domingo, 10 de novembro de 2024

Vereda da Poesia = 154 =


Trova de
DELCY CANALES
Porto Alegre/RS

Cem vezes tu repetiste
que me amavas loucamente…
Cem vezes tu me mentiste
e cem vezes eu fui crente!
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Poema de
CHARLES-PIERRE BAUDELAIRE 
Paris/França (1821 - 1867)

Uma Gravura Fantástica 

Um vulto singular, um fantasma faceto,
Ostenta na cabeça horrível de esqueleto
Um diadema de lata, - único enfeite a orná-lo
Sem espora ou ping' lim*, monta um pobre cavalo,
Um espectro também, rocinante esquelético,
Em baba a desfazer-se como um epitético,
Atravessando o espaço, os dias lá vão levados,
O Infinito a sulcar, como dragões alados.

O Cavaleiro brande um gládio chamejante
Por sobre as multidões que pisa rocinante.
E como um grã-senhor, que seus reinos visite,
Percorre o cemitério enorme, sem limite,
Onde jazem, no alvor d'uma luz branca e terna,
Os povos da História antiga e da moderna.

(Tradução de Delfim Guimarães)
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Ping'lim ou Pingalim = espécie de chicote.
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Trova de
ADELINO MOREIRA
Araçatuba/SP (1922 – 2007)
 
Esta vida, a que me exponho,
é agiota de verdade:
se empresta um pouco de sonho,
que juros cobra em saudade!…
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Soneto de
JOÃO BATISTA XAVIER OLIVEIRA
Bauru/SP

O pedestal do horizonte

Quando me vejo aqui, no pedestal
onde a lida acalenta e se faz luz,
a vitória cintila no portal
e desintegra a treva que seduz.

Conseguir algo mais, travar o mal,
vislumbrar no crepúsculo, conduz
sentimento de força sem igual
na vereda luzida por Jesus.

Volver à luz que brilha no horizonte
mostrando o caminhar em forte ponte
é a mesma luz que brilha a todos nós...

bastando simplesmente a coerência
na busca da lavoura em consistência.
Seremos então livres, jamais sós!!
= = = = = = 

Trova Premiada de
J. B. XAVIER
São Paulo/SP

Quando na página eu vi
minha vida em agonias,
foi que afinal percebi:
ambas estavam vazias…
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Poema de
CASTRO ALVES
Freguesia de Muritiba (hoje, Castro Alves)/BA (1847 – 1871) Salvador/BA

A Volta da Primavera

AI! Não maldigas minha fronte pálida,
E o peito gasto ao referver de amores.
Vegetam louros — na caveira esquálida
E a sepultura se reveste em flores.

Bem sei que um dia o vendaval da sorte
Do mar lançou-me na gelada areia.
Serei... que importa? o D. Juan da morte
Dá-me o teu seio — e tu serás Haidéia!

Pousa esta mão — nos meus cabelos úmidos!...
Ensina à brisa ondulações suaves!
Dá-me um abrigo nos teus seios túmidos!
Fala!... que eu ouço o pipilar das aves!

Já viste às vezes, quando o sol de maio
Inunda o vale, o matagal e a veiga?
Murmura a relva: "Que suave raio!"
Responde o ramo: "Como a luz é meiga!"

E, ao doce influxo do clarão do dia,
O junco exausto, que cedera à enchente,
Levanta a fronte da lagoa fria...
Mergulha a fronte na lagoa ardente ...

Se a natureza apaixonada acorda
Ao quente afago do celeste amante,
Diz!... Quando em fogo o teu olhar transborda,
Não vês minh'alma reviver ovante?

É que teu riso me penetra n'alma —
Como a harmonia de uma orquestra santa —
É que teu riso tanta dor acalma...
Tanta descrença!... Tanta angústia!... Tanta!

Que eu digo ao ver tua celeste fronte,
"O céu consola toda dor que existe.
Deus fez a neve — para o negro monte!
Deus fez a virgem — para o bardo triste!”
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Quadra Popular

Você diz que vai, que vai,
e não leva eu também.
Esta é sua ingratidão,
não é de quem quer bem.
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Soneto de
JERSON BRITO
Porto Velho/RO

Desprezado

Teu desprezo maltrata, é pungente.
Dói demais ver minguar nossa flama,
Confessando a saudade que sente,
Coração lacerado te chama.

Feneceu meu olhar rutilante,
Por negrume é cingido o poema,
Essa angústia é demais sufocante.
Esperar, esquecer... Oh, dilema!

