sábado, 17 de abril de 2010

Rita Elisa Seda (A Menina dos Fósforos)


A menina caminha pela calçada com uma caixa de fósforos nas mãos. Ninguém olha para ela, ninguém compra fósforos hoje em dia. Mas, ela insiste na triste função de vendedora de fósforos, afinal foi esse o encargo que sua mãe lhe destinou... há anos. Ela agarra aquela caixa como se fosse seu tesouro, era a única que havia sobrado, as outras foram molhadas pela chuva fria de dezembro, dizem que é por causa do aquecimento global, mas a menina sabe... faz muitos e muitos anos que em dezembro, principalmente perto do Natal: chove muito.

A menina quer atravessar a rua, precisa ir para o outro lado e os carros buzinam insistentes. Um motorista até lhe aponta o dedo xingando “não vê que o sinal está fechado para você?!” A menina não se importa, só quer ir para a outra calçada. Atravessa entre os carros e perde um de seus chinelos; nem liga... pois são tão grandes mesmo, deixa o outro na esquina, melhor ficar descalça.

No outro lado as vitrines são mais festivas, tem uma loja de chocolate onde o Papai Noel é enorme, sentado numa cadeira dourada, distribui gotas de chocolate. Ela quer uma, entra na fila, todos a olham, ela sorri, todos viram os rostos, seguram a carteira com força e algumas mulheres agarram suas bolsas. O vendedor atento, convida a menina a se retirar. Ela sai cabisbaixa, olhando o espírito natalino, caído na sarjeta.

Continua pela calçada e sente um cheiro forte de carne assada que vem do restaurante. Espia pela porta de vidro e se delicia com as carnes, saladas e manjares à mesa central. Todos rindo e servindo-se, a menina olha e engole a saliva quente produzida por causa do aroma das especiarias. Alguém a vê, um menino, ele sorri para ela, ela se assusta, abaixa a cabeça e depois a levanta devagar, o menino continua a sorrir. Ela faz um aceno, o menino retribui. Nisso uma mão enérgica puxa o queixo do menino em direção ao rosto do pai e o impede de olhar para a rua. A menina se olha, seu vestido não é assim tão feio, é o melhor que ela tem, o colocou porque é Natal. Está sem sapatos, mas isso não é motivo para tantos olhares furtivos, tantas caras feias e o pior... tanta desconfiança.

A chuva recomeçou. A menina anda pela avenida sem se importar com o vento frio que veio com o efeito El Niño dos corações das pessoas. Olha para suas mãozinhas tão geladas... duras de frio. Lembra-se dos fósforos, sim... eles são mágicos. Ela pode aquecer-se nas chamas, ou então pegar um sapato novo no clarão do fósforo. Mas não, não se importava com isso - há tantos anos fez isso.

Agora só havia uma caixa e precisa vendê-la, precisa aquecer e aquecer-se. Sabe como usar os fósforos... são mágicos! E, mesmo que mágicos, isso não importa para ela, não queria e não quer a mágica dos fósforos, quer a mágica do coração, quer o calor humano e isso o fósforo não poderá lhe dar. A mão dela continua gelada, o vestido ensopado grudado ao corpo, descalça chapisca nas poças d´água. O povo natalino, engavetado nas vitrines, dentro das lojas e restaurantes olha a menina que tremendo passeia debaixo da chuva. E, ela, a menina dos fósforos, que há anos vagueia pelas avenidas movimentadas de espíritos natalinos, nem olha mais para as pessoas, tem a mira certa, vai até a lata de lixo e ali joga sua caixa de fósforos.

Fonte:
Colaboração da Revista Digital Entrementes. http://www.entrementes.com.br/

Carlos Guimarães (Trovas: Cantigas para Pensar)


Da vida, o prazer, o encanto,
mistérios, dores, pesar,
ponho em trovas, quando canto
CANTIGAS PARA PENSAR ...

As vezes, a gente canta
para a si mesmo enganar,
sentindo um nó na garganta,
com vontade de chorar.

A minha mão, estendida
ao teu aperto de mão,
revela a mágoa esquecida,
mostra a paz no coração.

A poça d'água da rua
- igual a certas pessoas -
pensa ao refletir a lua,
ser a maior das lagoas.

A vida é um jogo, mais nada,
e qualquer que seja a sorte,
cada qual, finda a jogada,
recebe o prêmio da morte

A felicidade é mito,
que a gente procura em vão,
como quem busca o infinito
tendo os pés presos ao chão.

Amor ou ódio não dosas,
se os dois ao teu peito vêm:
- roseira não conta as rosas,
nem os espinhos que tem.

Abandona esse teu manto
feito de tola vaidade:
- nas crianças, todo o encanto
provêm da simplicidade

A mãe, com sua clemência,
não vê, não ouve a razão
e põe, sempre, a consciência,
no lugar do coração.

A Humanidade, estonteada,
caminha entre o Mal e o Bem:
o progresso, que abre a estrada,
fabrica a bomba, também.

Ao mais ferrenho inimigo,
de alma limpa, estende a mão:
renuncia ao ódio antigo,
dando mérito ao perdão.

A Vida, velha fiandeira,
meu destino, com certeza,
teceu de estranha maneira,
com fios só de tristeza...

Atalho, estrada ou vereda,
o teu caminho, criatura,
quer vistas farrapo ou seda,
é o que leva à sepultura.

Busquei o amor tantos anos
e encontrei saudade, dor,
desilusões, desenganos,
no rastro de cada amor.

Chego, sem lamento algum,
ao fim da estrada, sozinho:
- Meus ideais, um a um,
fui deixando no caminho

Cai a chuva escassa e mansa,
no sertão de sol ardente:
- reticências de esperança,
que Deus manda àquela gente.

Cansado, desiludido,
chego ao fim da minha estrada,
sem horizonte, perdido,
entre as brumas da jornada

Contra ingênuos preconceitos,
prevalece esta razão:
- pretos e brancos são feitos
do mesmo barro do chão!

Contra a torpeza e a mentira,
vou vivendo a vida e, assim,
as pedras que a inveja atira,
nem chegam perto de mim.

Desde o alvorecer dos mundos,
desde a mais longínqua Idade,
reticências de segundos
vão formando a Eternidade.

Da Terra, o clamor escuto
contra o Homem, seu Senhor,
que, ao colher, ávido, o fruto,
não tem olhos para a flor.

Destino inglório o da gente:
- correr atrás da ventura,
para encontrar, finalmente,
uma cruz na sepultura.

De despedidas, apenas,
consiste, afinal, a vida:
mil despedidas pequenas
e uma Grande Despedida...

De que vale essa postura,
joelhos presos ao chão,
corpo em doce curvatura,
mas sem Deus no coração

Despreza, meu filho, o vício
e faze do coração,
terreno fértil, propício
às sementes do perdão.

Em cansativa jornada,
pés sangrando, suor na fronte,
quanto mais palmilho a estrada,
tanto mais longe o horizonte,.

Em busca de paz e calma,
pelos degraus da oração,
chega até Deus a minha alma,
nos momentos de aflição.

Enfrenta a luta! Sê forte!
Arrosta os perigos! Vai!
Mas qualquer que seja a sorte,
honra o nome de teu pai!

Entre misérias sem conta,
como a implorar proteção,
o cardo os dedos aponta
ao céu azul do sertão...

Felicidade, querida,
assim posso enunciar:
- moeda falsa que a vida
insiste em querer passar.

Em meio à luta renhida,
a Fraternidade, irmão,
é fazermos desta vida
um constante mutirão.

Felicidade... Quem sabe
dizer tudo o que ela seja?
É tão grande e, às vezes, cabe
num "sim" que a gente deseja...

Ideal que anseio em vão,
eu já nem sei, afinal,
se a busca da perfeição
chega a ser mesmo ideal.

Louvado sejas, Senhor,
pela crença que me dás,
pelo que eu logro em Amor,
pelo que recebo em Paz,

Mãe Preta, o teu acalanto,
sem preconceito de cor,
embalou teu filho tanto
quanto ao filho do Senhor,

Medrou feliz a semente...
Cresceu... Floriu... Depois disto,
impôs-lhe a sorte inclemente
servir de madeiro a Cristo...

Não te invejo, petulante,
que ostentas tua riqueza...
Os livros da minha estante
dão luxo à minha pobreza.

Mestra amiga, tu que dás
exemplos nobres, divinos,
planta a semente da Paz,
nos corações pequeninos!

Minha mãe que eu louvo tanto
e que tanto fez por mim,
não pôde fazer-me santo,
porque o barro era ruim.

No Mundo, em que o ódio é tanto,
e a maIdade tem mil cores,
tem mais graça, mais encanto,
a canção dos trovadores!

Nessa luta em que me empenho
- não me importa perca ou vença -
ponho, na crença que tenho,
tudo que tenho de crença.

Nesta minha pobre vida,
sem amor, sem pão, sem lar,
sou ave de asa partida,
que não mais pode voar!

Nessa estrada, vou sozinho...
Tudo em volta é indiferença:
- A vida é um triste caminho,
quando a gente perde a crença...

Nordeste... O gado, o arvoredo,
tudo morre ao Sol ardente
E a gente chega a ter medo
de que o medo mate a gente!

Não há mérito na cor
da pele de toda gente:
para medir-se o valor,
a escala é bem diferente...

Na vida, sem horizonte,
minha alma, de sonhos cheia,
gostaria de ser fonte
e mitigar sede alheia.

Nações Unidas... Enlaças,
entre alegrias e dores,
homens de todas as raças,
bandeiras de várias cores...

Não creio na paz imposta
por fuzil, bomba ou canhão:
- Paz é quando há mão exposta
ao aperto de outra mão.

Na minha prece, um favor
eu peço a Deus, um somente:
fazei renascer o Amor
no peito de toda gente.

No Mundo que a falsidade
moldou à sua feição,
ser honrado é qualidade
e não mais obrigação.

O Mundo é mal feito, pois,
faz, sem ter sentido algum,
felicidade de dois
depender, às vezes, de um.

Olhai a Lua... As estrelas...
As flores... A ave que passa...
Vede que as coisas mais belas
são dadas por Deus de graça...

O gemido tão dolente
de um carro-de-bois, à noite,
dói tanto dentro da gente
qual vergastada de açoite.

Os retirantes voltando
à terra, após ter chovido,
choram como que implorando
perdão por terem partido.

Olho meus dias futuros
com permanente ansiedade,
que a vida cobra altos juros
de um grão de felicidade.

Procure não dar ouvidos
às palavras dos ateus:
quase todos, escondidos
rezam contritos a Deus.

Procuro, sempre, na vida,
seguir a trilha do bem:
- alma limpa, fronte erguida -
sem querer mal a ninguém.

Proceda igual à roseira
que, cheia de encanto e graça,
estende rosas, faceira,
ao caminhante que passa.

Planta o bem, semeia a paz,
espalha o amor, dá ternura...
E benesses colherás,
em tua vida futura.

Pela vida, em longos anos,
se eu pudesse algo trocar,
venderia desenganos
para esperanças comprar,

Para quem busca um segredo
guardado num bem que alcança,
felicidade é brinquedo
deixado em mãos de criança...

Para ter felicidade,
talvez não fosse preciso
alcançar senão metade
daquilo que idealizo.

