sexta-feira, 15 de novembro de 2024

Newton Sampaio (Irmandade)

O moço de cinzento abriu os olhos. Espiou a folhinha.

No alto, bem negro, um nome.

— Dezembro.

Mais abaixo, em encarnado, um algarismo.

— 4.

Leu. E repetiu baixinho:

— Quatro...

Caminhou na diagonal do aposento. Deteve-se, frente à luxuosa secretária.

Dezembro... Quatro...

Espetou o dedo no ar.

— O que é isto?

(O espelho copiou o gesto, com absoluta fidelidade).

— O que é isto, moço do espelho?

O moço do espelho estava de cinzento também. E tinha o cabelo loiro, encaracolado, bonito.

Fitaram-se longamente.

— Então, nada?

Pôs a mão no bolso. Tirou-a, rápido. O outro repetiu, simultaneamente, ambos os gestos.

— Você é louco?

O do espelho mexeu os lábios.

— Você é louco?

Virou-se sobressaltado. Que voz seria aquela?

Reparou que a janela estava aberta. Por ela entrava o sol medonho do verão.

Contemplou a rua. Algum movimento. Na calçada fronteira, três crianças coradinhas, trêfegas, brincando de roda. Na casa vizinha, a velha de chinelos de couro despachava o vendedor de frutas com dois desaforos. Um gato indolente não quis saborear os desaforos. E foi esfregar o dorso na areia morna.

Alguém parou embaixo da janela. E a velha de chinelos, na porta da frente:

— Glorinha. Pode me dizer que horas são?

— Onze e pouco. Saí da missa neste instante.

— Já? Virgem Maria! Como atrasei o almoço!

Fez menção de se recolher. Arrependeu-se em tempo.

— Sabe? Espero hoje o primo Justino, aquele do norte.

— Ahn!

Arriscou ainda:

— Como vai o mano, Glorinha?

Glorinha levantou os olhos desalentados até a janela.

— Naquilo mesmo.

— Coitado!

A velhota entrou correndo, bradada pelo cheiro ruim de cereal estorricado.

As crianças pararam de rodar, suadas, coradinhas.

O gato ali de perto sentiu a quentura da areia da rua. E rosnou, contente.

A moça, ainda uma vez, subiu a escada, com bandeja tomada inteira por novo almoço. Norberto não percebeu logo a entrada da irmã. Continuou de cócoras, a remexer a comida derramada.

— Vamos almoçar?

Levantou-se, possesso. Num segundo, porém, teve a fisionomia mais serena deste mundo.

— Como não, Glorinha? Deixe-me ajudá-la.

— Sente-se aí. Assim, quietinho.

Serviu-o, com imensa brandura.

— Glorinha...

— Diga.

— Quem foi que sujou o assoalho, ali?

— Não sei. Desde ontem que o assoalho está manchado...

— Ontem? Não estava, não. Eu apalpei... É comida quente.

— Talvez.

E acrescentou, amável:

— A negrinha vem cá limpar, logo mais.

— A negrinha pode vir. O que eu não quero ver dentro do quarto é o Ciro...

— Descanse. O Ciro não virá nunca mais. O Ciro já morreu.

— Porque, se ele vier, rasgo-lhe o pescoço com esta faca. Deste jeito. Veja.

E ensaiou o ato no ar, com os olhos brilhando.

— Sim. Estou vendo.

Glorinha compôs melhor a cama. Cerrou um pouco a janela, por causa do sol.

— O dia hoje está bonito, não?

— Muito.

Tomou um dos pratinhos.

— Quer mais disto?

Norberto não respondeu. Não respondeu, mas perguntou:

— Vamos passear hoje?

— Mais tarde.

— Só nós dois?

— Só nós dois.

— E mais ninguém?

— Mais ninguém.

— E Ciro?

— Ora bobo! O Ciro está viajando.

— Viajando?! Você me disse que ele morreu...

— É a mesma coisa. Morrer. Viajar...

Disse e foi saindo. Desceu a escada, desoladíssima.

Na varanda ensombrada, dona Guiomar acariciava o filho Ciro.

Fonte: Newton Sampaio. Ficções. Secretaria de Estado da Cultura: Biblioteca Pública do Paraná, 2014. Disponível em Domínio Público.

