A vergonha que a força, se lançavam
Nuas por entre o mato, aos olhos dando
O que às mãos cobiçosas vão negando;

73
Outra, como acudindo mais depressa
À vergonha da Deusa caçadora,
Esconde o corpo n' água; outra se apressa
Por tomar os vestidos que tem fora.
Tal dos mancebos há que se arremessa,
Vestido assi e calçado (que, co a mora
De se despir, há medo que inda tarde)
A matar na água o fogo que nele arde.

74
Qual cão de caçador, sagaz e ardido,
Usado a tomar na água a ave ferida,
Vendo [ò] rosto o férreo cano erguido
Pera a garcenha ou pata conhecida,
Antes que soe o estouro, mal sofrido
Salta n' água e da presa não duvida,
Nadando vai e latindo: assi o mancebo
Remete à que não era irmã de Febo.

75
Leonardo, soldado bem disposto,
Manhoso, cavaleiro e namorado,
A quem Amor não dera um só desgosto
Mas sempre fora dele mal tratado,
E tinha já por firme pros[s]uposto
Ser com amores mal afortunado,
Porém não que perdesse a esperança
De inda poder seu fado ter mudança,

76
Quis aqui sua ventura que corria
Após Efire, exemplo de beleza,
Que mais caro que as outras dar queria
O que deu, pera dar-se, a natureza.
Já cansado, correndo, lhe dizia:
– "Ó formosura indina de aspereza,
Pois desta vida te concedo a palma,
Espera um corpo de quem levas a alma!

77
"Todas de correr cansam, Ninfa pura,
Rendendo-se à vontade do inimigo;
Tu só de mi só foges na espessura?
Quem te disse que eu era o que te sigo?
Se to tem dito já aquela ventura
Que em toda a parte sempre anda comigo,
Oh, não na creias, porque eu, quando a cria,
Mil vezes cada hora me mentia.

78
"Não canses, que me cansas! E se queres
Fugir-me, por que não possa tocar-te,
Minha ventura é tal que, inda que esperes,
Ela fará que não possa alcançar-te.
Espera; quero ver, se tu quiseres,
Que sutil modo busca de escapar-te;
E notarás, no fim deste sucesso,
‘Tra la spica e la man qual muro he messo.’

79
"Oh! Não me fujas! Assi nunca o breve
Tempo fuja de tua formosura;
Que, só com refrear o passo leve,
Vencerás da fortuna a força dura.
Que Emperador, que exército se atreve
A quebrantar a fúria da ventura
Que, em quanto desejei, me vai seguindo,
O que tu só farás não me fugindo?

80
"Pões-te da parte da desdita minha?
Fraqueza é dar ajuda ao mais potente.
Levas-me um coração que livre tinha?
Solta-mo e correrás mais levemente.
Não te carrega essa alma tão mesquinha
Que nesses fios de ouro reluzente
Atada levas? Ou, despois de presa,
Lhe mudaste a ventura e menos pesa?

81
"Nesta esperança só te vou seguindo:
Que ou tu não sofrerás o peso dela,
Ou na virtude de teu gesto lindo
Lhe mudarás a triste e dura estrela.
E se se lhe mudar, não vás fugindo,
Que Amor te ferirá, gentil donzela,
E tu me esperarás, se Amor te fere;
E se me esperas, não há mais que espere."

82
Já não fugia a bela Ninfa tanto,
Por se dar cara ao triste que a seguia,
Como por ir ouvindo o doce canto,
As namoradas mágoas que dizia.
Volvendo o rosto, já sereno e santo,
Toda banhada em riso e alegria,
Cair se deixa aos pés do vencedor,
Que todo se desfaz em puro amor.

83
Oh, que famintos beijos na floresta,
E que mimoso choro que soava!
Que afagos tão suaves! Que ira honesta,
Que em risinhos alegres se tornava!
O que mais passam na manhã e na sesta,
Que Vénus com prazeres inflamava,
Milhor é exprimentá-lo que julgá-lo;
Mas julgue-o quem não pode exprimentá-lo.

84
Destarte, enfim, conformes já as fermosas
Ninfas cos seus amados navegantes,
Os ornam de capelas deleitosas
De louro e de ouro e flores abundantes.
As mãos alvas lhe davam como esposas;
Com palavras formais e estipulantes
Se prometem eterna companhia,
Em vida e morte, de honra e alegria.

85
U'a delas, maior, a quem se humilha
Todo o coro das Ninfas e obedece,
Que dizem ser de Celo e Vesta filha,
O que no gesto belo se parece,
Enchendo a terra e o mar de maravilha,
O capitão ilustre, que o merece,
Recebe ali com pompa honesta e régia,
Mostrando-se senhora grande e egrégia.

86
Que, despois de lhe ter dito quem era,
Cum alto exórdio, de alta graça ornado,
Dando-lhe a entender que ali viera
Por alta influïção do imóbil fado,
Pera lhe descobrir da unida esfera
Da terra imensa e mar não navegado
Os segredos, por alta profecia,
O que esta sua nação só merecia,

87
Tomando-o pela mão, o leva e guia
Pera o cume dum monte alto e divino,
No qual ua rica fábrica se erguia,
De cristal toda e de ouro puro e fino.
A maior parte aqui passam do dia,
Em doces jogos e em prazer contino.
Ela nos paços logra seus amores,
As outras pelas sombras, entre as flores.

88
Assi a fermosa e a forte companhia
O dia quási todo estão passando
Nua alma, doce, incógnita alegria,
Os trabalhos tão longos compensando.
Porque dos feitos grandes, da ousadia
Forte e famosa, o mundo está guardando
O prémio lá no fim, bem merecido,
Com fama grande e nome alto e subido.

89
Que as Ninfas do Oceano, tão fermosas,
Tétis e a Ilha angélica pintada,
Outra cousa não é que as deleitosas
Honras que a vida fazem sublimada.
Aquelas preminências gloriosas,
Os triunfos, a fronte coroada
De palma e louro, a glória e maravilha,
Estes são os deleites desta Ilha.

90
Que as imortalidades que fingia
A antiguidade, que os Ilustres ama,
Lá no estelante Olimpo, a quem subia
Sobre as asas ínclitas da Fama,
Por obras valerosas que fazia,
Pelo trabalho imenso que se chama
Caminho da virtude, alto e fragoso,
Mas, no fim, doce, alegre e deleitoso,

91
Não eram senão prémios que reparte,
Por feitos imortais e soberanos,
O mundo cos varões que esforço e arte
Divinos os fizeram, sendo humanos.
Que Júpiter, Mercúrio, Febo e Marte,
Eneas e Quirino e os dous Tebanos,
Ceres, Palas e Juno com Diana,
Todos foram de fraca carne humana.

92
Mas a Fama, trombeta de obras tais,
Lhe deu no Mundo nomes tão estranhos
De Deuses, Semideuses, Imortais,
Indígetes, Heróicos e de Magnos.
Por isso, ó vós que as famas estimais,
Se quiserdes no mundo ser tamanhos,
Despertai já do sono do ócio ignavo,
Que o ânimo, de livre, faz escravo.