Pretos, brancos, amarelos...
Que importa a raça ou a cor,
se as mãos dadas formam elos
de uma cadeia de amor?

Preso ao abraço da terra,
sem lamentos e sem mágoas,
o lago, sereno, encerra
todo o céu nas suas águas

Pode ser árdua a peleja,
ser a vida um vendaval,
quem tem crença não fraqueja
e vence as forças do mal...

Pobre embora, guarde a mágoa,
que a vida pode mudar:
- uma simples gota d'água
quantas vezes vai ser mar,

Procura, sempre, meu filho
fazer o bem pela Terra
e, jamais, te cegue o brilho
que toda a verdade encerra.

Que importa o viver obscuro
se tens méritos, meu filho:
- nas noites de céu escuro,
as estrelas têm mais brilho,

Quanta vez, de alma iludida,
a gente se compromete
e atira culpas à vida,
pelos erros que comete.

Que a crença na paz redima
os fazedores de guerra
e que a "rosa" de Hiroshima
jamais floresça na Terra!

Quanta vez um criança
de andar trôpego, inseguro,
desperta, em nós, a esperança
e faz-nos crer no futuro!

Qual um rio que, nas águas,
leva o céu em seu caminho,
o poeta canta as mágoas
do mundo inteiro, sozinho.

Que importam cor, crença ou casta,
ingênua vaidade humana?
- Se a vida a tantos afaste,
a morte a todos irmana!

Quem perservera e se lança
do bem à luta, é fatal:
- em cada ideal que alcança,
vê surgir novo ideal.

Quanto mais, nos homens, vejo
ódio, maldade, ambição,
mais cresce, em mim, o desejo
de viver em solidão.

Quero, pai, seguir na vida,
sem tropeçar uma vez,
a trilha por ti seguida,
teu exemplo de honradez.

Quanta ingratidão guardada,
quanta dor na alma ferida!
- Sou qual a pedra rolada
pelas torrentes da vida.

Que importam, estrada imensa,
os perigos a enfrentar?
Quem traz, no peito, um a crença,
não teme a morte chegar.

Quem chegar ao canto amigo,
onde eu vive, em solidão,
vai achar, além do abrigo,
a metade do meu pão.

Quantos heróis de brinquedo
cantam feitos com alarde:
- muita vez, é o próprio medo
que dá bravura ao covarde.

Quanta vez, ante o embaraço
de uma decisão urgente,
o espaço de um curto passo
muda o destino da gente!

Que importa meu dia-a-dia
seja de mágoa e tristonho:
nas asas da fantasia,
vivo momentos de sonho.

Quem use como remédio
a soIidão, na verdade,
não cura os males do tédio
só aumenta a dor da saudade.

Sem ideaI, fé perdida,
vou vivendo de tal sorte,
que se reduz minha vida
à longa espera da morte,

Sonho ver o homem capaz
de banir do mundo a guerra
e estender a asa da paz,
em cada canto da Terra.

Ser feliz, freqüentemente,
consiste na habilidade
de esconder de toda a gente
a nossa felicidade.

Sinto o remorso crescer,
ao lembrar, hoje, infeliz,
o bem que pude fazer
e, consciente, não fiz.

Sol no sertão... Ressequida,
a própria paisagem cansa...
E é tão grande o medo à vida,
que a morte é quase esperança!

São, entre desejos falhos,
nossas vidas peregrinas,
uma colcha de retalhos
de renúncias pequeninas.

Sonho um dia ver barreiras,
entre as raças, feitas pó...
Nações livres, sem fronteiras...
Afinal, Um Mundo Só!

Se um pobre te estende a mão,
não dês, de tua fartura,
simples pedaço de pão:
- dâ-lhe um pouco de ternura...

Sigo, pela vida a fora,
esse destino que encanta:
- sou uma fonte que chora,
dando a impressão de que canta.

Servir ao teu filho ensina,
pois é servindo, afinal,
que a força do bem domina,
vencendo a força do mal.

Sem roteiro, sem paisagem,
eu sigo sozinho, assim,
na cansativa viagem,
que tem a morte por fim.

Tento, a lutar com afinco,
vitórias que não consigo:
- a sorte, com quem não brinco,
vive brincando comigo

Teu conselho, mãe divina
- poema de mansidão -
é livro aberto e me ensina
desde a ternura ao perdão.

Transforma-se a gota em fonte,
a fonte em rio a cantar,
e o rio, descendo o monte,
à distância, vai ser mar.

Talvez por temperamento
- ou quem sabe se atavismo?
No mais prosaico momento,
ponho um "quê" de romantismo.

Vão fugindo os retirantes
e os cardos, pelo sertão,
são candelabros gigantes
enfeitando a solidão.

Vai repetindo os fracassos
o pinheiro, na ilusão,
de alcançar, erguendo os braços,
as estrelas da amplidão.
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Fonte:
União Brasileira dos Trovadores de Juiz de Fora

Antonio Ozaí da Silva (A Força da Tradição no Mundo ao Avesso)


A modernidade anunciou o triunfo da Razão. Ela representou a possibilidade de construção de um mundo novo, contra os valores morais e teológicos predominantes na Idade Média. Impôs a racionalização do processo de produção, a impessoalidade nas relações, a dominação das elites que buscaram moldar o mundo ao seu pensamento, através da conquista de novos mercados, pela organização do comércio, a produção fabril e a colonização.

O triunfo da Razão, idéia essencial da modernidade, representou a substituição de Deus pela Ciência: as crenças religiosas foram relegadas à vida privada. A Razão fez tábula rasa da tradição secularmente fundada no predomínio das idéias e dos valores cristãos-medievais que submetiam o destino dos homens e, também, das formas de organizações sociais e políticas fundadas na crença e no domínio dos costumes.

“Tudo que é sólido desmancha no ar”: eis a síntese da modernidade. No lugar da segurança, da coesão social fundada na moral cristã-medieval, dos espaços territoriais bem definidos, de uma compreensão estática e perene do tempo, a força dos sentimentos e dos vínculos pessoais etc., a modernidade impõe a insegurança das incertezas, a crise dos parâmetros, a desarmonia. Como escreveu Berman (1986:15), o homem moderno vive sob o “redemoinho de permanente mudança e renovação, de luta e contradição, de ambigüidade e angústia”.

Contudo, a modernidade apresentou-se como uma utopia positiva que parecia dar novo alento à humanidade. Acoplada à idéia de ordem e progresso, infundiu a ilusão de que os homens finalmente caminhavam em direção à felicidade e à liberdade. Não por acaso, cunhou-se o termo iluminismo. Os filósofos das luzes iluminam as trevas da medievalidade e confiam exclusivamente na Razão.

Esta percepção positiva da modernidade não está isenta da crítica. Rousseau apontou os limites do progresso e da ciência e observou o quanto vivemos sob as aparências, numa sociedade essencialmente hipócrita e corrompida.

Nós, homens e mulheres frutos desta modernidade, vivemos sob o signo de uma era onde, como na transição do homem cristão-medieval ao homem econômico racionalista, permeia a transitoriedade, o incerto, o fugidio, ou seja, a angústia da falta de perspectivas; da insegurança com o amanhã; o medo diante da ciência, da sua capacidade de criar novos Frankensteins e sua teimosia em substituir o criador; o ceticismo diante do progresso; a sensação de que perdemos os valores fundamentais que dão coesão à vida em sociedade; a impotência diante do Estado e dos processos políticos, etc.

A realidade social parece confirmar os piores prognósticos: o“admirável mundo novo” de Aldous Huxley parece se impor; ou, talvez o pior, confirma-se o imaginado por George Orwell em sua obra 1984. Não necessariamente através da imposição do Estado Totalitário, mas pelo absolutismo de mercado que controla todas as esferas da sociedade, impondo o pensamento único e desenvolvendo formas de controle da privacidade.

Vivemos num mundo De pernas pro ar. Neste mundo ao avesso, milhões são excluídos dos direitos e das condições básicas de sobrevivência. Esta realidade é petrificada no instantâneo virtual da mídia; o real é banalizado, transformado em números estatísticos, objeto de estudo e fonte para angariar recursos financeiros pelos que vivem dos intermináveis projetos sobre os miseráveis.

No mundo De pernas pro ar, a necessidade é irmã do medo e o próximo é o inimigo real ou virtual:

Quem não é prisioneiro da necessidade é prisioneiro do medo: uns não dormem por causa da ânsia de ter o que não têm, outros não dormem por causa do pânico de perder o que têm. O mundo ao avesso nos adestra para ver o próximo como uma ameaça e não como uma promessa, nos reduz à solidão e nos consola com drogas químicas e amigos cibernéticos” (Galeano, 1999:07-08)

No mundo novo fictício de Aldous Huxley, a estabilidade social é sustentada pela estratificação social, pelo condicionamento programado em laboratórios e o uso da substância denominada Soma, garantia da solidez emocional e antídoto à doença que acomete os críticos, aqueles que teimam em contestar o pensamento e a ordem absolutos. As drogas do mundo real não são apenas aquelas que tornam os narcotraficantes os poderosos de nossa época, senhores que controlam políticos, policiais, juízes e populações. Não! As drogas modernas assumem ares de inocência: apresentam-nas sob a embalagem religiosa; sob a ingênua programação televisiva; sob o rótulo propagandístico que estimula o consumismo, o ter e o individualismo; sob o refúgio da virtualidade, da overdose de informações e do lixo que transita on-line pela Web.

Os indivíduos buscam a felicidade sob o abrigo do pscicologismo da indústria de auto-ajuda, no consumismo, no misticismo e no intimismo. A realidade social não lhes diz respeito; treinam a insensibilidade e fogem, como o diabo foge da cruz, de qualquer compromisso coletivo com as transformações necessárias para humanizar o mundo real. Vivem nas nuvens!

Na idade média a ideologia dominante pregava o conformismo: as esperanças dos pobres se centravam no idílico paraíso pós-morte. Em nossa época, democratizou-se o conformismo e a busca da salvação individual: pobres, empresários, madames e senhores da classe média viram as costas ao mundo real – esta triste realidade! – e disputam em igualdade de condições um lugar no céu. Os que se enriquecem e vivem da fé alheia agradecem.

Uns e outros apaziguam as consciências através do assistencialismo, da esmola e do altruísmo religioso. Como o homem do século XIX, assustado diante da sociedade industrial, há o retorno e o apego desesperado às tradições. Os interesses e as contradições sociais e individuais dão lugar à conciliação, à harmonia, à irmandade. Há algo de positivo nisto: o resgate da humanidade, dos valores humanitários. Mas, seria demais rigoroso observar em tudo isto o reino da hipocrisia?

O refúgio nas tradições tem as suas vantagens. Em primeiro lugar, é o tipo de atitude social e individual que foge ao controle da Razão instrumental e do Estado. Malgrado todos os aspectos hipócritas, não há como não se emocionar com a pureza dos sentimentos resguardados nos melhores corações, em especial dentre as crianças. É lícito reconhecer que em meio à ideologia do mercado que transforma momentos de confraternização em mera troca de mercadorias, mercantilizando os próprios sentimentos e as relações afetivas, sobrevivem verdadeiras manifestações de solidariedade que fogem à lógica mercantil.