Estante de Livros (3 Livros de Simone de Beauvoir)


As obras de Simone de Beauvoir são fundamentais para a filosofia existencialista e o feminismo moderno. Seu olhar crítico sobre a opressão das mulheres, a busca por identidade e a complexidade das relações humanas oferece uma rica contribuição ao entendimento da condição feminina. Beauvoir não apenas desafia as normas sociais, mas também inspira a busca pela liberdade e pela autenticidade.

1. O Segundo Sexo

"O Segundo Sexo" é uma obra seminal que examina a condição feminina ao longo da história e nas diversas esferas da vida social, cultural e psicológica. Dividido em duas partes, "Fatos e Mitos" e "A Experiência Vivida", o livro aborda como as mulheres foram historicamente definidas em relação aos homens, sendo frequentemente vistas como "o Outro". Beauvoir analisa a construção social do gênero, explorando temas como a biologia, a psicanálise, a literatura e a filosofia.

Ela argumenta que a opressão das mulheres é resultado de uma construção social que perpetua a ideia de que o homem é o sujeito e a mulher é objeto. Beauvoir não apenas critica essas construções, mas também propõe que as mulheres devem se libertar dessas limitações e assumir sua própria identidade. A famosa afirmação "Não se nasce mulher, torna-se mulher" encapsula sua ideia de que a feminilidade é uma construção social.

A obra é um marco do feminismo moderno e um dos textos fundacionais da teoria de gênero. A análise de Beauvoir é abrangente e interdisciplinar, combinando filosofia, sociologia e psicologia para tratar da opressão das mulheres. Seu estilo é ao mesmo tempo acessível e rigoroso, abordando questões complexas com clareza.

Beauvoir não apenas critica a opressão, mas também explora as possibilidades de emancipação. Ela enfatiza a importância da liberdade e da escolha, argumentando que as mulheres devem se autodeterminar em vez de aceitar papéis impostos pela sociedade. Sua obra continua a ser relevante, oferecendo uma perspectiva crítica sobre as desigualdades de gênero e inspirando movimentos feministas contemporâneos.

2. A Convidada

"A Convidada" é um romance que aborda as complexidades das relações amorosas e a dinâmica de poder entre homens e mulheres. A história gira em torno de Françoise, uma jovem mulher que se envolve com o casal Pierre e Xavière. Françoise se sente atraída por Pierre, mas logo se vê em um triângulo amoroso que desafia suas noções de amor, liberdade e possessividade.

Ao longo da narrativa, Françoise luta com suas próprias inseguranças e desejos, enquanto Pierre e Xavière tentam manter um equilíbrio em seu relacionamento aberto. O romance explora temas como ciúmes, liberdade sexual e a busca por identidade em um contexto de normas sociais restritivas.

"A Convidada" reflete as ideias de Beauvoir sobre a liberdade e a complexidade das relações humanas. A obra examina a tensão entre o desejo individual e as expectativas sociais, destacando a luta de Françoise para encontrar sua própria identidade em meio às pressões externas.

A narrativa é rica em simbolismo e revela as nuances das interações entre os personagens. Beauvoir utiliza seus personagens para discutir questões filosóficas sobre a liberdade e a autenticidade, desafiando as convenções do amor romântico. O romance é uma exploração profunda da condição humana, destacando as contradições do desejo e a necessidade de autoconhecimento.

3. Memórias de uma Moça Bem-Comportada

"Memórias de uma Moça Bem-Comportada" é uma autobiografia em que Beauvoir narra sua infância e juventude, refletindo sobre sua formação intelectual e suas experiências pessoais. A obra é marcada por suas observações sobre a sociedade e a educação da época, explorando como essas influências moldaram sua identidade.

Beauvoir descreve sua família, suas amizades, e suas primeiras descobertas sobre sexualidade e amor. A narrativa revela suas lutas internas e externas, destacando a pressão que sentia para se conformar aos padrões de gênero da sociedade. A obra é tanto uma crônica pessoal quanto uma análise crítica da educação e do papel da mulher na sociedade.

As « Memórias de uma moça bem-comportada » oferecem uma visão íntima de sua formação como pensadora e feminista. A obra é rica em reflexões sobre a liberdade, a escolha e a opressão, revelando como a experiência pessoal é entrelaçada com questões socioculturais mais amplas. A narrativa é marcada por uma honestidade brutal, à medida que Beauvoir questiona as normas que moldaram sua vida.

O estilo autobiográfico de Beauvoir permite uma conexão profunda com o leitor, ao mesmo tempo em que ilustra a luta de uma mulher para se afirmar em um mundo dominado por homens. Sua análise crítica das instituições educacionais e da sociedade é atemporal, e suas reflexões continuam a ressoar com as experiências de muitas mulheres contemporâneas.

