Aparício, no dizer de João Flavo, "é o maior antologista do mundo pelo volume e expressão das obras que tem organizado". Minha emoção, no entanto, não se restringe à grandeza literária de sua obra, que teremos a oportunidade de apreciar levemente, mas à sua pessoa digna e honrada que poderia no mundo literário ter vencido de forma mais fácil não fosse sua determinação de nunca construir seu êxito sobre o prejuízo de outrem.
Em trova manifesta seu pensamento a respeito:
Se alguém tiver que sofrer
para que eu tenha ouro e glória,
direi com muito prazer:
- Declino dessa vitória.
Nascido na cidade de Acari no Rio Grande do Norte a 16 de dezembro de 1934, às 14 horas, era filho de José Fernandes Oliveira, comerciante próspero e prefeito da cidade de Macau, e de Verônica Fernandes de Oliveira, cuja lembrança lhe ficou imprecisa. pois sua mãe veio a falecer quando ele contava apenas 6 anos de idade.
Minha mãe, quando partiste,
Deus, com imensa piedade,
fez do meu coração triste
um altar para a saudade!
Sobre seu pai, diria em trova:
Meu pobre pai, alquebrado,
- gigante da minha aurora! –
queira Deus dar-te, em dobrado,
tudo o que me deste outrora.
A percepção metafísica sobre a vida e a morte era constante em sua vida:
Vida e morte Deus retrata
em dois poemas de escol:
a Vida, nas alvoradas,
a Morte, no por-do-sol!
Estudou inicialmente com D. Ana dos Prazeres Avelino e conta ele que todo dia levava, pelo menos, meia dúzia de bolos nas palmas das mãos por não fazer corretamente as contas ou não ter decorado as lições. Depois, passou ao Grupo Escolar Duque de Caxias e, mais tarde, interno em vários colégios do nordeste até ingressar no Seminário, onde teve a alegria de conhecer o padre Eugênio Sales que se tornaria, mais tarde, o arcebispo do Rio de Janeiro. Mas, Aparício não tinha vocação sacerdotal e foi expulso do Seminário.
Apreciador do belo sexo, diria em trovas:
Obra prima da Criação,
a mulher - dilema eterno -
é um traço de união
entre o paraíso e o inferno.
Dotada de amor profundo,
meiga e doce em seu mister,
- que graça teria o mundo,
sem a graça da mulher?
Em 1945, estudando no Colégio Salesiano de Recife se impressionou com a cultura do padre Belchior Maria D'Atayde - com quem se encontraria 30 anos mais tarde, admirando-o como escritor. Em 1973, Aparício incluía 100 trovas de Atayde em seu livro "Nossas Trovas". De colégio em colégio passou aos Maristas época de lindas recordações. Em 1952 decidiu vir para o Rio, viajando de navio. Ele nos dirá numa trova de fina inspiração:
Parti do Norte chorando!
Que coisa triste, meu Deus!
Eu vi o mar soluçando
e o coqueiral dando adeus!
De sua terra se recordaria:
Das culminâncias da serra
ao mais profundo grotão,
trago viva a minha terra,
dentro do meu coração!
É o cantor da saudade:
Meu coração sente frio!
- A saudade o transformou
no leito triste e vazio
de um rio que já secou...
Saudade é isto que existe
nos olhos desse velhinho,
quando, embevecido, assiste
aos folguedos do netinho.
Diria de seu estro:
Meu canto é humilde e meu estro,
numa oração triunfal,
rende graças ao Maestro
da harmonia universal!
Sendo essencialmente lírico e filosófico, sabia também ser um fino humorista:
Eu formulo esta sentença
como um libelo à tolice:
antes cego de nascença
do que cego de burrice!
Nome dos mais esquisitos,
que, aliás, não foi bem posto;
há na Rua dos Aflitos
uma calma que faz gosto...
Canta Aparício o amor:
Amor - mistério profundo
que não se pode explicar.
Mesmo, assim, pobre do mundo
se ninguém soubesse amar...
Amor de poeta a todas as mulheres, mas que se eternizou na sua Adelina Maria. Seu soneto "À Minha Esposa" nos diz do seu amor:
À MINHA ESPOSA
Bendita sejas tu que, dentre as criaturas,
em minha alma puseste eternamente o selo
deste amor imortal que encerra mil ternuras,
alimentadas todas pelo teu desvelo.
Bendita sejas tu! As minhas amarguras
foram somente sombras de algum pesadelo;
nuvens de um céu sem cor, nuvens tristes e escuras
não prevalecerão ante o sol do leu zelo.
Bendita sejas tu! ó companheira amada,
porque tu me trouxeste a límpida alvorada
de uma felicidade que jamais senti.
Bendita sejas tu! Por este amor imenso
é que hoje eu vivo e sinto e clamo e sonho e penso:
creio na Vida e em Deus. E mais: eu creio em Ti!
Considerando Adelina sua alma gêmea, em seu canto "Para que mais?'' esboça idéias reencarnacionistas:
PARA QUE MAIS?
A Adelina - minha alma gêmea
Que importa. meu amor, se já não temos
os palácios de outrora, os ouropéis,
nem a bajulação que - bem sabemos -
de tão rasteira, beija os nossos pés!...