Por fim, também devemos reconhecer que a Razão triunfante da modernidade não conseguiu – felizmente! – por termo a todas as tradições, o que significa a possibilidade de mantermos um elo com o passado, aprender com este e resguardar aquilo que ainda nos dá o status de humanos e não de autômatos obedientes aos ditames da lógica do mercado. A sobrevivência da tradição nos ajuda a contrapor nossa subjetividade à racionalidade cega e objetiva, contribuindo para a crítica racional a um mundo desencantado com sua própria realidade.

Fonte:
Colaboração do autor

Marques Rebello (Caso de Mentira)


Morávamos nós em São Francisco Xavier, perto da estação, numa boa casa de dois pavimentos, jardinzinho com repuxo na frente e fresca varanda do lado onde nascia o sol, se bem que por essa época não andasse ainda meu pai muito certo da sua vida para arrastar, sem alguma dificuldade, o luxo de residência tão ampla e confortável, mas temos que perdoar a ele, entre outras fraquezas, esta da ostentação, já que a perfeição foi negada por Deus à alma das criaturas. Eis, senão quando, meu irmão Aluísio, o demônio em figura de gente, ao praticar certa travessura arriscada na sala de visitas, aliás sempre fechada a chave e que, a não ser aos sábados para a limpeza, raras vezes se abria para receber gente de fora, pois poucas eram as nossas amizades, caiu e deitou por terra a elegante peanha de canela, que ficava por trás do sofá de palhinha.

Isso, convenhamos, pouca importância teria se, sobre a peanha, não estivesse, como em precioso nicho, o rico vaso da China, um legítimo Sé-Tchun, que papai freqüentemente gabava - isto é que é a verdadeira arte, meninos! - e que mamãe admirava por seu outro valor: ser das únicas coisas que escaparam à voracidade de tio Alarico, um desmiolado, quando foi feita a partilha dos bens do seu avô, que era barão e morrera na Europa.

De tarde, papai chegando, ainda nem tinha tirado o chapéu de lebre, que usava desabado, e já mamãe o punha ao corrente, com meticulosa exposição, do desgraçado acidente.

- Aluísio!

A voz de meu pai foi tão estranha, diversa e violenta, que minha mãe, coitada, ficou branca, arrependida imediatamente de ter nomeado, precipitada, o santo do milagre.

Aluísio, que se eclipsara, mal praticado o ato, apareceu, lembro-me como se fosse hoje, sem fazer barulho, de pé no chão, cabeça baixa, com aquela cara que tia Alzira classificava de "cara de boi sonso"; chegando perto de papai, levantou o rosto de fuinha, encarou-o de revés, cravando nele os olhos pequenos e irrequietos, o instante suficiente para sondá-lo com profunda sagacidade; abaixou novamente a cabeça, o cabelo nunca penteado, que mamãe ameaçava mandar cortar à escovinha, a cair-lhe em farripas pela testa enrugada e suja.

Todos nós teríamos a bom tremer pela sua sorte, que papai, de ordinário calmo, sossegado, muito brincalhão, sabia ser violentíssimo quando para tal lhe davam fortes motivos, e na fúria de que se enchia era fugir-lhe da frente, pois até a pancada fazia parte da sua maneira de ser severo. A preta Paulina, que nós chamávamos de Lalá, e que trouxera o nosso herói ao colo desde o seu primeiro dia, chorava e rezava no corredor, espiando.

- Como foi isso? - meu pai o interpelou com o cenho carregado.

Aluísio era muito imaginativo e, sem titubear, inventou-lhe ali mesmo não sei que história fantástica em que entrava um bandido, verdadeiramente o autor do lamentável desastre, fugindo logo após praticá-lo, sem que ninguém visse, pois ele, Aluísio, tinha sido a única pessoa que presenciara tão misteriosos fatos, por acaso, acrescentava com razoável dose de modéstia, quando fora buscar na sala o álbum de retratos para folhear, o que, inexplicável dado o seu gênio incapaz de ficar parado um segundo, era inegavelmente uma das suas maiores distrações.

- Nada pude fazer - continuou num tom diferente, porque um medo, para que mentir?, um medo terrível tinha-o invadido, paralisando-lhe os movimentos, tirando-lhe a fala, tornando-o mudo, incapaz de gritar por socorro, como seria natural, não é mesmo?

Meu pai ouvia de boca aberta, numa admiração indisfarçável pela inteligência fantasiosa do pequeno. Eu e mamãe estávamos bestificados, Paulina, arregalando medonhamente os olhos, nem podia acreditar.

Aluísio descreveu ainda, com brilhante colorido e absoluta segurança de ânimo, o aspecto do sujeito: trazia compridas suíças, cor de fogo frisava, com aquele sutil amor pelo detalhe, um dos seus mais brilhantes característicos e uma meia máscara roxa nos olhos; as botas vinham até os joelhos, parece que estava armado, mas isso não garantia porque uma imensa capa preta envolvia-o todo.

Depois, quando percebeu que poderia, sem receio, terminar, fez um silêncio brusco deixando cair os braços, que agitara adequadamente no correr da sensacional narrativa.

Papai não se conteve - soltou uma tremenda gargalhada. Sentou-se na cadeira mais próxima a se estorcer, chamou-o para junto de si, passou-lhe a mão pela cabeça: Você ainda há de dar coisa na vida! - sentenciou com legítimo orgulho paternal. Em frases truncadas, sem continuidade, para o restrito e ainda boquiaberto auditório, traçou-lhe um esplendoroso porvir, e mandou-o passear.

Pegando na palavra paterna, durante umas tantas semanas, Aluísio pôs os livros de banda e não parou em casa, soltando papagaios no morro, jogando gude na rua, no meio de molecada. Chegou dia, porém, em que tanta liberdade precisava ter um freio; papai ralhou - vagabundo! - e mamãe passou o cadeado no portão de ferro. O acidente é que jamais foi esquecido, ficando conhecido na família, e contado às visitas entre gargalhadas, como o caso do bandido, ao invés do vaso da China, como seria mais justo, dada a sua origem.

Mas, origens e transformações, tudo são injustiças neste mundo, rótulos de ouro e mercadorias baratas, tanto assim que falhei, redondamente, na primeira ocasião que tentei empregar o mesmo método do mano Aluísio, hoje advogado, e se, incontestavelmente bem colocado, com uma bonita carreira na sua frente, nem por sombra tem aquele portentoso futuro que profetizara meu pai, posto para sempre distante do nosso afeto, bom pai, quando naquele ano, tão doloroso para a minha gente, chegavam os primeiros rigores do verão.

Havia uma moringa em nossa casa, da qual somente papai lhe bebia a água. Ficava dia e noite, cheia, na varandinha da copa, à sombra plácida da mangueira, para a água ficar mais fresca e se impregnar do leve sabor a barro que papai tanto prezava. Em domingos de verão, se não era infalível, freqüentemente aparecia Seu Sousa para palestrar algumas horas; mamãe achava-o extremamente cacete, mas atendia-o com especiais finezas, porque o marido, que ela colocava pouco abaixo das coisas celestes, elogiava-o, com sincero ardor, como sendo um homem de peso e medida! Seu Sousa não escondia, como poderia fazer usando colarinhos mais altos, uma velha cicatriz no pescoço e era bastante enjoado, não variando nunca de conversas questões de terrenos para vender - e de graças: Você tem água gelada com gelo, compadre?

Papai respondia logo:

- Gelo é um perigo, seu burro! Mas tenho a minha bilha fresquinha e gritava para dentro: - Onde está a moringa? Olhem que o Sousa também quer.

Como se acabou de ver, este privilegiado senhor era o único mortal com quem meu pai dividia o precioso conteúdo da sua moringa. Este célebre objeto, externamente, não correspondia em absoluto a tão súbitas distinções, comuníssima moringa, dessas que se encontram nas menos sortidas das quitandas. Talvez custasse poucos tostões mais, não duvido, por ser pintada, porque lá isso era ela, com casinhas e beija-flores, dentro de um oval que era uma espécie de grinalda de florezinhas róseas e azuis. - No mais uma banalíssima moringa, como já se disse.

Já que falamos de moringa, falemos também de peteca, o que à primeira vista parecendo extravagante, senão absurdo, tem memorável relação nos acontecimentos da minha existência.

Fora uma das minhas grandes ambições, ideal de criança, bem se nota, mas, pela vida adiante, não creio que, das muitíssimas que me vieram, todas tivessem sido maiores ou melhores que a da ingênua posse duma peteca.

Numa loja de brinquedos meus olhos ansiosos tudo punham de parte, trens e velocípedes, jogos e rema-remas, para buscá-la humilde e escondida. Como, quando ia à cidade, voltava sempre com as mãos abanando e sofria horrivelmente no bonde o fato de ter, mais uma vez, deixado na sua vitrine o objeto dos meus caros sonhos, o ir à cidade era motivo para mim de secretos padecimentos, e, infelizmente, isso acontecia com certa regularidade semanal, pois mamãe, não gostando de sair sozinha, e como eu era o filho mais velho, preferia-me para acompanhá-la. Tem mais juízo! - falava. Talvez por isso mesmo fizesse o Aluísio tanta diabrura - não gostava de ir à cidade. Preferia ficar em casa, longe dos ralhos da mãe, a fazer o que lhe desse na cabeça pedras nos quintais vizinhos, estripulias no alto do muro, maldades até, como no dia em que cortou, com o machado, o rabo da gata malhada que Lalá tinha criado com papinhas.

Uma tragédia os meus passeios, porque mamãe não chamava de outra maneira as minhas saídas. Voltava sucumbido. À noite sonhava com ela, a peteca querida, via-a minha, pular no ar, ao bater das palmadas estrepitosas, lept, lept, com as penas vermelhas, lindíssima peteca! Interessante é que não ousava pedi-la aos meus pais, sabendo perfeitamente que pouco seria o seu preço para que eles ma negassem. Idiota, poderão dizer, ilógico, poderão argumentar, levando em conta a facilidade de pedir que é própria das crianças. Nada me fará mudar: pura verdade é o que conto e a mim é quanto me basta.

Vivi assim, longo tempo, sonhando com petecas e ambicionando-as nas montras, quando um belo dia, um dos domingos do Seu Sousa - parece incrível - ele me presenteou com uma.

Nessa tarde excepcional eu compreendi o segredo difícil das simpatias. Olhei de frente o velho amigo de meu pai e, se continuei a achá-lo feio, é impossível esconder que achei-o infinitamente agradável. A grosseira cicatriz do pescoço, longe de qualquer piedade pela má aparência que causava, infundia-me, pelo seu dono, uma notável admiração, tentando ligá-la heroicamente a um episódio desconhecido da sua vida, um ataque inopinado que sofrera, de inimigos covardes, ficando aquele ferimento por lembrança, amarga e sempre viva, da sua coragem reagindo. Cheguei a rir das suas eternas piadas, corria a buscar a moringa quando era hora, ficava perto dele, ouvindo-o conversar (soube aí ser proprietário de não sei quantos terrenos em Botafogo), esperava por ele no portão, levava-o até o bonde quando se ia, largos passos, que eu mal acompanhava, o chapéu-chile de abas para cima.