Fonte: José Feldman (org.). Estante de livros. Maringá/PR: IA Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.

quinta-feira, 14 de novembro de 2024

Luiz Poeta (Nuvens de Sonhos) 01

 

A. A. de Assis (Relógio de bolso)

Um amigo meu confessou que um dos seus bons sonhos é um dia dispor de tranquilidade para usar um desses mimos no bolso do colete

Nunca me esqueço de uma crônica publicada há mais de meio século na revista “O Cruzeiro” pela célebre jornalista Rachel de Queiroz. Falava de um homem que passou a usar relógio de pulso porque não tinha tempo para ver as horas no relógio de bolso.

Já naquela época as pessoas começavam a tornar-se escravas dos ponteiros. Para dar uma olhada no Omega pataca de bolso você perderia alguns valiosos segundos. No fim do dia, esses segundos, somados, quantos bons minutos dariam? Já pensou?…

O relógio de pulso tem a vantagem de ser funcional. Você pode ver as horas sem interromper o que está fazendo. Por isso ele se adaptou tão bem ao ritmo do homem moderno, aposentando o elegante “colega” outrora carregado na algibeira com direito a correntinha.

Um desses sujeitos superorganizados decidiu medir o tempo que a gente perde durante o dia. Aqueles segundos gastos à espera de que o semáforo nos dê passagem: cada semáforo é um atraso de vida; cada tartaruga, cada quebra-molas… quantos segundinhos desperdiçados nesse stop-start do trânsito urbano…

A espera pelo sinal do telefone, a espera pelo elevador, a espera da vez de falar com o gerente no banco… Espera aqui, espera acolá, espera isso, espera aquilo…

No final da tarde, com o mapa da cronometragem rigorosamente montado, o sujeito chegou à calamitosa conclusão de que um homem de negócios perde, durante o espaço útil de um dia, nada menos que sessenta e cinco minutos e quarenta e dois segundos.

São cerca de quatrocentas horas por ano, gastas em esperas. Transforme essas quatrocentas horas em dinheiro e veja o tamanho do prejuízo… Mas quer saber de uma coisa? Se a gente pega a mania de medir o tempo perdido nisso ou naquilo, acaba enlouquecendo.

Todos estamos hoje esmagados pela necessidade de aproveitar cada minuto em alguma “coisa prática”. De manhã à noite é essa correria maluca. Daí todo mundo fica se queixando de estresse. Mas todo mundo continua na mesma pressa.

Por que? Por causa de uns dinheirinhos a mais? Será que os seus compromissos são assim de tal modo urgentes? Ou é você que não sabe mais parar?

Que saudade do relógio de bolso… Um amigo meu confessou que um dos seus bons sonhos é um dia dispor de tranquilidade para usar um desses mimos no bolso do colete. Quem sabe acerte na mega sena e possa dar-se o luxo de não mais se preocupar com as horas.

Disse que outro dia viu um numa vitrine, igual ao do seu avô. Falou ao dono da relojoaria: “Guarde esse bacanudo aí, que ele ainda vai ser meu…”

O homem olhou meio desconfiado e foi atender outro freguês. Ele também não podia perder de forma alguma o seu precioso tempo. Aliás, nem relógio de pulso usava mais. Via as horas no celular.

(Crônica publicada no Jornal do Povo)

Fonte: Texto enviado pelo autor 

Vereda da Poesia = 157 =


 Trova de
PAULO ROBERTO DA SILVA
Caicó/RN

Nem que a hora desta vida,
venha a nos inquietar...
pois ao seu lado querida
nem vejo a mesma passar!...
= = = = = =

Folclore Brasileiro em Versos de
JOSÉ FELDMAN
Campo Mourão/PR

A Cuca

Na noite enluarada um sussurro a soar,
a Cuca, a bruxa de olhos de fogo,
com seu manto escuro vem te atormentar,
dos sonhos das crianças é o eterno jogo.

Sonhos se desfazem sob seu olhar frio,
e o medo se espalha como sombra a dançar,
levando os inocentes ao mais profundo vazio,
na teia da noite, ela vem se enredar.