93
E ponde na cobiça um freio duro,
E na ambição também, que indignamente
Tomais mil vezes, e no torpe e escuro
Vício da tirania infame e urgente;
Porque essas honras vãs, esse ouro puro,
Verdadeiro valor não dão à gente:
Milhor é merecê-los sem os ter,
Que possuí-los sem os merecer.

94
Ou dai na paz as leis iguais, constantes,
Que aos grandes não dêem o dos pequenos,
Ou vos vesti nas armas rutilantes,
Contra a lei dos imigos Sarracenos:
Fareis os Reinos grandes e possantes,
E todos tereis mais e nenhum menos:
Possuireis riquezas merecidas,
Com as honras que ilustram tanto as vidas.

95
E fareis claro o Rei que tanto amais,
Agora cos conselhos bem cuidados,
Agora co as espadas, que imortais
Vos farão, como os vossos já passados.
Impossibilidades não façais,
Que quem quis, sempre pôde; e numerados
Sereis entre os Heróis esclarecidos
E nesta «Ilha de Vénus» recebidos.


Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 529)


Uma Trova de Ademar

A folha que cai no outono,
sem mágoas e sem lamentos,
dorme, e desperta do sono
dançando a valsa dos ventos.
–ADEMAR MACEDO/RN–

Uma Trova Nacional


Vendo uma panela ao lume
é bom sinal que há fervura,
e tendo a rima no cume
dá uma trova segura.
–ROSA SILVA/AZ.PRT–

Uma Trova Potiguar


Já se passou tanto tempo,
mas, pra mim, nada passou...
Sinto o teu cheiro com o vento
que o ingrato tempo levou.
–MARA MELINNI/RN–

Uma Trova Premiada


2009 - Niterói/RJ
Tema - PRÊMIO - Venc.


Meu prêmio dentro da vida
foi fazer, na minha história,
de toda ilusão perdida
sempre mais uma vitória!...
–LARISSA LORETTI/RJ–

...E Suas Trovas Ficaram


A consciência, tirana
que não perdoa ninguém,
é a corte mais desumana
das cortes que o mundo tem.
–ELTON CARVALHO/RJ–

Simplesmente Poesia

I n t r o s p e c ç ã o
–JOÃO ALFREDO/RN–


Quero Viver
a paz íntima dos meus versos.
Sorrir,
como se libertasse o pássaro preso.
Sussurrar frases
num acalanto ao espírito,
embora o sopro morno das palavras
se fragmentem no espaço.

Estrofe do Dia

Sertão, meu lindo universo
onde há ternura e magia,
ganha as cores mais formosas
quando o sol reflete o dia
e a gota d'água de orvalho
desce em forma de poesia!
–EVA YANNI GARCIA/RN–

Soneto do Dia

Alegria no Infinito
–LUIZ ANTONIO CARDOSO/SP–


"A Lucilene Murdiga"

No colo de seu pai, soprando a vela,
no bolo de fubá (feito de amor)...
podia faltar tudo na panela,
mas tudo tinha ao braço protetor!

E gesto assim, tão nobre, nos revela,
em simples atitudes, um valor:
a vida, mesmo sendo a mais singela,
pode ser recheada de dulçor.

Hoje o professor mora no infinito...
e venho aqui falar – e nem hesito:
orgulha-se da filha que deixou...

pois vê uma mulher com coração
tão belo, com imensa proporção...
olha o belo jardim que cultivou!

Altino Caixeta de Castro/MG (Poesias Avulsas)


A ANTIMEMÓRIA

O capim de cinábrio cresce nos
pântanos de metal. Os cavalos comem
os candelabros de prata do poeta
Bueno de Rivera. O galo de Aghone
em Lautrèamont parte com o bico em
dois galos de Pirapora, crista de
azinhavre. Um poeta aprende copta
para captar um poema. A morte passa
a limpo os últimos palimpsestos.

PORQUE VIM

Não vim para cantar.
Se cheguei tarde
não vim para cantar.
Cheguei tarde porque deixei na estrada sem lua
a minha boca torturada sem rumo e sem canção.

Não vim para dizer.
Se cheguei tarde
não vim para dizer.
Cheguei tarde porque tudo está falado.

Não vim para chorar.
Porque a lágrima ficou estúpida
na pálpebra doirada.

Também não vim para sorrir.
Porque o sorriso ficou nos beiços dos carneirinhos
que minha mãe me deu nos currais de meu pai.

Também não vim para sofrer.
Inútil indagar porque cheguei.
Eu vim, apenas, para ser chegado.

SONETO DO ESTRANHO

Para Borges, Foucault, Drummond e outro

A geometria de Euclides me ampara,
mas a de Einstein é que me põe perplexo:
me exibo em versos côncavos-convexos,
minha rosa de rima é curva e clara.

A cicatriz da mágoa tem reflexos
ou se propõe na angústia que não pára.
A flor do lodo, flor do asfalto enfara
se a lésbica mulher mudar de sexo.

O que não muda é o homem (ser estranho)
o ser recente excelso de um rebanho
que ainda em hordas ríspidas resiste.

A minha rosa é côncava-convexa,
agora o que não sei nesta conversa
é o que Einstein e Euclides tem com isto.

Da COROA DE SONETOS PARA UMA CABRA

XIII

As luzes de meu ser e de meu nada,
Truísmo e tropo que não quero e topo,
A própria cabra é sombra no meu corpo,
Coisa que berra e bale misturada.

Coisa assim, penso e existo, como um sopro
Ardendo-me na pele suspirada
Conhece-te a ti mesmo, camarada,
Sem fim, sem meio e fim, sem meio escopo.

Ninguém sabia do a priori dela,
Só se sabia da braveza bela,
Do jeito de ser livre, e era tudo.

Por isso agora piso neste estrume,
Levo pra casa o lúrido volume
Feito de couro para meu estudo.

ROSA DE ISOPOR

Verifico
(em suma):
a indústria do Lirismo
é de consumo
conspícuo.

Do poema Fabricado
sem aporias
Isoporema
emana
a Fragrância
Flor.

A experiência
do aprendizado poético
(em alto nível)
Mestrado de Mímese
é uma experiência para o Consumidor:
Experiência Lyrica
de uma Rosa

LUANA

A Mário Garcia de Paiva, autor de Luana

a lua na janela de Luana
bate tranqüila, não me assusta, pois
Luana é a lua apenas da alvorada
ou é a alvorada a lua de nós dois?

estou cheio de estrelas lualãs,
“belimbelezas” de quem ama ou brilha.
das seis da tarde às sete das manhãs
um galo verde inaugura Brasília.

Luana canta? arranha o céu seu canto.
sírius, lá em cima, gane ganas de gente.
joãozinho enche de aurora a morte má.

ivanildo candango, paulo some
apenas eu, me resto, (amor ou fome)
lua-luando no paranoá.