Pois da moringa e da peteca nasceu uma desgraça: minha mão inexperiente impeliu a última contra a primeira e esta ficou em cacos. Ninguém se alarmou: "moringas há milhões por este mundo, iguais como as formigas" - serenou-me minha mãe, que fazia comparações engraçadas.

Tínhamos já acendido a luz quando papai chegou, atrasado, para jantar, e como fizera demasiado calor durante o dia, entrando suado, com sede, gritou logo:

- Vejam a minha moringa!

Contaram que se quebrara e eu fora o culpado por andar jogando peteca dentro de casa. Chamou-me. Dirigi-me a ele serenamente e tratei de inventar a aventura de um gato que perseguindo um rato...

Eu era, porém, pouco imaginativo e até a meio da minha história, trivialíssima, não conseguira encaixar nenhuma passagem de extraordinário realce. Verdade seja dita, não passei além do meio: papai deu-me um tabefe na boca:

- Mentiroso!

Puxou-me pelas orelhas, levou-me para o quarto, sem jantar, disse-me, com dureza, "que um homem que mentia não era um homem", pôs-me de castigo uma semana, preso em casa, sem pôr os pés fora, na varanda que fosse. Aluísio, insensível à minha prisão, folgava, não parecendo sentir a falta do companheiro. Era de vê-la a facilidade indiferente com que supria, nos seus brinquedos, a minha pessoa ausente. Da janela do meu quarto, enquanto descansava as mãos doloridas de copiar, com boa letra e sem nenhum erro, as trinta páginas da minha geografia, que papai, pela manhã, antes de sair, inflexivelmente, me marcava, ficava vendo-o correr, subir às árvores, com desembaraço e agilidade. E invejava-o surdamente. Tinha dez anos.

(Oscarina, 1931.)

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Fonte:
Academia Brasileira de Letras

Marques Rebelo (A Estrela Sobe)


texto de Márcio Renato dos Santos, extrato de dissertação apresentada ao curso de pós-graduação em Letras da Universidade Federal do Paraná

Publicado em 1939, A Estrela Sobe se passa em grande parte “no pequeno mundo das estações de rádio", contando as peripécias e sofrimentos de Leniza Maier, moça suburbana que, no Rio de Janeiro da década de 1930, sonha com o sucesso como cantora. Sua jornada rumo ao estrelato é marcada por percalços e dilemas morais: quer cortar os laços com todos os que possam atrapalhar sua ascensão, mas a nostalgia pela vida pregressa a domina. No fim, engravida e aborta, chegando à beira do delírio e da morte. Salva-se, mas sua crise está longe de terminar. Antes de dar um fecho convencional à história, porém, o autor prefere deixá-la em aberto. Diz o narrador: “... aqui termino a história de Leniza. Não a abandonei, mas, como romancista perdi-a".

Como já citado, a personagem central se chama Leniza. De origem humilde, fica órfã de pai ainda pequena. A mãe passa a trabalhar fora. Leniza trabalha para ajudar nas despesas. Moça atraente, namora muito, e variadamente, e é muito assediada pelas ruas do Rio de Janeiro. Muda de emprego. Trabalhava em um laboratório quando conheceu e se apaixonou por um médico, o Oliveira. Leniza fica ora com Oliveira, ora com Mário Alves — este, dono de um estabelecimento que comercializa aparelhos eletrônicos, entre os quais, rádios. Ela sonha se tornar uma cantora do rádio. Abandona o emprego no laboratório. O patrão adverte que vida de artista não é fácil. A mãe fica com medo. Mário Alves a leva para fazer o teste em uma emissora. Leniza não conta para Oliveira que está cantando no rádio: alega estar em férias. Ela passa a se chamar Leniza Máier. Suas fotos são publicadas em revistas. Oliveira reprova a opção de Leniza. Ela se relaciona com Mário Alves mas pensa em Oliveira.

O mês passa e ela não recebe nenhum centavo na emissora de rádio. Entra em pânico: está difícil sobreviver, mas crê estar em ascensão:

Sentia-se miserável, imunda, escória humana, campo de todos os pecados, lama, pura lama. Mas subira. Dois ou três degraus na escada do mundo. Via que já estava num plano bem acima, algumas figuras já ficavam menores, a miséria escondia-se já numa bruma longínqua. Mas precisava subir mais, sempre mais, custasse o que custasse.

Leniza consegue algum dinheiro. Muda-se da casa do subúrbio para um apartamento na zona sul carioca. A mãe vai junto. Leniza rompe com Mário Alves. Oliveira não a quer mais. Ela, então, passa a namorar Dulce, uma colega da rádio. Dulce ensina: as cantoras não ganham dinheiro na rádio, é preciso ter um amante. Leniza abandona Dulce e se oferece para ser amante de Porto, homem forte na rádio. A mãe de Leniza fica doente. Leniza dá um fora em Porto e passa a ser amante de Amaro, um homem rico. Ela vai cantar em outra emissora de rádio. Sente-se infeliz. E toda vez que encontra com Oliveira, casualmente, na rua, imagina que ele, e somente ele, poderia tirá-la do mundo infeliz em que ela se encontra.

A personagem fica grávida. Amaro, o “pai da criança”, se afasta. Ela quer fazer aborto. Procura Oliveira. Ele se nega a participar da operação. Leniza aborta. Fica vários dias entre a vida e a morte, agonizando em seu quarto. A mãe, que recebeu cartas anônimas, se afasta da filha. A protagonista do romance A estrela sobe tem uma idéia: ela precisa ir até uma igreja, onde acredita que irá encontrar a solução para seus problemas. No desfecho da obra, uma sexta-feira 13, Leniza acorda decidida. E sai do apartamento:

Andava, andava, esbarrando nos homens, nas mulheres, como se estivesse embriagada. Andava, andava. Veio-lhe claro como um clarim o desejo de humilhação. Queria se arrastar, pedir perdão, implorar. Lembrou-se da mãe, que fora buscar no recolhimento o consolo para a sua miséria humana. Lembrou-se da igreja do Rosário onde fora batizada, tão redonda, tão pequena, tão linda e dourada. Tinha ido qual fumaça o delírio místico da primeira comunhão aos doze anos... Caiu na realidade — estava perto da igreja. Caminhou contente, depressa, ansiosa por chegar. Sentia já nas narinas o ar confinado da igreja, morno e azedo, nos ouvidos o eco côncavo das naves desertas, nos olhos a obscuridade em que as almas se ajoelham ansiosas de luz. Não, não saberia rezar! Um vento ímpio, que soprou por anos, levara-lhe da memória as confortadoras, mecânicas orações. Mas comporia, inventaria, deixaria sair sem freio do coração as palavras mais espontâneas e humildes, os cantos mais sinceros de fé e de contrição. Deixar-se-ia arrastar pelo... Ah!, e estacou — a igreja estava fechada. [...] O céu não me quer! — e novamente mergulhou na onda humana, caudal de sofrimentos, inquietudes, aflições, incertezas, pecados.

Ela pensou encontrar na igreja uma solução para seus problemas, mas a porta da igreja estava fechada. A simbologia é clara: a igreja não daria o que ela buscava.

Leniza Máier é uma jovem pobre em busca de sucesso na grande fábrica de sonhos da época: o rádio. E, como visto, para conseguir seus objetivos utiliza de todos os meios – a ponto de recusar o amor verdadeiro e aceitar outros, menos sinceros. A personagem é uma alegoria da cidade do Rio de Janeiro. Os conflitos, as perplexidades, as angústias, as alegrias da personagem, na verdade, são os conflitos, as perplexidades, as angústias e as alegrias da cidade. Sua voz se confunde com a voz do rádio; sua ascensão como cantora representa a modernização da sociedade. Embora protagonista da estória, Leniza não é a sua personagem principal. A fama, antiga deusa grega que significa voz pública, essa sim, é a voz principal do romance. Leniza, mais do que uma voz, é porta-voz, sua voz é uma metáfora da vox populi.

A prosa urbana moderna. Esse é o lugar literário da obra do escritor Marques Rebelo, que, deste modo, se insere na linha de Manuel Antônio de Almeida, de Machado de Assis e de Lima Barreto. Como seus predecessores, Rebelo aprendeu as armas do distanciamento e da ironia, que usa nos melhores momentos de sua ficção. O crítico Alfredo Bosi o classifica como um neo-realista que, contudo, não perde sua veia lírica, empregada comedidamente. Seu mundo é o de gente simples, mocinhas aventureiras, pequenos funcionários, caixeiros-viajantes, donas-de-casa, estudantes, malandros, marinheiros, boêmios, sambistas, cujos pequenos dramas são focados numa prosa “tensa e lírica", cuja naturalidade resulta de sutil estilização dos valores da linguagem coloquial, sobretudo nos diálogos.

Para o escritor Mário de Andrade, o final inacabado confirma a modernidade do romance, pois privilegia mais o fluir da vida do que a elaboração de um entrecho bem-acabado, atrevendo-se até a apor um final arbitrário. O fator decisivo para a vitalidade da obra é a capacidade de representar as tensões do quadro social, sem que o romancista ceda a dogmatismos ideológicos. Leniza não se arrepende ou se converte, salvando o romance de um possível esquematismo tardiamente romântico.

Fonte:

Marques Rebelo (1907 – 1973)


Segundo ocupante da Cadeira 9 da Academia Brasileira de Letras, eleito em 10 de dezembro de 1964, na sucessão de Carlos Magalhães de Azeredo e recebido pelo Acadêmico Aurélio Buarque de Holanda em 28 de maio de 1965. Recebeu os Acadêmicos Francisco de Assis Barbosa e Herberto Sales.

Marques Rebelo (nome literário de Edi Dias da Cruz), jornalista, contista, cronista, novelista e romancista, nasceu no Rio de Janeiro, em 6 de janeiro de 1907, e faleceu também nessa cidade em 26 de agosto de 1973.

Era filho do químico Manuel Dias da Cruz Neto e de Rosa Reis Dias da Cruz. Sua infância dividiu-se entre Vila Isabel, onde nasceu, e a cidade mineira de Barbacena, para onde sua família se mudou quando ele tinha quatro anos. O que nunca lhe faltou, no Rio ou em Minas, foi um terreno baldio para jogar futebol e livros para ler. Além dos livros de ficção da biblioteca de seu pai, aos 11 anos já tinha lido autores que os outros só lêem quando adultos: Buffon, Flaubert, Balzac e os clássicos portugueses. Aos 15 anos o conhecimento de Machado de Assis e Manuel Antônio de Almeida iria despertar nele a “coceira de escrever” de que nunca mais se libertaria. Prosseguiu seus estudos e, no início dos anos 20, ingressou na Faculdade de Medicina, que logo abandonou para se dedicar ao comércio.

Dedicou-se ao jornalismo profissional no início dos anos 20. Publicou poemas nas revistas modernistas Verde, Antropofagia, Leite Crioulo e outras.

Escreveu seus primeiros contos por volta de 1927, quando fazia o Serviço Militar. Oscarina, publicado em 1931, é, em grande parte, fruto de sua vivência na caserna, que se transformou em literatura graças a uma queda sofrida numa competição esportiva que o reteve meses numa cama de hospital, e ele aproveitava o tempo para escrever.

Juntamente com a decisão de abandonar a poesia e se tornar ficcionista, o escritor tomou a de rebatizar-se.