Mas sob a maldade há um lamento a ecoar,
histórias esquecidas de um amor a vagar,
que, mesmo em pesadelos busca a liberdade,

e assim, a Cuca tem sua dualidade,
guardando em seu ser um profundo pesar,
entre sonhos perdidos ela vai se ocultar.
= = = = = = 

Trova de
LUNA FERNANDES
Rio de Janeiro/RJ

As outras brincam de roda…
E a olhar a brincadeira
a menina se acomoda
sobre as rodas da cadeira…
= = = = = = 

Soneto de
JOÃO BATISTA XAVIER OLIVEIRA
Bauru/SP

Sutil olhar

A nova era agora tão veloz
atinge os ares lassos de metais;
a quântica figura não é mais
o mito que atordoa a todos nós.

Os olhos deslumbrados por fanais
que buscam horizontes, antes sós,
percebem muito além de nossa voz
as vibrações sutis de mil sinais.

Desperta criatura limitada!
Aguça a tua aura dos sentidos;
o mundo ao teu redor é quase nada!

A nova era agora tem ouvidos;
o espírito retarda evolução
se olhar de uma segunda dimensão!!
= = = = = = 

Trova de
CÍCERO ACAYABA
Cambuquira/MG (1925 – 2009)

– “Eu volto um dia” – juraste.
– “Não te espero” – me zanguei…
– “Mentiste: nunca voltaste…
Menti: eu sempre esperei…”
= = = = = = 

Poema de
YVES NAMUR
Namur/Bélgica

Figuras do muito obscuro (I)

Evita pois
Olhar no seio do visível

 E
Antes vê as coisas que não vês
E tudo isso que não ouves.

 Pois é aí,
Ao centro de “Nenhures”,
Que sempre o coração vai ter

 E
O passo do inesperado.

Porquê obstinarmo-nos a chamar ainda
Aquele que o não pode ser

E
Nunca há de poder regressar?

 Se não fosse para aumentar o vazio
E a nossa necessidade de ser na imensidão?
(Tradução: Fernando Eduardo Carita)
= = = = = = 

Trova Popular

Vou tirar o teu retrato,
no tampo da minha viola,
o dia que não te ver,
teu retrato me consola.
= = = = = = 

Poema de
JOSÉ FANHA
(José Manuel Kruss Fanha Vicente)
Lisboa/Portugal

Grito

De ti que inventaste
a paz
a ternura
e a paixão
o beijo
o beijo fundo intenso e louco
e deixaste lá para trás
a côncava do medo
à hora entre cão e lobo
à hora entre lobo e cão.
De ti que em cada ano
cada dia cada mês
não paraste de acender
uma e outra vez
a flor elétrica
do mais desvairado
coração.
De ti que fugiste à estepe
e obrigaste
à ordem dos caminhos
o pastor
a cabra e o boi
e do fundo do tempo
me chamaste teu irmão.
De ti que ergueste a casa
sobre estacas
e pariste
deuses e linguagens
guerras
e paisagens sem alento.
De ti que domaste
o cavalo e os neutrões 
e conquistaste
o lírico tropel
das águas e do vento.
De ti que traçaste
a régua e esquadro
uma abóboda inquieta
semeada de nuvens e tritões
santidades e tormentos.
De ti que levaste
a volúpia da ambição
a trepar ereta
contra as leis do firmamento.
De ti que deixaste um dia
que o teu corpo se cansasse
desta terra de amargura e alegria
e se espalhasse aos quatro cantos
diluído lentamente
no mais plácido
silente
e negro breu.
De ti
meu irmão
ainda ouço
o grito que deixaste
encerrado
em cada pétala do céu
cada pedra
cada flor.
O grito de revolta
que largaste à solta
e que ficou para sempre
em cada grão de areia
a ressoar
como um pálido rumor.
O grito que não cansa
de implorar
por amor
e mais amor
e mais amor.
= = = = = = 

Trova de
APARÍCIO FERNANDES
Acari/RN, 1934 – 1996, Rio de Janeiro/RJ

Ah! Se eu morresse, querida,
sentindo os carinhos teus,
teria, na morte, a vida
que em vida pedi a Deus!
= = = = = = 

Poema de
CZESLAW MILOSZ 
Seteniai/Lituânia, 1911 – 2004, Cracóvia/Polônia

Tão Pouco

Disse tão pouco
Dias curtos.

Dias Curtos,
Noites curtas.
Anos curtos.

Disse tão pouco,
Não tive tempo.

O meu coração cansou-se
Do êxtase,
Do desespero,
Do zelo,
Da esperança.
A boca do Leviatã
Engolia-me.