EXALTAÇÃO DA FORMA

“Ainda é o canto que canta na garganta
A única recompensa pra quem canta”.
GONZAGA


Na palinódia de meu sonho acesa,
trago o esplendor da forma que retrato.
Se ainda canto e em prélios me debato,
é para erguer-me ao culto da beleza.

Praxíteles da forma, eu me arrebato
entre visões sonoras, com certeza.
Que veja o metro de seu verso exato
na cadência da língua portuguesa.

Acastelado assim, não se abacina
meu poetar e a musa me ilumina
o campo para a luta e para o ataque.

Fídias do verso, a estátua que cinzelo
suporta o peso deste amor ao Belo,
que fez um dia a glória de Bilac.

Fonte:
Antonio Miranda

Altino Caixeta de Castro (1916-1995)


Nasceu em Patos de Minas (MG), no dia 04 de agosto de 1916, e ali faleceu em 28 de junho de 1995. Conhecido, literariamente, como Leão de Formosa. Mudou-se para Brasília em 1970. Diplomado em Farmácia e em Bioquímica. Pertenceu a Academia Mineira de Letras.

Filho de Leão Theotonio de Castro e Júlia Fernandes Caixeta. Casado com Alfa Amorim de Castro em 30 de maio de 1952 com quem teve os filhos Ronaldo, Rosangela e Rossele.

As primeiras letras na Fazenda Campo da Onça. Curso ginasial no “Ginásio D. Lustosa”, em Patrocínio. Diplomou-se Farmacêutico Bioquímico pela Escola de Odontologia e Farmácia da Universidade de Minas Gerais. Tendo sido o Orador da turma. Redator de “O Ideal”, jornalzinho do ginásio onde publicou os seus primeiros poemas parnasianos simbolistas, já com a marca de seu lirismo persistente.

Em Patos de Minas colocou em varias fases seus versos no “Jornal dos Municípios”, depois na “Folha Diocesana” e no “Correio de Patos”. Poemas publicados na “Antologia Luso-Brasileira” de Wagner Ribeiro. Aluno de Gramática Histórica do acadêmico e poeta Dr. Cândido Martins de Oliveira. Latim com Padre Lambert. Português com José Fonte-Bôa, camonista. Exerceu o comercio de drogas, mas, à feição do farmacêutico Carlos Drummond de Andrade, ficou sempre mais drogado pela leitura. De formação acadêmica, antiacadêmico.

Sem livros publicados, entrou para uma Academia e para um Grêmio de Trovadores, sem convicção. Sempre se orgulhou de seu ineditismo, com convicção. Daí, a sua temática da vigília da escritura. Bem mais tarde seria enredado pela poética de vanguarda onde o Poema Práxis se lhe afigura de melhor acesso. Conviveu bem com todos os “processos” de penetrar o “pathos” do poema.

Publicou 03 (três) livros e possui 02 (dois) novos livros para serem publicados, além de dezenas de novos livros inéditos, entre criticas, poemas, prosas poéticas e sonetos. Foi farmacêutico bioquímico formado pela UFMG.

Buscou no nome de seu pai e no nome da cidade onde nasceu para criar seu pseudônimo Leão de Formosa.

Iniciou seu trabalho artístico aos 13 anos de idade, quando então começou a escrever seus versos. Seus primeiros poemas parnasianos foram publicados no Jornal Ideal. Pertenceu a Academia Municipalista de Letras e a Academia Mineira de Letras.

Seus livros publicados foram Cidadela da Rosa Com Fissão da Flor (Antologia Poética) editado em 1980 pela Horizonte Editora Ltda- Brasília. Diário da Rosa Errância e Prosoemas- 1989 e em 2004 após sua morte foi lançado pela Editora o 7 Letras; o livro Sementes de Sol, o qual o autor deixou totalmente acabado em vida numa edição especial a Impressa Oficial de Minas Gerais.

Editou um Suplemento Literário em 18 de maio de 1991, dedicado ao Poeta Altino Caixeta de Castro “O Leão de Formosa”. O Galo de Pirapora, era sem sombra de duvida, o poema que Leão de Formosa mais gostava.

Poeta em todas as escolas, a todo momento estava inspirado para redigir suas obras.

Não era pretensioso e nem vaidoso, para com suas obras, e a prova disto, que só publicou a sua obra quando estava totalmente pronto, ou seja, já era um poeta maduro.

Andou por todos correntes literárias, não tendo como classifica-lo, em que literária ele poderia se destacar, pois em todas elas poderíamos dizer que ele foi um destaque.

Se sentia e dizia ser o poeta mais inédito do Brasil, pois apesar de possuir inúmeras obras, poucas se encontram publicadas.

A família do poeta Leão de Formosa possui um vasto material e pretende coloca-lo em um acervo cultural para maior visitação pública e conhecer este que foi um dos maiores poetas do Brasil.

O Teatro Municipal de Patos de Minas, recebeu a denominação de AltinoCaixeta de Castro “Leão de Formosa”, como forma de reconhecimento pelos relevantes serviços prestados a cultura.

Faleceu em 28 de junho de 1996 em Patos de Minas.

Bibliografia:
Cidadela da Rosa: com fissão da flor, Horizonte Editora, Brasília, 1980;
Diário da Rosa errância prosoemas, 1989;
Sementes de Sol, editora 7Letras, 2004.

Fonte:
http://www.paragonbrasil.com.br/conteudo.php?item=578

Altino Caixeta de Castro (entrevistado por Maria Esther Maciel)


A história de um poeta é também a de suas perplexidades. E se uso a palavra perplexidades é por pensar nos vários sentidos que ela deflagra, como espanto, assombro, emaranhamento das certezas, dúvida, enredamento, irresolução e sinuosidade de caminhos, todos eles configurando-se como elementos também intrínsecos ao processo de criação poética. Borges externou essa consciência da perplexidade em uma breve conferência que fez sobre “o enigma da poesia”, ao dizer que diante de cada página em branco que encontrava tinha de redescobrir a literatura para si mesmo. Drummond vislumbrou na clareza e na claridade o mesmo enigma. Já Pessoa converteu sua perplexidade em um processo intrincado de ficcionalização do eu e do próprio ato de criação, correspondendo, assim, aos sentidos da palavra latina “perplexio, onis” (perplexão), que apontam, curiosamente, para “fingimento, dissimulação, refolho, dobra.