Tua boca tão doce, macia,
Os momentos de amor, fantasia,
São lembranças em mim tatuadas.

Sofro tanto sem norte, à deriva,
Torturante, o pensar traz a diva,
Companheira de intensas jornadas.
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Trova de
EUGÊNIA MARIA RODRIGUES
Rio Novo/MG

Sinto que chegas... me abraças...
porém tu finges... sem dó...
e a Saudade brinda as taças
do vinho que eu bebo só...
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Folclore Brasileiro em Versos de
JOSÉ FELDMAN
Campo Mourão/PR

A Mula Sem Cabeça

No campo sombrio, um lamento se faz angustiante,
Mula sem cabeça, um destino a vagar,
na floresta escura, no silêncio, errante,
ecos de um amor que não pode voltar.

Noite de sofrimento, de fogo a brilhar,
na escuridão, sua forma a percorrer,
em cada relâmpago, um grito a ecoar,
lembranças de vida que não podem ceder.

Mas quem a avista, deve ter temor,
pois a sombra da noite traz consigo a dor,
em busca de paz, sua alma a clamar,

e entre os mistérios, a história a contar,
que amor e desatino podem levar à dor,
e na lenda da mula, um eterno clamor.
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Trova de
EMILIA PEÑALBA ESTEVES
Porto/Portugal

No meu reino de ilusão
tu és o rei, és o dono!...
E eu sou, em teu coração,
uma rainha... sem um trono!
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Soneto de 
ALFREDO SANTOS MENDES
Lisboa/Portugal

A meia laranja

Senti meu coração alvoroçado,
Bater desordenado no meu peito.
Impávido fiquei! Fiquei sem jeito!
Que raio o pôs assim em tal estado?

Olhei em meu redor, desconfiado.
Senti-me desolado, contrafeito!
Por não compreender, a causa efeito,
Que o pusera a bater descontrolado!

Tive depois, a estranha sensação.
Que me tinham aberto o coração,
E dentro dele, alguém se aboletava!

Aos poucos o meu ser se aquietou.
Pois percebeu, que o ser, que se alojou…
Era a meia laranja que faltava!
= = = = = = 

Trova de
ERNESTO LOPES NUNES
Coimbra/Portugal

O reino que o mundo almeja
terá sempre este defeito:
- a um só trono que se veja,
reclamam mil o direito!
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Soneto de 
RENATO SUTTANA
Barroso/MG


 Que gastes lá teu ouro, teu minuto,
teu grama de progresso, teu punhado
de futuro – antevisto, calculado,
todo pejado de valor e fruto;

 que lá queiras chegar, de olho impoluto,
como quem leva a urgência de um recado,
insone, mas cumprindo algum mandado,
por força do insondável, do absoluto;

 que lá passes um dia, um mês, um ano
(quem sabe a vida inteira), convencido
de que encontraste a pista, o portulano,

 e de que lá não entras por abuso
e não és, sem estirpe e sem partido,
mais que um indesejável, um intruso.
= = = = = = 

Trova de
GISELDA MEDEIROS
Fortaleza/CE

É carnaval… e em meu peito
qual um sagaz folião,
brinca o meu sonho desfeito
nas alas da solidão…
= = = = = = 

Spina de 
SOLANGE COLOMBARA
São Paulo / SP

Aos Primeiros Raios Solares...

Páginas em branco
rumam em silêncio 
abrindo as janelas, 

descortinando o novo dia azul.
Repleta de paz sou esperança,
em linhas retas, sou paralelas. 
Sem pensar no amanhã, verso
risos ou prantos, sem mazelas.
= = = = = = 

Trova de 
FRANCISCO JOSÉ PESSOA
Fortaleza/CE, 1949 - 2020

Nos desfiles dessa vida
com humildade me toco:
Quanto mais larga a avenida
mais estreito fica o bloco.
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Soneto de 
AMILTON MACIEL MONTEIRO
São José dos Campos/SP

Mudança por amor

Mandei tirar sem dó toda a argamassa
Que recobria o chão do meu quintal
E em seu lugar, tal qual fosse uma praça,
Formei maravilhoso roseiral.

E para a minha casa ter mais graça
Forrei de primavera o seu beiral
E, junto aos muros, onde o mato grassa,
Eu pus planta de fruta e ornamental:

Ameixeira, pitanga e goiabeira,
Que ali mantêm as aves e os seus ninhos
Em explosões de cantos de alegria!