Questionado porque adotou o pseudônimo de Marques Rebelo, Edi Dias da Cruz explicou: “Nome de família muitas vezes atrapalha. Devido à campanha que fizeram contra os modernistas na Semana de Arte Moderna, justamente na época e por influência da mesma senti que tinha vocação para a literatura e resolvi adotar esse pseudônimo, evitando assim sofrimentos para a família.”

Dois anos depois de Oscarina, veio a público Três caminhos, volume composto pelas novelas “Namorada”, “Vejo a lua no céu” e “Circo de cavalinhos”, e o romance Marafa, em 1935, laureado com o Grande Prêmio de Romance Machado de Assis, da Cia. Editora Nacional.

O grande êxito viria em 1939 com A estrela sobre, romance de uma jovem suburbana que “vence” no rádio, a grande fábrica de ilusões dos anos 30.

Marques Rebelo integrou a geração que fez o Romance de 30, inserido na linha da literatura de acusação e de denúncia da miséria brasileira.

Foi o romancista do Rio de Janeiro, sobretudo de sua gente simples e humilde. Para ele, o Rio era a Zona Norte, de onde vinha o Carnaval e onde ia buscar a maioria dos seus personagens de classe média.

Escreveu sobre futebol, viagens e sobre Manuel Antônio de Almeida, o primeiro romancista brasileiro a retratar a vida urbana do Rio de Janeiro. Depois de Manuel Antônio de Almeida, Machado de Assis e Lima Barreto, Marques Rebelo é o mais apaixonado pintor da vida carioca. Mas o Rio por ele descrito já desapareceu, pois ele retratou a cidade nos últimos anos pré-industriais, quando na Tijuca ainda se faziam serenatas, a Lapa estava no auge e casais de namorados passeavam de bonde.

Depois de anos de paciente trabalho, publicou em 1959 O Trapicheiro, seguido de mais dois volumes: A mudança (1962) e A guerra está entre nós (1968), que formam o grande e inconcluso romance cíclico O espelho partido, painel fragmentário da vida brasileira, especialmente carioca, na primeira metade do século.

Obras:
Oscarina, contos (1931);
Três caminhos, contos (1933);
Marafa, (1935);
A estrela sobe (1939);
Stela me abriu a porta, contos (1942):
Vida e obra de Manuel Antônio de Almeida, biografia (1943);
Cenas da vida brasileira, crônica de viagem (1943);
Bibliografia de Manuel Antônio de Almeida (1951);
Cortina de ferro, crônica de viagem (1956);
Correio europeu, crônica de viagem (1959);
O trapicheiro (1959);
A mudança (1962);
O simples Coronel Madureira, novela (1967);
Antologia Escolar Brasileira (1967);
Brasil, Terra & Alma: Guanabara, antologia (1967);
A guerra está entre nós (1968);
Antologia Escolar Portuguesa (1970).

Fonte:
Academia Brasileira de Letras

terça-feira, 13 de abril de 2010

Pausa até Quinta-feira


Comunico que até a quinta feira, dia 15 de abril, não haverão postagens, em virtude de treinamento que estarei participando para a realização do Censo 2010.

Sexta-feira retorno às postagens normais.

Obrigado

José Feldman

Seletiva de Obras Poetas 2010 na Paco Editorial



A PACO EDITORIAL está abrindo a primeira seletiva de obras para o projeto 2010 poetas. Na primeira fase serão publicadas obras de 30 poetas nacionais, selecionados entre autores de todo o Brasil.

As obras serão publicadas durante o mês de junho de 2010 e farão parte da Coleção NOVAS LETRAS, cujo foco é dar a oportunidade de publicação a novos talentos nacionais. Não se trata de antologia poética, com vários poetas, mas de livros individuais de cada autor.

Os livros serão publicados com as seguintes características:

FORMATO 14X21CM, COM ORELHAS DE 6CM.
CAPA COLORIDA, EM PAPEL TRIPLEX 250gr/m²
MIOLO COM 80 PÁGINAS, DE 1X1 COR, EM PAPEL BRANCO 75gr/m². ACABAMENTO: COLADO COM HOTMELT.

Os poetas interessados deverão enviar seus originais para avaliação para o e-mail originais@pacoeditorial.com.br , entre os dias 09 a 19 de abril de 2010. As obras deverão estar em arquivo de Word, juntamente com os dados pessoais do autor (NOME, ENDEREÇO E TELEFONE).

Todos os originais recebidos serão avaliados pela equipe da PACO, dos quais apenas os 30 melhores serão publicados.

Veja mais informações em: www.pacoeditorial.com.br/2010poetas.html

RENATO BREDAS
COORDENAÇÃO EDITORIAL
http://www.pacoeditorial.com.br/
coordenacao@pacoeditorial.com.br
11 4521 6315

Fonte:
Colaboração de Renato Bredas

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Quadro Poético I - Antonio Manuel Abreu Sardenberg (São Fidélis/RJ)

Clique sobre a imagem para ampliar

Henriette Effenberger (Louquinha Lelé)


"Rola-me na cabeça
o cérebro oco. Porventura, meu Deus,
estarei louco ?". Augusto dos Anjos

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Diagnóstico fácil: Psicose por drogas. Camisa de força química para substituir a tradicional, a ambulância deslizando pelas avenidas, os portões abrindo-se após a identificação, o quarto frio, as grades, o abandono...

Abandono tão seu conhecido que já nem se importava com ele. Era íntima também da solidão, do desprezo, da indiferença. Conhecia-os desde que nascera: do barraco onde viveu com a mãe embriagada, das ruas onde se abrigou das surras que levava em casa e dos orfanatos e instituições para menores carentes e infratores, os quais freqüentou com assiduidade e rebeldia. Refugiava-se daqueles sentimentos na cola, esmaltes e solventes. Mais velha, descobriu o álcool e o crack. Ao mesmo tempo iniciou-se nos pequenos furtos e na prostituição, onde também aprendeu a defender-se com estiletes e canivetes...

Só muito mais tarde começou ouvir as vozes. De início estranhou, depois acostumou-se. Eram tantas as vozes falando ao mesmo tempo, que a princípio não conseguia entender o que diziam. Com o tempo foi habituando-se a elas. Às vezes respondia, outras ignorava.
Foi nessa época que começaram a chamá-la de Louquinha-Lelé. Odiava o apelido!
Quanto mais enraivecia, mais os moleques a agrediam. Corria atrás deles, cuspia, xingava, fazia o diabo e nada! O apelido pegou...

Olhou para cima, através das grades do manicômio, e viu o céu cinzento. Olhou para baixo, viu homens e mulheres, marchando como se fizessem parte de um batalhão. Gesticulavam, sorriam para si mesmo ou ficavam prostrados, indiferentes ao que se passava ao redor. Resolveu acenar para eles. Ninguém correspondeu.

Começou então a desfiar a bainha do cobertor: as linhas emaranhavam-se num colorido desgastado. Foi separando-as uma a uma: cinza com cinza, branco com branco, preto com preto, marrom com marrom...Formou meadas até consumir a coberta. Nem ligava, já não sentia frio.
Valeu a pena ! Um dia, um anjo de branco abriu a porta de seu quarto e disse-lhe: Que lindo, Lelé ! e, carinhosamente, deu-lhe um outro cobertor, de cores fortes, novinho em folha e ela começou a separar vermelho com vermelho, laranja com laranja, verde com verde, azul com azul...Formou meadas e as trançou, verde com preto, branco com vermelho, laranja com marrom, cinza com azul...O anjo sorrindo lhe disse: Parabéns, Lelé, você é uma artista !

Lelé cobriu a boca com as mão e escondendo o sorriso sem dentes, sorriu com o olhar. O anjo, então, depositou em suas mãos um tear de madeira e começou a tecer, ensinando-lhe como se fazia. Lelé dominou a técnica. Ganhou meadas de lãs coloridas e teceu um quadro, outro, mais outro e outros mais, vibrantes e coloridos. Perdeu a vergonha de sorrir!

Olhou para o céu azul, atravessou os portões, deixando lá dentro as vozes que a incomodavam. Um aperto no coração fez com que olhasse para trás e visse, da janela, o anjo acenando para ela. Certificou-se de que em sua bagagem estavam as meadas vermelhas, verdes, azuis e brancas e seguiu em frente, caso encontrasse as linhas cinzas, pretas e marrons, agora já seria capaz de tecer um lindo quadro. Era uma artista !

Fonte:
REBRA - Rede de Escritoras Brasileiras

Henriette Effenberger (1952)



Henriette Effenberger, nascida a 29 de junho de 1952, em Bragança Paulista- S.Paulo, cidade onde atualmente reside. Filha de pais desquitados, o que era um estigma dentro da sociedade conservadora de uma pequena cidade do interior, buscou muito cedo refúgio na leitura e, posteriormente, na escrita como canal extravasador de seu sentimento de perda.

Incentivada por sua professora do antigo curso normal, hoje magistério, Madre Edith Bechara, começou a escrever poesias, contos e crônicas, que sistematicamente engavetava, com temor de mostrá-los a terceiros e deixar transparecer a fragilidade de sua alma poética.

Em 1990 participou de seu primeiro concurso literário, patrocinado pelo Banespa - Banco do Estado de São Paulo S.A , empresa em que trabalhou por 25 anos, sendo classificada em terceiro lugar. Com esse incentivo, começou a participar de concursos de poesias, contos e crônicas sendo premiada em inúmeros deles em todo território nacional e tendo seus trabalhos compondo antologia de vencedores, como forma de premiação.

Em junho de 1991 integrou uma comissão que pretendia criar, em Bragança Paulista, uma entidade que congregasse escritores e amantes da literatura. Em fevereiro de 1992, oficialmente foi fundada a Associação de Escritores de Bragança Paulista - ASES - sendo Henriette Effenberger, sócia pioneira, eleita tesoureira da primeira diretoria constituída. Entidade que veio a presidir por duas gestões consecutivas: biênios 98/2000 e 2000/2002. Atualmente é diretora social da ASES.

Em 2002 lançou seu primeiro romance A Ilha dos Anjos, escrito em parceria com a escritora Maria Dulce Naief Kattar Louro.

Como cronista colabora com o jornal Bragança Hoje e com a Revista Qualidade & Vida, ambos de Bragança Paulista.

BIBLIOGRAFIA

OBRAS INDIVIDUAIS
= A Ilha dos Anjos - Editora Degaspari- Piracicaba- 2002 - Romance
= Livro virtual de poesias - Pecado Original - hospedado no site da ASES (http://www.asesbp.com.br) e http://intermega.globo.com/bvcaestamosnos


OBRAS COLETIVAS
= Antologia do Concurso de Poesias e Crônicas
Afubespoesia - Antologia de poesias - 1993 - S.Paulo - SP. - poesia
Melhores Textos - Editora Uniart- Barretos - SP - 1995 - conto
= Contos do Brasil contemporâneo - Grupo Brasília de Comunicação - 1992 - Brasília - DF.- conto
= Antologia do III Prêmio Cidadão de Poesia - SINECOL- 1997- Limeira- SP - poesia
= Via Verso - Prefeitura Municipal de Ourinhos - 1994-Ourinhos - SP - poesia
= Mapa Cultural Paulista - Secretaria do Estado de Cultura- São Paulo - SP - 1997 - poesia
= Saudade em Prosa e Verso - Editora Alba - Varginha-MG- 1999- poesia e crônica
= Perfil 98/99- Apperj - 1998 - poesia
= Trajetória Literária de Bragança Paulista ( Coletânea de biografias de bragantinos ligados à literatura por escritores da ASES) - Edusf - 1995- Bragança Paulista - biografia do jornalista Cásper Líbero
= ASES em prosa e verso ( coletânea de trabalhos em poesia ou prosa de escritores da ASES)- Datagraf - 1998- Bragança Paulista - conto
= ASES só em versos ( coletânea de trabalhos poéticos de escritores da ASES)- Datagraf- 1999- Bragança Paulista- poesia
= ASES só em prosa ( coletânea de trabalhos em prosa de escritores da ASES)- Datagraf - 2000 - Bragança Paulista- conto.