O poeta mineiro Altino Caixeta de Castro (Patos de Minas, 1916-1996), autor de Cidadela da rosa – confissão da flor (1980), Diário da Rosa Errância e Prosoemas (1989) e Sementes de sol (2004), ao também explorar as inquietudes do poeta perplexo diante de tudo, optou pela palavra espanto, construindo a partir dela toda uma poética. Não por acaso designou o poeta de “pastor do espanto” e forjou a partir dessa imagem sua própria persona poética. Mas não se ateve apenas à dimensão filosófica, existencial, da idéia de espanto – à qual associou todo um referencial ontológico de feição heideggeriana, mas redimensionou-a pela força da imaginação e nela imprimiu um traço lúdico, advindo do sentido de “maravilhamento” que a própria palavra espanto contém. Espantar-se é também maravilhar-se diante de algo. E esse algo para o “pastor” Altino Caixeta é a linguagem e todas as suas potencialidades de jogo. E o que é o maravilhar-se senão o deixar-se seduzir? Na poesia altiniana a sedução do poeta pelas palavras é explícita e se faz ver não apenas na forma como brinca com elas e delas se faz brinquedo, como também no processo de erotização do fazer poético. Uma espécie de libido scribendi perpassa o ato de criação do poeta, seduzido que sempre esteve pela força corporal, tátil, sonora, visual da escritura. Isso se dá a ver de maneira explícita no poema “A palavra ousada”, do livro Cidadela da rosa – com fissão da flor, onde se lê:

que coisa mais misteriosa é a palavra,
principalmente, o substantivo movido
pelo verbo. eu posso dizer: eu moro
nos subúrbios soberbos de uberaba. eu
moro nos subúrbios soberbos de teu
umbigo. eu moro nos subúrbios soberbos
de teus ombros. eu moro nos subúrbios
soberbos dos teus lábios. entretanto,
eu não moro, mas eu ouso dizer: que
coisa mais misteriosa é minha prosa
movida pelo moinho de vento soberbo de
teu verbo.


Altino sabe que as palavras podem deflagrar realidades imprevistas, fingir um mundo que não existe senão apenas dentro delas ou partir delas. Como Pessoa, sua perplexidade se “irresolve” na consciência de que é possível tanto sentir com a imaginação quanto escrever pelos sentidos o que a razão não entende. Mas seu pastoreio é menos o ato de conduzir e/ou vigiar a linguagem – como fazem os pastores de cabras e ovelhas – do que o ato de pastorejá-la, uma vez que o verbo “pastorejar”, relacionado ao pastorear, aponta sobretudo para a ação de fazer a corte, cortejar.

A entrevista que se segue, gravada no início de 1990, na casa do poeta em Patos de Minas, traz em viva voz esse espanto – transfigurado em “maravilhamento” – de Altino Caixeta de Castro diante da poesia. Nela, ele fala de sua descoberta do verso, do pastoreio das cabras e das palavras, da rosa como metáfora do poema, da beleza, da mulher, do artesanato da forma e do “transe” necessário ao fazer da escritura. Com humor e erudição, cita poetas, filósofos e críticos de vários tempos e tradições, declama versos seus e alheios, brinca e se deslumbra com suas próprias perplexidades de poeta. [M.E.M.]

MEM – Como se deu para você a descoberta da poesia?

ACC – Minha história de poeta é muito triste, pois descobri a poesia no pessimismo existencial de Augusto de Anjos. Quando eu era criança, de cabeça raspada e pés descalços, vivendo na fazenda Campo da Onça, decorei, pela primeira vez, um poema que vi em um almanaque. Era aquele soneto de Augusto dos Anjos, que diz assim: “…o homem que é triste/Para todos os séculos existe/ E nunca mais seu pesar se apaga!” Eu tinha entre 7 e 9 anos de idade. Ou melhor, não tinha idade. Creio que daí venham certos ressaibos – filosóficos, talvez – da poesia de Augusto dos Anjos em minha poesia.

MEM – Mas você continua sendo um poeta sem idade, por trazer todos os tempos possíveis (e impossíveis) em sua poesia…

ACC – Uma vez fiz para uma menina um verso de circunstância – isso, antes que o Manuel Bandeira colocasse em voga a idéia do poeta de circunstância – que dizia assim: “Eu não preciso do tempo / porque sou eterno / Necessito apenas / dos mínimos espaços / que demoram / entre mim e seus braços”. Meu destempos, meus dez tempos são minha eternidade provisória.

MEM – Sem dúvida, o signo mais recorrente em sua poesia é a palavra rosa. Como você explicaria esse signo?

ACC – Como dizia Gertrude Stein, uma rosa é uma rosa é uma rosa. É bastante interessante esse poema, porque nele a poetisa toca uma questão da semiologia moderna. Ela antecipa o livro O sistema dos objetos, de Jean Baudrillard. Ela, sem querer, fez uma semiologia do objeto rosa. Aliás, a rosa é o arquétipo da coisa, como diz o Borges. Borges, na verdade, buscou essa imagem em Crátilo, personagem de Platão. Tanto é que tenho um poema em que rimo “rosa” com “coisa”. Uma semi-rima sutilíssima, nunca usada nem pela Cecília Meireles ou pelo Guilherme de Almeida, que era um mestre das semi-rimas.

MEM – A rosa seria, em sua obra, uma metáfora do poema e uma metonímia da prosa?

ACC – Pode ser. Mas quando a rosa me chegou, eu não pensei nisso. Só muitos anos depois é que soube dessa parolagem. Minha mãe plantava rosas em torno de nossa casa. E minha poética é muito ligada à minha mãe. Acho que por causa dela fiquei muito impregnado pelo sentido da rosa. A vida inteira. Mais tarde descobri que a rosa era um símbolo difícil, mesmo para a poética. Descobri, mais teimei no símbolo.

A rosa tem também uma dimensão filosófica, de feição heideggeriana, em seus poemas, apontando para a imagem da “morada do ser”. E mesmo mística, se pensarmos na idéia da mandala que se faz presente no livro Cidadela da Rosa: com fissão da flor.

Isso me lembra um poema que está no livro O diário da rosa errância: “Mandá-la para Vênus./ Mandá-la para Eros./ Mandá-la para Deus./Mandala do mistério.” Mas é verdade, a minha rosa é metafísica. Mas a imagem da “morada” eu debito a Gaston Bachelard, que escreveu aquele livro lindo, A poética do espaço. Coloquei muitas moradas em minha poética, metaforizei várias vezes a morada dentro de meus poemas. E a rosa ficou sendo a morada essencial. Já Heidegger foi o filósofo-poeta que mais influenciou minha concepção da poesia moderna. Para ele, o “poeta é o pastor do ser” e a poesia é “a realização do ser pela palavra”. Isso me chamou muito a atenção. Tanto é que meu primeiro livro ia se chamar Pastor de sonhos – isso, trinta ou quarenta anos atrás.

MEM – E por que você optou pela imagem do “pastor do espanto” para definir o trabalho do poeta?