E quero ver se assim dessa maneira
Agrado a minha amada e os passarinhos,
E faço bem ainda à ecologia!
= = = = = = 

Trova de
A. A. DE ASSIS
Maringá/PR

A bênção, queridos pais, 
que às vezes sois mães também. 
Em nome de Deus cuidais 
dos filhos que d’Ele vêm!
= = = = = = 

Poema de
IVAN LAUCIK 
Liptov/Eslováquia (1944 – 2004)

Anotação de Fim de Tarde

 Nada importa, dizem-te pela manhã:
E tu (vês-te obrigado) duvidas destas palavras todo o dia.

Resiste, entretém os peixes,
canta-lhes em voz alta sobre a ponte...
Os momentos de alegria quase te envergonham:
As distâncias convenientes, relações de altura e profundidade,
os invernos curtos, vento em conta para os moínhos -
e um tempo longo coberto
de ornamentos de ferro!
(Os livros de Lógica estão gastos
pelas mãos e pelo suor!)

Alguém que ouve mal embriaga-se de palavras:
o futuro pertence apenas aos helicópteros silenciosos,
capazes de aterrar na palma da mão.
(Haverá palma da mão?) E continua em sonhos
a separar-se o comestível do que não presta.

Sim, chegam-nos plantas cheias de entusiasmo.
Mas não é por isso que a folha artificial é menos verde.

Assim os incrédulos valorizam a fé.
Os infalíveis esperam ser salvos pelos nossos erros.
Os vivos sabem
que tudo importa
desde manhã.
= = = = = = 

Triverso de
DOMINGOS PELLEGRINI
Londrina/PR

Montanha que brilha
a louça lavada
empilhada na pia.
= = = = = = 

Soneto de
IALMAR PIO SCHNEIDER
Porto Alegre/RS

Carnaval

Eis que de novo chega o Carnaval
para trazer, talvez, muita alegria,
às multidões que sofrem de algum mal
e podem ingressar na fantasia...

Vivem momentos só de alegoria,
num transe enfático, sensacional,
e buscando, num passe de magia,
aliviar o desejo sensual...

Cantam e dançam, plenos de calor,
demonstrando a maior felicidade,
neste evento de cálida paixão...

Por toda a parte a Festa do Esplendor
penetra os corações, e na igualdade,
congregando os cultores da Ilusão !
= = = = = = 

Trova de
SEBAS SUNDFELD
Pirassununga/SP, 1924 – 2015, Tambaú/SP

Não necessita de sorte
toda existência de bem:
-uma planta ergue o seu porte
sobre as raízes que tem.
= = = = = = 

Poema de 
MARIA LÚCIA SIQUEIRA
Curitiba/PR

Saudade

Irmã da terra,
dos ventos,
das tempestades,
por onde pisam agora
teus pés de saudade?

Deixou rosas,
espinhos
e tantos trigais.
E foi ninar num travesseiro de jasmins
à sombra dos pinheirais.
= = = = = = 

Trova Humorística de
ZAÉ JÚNIOR
Botucatu/SP, 1929 – 2020, São Paulo/SP

O espelho não me enganou,
sem disfarce, esse sou eu:
um jovem que não sonhou,
um velho que não viveu!
= = = = = = 

Hino de 
TIJUCAS DO SUL/ PR

Foi Ambrósios teu nome primeiro.
Deslumbrante beleza: ó Saltinho!
Do Estado és grande celeiro;
Guardas lago, floresta e ninho.

ESTRIBILHO
Salve! Salve! Tijucas do Sul!
Tabatinga, florestas e flores.
Protegida pelo manto azul,
De Nossa Senhora das Dores!

É chamado depois Aruatã.
Erva-mate e madeira de lei
São riquezas e teu talismã.
Os sinais de valor nessa grei.

És Tijucas do Sul - Paraná
Tens história na Revolução!
Na memória do povo ainda está
Grande glória pra toda nação.

Tijuquense, és povo leal!
Teu esforço e trabalho é sucesso.
E a resposta do teu ideal
É um futuro de pleno progresso!
= = = = = = 

Trova de
VANDA FAGUNDES QUEIROZ
Curitiba/PR

Quando, amor, estás ausente,
quem ameniza a ansiedade
é a carta que chega e, ardente,
abraça minha saudade.
= = = = = = 

Poema de
FLÁVIO GIMENEZ
São Paulo/SP

Ilha

Para me perder em teus olhos
Nos caminhos de tua íris, num arco
De mil cores de sonho
Penso, olho em tua pele:
Pálida na manhã enquanto noite.