Mil vezes viemos e retornaremos
a este mundo de hábitos cruéis,
até que finalmente pratiquemos
os Mandamentos dados a Moisés!
É lei de Deus a reencarnação,
pois só através dela é que a razão
pode explicar destinos desiguais.
De tudo o que passou, nada lamento,
pois foi-me concedido o doce alento
de estares junto a mim. Para que mais?
De sua família nos diz:
"Maria Verônica e André - dois filhos queridos, dois pedaços do meu coração. Juntamente com Adelina formam a família maravilhosa que é o meu refúgio, minha alegria, minha recompensa e meu tesouro ".
Conheceu Luiz Otávio e diz no "Esboço de Autobiografia" de sua Obra Completa publicada em 1983:
A amizade de Luiz Otávio foi preciosa para mim e me trouxe muita coisa boa: desvendou-me os segredos da Trova, entrosou-me com os meios trovadorescos e, direta ou indiretamente, proporcionou-me viagens e passeios, sempre relacionados com a Trova, que ambos cultivávamos. De minha parte, procurei retribuir, favorecendo-o com uma ampla publicidade nas colunas de jornais e programas de rádio que passei a redigir, bem como nos livros que a seguir publiquei.
Continuando, afirma:
Symaco da Costa é outro trovador de quem guardo grandes e boas recordações. Responsável pela primeira publicação de trova de minha autoria, um belo dia fui aos Diários Associados (na Av. Venezuela), onde ele trabalhava, para agradecer-lhe e conhecê-lo pessoalmente. Symaco era funcionário antigo e graduado da empresa jornalística de Assis Chateaubriand. Tínhamos os mesmos pontos de vista no que se refere à publicidade e creio mesmo que, durante algum tempo, Symaco e eu fomos os maiores divulgadores de trovas no Brasil.
Outro amigo de Aparício foi e é Eno Teodoro Wanke. Quando da publicação do seu livro "Sonho Azul" mereceu de Eno a poesia:
AO "SONHO AZUL " DO APARÍCIO
Eno Teodoro Wanke
Agradeço-te de inicio
o livro que a Augusta trouxe
com gosto de amora doce,
meu caro amigo Aparício.
Teu livro, amigo Fernandes,
é coisa que vem de cima.
- Não abusando da rima,
é coisa que vem dos Andes!
A inspiração que ilumina
teus versos sem artifício
é poesia genuína
de um mestre no seu oficio!
Muito grato pela oferta.
Teus versos leio e decoro.
Fie na amizade certa
do teu "chapa " Eno Teodoro.
Sua obra é extensa e preciosa. Além dos Anuários que todos conhecemos e muitos participamos temos em trova: "Sonho Azul", "Trovas do Meu Coração", "Trovadores do Brasil" I°. 2° e 3° volumes, "A Trova no Brasil" e "Nossas Trovas".
Câmara Cascudo se referindo a Trovadores do Brasil: "Esse trabalho, Aparício Fernandes. missão de esforço e obstinação realizadora, positiva o milagre da mais completa concentração floral".
Walter Waeny se referindo a Aparício nos diz: "é o grande poeta que, com prejuízo de sua própria criatividade literária tem trabalhado pela obra de todos com o mesmo amor e a mesma dedicação com que cada autor é capaz de trabalhar, apenas, por si próprio".
Nosso homenageado se despediu da vida material a 9 de janeiro deste ano (nota: ano de 1996). Foi cantar em outra dimensão. Por certo, estará feliz e quem sabe? participando conosco deste momento porque somos imortais, não apenas no sentido Acadêmico.
Em Exortação estabelece a sua filosofia espiritual:
EXORTAÇÃO
Liberto da matéria pela morte,
o espírito procura a perfeição.
O corpo fica entregue à própria sorte
e volta ao pó - que é a sua condição.
Por que chorar quem morre? seja forte,
que a morte, meu amor, é ilusão.
Você crê em Jesus? Pois se conforte,
que é momentânea esta separação.
Um dia, pode crer, na eterna glória,
enfim desvendaremos toda a história
da nossa milenar evolução.
O amor nos unirá eternamente,
viveremos em Deus e Ele na gente,
na apoteose da ressurreição!
Aliás, seu pensamento sobre a morte fica claro em Esfinge, soneto dedicado a Luiz Otávio:
ESFINGE
A Luiz Otávio - in memoriam.
Eis o ponto final chamado Morte!
mas quem pode afirmar com segurança
que Deus não nos reserva uma outra sorte
depois desta existência que nos cansa?
Quem sabe se mais bela, pura e forte,
teremos uma vida de bonança,
que enfim nos esclareça e nos conforte
sobre tanta cruel desesperança?
A Morte, certamente, é uma esfinge
que finge ser cruel, apenas finge,
porque, se é Lei de Deus, é boa e terna.
Bendita seja a Morte, esta impostora,
que a todos, inflexível e redentora,
conduz à luz sem fim da vida eterna!
Fonte:
Palestra de Terezinha Radetic
http://apariciofernandes.tripod.com/palestra.htm