ACC – É o mesmo pastoreio. Na minha poesia, como eu disse, minha mãe é sempre a presença essencial. Coisa que os críticos em geral não percebem. Aliás, em se tratando de crítica, prefiro aquela que é feita pelos poetas-críticos. Como Eliot e Pound. Eles são melhores do que os outros, pois conseguem surpreender muito mais a poesia dos poetas. Mas como eu estava dizendo, minha mãe tinha, na fazenda, um rebanho de carneiros que eram dela. E meu pastoralismo passou por minha mãe antes de chegar aos meus poemas e antes que eu descobrisse Heidegger e seu pastoreio do ser. Tenho uma “Coroa de sonetos para uma cabra”, ou seja, catorze sonetos sobre a cabra, que não era cabra na verdade, mas uma metáfora. Não sei se você sabe, mas nasci de 7 meses e minha mãe não tinha leite, ainda não estava ainda preparada “galacticamente” (risos). E assim tive que ser amamentado por uma bela cabrita – uma mulher morena-escura, quase negra. Sequei o leite da cabrita. (risos) Aí minha mãe arranjou uma cabra de verdade para mim. Mamei, literalmente, nessa cabra, aos 2 ou 3 anos de idade. Tudo isso ficou impregnado na minha lembrança, no meu sensorialismo: os carneiros de minha mãe, que ela mandava tosquiar para tecer a lã, a cabrita morena que me amamentou quando nasci e a cabra de verdade que veio depois.

MEM – Realmente, as imagens relacionadas a essas reminiscências sensoriais estão muito presentes na sua poética. As cabras, os carneiros, os pastos, o leite, os seios, a boca, o beijo, o ato de mamar são recorrências explícitas. Algo da ordem da oralidade, no sentido psicanalítico do termo, não? Se bem que a oralidade, do ponto de vista lingüístico, também é uma das linhas de força de sua poética.

ACC – Isso está no meu poema “Soneto em limbos”: Mamar na luz que vem das nebulosas,/Dar pojo no mistério das estrelas,/Depois lamber os úberes redondos/ Da ovelha fulva ou ser lambido em limbos. Aí eu já estava “adulterizado” e usei as leituras que eu tinha da psicanálise de Freud. Aliás, não sei se você já reparou, mas esse é um soneto branco, sem rimas. Só tem ressonâncias internas. Como fazem os ingleses. Os poetas ingleses quase não rimam nas pontas. E não rimar nas pontas torna, muitas vezes, o poema mais bonito, pela força das aliterações e sonoridades internas. E por falar em psicanálise, costumo citar com freqüência um fragmento de Lacan – “o inconsciente é o discurso do Outro” – que, de certa forma, influenciou o primeiro poema do Cidadela da Rosa, intitulado “Discurso”. Os críticos costumam elogiar esse poema. Affonso Romano de Sant’Anna, por exemplo, que é um bom poeta e escreveu um livro sobre Drummond, ficou surpreso porque eu dediquei o “Discurso” a Michel Foucault, Roland Barthes e Julia Kristeva. Um caipira do interior de Minas escrevendo uma dedicatória pedante aos grandes nomes da filosofia contemporânea! – ele deve ter pensado. Na verdade, escrevi esse poema em um espaço em branco de um livro de Foucault. Os críticos gostaram, ficaram impressionados.

MEM – O que você pensa sobre esses críticos e filósofos franceses?

ACC – Já li muito da literatura francesa. Sobretudo Sartre, Baudelaire e Camus. Acho inclusive que o pessimismo artificial que tenho, que não é o de Augusto dos Anjos, ao contrário do que pensam, foi muito influenciado pela filosofia de Sartre, mais do que pela obra de Camus. Tenho um poema no livro A cidadela da rosa, mais ou menos inspirado no pessimismo sartreano. Aliás, nessa minha sonetilha houve um erro tipográfico e o verso ficou melhor. Mas não foi o erro de Malherbe. Você sabe qual foi o erro de Malherbe? Minha filha chama-se Roselle. Malherbe, poeta francês do século XVI, escreveu mais ou menos isto: “rosa, ela viveu o que vivem as rosas… o espaço de uma manhã”. Mas o tipógrafo errou na grafia. Ao invés de “Et Rose, elle”, colocou “Et Rosaelle. Ficou mais bonito. Esse foi o nome que dei à minha filha, Roselle. No dia de batizar minha filha, consultei o Grand Larousse e vi que “roselle” era um pássaro canoro existente na França. E minha filha gosta muito do nome. Mas voltando à sua pergunta, fiquei muito deslumbrado com a escritura de Barthes, quando li pela primeira vez o livro Fragmentos de um discurso amoroso. Muito do Diário da rosa errância está ali. Bebi no prazer do texto. Barthes era um poeta, um grande poeta da escritura. Você sabia que ele morreu atropelado porque atravessava a rua distraído, lendo o Cidadela da rosa? (risos). Já o Foucault não era poeta, mas escrevia muito bem. Li As palavras e as coisas umas três vezes quando morava em Brasília.

MEM – Você tem uma habilidade impressionante para lidar com as palavras. Ou melhor, uma volúpia pelas palavras e suas múltiplas possibilidades sonoras, visuais e semânticas…

ACC – Eu tenho e sempre tive uma volúpia pela palavra. Geralmente, ela me seduz primeiro pela sonoridade. O som de uma palavra sempre me leva a outras palavras que me levam a outras pela força dos ecos, das paronomásias, das assonâncias, das ressonâncias. E muitas vezes ou mais de uma vez, uma palavra me desviou da métrica. No meu livro deve ter no máximo uns cinco versos alexandrinos, porque eu sempre me dediquei mais aos decassílabos. E meus decassílabos são – perdoe a modéstia – muito bem feitos, com cesura e tudo mais. Só tenho um verso decassílabo feito para minha mãe que não pude corrigir. É um endecassílabo: Única mulher que quero ver no céu. Tudo por causa da palavra única. Eu poderia ter colocado “Prima mulher”, mas não encaixava. E eu queria mesmo era “única”, não apenas porque era o vocábulo que dizia mais precisamente o que eu queria dizer, mas pela beleza do proparoxítono.

MEM – Você é um poeta que ama a beleza e que faz dela o tema privilegiado de vários poemas. O que é o belo para você?

ACC – O que sempre me encanta na vida e na poesia é a mulher. Nela está a beleza que me sensibiliza. A beleza que me estremece. Veja o “Soneto do Belo”, que dediquei a um amigo meu que é cirurgião plástico em Belo Horizonte e a quem chamei de “o esteta da plástica impossível”, pois ele tenta construir artificialmente a beleza que já existe na mulher. O poema diz assim: Da essência da beleza me alimento, / De seu mistério sempre me estremeço, / como poeta, às vezes, reconheço / que a beleza é maior que o pensamento. Nesse soneto eu roubei um pouquinho de Schiller. Penso que a paródia é grosseira, mas paráfrase é aceitável, é boa. E todos os poetas parafraseiam. Os poetas não criam, nós imitamos no inventado. Quem cria é Deus, que tira do nada.

MEM – É exatamente isso que atravessa aquele seu poema “Por que vim”, no qual você afirma: “Não vim para dizer. Se cheguei tarde / não vim para dizer./ Cheguei tarde porque tudo está falado.” A consciência de que cabe ao poeta inventar no inventado.