Para me perder da escura forma
Sigo os indícios do que vem adiante
Em teu franco riso, claro e tanto
Nos cantos de tua pura alma errante

Para me perder em teu mar, sigo
Na marcha do meu ofício que trilha,
No siso branco de tua linda fonte
De todos os prantos do que agora brilha

Para me perder de vez em tua sina
Nos caminhos de tua íris, nem penso
Visto tua alva pele que, pálida
Tece de dia a escuridão das estrelas.
= = = = = =
Trova Premiada de
RITA MARCIANO MOURÃO 
Ribeirão Preto/SP

Por medo meu coração
fechou-se e ainda pôs trave,
mas agora outra paixão
bate à porta e quer a chave.
= = = = = = 

Recordando Velhas Canções
DEUSA DO ASFALTO 
(samba-canção, 1959) 

Um dia sonhei um porvir risonho
E coloquei o meu sonho
Num pedestal bem alto
Não devia e por isso me condeno
Sendo do morro e moreno
Amar a deusa do asfalto.

Um dia ela casou com alguém
Lá do asfalto também
E dizem que bem me quer
E eu triste boêmio da rua
Casei-me também com a lua
Que ainda é a minha mulher

É cantando  que carrego a minha cruz
Abraçado ao amigo violão
E a noite de luar já não tem luz
Quem me abraça é a negra solidão

É, é, é, eeé cantando que afasto do coração
Esta mágoa que ficou daquele amor
Se não fosse o amigo violão
Eu morria de saudade e de  dor.
= = = = = = = = = = = = = 

Ítalo Moura (O fardo)


O dia se arrastou calmo e sereno, era chegada a hora de se recolher, afagar os filhos, comer alguma coisinha e dormir.

Bentinho, já fadado do sol quente, mal conseguiu se manter de pé, na mesa de jantar, Carlota, sua esposa, lhe servira um prato de sopa quente com um pedacinho de pão caseiro, feito ali mesmo, por suas próprias mãos. Bentinho só conseguia pensar nos afazeres do dia seguinte, tirar leite, arar a terra, colocar comida para os bichos e, por fim, se deitar novamente.

Não pôde deixar de notar que tudo isso lhe prendia muito e quanto tempo se passou sem que ele pudesse colocar os pés na cidade, desprender-se do campo por, pelo menos, um minuto, era um filme que nunca passou por sua cabeça, o fardo de cuidar daquelas terras lhe era grande o bastante para lhe prender.

A sua face murchou, não conseguia mais comer.

Bentinho acabou se esquecendo dos prazeres da vida, a vida no campo não tinha nenhuma regalia, mas oferecia tudo, o pão de cada dia, e foi assim que ele sempre viveu por ela, nunca pôde se ausentar. Mas, no fundo de sua consciência, prometeu que ao romper da aurora, junto com a Carlota, a cidade aos seus filhos ia mostrar, quem sabe um descanso, de alegria e não de pranto, haveriam de passar.

A noite se arrastou lentamente, caiu um sereno fino e singelo por sobre a terra, o orvalho se formava nas folhas da velha roseira vermelha, os sapos faziam uma orquestra estridente, o cenário pastoril contribuía para o clima de despedida.

A noite se fez dia, Bentinho cuidou dos seus últimos afazeres, ateou a carroça no seu velho pangaré, era chegada a hora.

A velha charrete de madeira se arrastou lentamente na estrada, a poeira formava nuvens singelas, os olhos dos meninos lacrimejavam, fitavam o velho casebre de madeira que sumia no horizonte, era a primeira vez que zarpava.
= = = = = =  = 
O autor é de Porto Velho/RO

(Este conto obteve a menção honrosa no Concurso de Contos, adulto nacional, do III Concurso Literário “Foed Castro Chamma”, 2020 – Tema: Aurora)

Fontes: Luiza Fillus/ Bruno Pedro Bitencourt/ Flávio José Dalazona (org.). III Concurso Literário “Foed Castro Chamma 2020”. Ponta Grossa/PR: Texto e Contexto, 2021. Livro enviado por Luiza Fillus.
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sábado, 9 de novembro de 2024

José Feldman (Guirlanda de Versos) * 7 *

 

Francisco Gabriel (A última aurora do lobisomem)

Toda minha infância eu vivi na zona rural. Nossa casa possuía um alpendre que sempre atraía visitantes para uma boa conversa. Tinha eu uns sete anos de idade quando, nesse alpendre, chegou um visitante desconhecido para mim. Mas, para minha surpresa, já era bem conhecido da minha mãe e da minha vó. Tratava-se de um andarilho de nome Quinca, que por diversas vezes já havia pousado em nossa casa, especificamente naquele alpendre.