Fonte:
REBRA - Rede de Escritoras Brasileiras

Figueiredo Pimentel (O Soldado e o Diabo)


Contam que, em outros tempos, há milhares e milhares de anos, quando nada existia do que hoje existe, viveu em certa cidade um rico fidalgo, o barão de Macário, tão poderoso e opulento, quão orgulhoso e mau.

Uma tarde, achava-se ele no seu escritório, contemplando avaramente a grande fortuna que acumulara, roubando aos pobres, às viúvas e aos órfãos, emprestando dinheiro a juros elevados, quando, de súbito, se sentiu tocado por um raio de bondade, até então jamais experimentado pelo seu coração empedernido.

Lembrou-se que já estava velho; e que, com aquela idade, nunca fizera o menor benefício a pessoa alguma, sem ter dado jamais uma única esmola sequer.

Arrependeu-se, então, do seu passado.

Nessa mesma tarde, Augusto, um infeliz sapateiro, seu vizinho, que vivia na maior pobreza, carregado de filhos, veio bater à porta, suplicando que lhe emprestasse cem mil-réis, para se ver livre de uma penhora, e poder comprar o material que precisava para os trabalhos de sua profissão.

– Em vez de cem-mil réis, dar-te-ei um conto de réis, Augusto; disse o barão, com a condição, porém, que, se eu morrer primeiro, você irá vigiar meu túmulo, nas três primeiras noites depois do meu enterro.

O sapateiro prometeu, acossado como estava pela necessidade, e o fidalgo deu-lhe o conto de réis.
***

Dois meses depois, o barão de Macário morreu; e Augusto, lembrando-se de sua promessa, como era homem de promessa, foi cumpri-la. Duas noites passou ele em claro, no cemitério da cidade, cheio de medo, mas sem que ocorresse novidade alguma. Na terceira e última, dirigia-se para ir velar junto no túmulo, quando avistou um soldado encostado a um mausoléu.

– Eh! camarada! bradou. Que fazes aí? Não tens medo de estar no cemitério?
– Eu não tenho medo de coisa alguma, respondeu o militar. Vim para aqui, porque não tenho onde pousar esta noite.

Puseram-se ambos a conversar, enquanto o sapateiro contava ao soldado por que motivo ali se achava. Passou-se o tempo, sem que eles o sentissem, quando o relógio da torre da igreja bateu compassadamente as doze badaladas fúnebres da hora terrível da meia-noite!...

Então, nesse momento, próximo deles surgiu de súbito, sem que soubessem de onde vinha, um homem vestido de vermelho, com os olhos chispando fogo, e cheirando fortemente a enxofre.

Era o diabo, que lhes ordenou:

– Retirem-se daqui, rapazes! a alma deste homem, que foi um grande usurário na terra, pertence-me, e eu vim buscá-la.

– Senhor vestido de vermelho, disse o soldado, o senhor não é meu superior, nem mesmo um oficial. Não posso, pois, obedecer-lhe; e, assim, digo-lhe que se retire daqui, pois aqui chegamos primeiro.

O diabo, vendo aquele militar destemido, não quis puxar barulho, e lembrou-se de comprá-lo, perguntando-lhe quanto queria para se ir embora.

– Aceito o negócio que me propõe, sr. Satanás. Basta que me dê o dinheiro em ouro, que uma das minhas botas puder conter.

O diabo saiu, e foi pedir emprestado a um judeu seu amigo, que morava naquela mesma cidade. Enquanto não vinha, o soldado puxando o rifle, cortou a sola do pé direito, e colocou-a por cima de um túmulo aberto.

Quando Satanás chegou, vergado ao peso de um saco de ouro, esvaziou-a, peça por peça, dentro da bota. O dinheiro caía todo na sepultura.

– Olé! disse o capataz do Inferno, esta bota parece-me mágica!
– Vá buscar mais ... mandou o soldado.

Mais de dez sacos foram assim trazidos pelo diabo. As moedas escorregavam pelo cano da bota, e iam cair no túmulo, de modo que a bota jamais se enchia. Satanás, desesperado, ia trazendo saco por saco. Na ocasião em que carregava o décimo saco, cheio de moedas de ouro, eis que amanheceu de repente. O galo cantou; o sol rompeu; e
o sino da igreja bateu alegremente, chamando para a missa.

Satanás deu um berro e desapareceu...

Estava salva a alma do barão de Macário...

O soldado e o sapateiro Augusto repartiram entre si a grande fortuna que o diabo deixara na cova; e foram viver ricos e felizes, empregando uma boa parte do dinheiro em dar esmolas aos pobres.

Fonte:
Figueiredo Pimentel. Historias da avozinha. Rio de Janeiro, 1996.

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PASSO A PASSO PARA A PUBLICAÇÃO DE SEU PRÓPRIO LIVRO

Muitas pessoas escrevem seus textos e os escondem a sete chaves, pois não se sentem merecedores de publicá-los. Essa dificuldade dá-se às vezes por falta de incentivo e outras por não saberem o que fazer para a publicação de um livro.

Com a intenção de superar essa barreira, Neida Rocha, convidou o senhor Milton J. Pantaleão da Editora Alternativa, para a realização da Oficina “PASSO A PASSO PARA A PUBLICAÇÃO DE SEU PRÓPRIO LIVRO”.

Graças a múltiplas parcerias e abertura de editais pelo poder público e privado, surge a oportunidade de realização de diversos projetos pessoais e, entre eles, a publicação de livros de escritores iniciantes, sendo oferecido a esses, a possibilidade de apresentação de seus textos para além dos limites geográficos de suas próprias gavetas.

A Oficina “PASSO A PASSO PARA A PUBLICAÇÃO DE SEU PRÓPRIO LIVRO” justifica-se através de palestra proferida pelo senhor Milton J. Pantaleão, Diretor da Editora Alternativa, às 18h30m do dia 11/05/2010, no Auditório da Biblioteca Pública João Palma da Silva, situada à Rua Ipiranga, 104, na cidade de Canoas/RS.

O objetivo principal é apresentar o passo a passo para a confecção de livros de escritores iniciantes, além de disponibilizar informações para o registro na Biblioteca Nacional, detalhes sobre a Carta Catalográfica, Registro de Direitos Autorais, inscrição no ISBN, bem como a confecção da capa, a importância da revisão ortográfica e adequação à norma culta, além de orientar sobre o melhor formato do livro para o aproveitamento de papel.

A A viabilidade da Oficina realizar-se-á mediante a Coordenação da Escritora Neida Rocha Wobeto.

INSCRIÇÕES GRÁTIS

CONTATOS:
Neida Rocha - (051) 9942-3898
neidarocha@terra.com.br
Milton J. Pantaleão – (051) 3330-8818
miltonjp@terra.com.br

Fonte:
Colaboração de Neida Rocha

Jogos Florais de Nova Friburgo- 2010 (Classificação Final)


Âmbito nacional

Tema --- PRAZER

Vencedores

1º Lugar

Se a vida, em seus embaraços,
faz minha vida ser triste,
busco prazer em teus braços...
... e esqueço que a vida existe!
PEDRO MELLO
SÃO PAULO- SP

2º lugar

A vida, além de um prazer,
é a chance que a gente tem
de, mais que apenas viver,
ser luz na vida de alguém.
A. A. DE ASSIS
MARINGÁ- PR

3º lugar

Neste mundo tão mesquinho,
é um prazer ouvir a voz
de quem faz o bem sozinho,
mas usa o pronome “Nós”.
VANDA FAGUNDES QUEIROZ
CURITIBA - PR

4º lugar

De compromissos te esquivas
mas é fácil de notar,
que o prazer do qual me privas
vive escrito em teu olhar...
ANALICE FEITOSA DE LIMA
SÃO PAULO- SP

5º lugar

Quem segue, apenas querendo
ver o porto de chegada,
nem sabe que está perdendo
o prazer de olhar a estrada!
VANDA FAGUNDES QUEIROZ
CURITIBA - PR

Menção Honrosa

No prazer que envolve a gente
há tanta proximidade,
que me sinto intimamente
parte da tua metade.
ANALICE FEITOSA DE LIMA
SÃO PAULO- SP

O vinho ao pé da lareira,
teu carinho, teu calor...
Como não ser prisioneira
desses prazeres de amor?
WANDA DE PAULA MOUTHÉ
BELO HORIZONTE- MG

Esse meu amor de outrora
que vivi na mocidade,
é prazer que ainda mora
nos desejos da saudade.
SEBAS SUNDFELD
TAMBAÚ - SP

As mentiras bem montadas
que me dizes com prazer,
são algemas desgastadas
que eu teimo em não desprender!
ALBA CRISTINA CAMPOS NETO
SÃO PAULO- SP

Seu beijo me dá prazer,
me faz perder o juízo...
Eu nem preciso morrer
para entrar no paraíso!
ISTELA MARINA GOTELIPE
BANDEIRANTES- PR

Menção Especial

Disse-me adeus a esperança,
mas deixou no seu lugar
o prazer de uma lembrança
que veio para ficar!
ALMIRA GUARACY REBELO
BELO HORIZONTE- MG

Em algo simples se encerra
raro prazer e emoção:
- O cheiro que emana a terra
quando a chuva cai no chão.
OLGA AGULHON
MARINGÁ - PR

Findou a paixão intensa,
o prazer deu-se ao cansaço...
E, entre nós, a indiferença
construiu o seu espaço.
THEREZA COSTA VAL
BELO HORIZONTE- MG

Guardo os bons tempos da vida,
e os maus procuro esquecer,
mas a memória, atrevida,
teima em roubar-me o prazer.
DOROTY JANSSON MORETTI
SOROCABA- SP

Quanto mais a idade avança
no longo tempo a correr,
eu tenho mais esperança
e mais prazer em viver...
BENEDITO VIEIRA TELLES
MARINGÁ -PR

Tema Desespero ( Humororistica)

1º Lugar

Desepero mais certeiro
neste mundo errado e torto,
é o coitado do coveiro
não ter onde cair morto...
JOÃO PAULO OUVERNEY
PINDAMONHANGABA-SP

2º lugar

Cornélio...desesperado...
abre o armário...(a arma na mão)...
“Você...compadre?!...”. – E, aliviado:
“Pensei que fosse um ladrão!”
JAIME PINA SILVEIRA
SÃO PAULO – SP