ACC – É, e você replicou esse poema em um poema muito bonito que dedicou a mim em seu livro Dos haveres do corpo. Mas eu nunca estive de acordo com você, poetisa. Aliás, prefiro chamar as mulheres de poetisas. Acho machismo chamar uma mulher de poeta….

MEM – Hoje eu talvez não fizesse mais aquela réplica, por entender melhor agora o seu poema… Mas continuemos nossa conversa: você já incursionou alguma vez no romance? O exercício da narrativa o atrai?

ACC – Nunca gostei de romance. Gosto de fazer o anti-romance. Quando eu morava em Brasília escrevi umas 70 páginas de um anti-romance que intitulei Cibernéias, uma parafernália da prosa, tudo empolado. Eu empolo a linguagem, as personagens, as minhas referências culturais, tudo. Um texto completamente barroco. Outro dia eu li o romance O nome da rosa, de Umberto Eco. Também uma parafernália, só que uma parafernália semiótica. Fiquei interessado no livro por causa da minha temática da rosa e por já conhecer Umberto Eco como crítico. E foi uma surpresa ver que ele é também um grande romancista. Tanto o é que as primeiras páginas de O nome da rosa – e isso foi observado no mundo inteiro – não agradam aos leitores de romance. Isso acontece com Os sertões de Euclides da Cunha. Umas quinze páginas que são uma beleza e uma prova de fogo para o leitor. No caso do livro do Umberto Eco, as primeiras páginas são melhores que o romance inteiro, porque nelas o romance ainda não começou (risos).

MEM – Voltando à poesia, qual é a sua concepção do fazer poético? Para você, a criação poética é um trabalho de transpiração, de inspiração, de respiração ou de transe? Ou é tudo isso ao mesmo tempo?

ACC – Acho que poesia é fazer. A própria etimologia da palavra diz isso. Mas o fazer poético tem também essa coisa grande, misteriosa, que é o transe. Que está lá no Fedro de Platão: o daimon. O poeta é um “daimoniado”. Um diabo no meio do redemoinho, como diz o Guimarães Rosa. Aliás, o Guimarães Rosa é também um grande poeta. O Grande Sertão Veredas, para mim, não é só um romance. É também um poema épico magnífico. Nele o daimon não está separado do fazer, do artesanato. Penso que todo poeta deve superar o artesão. Mas o artesanato é sempre importante. João Cabral, por exemplo, o poeta da “Educação pela pedra”, lavra o poema. Eu o comparo a Francis Ponge. Ele lavra o poema-objeto. Ele vai além da semiótica de Peirce. E ele consegue ultrapassar o artesão, mesmo que não admita isso. O poeta que não supera o artesão não é poeta. Existe aquela história do sujeito que estava lavrando tanto a pedra para construir uma estátua, usando com tanto vigor o camartelo e o cinzel, que a pedra virou pó. O poeta que acredita no artesanato puro e continua enxugando o poema corre o risco de transformar em pó a poesia. Alguns poetas de hoje, que fazem o culto do poema enxuto, concreto, têm, a meu ver, um quê de parnasianos. Por outro lado, acho que eles têm o lado lúdico do trocadilho, do desmembramento do vocábulo, que me agrada muito. Mas a filosofia deles está um pouco para aquilo que o Bilac coloca naquele soneto, que diz: “Quero que a estrofe cristalina, /Dobrada ao jeito/ Do ourives, saia da oficina/ Sem um defeito.” São versos de uma grande modernidade, não acha? Um culto da forma, tal como se vê hoje. Mas antes dele, Álvares de Azevedo, poeta romântico que morreu muito moço, já escrevera: “Se a estátua não saiu como pretendo/Quebro-a mas nunca seu metal emendo.” Mentira dele, pois ele emendava sim. Mas foi um grande poeta.

MEM – E a idéia de que o silêncio seria o espaço por excelência da poesia?

ACC – É, essa idéia é boa. É o que chamei de “zero absurdo”. Mas você não pode eliminar o som da poesia, a letra, a forma. O silêncio faz parte das palavras.

MEM – Qual é, para você, o papel da crítica de poesia?

ACC – Sempre fui desconfiado dos críticos. Tanto, que eu não quis para meu livro uma apresentação. E poderia ter pedido um prefácio ao Oswaldino Marques, aquele poeta que mora em Brasília e que escreveu um estudo sobre a poesia de Cassiano Ricardo. Mas preferi escrever o meu próprio exórdio, o “Topos exordial do inédito”. Prefiro eu mesmo fazer minha autocrítica. Como eu já disse, em se tratando de crítica, prefiro a crítica feita pelos poetas. Foi o T.S. Eliot que deu o grande golpe na crítica acadêmica com o seu New Criticism.

MEM – Você acredita, como Octavio Paz, que a poesia moderna está sob o signo da “paixão crítica”?

ACC – Um poeta invejável, o Octavio Paz. Eu o conheci pessoalmente, fazendo uma conferência sobre poesia em Brasília. Mas sabe o que aconteceu comigo? Não tolerei a conferência dele, pois ele só falava coisas que eu já sabia. (risos) Saí no meio. Isso aconteceu também com uma conferência do Hernâni Cidade, sobre Fernando Pessoa. Ele começou a falar da vida particular do Pessoa. Eu, que estava esperando uma conferência sobre os aspectos filosóficos de Pessoa, sobretudo o seu existencialismo, preferi ir embora. Mas acho que o que realmente marca a poesia moderna é a estranheza, não a crítica. O poeta moderno é um estranho na e à sociedade. Octavio Paz tratou disso melhor do que ninguém.

MEM – Vamos falar um pouco sobre o Diário da rosa errância e prosoemas? O que o levou a escrever um livro de prosa poética?

ACC – Nada me levou ao livro. Foi tudo circunstancial. Eu nem sabia que tinha escrito esse livro, sinceramente. Acho que eu o escrevi em uma semana, em Belo Horizonte, em 1985. Do jeito que eu sempre gostei de escrever: nas páginas brancas de um livro. No caso, um livro de Roland Barthes. Depois passei a limpo. Minha mulher, Alfa, e Roselle, minha filha jornalista, que adoram adular os meus neurônios, me estimularam a publicar o livro. Resolvi entregar também para minha filha a série de 200 prosoemas intitulada “A minha deslumbrada”, para ela selecionar alguns. Ela selecionou 93. E engraçado você ter dito, um dia, que esses textos tinham algo do surrealismo. Eu já tinha, naturalmente, lido André Breton nessa época. Mas meu surrealismo no livro foi inconsciente. O que me inspirou mesmo – e aqui me refiro aos Prosoemas, que estão no final do livro – foi o trabalho dos pintores italianos, em especial de Fra Angelico, Leonardo da Vinci e Michelangelo. El Greco também me influenciou. Já no Diário da rosa errância, retomo a temática da rosa. Mas fiz aí uma coisa que nunca tinha feito antes: escrevi textos em prosa com frases curtas, concisas, nas quais a palavra vai puxando a palavra. Lembro que minha filha me falou: pai, esse livro está muito erótico! E respondi que não tinha importância, porque meu erotismo não tem “pornéia” (risos).