Nesse dia, ele me contou muitas histórias cotidianas e fantásticas. Uma delas eu nunca esqueci. Foi a respeito de um suposto lobisomem que ele havia conhecido. 

Disse que, no seu tempo de rapaz, havia morado em lugar um tanto esmo, onde não havia mais do que dez casas. Uma delas era habitada por um velho, chamado Zebebé, que não tinha boa aparência e, entre os moradores da região, corria a Fama de que ele tinha a maldição de se transformar em lobisomem.

Sempre que aparecia um animal sangrando, diziam que havia sido o dito lobisomem quem havia feito tal estrago. Segundo diziam, Zebebé não dormia à noite, ficava no campo contemplando os astros até meia-noite; nesse horário, depois de espojar-se no chão em uma encruzilhada, ele era transfigurado em lobisomem, somente voltando à sua forma humana quando o dia começava a alvorecer. Só ia dormir depois de ver os primeiros raios da aurora, pela qual nutria um verdadeiro fascínio.

Certa noite, de quinta para sexta-feira, saiu para o campo, como sempre fazia e, estando na condição de lobisomem, a noite terminou e ele não conseguiu voltar à sua forma humana. E, sem perceber o ocorrido, ficou esperando o surgimento da aurora, como sempre fazia.

Extasiado, deparou-se com os primeiros raios de Sol, e isso lhe foi fatal.

Na manhã do mesmo dia, os moradores da região encontraram o corpo de uma criatura, meio homem e meio bicho; enterraram no em uma cova rasa, sem um reconhecimento preciso. O certo é que o velho Zebebé nunca mais apareceu no seu casebre. Certamente, foi a última aurora do lobisomem.
= = = = = =  = 
O autor é de Natal/RN

(Este conto obteve a menção honrosa no Concurso de Contos, adulto nacional, do III Concurso Literário “Foed Castro Chamma”, 2020 – Tema: Aurora)

Fontes: Luiza Fillus/ Bruno Pedro Bitencourt/ Flávio José Dalazona (org.). III Concurso Literário “Foed Castro Chamma 2020”. Ponta Grossa/PR: Texto e Contexto, 2021. Livro enviado por Luiza Fillus.
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Vereda da Poesia = 153 =


Trova de
GEORGINA RAMALHO
Rio de Janeiro/RJ

Que bela nossa existência
a correr, pipa empinando...
Nossa alma é, na essência,
uma criança brincando.
= = = = = =

Poema de
FERNANDO PESSOA
Lisboa/Portugal, 1888 – 1935

Todas as cartas de amor…

Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.

Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.

As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.

Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.

Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.

A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.

(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)
= = = = = = 

Trova de
ERCY MARIA MARQUES DE FARIA
Bauru/SP

Renúncia é uma ponte estreita,
onde das extremidades,
pode-se ouvir sempre à espreita,
chorando duas saudades...
= = = = = = 

Soneto de
JOÃO BATISTA XAVIER OLIVEIRA
Bauru/SP

O bem maior

Entre nós uma lança em duas pontas
voltadas bem direto a nosso peito,
porém compreensão com o respeito
são atributos de insondáveis montas.

Na conta permanente do direito
espaços dão às asas, sempre prontas,
os ares das visões do preconceito
e afastam as algemas tão medrontas.

É assim que um grande amor entre pessoas
atrai as vibrações das almas boas
com a esperança de um mundo melhor.

Respeito o teu espaço em todo meio
assim como respeitas meu passeio.
Nosso trabalho ao bem é bem maior!!
= = = = = = 

Trova Premiada de
MARIA APARECIDA F. DE VASCONCELOS
Santos/SP

A essência do trovador
está na sua humildade
de lindas trovas compor
com amor e humanidade.
= = = = = = 

Soneto de
CASTRO ALVES
Freguesia de Muritiba (hoje, Castro Alves)/BA (1847 – 1871) Salvador/BA

Último Fantasma

Quem és tu, quem és tu, vulto gracioso,
Que te elevas da noite na orvalhada?
Tens a face nas sombras mergulhada...
Sobre as névoas te libras vaporoso...

Baixas do céu num vôo harmonioso!...
Quem és tu, bela e branca desposada?
Da laranjeira em flor a flor nevada
Cerca-te a fronte, ó ser misterioso!...