3º lugar

Pleno vôo, explica o Pero:
- este avião vai cair...
Não entrem em desespero,
quem quiser pode sair.
ISTELA MARINA GOTELIPE LIMA
BANDEIRANTES- PR

4º lugar

Tomou “todas”- Que exagero!-
ficou com dupla visão...
Foi pra casa e... Oh! Desespero!
- Duas sogras no portão!!!
RENATO ALVES
RIO DE JANEIRO- RJ

5º lugar

Diz vovó, com desespero,
- Não “eleva”, nem rezando?
Bota no gelo, Ferrero,
quem sabe, se congelando...
LICÍNIO ANTÔNIO DE ANDRADE
JUIZ DE FORA-MG

Menção Honrosa

Chega em casa, inesperado
e ao procurar, seu pijama,
por desespero, o danado,
remia, em baixo da cama...
FABIANO DE CRISTO M. WANDERLEY
NATAL - RN

Desespero do tenor,
que já se sente “gagá”:
pra noiva, cheia de amor,
só ergue a voz – e olhe lá...
JOÃO FREIRE FILHO
RIO DE JANEIRO- RJ

Fez a macumba... no entanto,
desesperou-se e sofreu...
- Em vez de “baixar” o santo,
a caxumba é que desceu...
PEDRO MELLO
SÃO PAULO- SP

A platéia se espantou:
o ator saiu do roteiro,
desesperado, e gritou:
“Meu reino por um banheiro!”
SELMA PATTI SPINELLI
SÃO PAULO- SP

Com desespero, gemidos,
Zé se agacha atrás de um toco.
pelos torresmos comidos,
passa vergonha...e sufoco!..
TEREZA COSTA VAL
BELO HORIZONTE- MG

Menção Especial

Mal subi no parapente,
que DESESPERO, Doutor :
- Minha sogra – “sorridente”...
bem no lugar do instrutor!...
MARIA MADALENA FERREIRA
MAGÉ- RJ

Comida sem « exagero »
disse o médico ao doente:
-Não me leve ao desespero...
dotô, sou um rico emergente...!
WANDIRA FAGUNDES QUEIROZ
CURITIBA- PR

Faz regime...e, por fazê-lo,
se desespera a coitada,
pois sempre tem pesadelo
com rodízios...de salada!...
PEDRO MELLO
SÃO PAULO- SP


“Desembarque demorado!!!”
E quando o luso escutou
“É FOGO!” – desesperado,
Correu à proa... e pulou!...
MARIA MADALENA FERREIRA
MAGÉ- RJ

O “cabra lá no sertão,
pra desespero da casa,
só gosta de chimarrão
e de churrasco na brasa!
DJALDA WINTER SANTOS
RIO DE JANEIRO
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Fonte:
Colaboração de A. A. de Assis

Lançamento do livro de Berta Waldman: O Teatro Ídiche em São Paulo

Clique sobre a imagem para ampliar
Dia 17 de abril, às 16h30, no "Espaço Café" do Museu da Língua Portuguesa

A Casa Guilherme de Almeida iniciará, com o volume O teatro ídiche em São Paulo, de Berta Waldman (USP), apresentado por Jacó Guinsburg, a coleção Estudos & Fontes, dedicada a trabalhos nas áreas de cultura, história, literatura, arte, música, poesia e tradução, publicada em parceria com a editora Annablume.

Enquadrada na série "Cultura / História" da coleção, a obra – que, ao tratar da participação de imigrantes em São Paulo, afina-se com um dos focos de interesse de Guilherme de Almeida, a diversidade linguístico-cultural da cidade – baseia-se em entrevistas realizadas com atores do teatro ídiche, e inclui imagens relativas ao tema colhidas no acervo do antigo teatro Taib (Teatro de Arte Israelita Brasileiro), no bairro do Bom Retiro, e no acervo do Arquivo Histórico Judaico Brasileiro.

O lançamento no Museu da Língua Portuguesa contará com uma breve exposição da autora sobre seu trabalho e com uma apresentação de canções tradicionais em ídiche, pela cantora Sonia Goussinsky.
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Idiche = O ídiche (ou iídiche, forma aportuguesada de iidisch) originou-se, ao que tudo indica, nas áreas fronteiriças franco-germânicas, às margens do Reno, por volta do séc. X. Aí, judeus vindos principalmente da Itália e de outros países românicos adotaram o idioma local, ou seja, o alto-alemão em sua passagem do período antigo para o médio. Misturando-se desde logo com elementos do laaz ("língua estrangeira", "não-hebraica"), correlativos judaicos em francês e italiano (1) arcaicos, com a terminologia litúrgica, ritual, comercial e institucional do hebraico-aramaico, isto é, o chamado laschon-kodesch, íd. loschen-koidesch ("língua sagrada"), com palavras hebraico-aramaicas (2) ligadas à atividade diária e eufemismos destinados a ocultar ao não-judeu o significado dos termos, começaram a desenvolver o juedisch-deutsch, isto é, o "judeu-alemão", nome que se alterou para iidisch-taitsch ("ídiche-alemão", sendo que o termo taitsch também veio a significar "interpretação"), de onde derivou o vocábulo iídiche

(1) (O francês e o italiano antigos desempenharam também papel relevante entre os constituintes do ídiche. Seus vestígios persistem em palavras como: alker = alcove; almer = armoire; bentschen = benés; pultzel = pucelle; davenen = divisiner; prisant = présent. E, em nomes próprios, como: Schnoier = Senior; Bunem = Bonhomme; Toltze = Dolce; Ienti = Gentile; Schprintze = Esperanza.)

(2) Hebraísmos como din (julgamento); kascher, íd. koscher ("ritualmente puro" ); iom-tov, íd iontev ("dia de festa"); gan-eden, íd. gan-eiden ("jardim do Éden, paraíso ); Torá, íd. Toire ("Lei", "ensinamento"); bem como aramaísmos, isto é, os dois constituintes lingüísticos semíticos do que é efetivamente a chamada "língua sagrada", figuram certamente entre os primeiros componentes do ídiche

Fontes:
– Colaboração do Instituto Cultural Israelita Brasileiro (São Paulo)
– Jacó Guinsburg. Uma lingua passaporte: o idiche. Revista Espaço Academico. Maringá, PR: Universidade Estadual de Maringá, 2004.

Berta Waldman


Berta Waldman nasceu em São Paulo. Estudou Letras na Universidade de São Paulo. Professora de Literatura Brasileira e Teoria Literária na Unicamp, dedica-se também à Literatura Hebraica, disciplina em que se tornou professora-titular no Departamento de Letras Orientais da USP, junto ao programa de Língua e Literatura Hebraicas.

Escreveu os seguintes livros, além de capítulos de livros, artigos, ensaios, em veículos nacionais e internacionais:

WALDMAN, Berta, (livro) Linhas de Força: Escritos sobre literatura hebraica. São Paulo: Associação Editorial Humanitas, 2004.

WALDMAN, Berta, (livro) Entre Passos e Rastros (Presença Judaica na Literatura Brasileira Contemporânea). São Paulo: Perspectiva: Fapesp, 2003.

WALDMAN, Berta, (livro)Do Vampiro ao Cafajeste. Uma leitura da obra de Dalton Trevisan. 1ª ed. SP/Curitiba, Ed. Hucitec/ Sec. da Cultura e Esporte, 1982. 2ª ed. SP. Ed. Hucitec/ Ed. Unicamp, 1989.

WALDMAN, Berta, (livro) A Paixão Segundo Clarice Lispector.1ª ed. SP, Ed. Brasiliense, 1983. 2ª ed. rev. aum. SP, Ed. Escuta, 1992.

WALDMAN, Berta e Carlos Vogt, (livro) Nelson Rodrigues, Flor de Obsessão. SP, Ed. Brasiliense, 1985.

Bolsista do CNPq (Produtividade em Pesquisa , nível 1B), na qualidade de orientadora apresenta vinte e cinco dissertações orientadas e defendidas, treze teses de doutorado orientadas e defendidas e quatro pós doutorados, um em curso.

Coordena, a partir de 2003, a "Coleção Judaica", com nove títulos publicados pela Associação Editorial Humanitas.

Fontes:
http://www.verdestrigos.org/
Colaboração de Marina Sendacz, presidente do Instituto Cultural Israelita Brasileiro

Nachman Falbel (O Teatro Idiche)


Trazido para a América por imigrantes da Alemanha e da Europa Oriental, o teatro ídiche brilhou durante anos nos palcos de Nova York, ajudando os judeus a manter viva a lembrança de sua terra natal. Não conseguiu, no entanto, sobreviver à destruição dos judeus pelos nazistas, nem à assimilação no Novo Mundo.

Em meados da Idade Média, mímicos, dançarinos, cantores e trovadores judeus andavam de aldeia em aldeia, divertindo o povo. Esta tradição se manteve até o século XVI, quando o teatro ídiche começou a assumir a forma e o estilo que o celebrizaram durante décadas, até produzir grandes sucessos na Broadway.

Os primeiros espetáculos eram tradicionalmente realizados durante a comemoração de Purim (1) e tornaram-se conhecidos como Purimshpiel - ou Peças de Purim. Danças, acrobacia, muita música e palhaços compunham a tônica central destas apresentações, que eram quase sempre improvisadas. Os papéis femininos eram representados por homens vestidos de mulheres pois, segundo os costumes da época, estas não podiam apresentar-se ou cantar em público. Os homens, por sua vez, poderiam fantasiar-se de mulheres apenas durante os Purimshpiel. Outra característica das apresentações no século XVI era o fato de serem totalmente amadoras.

O teatro ídiche nos seus primórdios não era muito bem visto pelos grandes intelectuais judeus da época, que tinham o costume de escrever suas obras no idioma de sua terra natal – polonês, alemão ou russo. Para eles, o ídiche era um dialeto popular sem muito peso cultural e literário.

A partir de 1800, no entanto, e por influência do Iluminismo, surgiu um movimento de jovens que percebeu que o ídiche era o melhor caminho para se comunicar com a grande maioria do povo judeu, pois este era o idioma no qual as massas falavam. Assim, em 1876, Avraham Goldfadn escreveu a primeira peça profissional em ídiche. Além de ser o autor do texto, foi o responsável pela direção, produção, divulgação e cenários do espetáculo. Ex-professor e jornalista, era também um poeta e cantor que viajava pelas aldeias levando sua arte.

A obra beirava a comédia e não tinha muita profundidade, razões pelas quais foi criticada pelo famoso escritor ídiche I.L. Peretz e também por não abordar aspectos importantes da vida judaica. O autor reagiu aos comentários dizendo que o povo não estava interessado em nada além de canções, brincadeiras e beijos. No entanto, todas as histórias tinham uma moral e ele tinha um costume que deixou como herança para o teatro ídiche: explicar a moral da história, depois que as cortinas baixavam. Suas últimas peças incluíram temas heróicos da história judaica.

Seguindo a tradição dos antigos trovadores, Goldfadn também levava seus espetáculos pelas aldeias judaicas da Europa, contando suas histórias e fazendo o povo rir e, às vezes, até chorar. Seguindo seu exemplo, vários outros grupos teatrais surgiram e se multiplicaram, muitos nascendo das suas próprias divisões internas. Estudiosos do tema relatam que, em 1905, cerca de dez grupos profissionais - muitos formados por famílias inteiras - e centenas de atores faziam suas apresentações na Europa Oriental.