MEM – Mas a sua poesia é essencialmente erótica, mesmo em Cidadela da Rosa. É uma poesia que, além de ter uma volúpia pela palavra e de explorar as múltiplas possibilidades sensoriais, corporais da linguagem, aborda, com freqüência, uma temática voltada para o amor, o corpo, a mulher.

ACC – Pois é. Tenho um soneto em versos alexandrinos, chamado “Perpétua”. Todo simbolista. E o que me levou a escrever o poema foi exatamente a palavra “Perpétua”, que me seduziu. Sou um seduzido pelas palavras. São elas que me erotizam no poema.

MEM – Como você vê a poesia contemporânea no Brasil?

ACC – Não vejo nada. Além de João Cabral, não existe nenhum grande poeta no Brasil hoje.

MEM – Você poderia falar um pouco sobre sua formação? É realmente impressionante a sua erudição, a sua história de leituras nos mais variados campos do saber.

ACC – Sou um autodidata no campo das Letras. Cursei Farmácia e Bioquímica, mas não fiz nenhum curso na área de Humanidades. No meu tempo, tudo era mais limitado. Não havia as escolas de Filosofia que existem hoje. Talvez eu devesse ter escolhido o Direito, que é mais próximo da Literatura. Mas eu sempre li de tudo. Só não li muitos romances. Apenas alguns clássicos. Li muita Geografia, Filosofia, Química, História, Biologia. Os livros de ciências são tão importantes para a poesia quanto os de literatura. Goethe, por exemplo, era um cientista. Ele escreveu uma tese sobre as cores e pôs muito da sabedoria científica dentro dos seus versos. Eu não quero me comparar a Goethe, pois é impossível fazer uma comparação dessas, mas eu coloquei muito de minha sabedoria esparsa, vinda do campo das ciências, dentro de meus poemas. Sem querer, sem saber. Inconscientemente. Aquele poema mesmo, o “Discurso”, que está na Cidadela, foi escrito dentro do livro Arqueologia do Saber, do Michel Foucault. A arqueologia me atrai até hoje.

MEM – Mas você é um arqueólogo das palavras, que sabe “escavar o palimpsesto do que te resta”…

ACC – Pode ser. Mas para meter a pá no entulho do sexo para desenterrar ninhos… (risos)

MEM – Você é também um poeta que ama as mulheres, que elege musas para seus poemas. O que tem a dizer sobre isso?

ACC – Vinícius de Moraes dizia: As feias que me perdoem, mas a beleza é fundamental. Mas não é bem assim. Às vezes basta que uma mulher tenha um belo nome. Ou uma pinta no nariz. Ou olhos de cabrita assustada, no espanto de ser. Ou mágoas de Flor-Bela. A mulher é necessária ao poeta. Ela é – vou usar aqui um neologismo – uma “ademarragem” para o poema. Mas a química, a filosofia, a física, a arte também são. A mulher não é a única musa do poeta. Uma vez fiz uns versos inspirados na poesia surrealista de Murilo Mendes, que dizem mais ou menos assim: os carneiros esgrimam o enigma dos chifres / as mulheres esgrimam o enigma das lágrimas. Aliás, tenho em um caderno várias frases surrealistas que fui anotando aos poucos. Uma delas é: A tua simpatia (de pathos) passeia primaveras em meu rosto. A outra: Atingido de azul, trapaceio com as palavras a claridade de um anjo. E tem uma outra, que fiz para uma menina de 17 anos, que me mostrou uns poemas que havia escrito: Anjo isósceles, com inspiração para agarrar o azul. Foi daí que tirei para o meu futuro livro o título Inspiração para agarrar o azul. Um livro que talvez eu nunca escreva, mas que já existe.
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Maria Esther Maciel (Brasil, 1963). Poeta, ensaísta. Autora de livros como A lição do fogo (1998), A memória das coisas (2004) e O livro de Zenóbia (2004). Entrevista originalmente publicada na revista Alpha (Patos de Minas, UNIPAM, 2002).

Fonte:
in
Altino Caixeta de Castro: do espanto da palavra e outras perplexidades
Agulha Revista de Cultura Nº 46 - Fortaleza/São paulo - julho de 2005
Entrevista obtida em Do Próprio Bolso

Hans Christian Andersen (A Menina dos Fósforos)


Era véspera de Ano Bom. Fazia um frio intenso; já estava escurecendo e caía neve. Mas a despeito de todo o frio, e da neve, e da noite, que caía rapidamente, uma criança, uma menina, descalça e de cabeça descoberta, vagava pelas ruas. É certo que estava calçada quando saiu de casa; mas as chinelas eram muito grandes, pois que a mãe as usara, e escaparam-lhe dos pezinhos gelados, quando atravessava correndo uma rua, para fugir de dois carros que vinham a toda a brida. Não pôde achar um dos chinelos e o outro apanhou-o um rapazinho, que saiu correndo e declarando que aquilo ia servir de berço aos seus filhos, quando os tivesse. Continuou, pois, a menina a andar, agora com os pés nus e gelados. Levava no avental velhinho uma porção de pacotes de fósforos e tinha na mão uma caixinha: não conseguira vender uma só em todo o dia, e ninguém lhe dera esmola - nem um só vintém.

Assim, morta de fome e frio, ia se arrastando penosamente, vencida pelo cansaço e o desânimo - a estátua viva da miséria.

Os flocos de neve caíam pesados, sobre os lindos cachos louros que lhe emolduravam graciosamente o rosto; mas a menina nem dava por isso. Via, pelas janelas das casas, as luzes que brilhavam lá dentro; vagava na rua um cheiro bom de pato assado - era a véspera do Ano Bom - isso sim, não o esquecia ela.

Achou um canto, formado pela saliência de uma casa, e acocorou-se ali, com os pés encolhidos para abrigá-los ao calor do corpo; mas cada vez sentia mais frio. Não se animava a voltar para casa, porque não tinha vendido uma única caixinha de fósforos, e não ganhara um vintém; era certo que levaria algumas lambadas. Além disso, lá fazia tanto frio como na rua, pois só havia o abrigo do telhado, e por ele entrava uivando o vento, apesar dos trapos e das palhas que lhe tinham vedado as enormes frestas.

Tinha as maozinhas tão geladas... estavam duras de frio. Quem sabe se acendendo um daqueles fósforos pequeninos, sentiria algum calor? Se se animasse a tirar um ao menos da caixinha, e riscá-lo na parece para acendê-lo... Ritch!... Como estalou, e faiscou, antes de pegar fogo!