Onde nos vimos nós?... És doutra esfera?
És o ser que eu busquei do sul ao norte...
Por quem meu peito em sonhos desespera?...

Quem és tu? Quem és tu? — És minha sorte!
És talvez o ideal que est'alma espera!
És a glória talvez! Talvez a morte!...
= = = = = = 

Trova Popular

Eu quero bem, mas não digo
a quem é que quero bem;             
quero que saibam que eu quero,  
mas que não saibam a quem!
= = = = = = 

Soneto de
JERSON BRITO
Porto Velho/RO

Alforria!

Os meus devaneios perfumas, adoças
Fervente desejo se alastra, domina
Persigo no sonho essa boca ferina
Procuro o sabor das carícias tão nossas

Não deixes sedentas de amor belas taças
Permitas que o mel do prazer entre em cena
Não prives de luz e esplendor minha pena
Injusto é manter nestes versos mordaças

Aflige-me tanto esperar outra chance
De ver vicejando o gostoso romance
Repleto de cores, fulgor, alegria

Revolta-se o canto sem ter alimento
Em vão é conter tal impulso... Nem tento!
As letras suplicam sem pejo: "alforria!"
= = = = = = 

Trova de
JOSÉ KALIL SALLES
Barbacena/MG

Amor é brasa vibrante
no peito dos sonhadores,
dos poetas, dos amantes
e também dos trovadores.
= = = = = = 

Folclore Brasileiro em Versos de
JOSÉ FELDMAN
Campo Mourão/PR

O Boto cor de rosa

Em um rio profundo, um encanto a surgir,
é o Boto, o sedutor nas noites de luar,
com seu corpo elegante e brilhante olhar,
transforma-se em homem… com o amor a emergir.

As moças encantadas ao som do seu cantar,
sentem seu perfume, a volúpia despertando,
mas ao amanhecer é um mistério pairando,
o Boto desaparece deixando a saudade a flutuar.

Ele é o amante das águas serenas,
com segredos guardados, e histórias amenas.
Na dança das marés, um sonho a vagar,

e enquanto a lua reflete no rio,
os corações pulsando um doce desafio,
na lenda do boto, a vida a se propagar.
= = = = = = 

Trova de
JANSKE NIEMANN
Curitiba/PR

Minha tristeza é tão linda
(não dói e não me angustia).
Uma tristeza bem-vinda
quando se torna Poesia!
= = = = = = 

Soneto de 
ALFREDO SANTOS MENDES
Lisboa/Portugal

Plagiadores

Há poetas que sabem enganar.
Pois nasceram eternos fingidores!
E fingem serem grandes escritores,
Mas palavras de outros, vão buscar!

Já dissera Pessoa, a versejar:
Que chegava a fingir que suas dores,
Das quais ia sentindo seus horrores,
Eram dores, que fingia acreditar!

Por isso muita gente anda a fingir,
Que escreve nos poemas seu sentir,
E orgulhoso os lê, à descarada!

O seu fingir é forte, tem poder!
Que consegue a si próprio fazer crer,
Que não é poesia plagiada!
= = = = = = 

Trova de
ROZA DE OLIVEIRA
Curitiba/PR

Quando o infortúnio surgir,
tenha calma, muita calma!
Que gigante há de ferir
esse Davi de sua alma?
= = = = = = 

Soneto de 
FREI AGOSTINHO DA CRUZ
Ponte da Barca/Portugal, 1540 – 1619, Setúbal/Portugal

À coroa de espinhos

A que vindes, Senhor do Céu à terra,
Terra que sendo vossa vos enjeita,
E que tanto vos honra e vos respeita,
Que em não vos receber insiste e emperra?

Ah! Quanta ingratidão nela s’encerra!
Quão mal de vossa vinda se aproveita!
Pois se põe a tomar-vos conta estreita,
Mais brada contra vós, quanto mais erra.