Fazer teatro, no entanto, nem sempre foi um negócio muito fácil e lucrativo. Assim, quando um espetáculo transformava-se em sucesso, os salários eram pagos em dia e os atores principais passavam a ser disputados pelas diferentes companhias. Quando o fracasso era muito grande, ninguém recebia. Além de Goldfadn, outro nome marcou o palco ídiche no século 19: Joseph Judah Lerner, que fez da Rússia o berço de seu trabalho. O anti-semitismo e as leis anti-semitas de 1883, no entanto, proibiram a exibição dos espetáculos, que passaram a ser denominados de “Teatro Alemão”. Precisavam de autorizações especiais que as autoridades dificilmente concediam. Assim, no final do século XIX e início do XX, centenas de escritores e atores resolveram tentar a sorte na Inglaterra e nos Estados Unidos.

A significativa população judaica da Nova York de então, somada à onda de artistas que imigrou para a América, tornou a cidade um centro de dramaturgia ídiche na virada do século. Historiadores afirmam que, entre 1881 e 1903, cerca de 1 milhão 300 mil judeus que falavam ídiche chegaram a Nova York. O público comparecia aos teatros e aplaudia com o mesmo entusiasmo comédias ou melodramas. O som do idioma da terra natal de quem deixara seu país seja pela discriminação racial ou pela falta de perspectiva econômica constituía um grande atrativo levando centenas de pessoas às casas de espetáculos no Lower East Side, Bronx e Brooklyn.

Durante 50 anos, cerca de doze teatros mantiveram em cartaz permanentemente espetáculos em ídiche. Havia uma grande concorrência entre as casas para atrair públicos maiores. As peças tinham uma certa regularidade de estilo: atores declamando em voz alta, gestos e expressões exagerados e atrizes com gestos dramáticos afetados. A grande diferença entre um espetáculo e outro estava na estrela principal, que acabou se tornando o trunfo de cada uma das companhias.

Início de uma era
Boris Tomashevsky chegou a Nova York no início de 1880, vindo da Ucrânia, juntamente com outros atores. Dono de uma bela voz, ganhava a vida cantando na sinagoga da rua Henry, e também vendendo cigarros em uma loja. Foram estes atores que apresentaram a primeira peça em ídiche nos Estados Unidos. De autoria de Goldfadn, “Koldunye” ou “A Bruxa” foi apresentado em um teatro da Rua 4, em Manhattan.

Tomashevsky tinha então 13 anos e se tornou produtor e diretor da companhia, apesar de sua pouca idade, e passou a viajar pelos Estados Unidos apresentando inúmeras peças e onde quer que se apresentassem entretinham um público formado por operários judeus imigrantes. Deu preferência aos trabalhos de Goldfadn, entre os quais “Shmendrich e o Fanático” ou “Os Dois Kuni-Lemls” (“Os Tolos”), responsável pela introdução do personagem Shmendrich, cujo nome acabou fazendo parte do léxico americano como sinônimo para desastrado.

Em 1887, a companhia de Tomashevsky encenou “Baltimore”. Na platéia, uma espectadora especial, que posteriormente se tornou um dos grandes nomes da dramaturgia ídiche nos Estados Unidos, Bessie Baumfeld-Kaufman, encantou-se pela protagonista da história, uma jovem donzela. Ao dirigir-se aos camarins para conhecer a atriz, descobriu surpreendida que esta era Thomashevsky. Algum tempo depois, Bessie fugiu de casa para juntar-se à companhia e, em 1891, casou-se com o ator, e passou a substituí-lo nos papéis femininos que este costumava representar.

Embora os Tomashevsky não fossem a única companhia importante de teatro ídiche, eram os empresários mais famosos. Encenaram vários espetáculos, entre os quais as versões judaicas de “A Cabana do Pai Tomás”; “Fausto”, de Goethe, e “Parsifal”, de Wagner. Boris foi a estrela de uma adaptação de “Hamlet”, de Shakesperare, chamada “Der Yeshiva Bokher” (“O Estudante da Ieshivá”) e Bessie foi a estrela de “Salomé”, de Oscar Wilde.

Outro nome que marcou época foi Jacob Gordin, que procurou escrever peças e encenar espetáculos que contivessem elementos mais realistas. Os autores foram estimulados a encarar o teatro ídiche como um negócio, incentivados também pelo surgimento de um público mais exigente. Autores como David Pinski, Leon Kobrin e Peretz Hirscheim escreveram obras que lidavam com problemas sociais sérios.

O repertório da companhia de Gordin incluía a livre adaptação de obras clássicas européias, que levaram à apresentação de O Rei Lear Judeu, em 1892. O rei foi interpretado por Jacob P. Adler, fundador do grupo de atores que falavam ídiche e inglês e era integrado por sua esposa Sara, e Celia, Julia, Stella e Luther Adler.

Sholem Asch e Sholem Aleichem exploravam temas e personagens do folclore judaico com humor e sensibilidade; e H. Leivick - pseudônimo de Levick Halpern, produziu dramas sociais envolvendo tanto operários judeus quanto os de outra classe social. Como exemplo deste período está “O Golem”, publicado em 1921, e “Milagre do Gueto de Varsóvia”, encenado em 1945.

Maurice Schwartz fundou o Teatro de Arte Ídiche em 1918, que se tornou um centro de treinamento para toda uma geração de atores. Entre seus parceiros estão Rudolph Schildkraut, Jacob Ben-Ami e Muni Weisenfreund, que se tornou posteriormente conhecido no mundo do cinema como Paul Muni.

Na Europa, também, o teatro ídiche passava por mudanças, que se refletiram no surgimento e sucesso do Grupo de Vilna, em 1916, que encenava espetáculos de maior qualidade literária e exigia dos atores um idioma mais apurado, além de melhor desempenho da companhia como um todo, ao invés de centralização em um único protagonista. A montagem de “O Dibuk”, de Anski, em 1920, garantiu a aceitação do grupo em meio ao público.

Ao longo dos anos, o teatro ídiche nos Estados Unidos passou a trazer para o palco também o conflito entre os países de origem dos imigrantes e seus filhos nascidos na nova pátria; ou então as tensões entre os ortodoxos e os judeus do Iluminisno da Europa e da América, ajudando os imigrantes que falavam ídiche a lidar com as contradições de acordo com sua própria perspectiva.

De certa forma, o teatro ídiche ajudou a construir a ponte entre o shtetl (2) e a América e brilhou durante algumas décadas. Não foi, no entanto, capaz de sobreviver à destruição do idioma e da cultura ídiche pelos nazistas, na Alemanha e na Europa Oriental, enquanto os descendentes dos imigrantes assimilavam-se cada vez mais na América. Assim, na segunda metade do século XX, era incerto o futuro das poucas companhias que ainda funcionavam em Nova York, Londres, Bucareste, Buenos Aires e Varsóvia. O desaparecimento gradativo das platéias levou à redução do número de espetáculos, que passaram a ser substituídos por peças que refletiam, cada vez mais, o dia-a-dia, ou seja, os dilemas e desafios da sociedade americana contemporânea.

O Teatro Ídiche no Brasil

Seguindo as tradições culturais européias, os judeus que imigraram ao Brasil, mantiveram formas de atividade cultural onde o teatro teve um lugar privilegiado nas comunidades em formação, no início de nosso século.

Quando examinamos os livros de atas das primeiras instituições judaicas em São Paulo em outras cidades, salta à vista a importância que as representações teatrais tiveram entre os imigrantes que formavam grupos e sociedades filo-dramáticas, para encenarem peças dos clássicos da língua ídiche.

Também a imprensa judaica das primeiras décadas de nosso tempo revela, pelos anúncios, a riqueza da atividade teatral entre os judeus em nosso país que nos anos 20, e mesmo antes, quando se deu a visita de Peretz Hirschbein, o grande dramaturgo e escritor judeu, os círculos dramáticos esforçavam-se em contatar e trazer do exterior trupes e artistas de renome mundial ao Brasil. Estes últimos vinham da Europa, dos Estados Unidos e, muitas vezes a caminho da Argentina, que constituía um centro de atração maior naqueles tempos, para fazerem suas paradas nas grandes cidades brasileiras e representarem peças do repertório teatral judaico.

Alguns dentre esses atores chegaram a se radicar entre nós e passaram a atuar junto àqueles amadores que se estabeleceram aqui, com o próprio fluir da imigração. Outros permaneciam temporariamente, exercendo sua atividade profissional contratadas pelas instituições culturais que ambicionavam preparar seus quadros e grupos na arte teatral.

Assim, já nos anos vinte, viriam ao Rio de Janeiro Mark Orenstein, Jacob Parnes, que se radicou entre nós, e, posteriormente, receberíamos o famoso Jacob Rotbaum e ainda Zigmund Turkov e outros. A crítica teatral também acabaria por surgir e se manifestar, tal como ocorreu nos anos 20, quando Jacob Nachbin redigiu o “Dos Ídiche Vochenblat”.

O Brasil também foi motivo de inspiração para novos autores dramáticos que, impressionados por certas temáticas locais, puderam expressá-las em suas obras.

Entre ele, devemos lembrar a figura de Leib Malach, que viveu e percorreu as comunidades judaico-brasileiras, retratando seus dramas e expressando os problemas do imigrante que chegava para se radicar em um novo país e meio social.
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(1) Purim =Em Purim se celebra a milagrosa salvação dos judeus da Pérsia, que lá foram exilados após a destruição do Primeiro Templo. O nome da festa advém da palavra persa "pur", que significa "sorte". A Meguilat Esther o livro que relata com detalhes a história de Purim explica: "Por isso, àqueles dias chamam Purim (sortes)" por causa da sorte que Haman havia lançado, determinando o dia em que os judeus seriam aniquilados". As celebrações referentes a Purim se iniciam no Shabat que antecede a festa: no sábado de manhã, a leitura da Torá na sinagoga deve incluir a porção Zachor (Êxodo 17:8-16). Este trecho lembra o ataque do povo de Amalek contra Israel pouco após sua libertação do Egito. Essa leitura está relacionada à data festiva, pois o grande vilão de Purim, o malévolo primeiro-ministro Haman, descendia de Amalek. A Torá nos manda recitar essa passagem para recordar e estar sempre atentos aos planos malignos dos inimigos do povo de Israel." Pois Haman, inimigo de todos os judeus, não se satisfaria com nada menos do que a destruição física de todo o povo judeu" (Esther 9:24).

(2) Shtetl =é a denominação iídiche para "cidadezinha". Chamavam-se "shtetl" as povoações ou bairros de cidades com uma população predominantemente judaica, principalmente na Europa oriental, como por exemplo na Polônia, Rússia ou Bielorrússia, antes da Segunda Guerra Mundial. Os primeiros Shtetlech apareceram no século XII, quando judeus fugindo das perseguições da Europa Central e Ocidental receberam a permissão de colonizar o território pertencendo a Dinastia Piast na Polônia.



Fontes:
– revista Menorá , ano IX, n.32 ,abril de 2001, p.66.
– A Festa de Purim. Revista Morashá. Edição 39 - Dezembro de 2002.
– Shtetl. http://pt.wikipedia.org/