Deu uma chama quente, bem clara, e parecia mesmo uma vela, quando ela o abrigou com a mão. E era uma vela esquisita, aquela! Pareceu-lhe logo que estava sentada diante de uma grande estufa, de pés e maçanetas de bronze polido. Ardia nela um fogo magnífico, que espalhava suave calor. E a meninazinha ia estendendo os pés enregelados para aquecê-los e... crac! Apagou-se o clarão! Sumiu-se a estufa, tão quentinha, e ali ficou ela, no seu canto gelado, com um fósforo apagado na mão. Só via agora a parede escura e fria.

Riscou outro. Onde batia a sua luz, a parede tornava-se transparente como a gaze, e ela via tudo lá dentro da sala. Estava posta a mesa, e sobre a toalha alvíssima via-se, fumegando entre toda aquela porcelana tão fina, um belo pato assado, recheado de maçãs e ameixas. Mas o melhor de tudo foi que o pato saltou do prato e, com a faca ainda cravada nas costas, foi indo pelo soalho direto à menina que estava com tanta fome, e...

Mas - que foi aquilo? No mesmo instante acabou-se o fósforo, e ela tornou a ver somente a parede nua e fria, na noite escura. Riscou outro fósforo, e àquela luz resplandecente, viu-se sentada debaixo de uma linda árvore de Natal. Oh! Era muito maior, e mais ricamente decorada do que aquela que vira, naquele Natal, ao espiar pela porta de vidro da casa do negociante rico. Entre os galhos brilhavam milhares de velinhas; e estampas coloridas, como as que via nas vitrinas das lojas, olhavam para ela. A criança estendeu os braços, diante de tantos esplendores, e então, então... apagou-se o fósforo. Todas as luzinhas de natal foram subindo, subindo, mais alto, cada vez mais alto, e de repente ela viu que eram estrelas, que cintilavam no céu. Mas uma caiu lá de cima, deixando uma esteira de poeira luminosa no caminho.

- Morreu alguém - disse a criança.

Porque sua avó, a única pessoa que a amara no mundo, e que estava morta, lhe dizia sempre que quando uma estrela desce, é que uma alma subiu para o céu.

Agora ela acedeu outro fósforo; e desta vez foi a avó que lhe apareceu, a sua boa vovó, sorridente e luminosa, no esplendor da luz.

- Vovó! - gritou a pobre menina - Leva-me contigo... Já sei que quando o fósforo se apagar, tu vais desaparecer, como se sumiram a estufa quente, e o rico pato assado, e a linda árvore de Natal!

E a coitadinha pôs-se a riscar na parede todos os fósforos da caixa, para que a avó não se desvanecesse. E eles ardiam com tamanho brilho, que parecia dia, e nunca ela vira a vovó tão alta, nem tão bela! E ela tomou a neta nos braços, e voaram ambas, em um halo de luz e de alegria, mais altoo, e mais alto, e mais longe... longe da terra, para um lugar lá em cima onde não há mais frio, nem fome, nem sede, nem dor, nem medo, porque elas estavam agora com Deus.

A luz fria da madrugada achou a menina sentada no canto, entre as casas, com as faces coradas e um sorriso de beatitude. Morta. Morta de frio, na última noite do ano velho.

A luz do Ano Bom iluminou o pequenino corpo, ainda sentado no canto, com a mão cheia de fósforos queimados.

- Sem dúvida ela quis aquecer-se - diziam.

Mas... ninguém soube das lindas visões, que visões maravilhosas lhe povoaram os últimos momentos, nem em que halo tinha entrado com a avó nas glórias do Ano Novo.

Fonte:
Hans Christian Andersen e Irmãos Grimm. Contos infantis. Seleção e tradução: Jô Andrada . http://victorian.fortunecity.com/postmodern/135

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 528)


Uma Trova de Ademar

Espero ser perdoado
por Deus, o reto Juiz,
pois estou sendo julgado
por coisas que nunca fiz.
–ADEMAR MACEDO/RN–

Uma Trova Nacional


Num ritmo de eternidade
e encanto que se renova,
há comboios de saudade
nos quatro trilhos da trova.
–ROZA DE OLIVEIRA/PR–

Uma Trova Potiguar


Que ironia tem a rima
na ponte que o rio cobre:
O carro do rico em cima,
em baixo a casa do pobre!!!
–LUIZ DUTRA/RN–

Uma Trova Premiada


1986 - São Paulo/SP
Tema - SORRISO - M/E


O tesouro do meu sonho,
que guardo no coração,
vem do sorriso que ponho
na face triste do irmão.
–JOSUÉ VARGAS FERREIRA/SP–

...E Suas Trovas Ficaram


A minha vida eu resumo
em dois versinhos banais:
é como um barco sem rumo
na fúria dos temporais.
–HILDEMAR DE ARAÚJO/BA–

Simplesmente Poesia

Missão
–CLEVANE PESSOA/MG–


(...)
As belezas da flora,
verdes em mil tons
magia de luz solar (ou lunar?),
nuvens barcas a navegar
num céu anilíssimo.
E o lilás curativo,
que cure o Planeta Terra,
neste Dia da Poesia
coadjuvante emissária
de todas as suas maravilhas,
competente estagiária,
onde a humanidade, estacionária
temporária,
precisa repensar a Paz,
fazer os devidos melhoramentos
e consertar os desgastes e destruições
que a mão dos habitantes
causou...

Estrofe do Dia

Não saberei resistir
destruo a vida em pedaços
se da curva dos meus braços
por acaso ela fugir;
e para substituir
essa que me acende a chama,
eu não encontro outra dama
no céu, na terra ou na lua;
não há quem substitua
a mulher que a gente ama.
–GERALDO AMÂNCIO/CE–

Soneto do Dia

Um Beijo por Acidente
–KERLE DE MAGALHÃES/PE–


Nunca esqueço daquele teu olhar
que no dia seguinte envergonhado.
No momento, não soube te falar...
Pois, também me sentia tão culpado.

Eu confesso, não soube controlar
em beijar os teus lábios encarnados
de perigos que deixam a conjugar
nosso estado de dois embriagados.

Eu sei que tu és mulher casada
e apesar de beijá-la embriagada,
eu não ligo pra língua desse povo.

Nossa culpa no beijo não é nada.
Se ficares me olhando envergonhada
quando vamos poder beber de novo?

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Hermoclydes S. Franco (Vinte Séculos Atrás)


Vinte séculos atrás,
Passou pela terra Alguém
Que tinha no olhar a Paz
E no coração o Bem!

Que pelo Verbo Divino
Aos povos viera pregar
O Evangelho que o destino
O incumbira de espalhar.

A mensagem que trazia,
Fundamentada no amor,
Inundou a Samaria
De encantamento e esplendor.

Assim, também, a Judéia
E Nazaré pequenina,
Testemunhas da odisséia,
Desde a Estrela Peregrina,

Até ao drama do Calvário,
Naquela tarde sem luz,
Que se tornou o sacrário
Do flagelo de Jesus!...

Vinte séculos atrás,
Passou pela Terra Alguém
Que tinha, no olhar, a Paz
E, no coração, o Bem!...

Fonte:
Texto enviado pelo autor