E vós de vosso amor puro forçado
Os malditos espinhos lhe pisais,
Dos quais ainda sendo coroado,

A maldição antiga lhe trocais
Na bênção, que lhe dais crucificado,
Quando morto d’amor, d’amor matais.
= = = = = = 

Trova de
ROBERTO TCHEPELENTYKY
São Paulo/SP

À noite, em frente á TV,
a vovó e o manto dela...
Ela dorme e nada vê,
o manto assiste à novela...
= = = = = = 

Spina de 
SOLANGE COLOMBARA
São Paulo / SP

Ode a São Paulo 

Cidade de encantos
em cantos boêmios
ou versos cantados 

pelo poeta, em teus anseios. 
Em tuas esquinas há poesia, 
em teus becos, ecos falados
em rimas. Teus nobres tons,
eternizam a vida em legados.
= = = = = = 

Trova de 
RODOLPHO ABBUD
Nova Friburgo/RJ (1926 – 2013)

Contemplo o céu para vê-las
com um respeito profundo,
pois na raiz das estrelas
eu vejo o dono do mundo.
= = = = = = 

Soneto de 
AMILTON MACIEL MONTEIRO
São José dos Campos/SP

Meu anjo amigo

Quando voltar a minha inspiração,
que tirou férias longas, pelo jeito,
vou ter o que preciso bem à mão,
para acabar com a dor deste meu peito!

Em versos vou dizer da ingratidão
que suporto calado e contrafeito,
dês que meu bem negou-me o seu perdão,
com enfado deste amor não tão perfeito!

Hoje a tristeza é dona de minha alma...
Roubou-me a voz e a minha velha calma!
E fez o amor virar meu inimigo!

Se agora, então, também meu estro falha,
com quê me salvarei nesta batalha?
- Volta, ó poesia, ó vem, meu anjo amigo!
= = = = = = 

Trova de
A. A. DE ASSIS
Maringá/PR

A mais bonita homenagem, 
concede-a Deus, qual troféu, 
a quem completa a viagem, 
sem mancha, do berço ao céu!
= = = = = = 

Poema de
YOLANDA MARAZZO
São Vicente/Cabo Verde

Derrocada

A asa de um morcego transparente
e no canto um olho descaído
de pestanas longas espreitando
o ácido viscoso da loucura
escorrendo pelos telhados do mundo

Viajante incansável do pasmo
no silêncio das órbitas vagabundas
dos mares-mortos delírio-espasmo
do cansaço mole das brisas vazias
que do nada se afirmam nas florestas
do ódio de gigantes e anões liliputianos

Blocos monolíticos tristes quedos
imagens-desespero cancerosos
miasmas-visco cobras moribundas
agonizando em convulsões de magma
lanças setas envenenadas dirigidas
ao coração das virgens e crianças

Sombra parda pálida acutilante
teu vulto de insônia transparente
bóia nas trevas flutuantes
da noite dos espiões pelas estradas
das feras que matam as ovelhas
e apunhalam pastores no caminho

Sombra feroz invernal medonha
destroços e cadáveres pútridos
sugando o seio das madonas
e acalentando monstros nas cavernas
pelas horas taciturnas do medo dos teus passos.
= = = = = = 

Haicai de 
GUILHERME DE ALMEIDA 
Campinas/SP, 1890-1969, São Paulo/SP+

Pescaria

Cochilo. Na linha
eu ponho a isca de um sonho.
Pesco uma estrelinha.
= = = = = = 

Soneto de
JERÓNIMO BAÍA
Coimbra/Portugal, 1620/30 – 1688, Neiva/Portugal)

Falando com Deus

Só vos conhece, amor, quem se conhece;
Só vos entende bem quem bem se entende;
Só quem se ofende a si, não vos ofende,
E só vos pode amar quem se aborrece.

Só quem se mortifica em vós floresce;
Só é senhor de si quem se vos rende;
Só sabe pretender quem vos pretende,
E só sobe por vós quem por vós desce.

Quem tudo por vós perde, tudo ganha,
Pois tudo quanto há, tudo em vós cabe.
Ditoso quem no vosso amor se inflama,

Pois faz troca tão alta e tão estranha.
Mas só vos pode amar o que vos sabe,
Só vos pode saber o que vos ama.
= = = = = = 

Trova de
RENATO ALVES
Rio de Janeiro/RJ

Quem não tem medo da morte,
quem nunca faz nada em vão,
quem, antes de tudo é um forte...
Este é o homem do sertão!
= = = = = = 

Poema de 
CECÍLIA MEIRELES
Rio de Janeiro/RJ, 1901 – 1964

Dia de chuva
 
As espumas desmanchadas
sobem-me pela janela,
correndo em jogos selvagens
de corça e estrela.
 
Pastam nuvens no ar cinzento:
bois aereos, calmos, tristes,
que lavram esquecimento.
 
Velhos telhados limosos
cobrem palavras, armários,
enfermidades, heroísmos...
 
quem passa é como um funâmbulo,
equilibrado na lama,
metendo os pés por abísmos...
 
Dia tão sem claridade!
só se conhece que existes
pelo pulso dos relógios...
 
Se um morto agora chegasse
àquela porta, e batesse,
com um guarda-chuva escorrendo,
e com limo pela face,
ali ficasse batendo
 
- ali ficasse batendo
àquela porta esquecida
sua mão de eternidade...
 
Tão frenético anda o mar
que não se ouviria o morto
bater à porta e chamar...
 
E o pobre ali ficaria
como debaixo da terra,
exposto à surdez do dia.
 
Pastam nuvens no ar cinzento.
Bois aéreos que trabalham
no arado do esquecimento.
= = = = = = 

Trova Humorística de
ZAÉ JÚNIOR
Botucatu/SP, 1929 – 2020, São Paulo/SP

Brancas, rubras, amarelas,
de rosas colho um balaio!
Mas te ofereço as mais belas,
as rosas rosas de maio!
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Hino de 
CARAUARI/ AM

Carauari, és brasileira
terra de minhas razões
que teus filhos altaneiros
sejam sempre soberanos
no progresso e na união.

O teu sacado sereno
caprichos do rio Juruá
criação da natureza
em momentos singular.

No verão, tuas vazantes,
que se mostram prazenteiras,
desafiam tuas barrancas
com promessas alvissareiras.

Carauari, rio Juruá,
terra boa para se cantar
a nossa voz no meio da floresta,
em nossa volta a natureza em festa.

Carauari, no Amazonas,
és beco de tradições,
para tantos que te amam,
nordestinos os teus filhos,
tem raízes no teu chão.

Batata vinda do céu,
teu nativo te chamou,
com sua sabedoria
o teu solo abençoou.
Carauari, és brasileira,
terra de minhas razões,
que teus filhos altaneiros
sejam sempre soberanos
no progresso e na união.

O teu sacado sereno,
caprichos do rio Juruá,
criação da natureza
em momentos singular.

No verão tuas vazantes,
que se mostram prazenteiras,
desafiam tuas barrancas
com promessas alvissareiras.

Carauari, rio Juruá,
terra boa para se cantar,
a nossa voz no meio da floresta,
em nossa volta a natureza em festa.

Carauari, no Amazonas,
és beco de tradições,
para tantos que te amam,
nordestinos os teus filhos,
tem raízes no teu chão.

Batata vinda do céu,
teu nativo te chamou,
com sua sabedoria
o teu solo abençoou.

Enquanto tuas terras firmes
envolvem na vastidão
vestígios de ouro negro,
o tesouro desta nação (2x)
= = = = = = 

Trova de
RAYMUNDO DE SALES BRASIL
Santo Amaro/BA

A cor dos teus olhos faz
o que só fazem os vinhos:
Me embriaga e é bem capaz
de embriagar os vizinhos.
= = = = = = 

Soneto de 
MARTINS FONTES
Santos/SP, 1884 – 1937

Ser Paulista

Ser paulista! é ser grande no passado
E inda maior nas glórias do presente!
É ser a imagem do Brasil sonhado,
E, ao mesmo tempo, do Brasil nascente.

Ser paulista! é morrer sacrificado
Por nossa terra e pela nossa gente!
É ter dó das fraquezas do soldado
Tendo horror à filáucia do tenente.

Ser paulista! é rezar pelo Evangelho
De Rui Barbosa - o sacrossanto velho
Civilista imortal de nossa fé.

Ser paulista em brasão e em pergaminho
É ser traído e pelejar sozinho,
É ser vencido, mas cair de pé!
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Trova Premiada de
RITA MARCIANO MOURÃO 
Ribeirão Preto/SP

Para ter felicidade,
ao buscá-la eu pressuponho,
que seja qual for a idade
felicidade é ter sonho.
= = = = = = 

Recordando Velhas Canções
O TROVADOR 
(marcha-rancho, 1965) 

Sonhei que eu era um dia um trovador
Dos velhos tempos que não voltam mais  
Cantava assim a toda hora
As mais lindas modinhas
De meu tempo de outrora

Sinhá mocinha de olhar fugaz
Se encantava com meus versos de rapaz 
Qual seresteiro ou menestrel do amor
A suspirar sob os balcões em flor
Na noite antiga do meu Rio 
Pelas ruas do Rio
Eu passava a cantar novas trovas 
Em provas de amor ao luar
E via então de um lampião de gás
Na janela a flor mais bela em tristes ais
= = = = = = = = = = = = =