Deitava-me nu junto ao mar
Nas ilhas desertas.

Arrastava-me para o pélago
A baleia branca do mundo.

E agora não sei
O que foi verdade.      
(tradução: Elzbieta Milewska e Sérgio das Neves)
= = = = = = = = = 

Trova de
PROFESSOR GARCIA
Caicó/RN

A musa chega e me inspira,
num delírio encantador...
Afina as cordas da lira
e enche o meu mundo de amor!
= = = = = = 

Soneto de 
ANTÔNIO OLIVEIRA PENA
Volta Redonda/RJ

O caminho

Dize a palavra que te encerre o sonho,
aquela que resuma o teu desejo;
evita aquela de pesar medonho,
aquela de lamento malfazejo.

Dize a palavra que te encerre o sonho
com a mesma intensidade do teu beijo!
Evita o murmurar insano, e põe o
teu pensamento a trabalhar, que vejo

que aquilo que dizemos é que é ouvido,
ainda que o façamos em segredo...
— Não há palavra sem repercussão!...

Na estrada em que o homem vai, tão comovido,
seja de sua pátria, ou do degredo,
antes, por ela, andou seu coração!
= = = = = = 

Trova de
CONCHITA MOUTINHO DE ALMEIDA
Poços de Caldas/MG

A terra finge que dorme,
o sereno por seu turno,
com uma ternura enorme
se faz amante noturno.
= = = = = = 

Spina de 
SOLANGE COLOMBARA
São Paulo / SP

O Tempo 

Aprendi que sou
dilúvio ou talvez 
brisa, a calmaria

quente, em uma noite fria.
Entendi que a vida usufrui
tudo que o instinto irradia.
Sou um ângulo forte, uma
luz que grita, na fotografia.
= = = = = = 

Trova de 
MARILDA MENDONÇA PINHEIRO
São Gonçalo/RJ

Das veredas da fazenda
a primavera agradece
às flores caindo em renda,
bordando o chão que amanhece!
= = = = = = 

Soneto de 
AMILTON MACIEL MONTEIRO
São José dos Campos/SP

Ter razão

“Ninguém por ter razão já foi ao céu”!
Eu não duvido disso, pois de fato
Nada vale fazer louco escarcéu,
Se barulho não é prova do que é exato!

Quem teima pode ir é ao beleléu...
É um Infeliz com orgulho caricato,
Que o faz tão só ser dono de um troféu
De convencido, tolo e até insensato!

Impor nossa razão só por vaidade
E a qualquer preço, hora e até lugar
Talvez seja a maior boçalidade!

Importa é ter amor! Não, ter razão!
Vale a pena esta regra ponderar:
O amar faz muito bem ao coração!
= = = = = = 

Trova de
A. A. DE ASSIS
Maringá/PR

Como foi, como não foi, 
conte dois que eu conto um... 
Num belo inglês, diz o boi, 
olhando a Lua: moon... moooon...
= = = = = = 

Poema de
ULLA HAHN
Brachthausen/Alemanha

Pré- Escrita

 Esta Saudade
de te chamar pelo nome
Este receio
de te chamar pelo nome

 Esta saudade
de manter a palavra
Este receio
de apenas manter a palavra

 Esta saudade de uma vida
que não dê em poema
Este receio de um poema
que antecipe a vida.
= = = = = = 

Trova de
MILTON SEBASTIÃO SOUZA
Porto Alegre/RS, 1945 – 2018, Cachoeirinha/RS

Se um pai se entrega à bebida,
ao filho desencaminha.
O mau exemplo é na vida
pior do que erva daninha.
= = = = = = 

Soneto de 
HEGEL PONTES
Juiz de Fora/MG (1932 – 2012)

Devaneio

É noite de natal, estou sozinho
E escuto ela chegando passo a passo;
Entra no quarto e agora, de mansinho,
Afaga minha fonte e meu cansaço.

Ela fala das flores do caminho,
E ainda sem notar meu embaraço,
Fala de velhos sonhos, de carinho,
De um beijo antigo, de um antigo abraço.

E por falar comigo desse jeito,
Vai removendo amargas cicatrizes
E arrancando lembranças do meu peito.

Eu ouço e peço: “Cala-te saudade,
Não se deve dizer aos infelizes
Que algum dia existiu felicidade”.
= = = = = = 

Trova Humorística de
ZAÉ JÚNIOR
Botucatu/SP, 1929 – 2020, São Paulo/SP

Foi de horas mortas, furtivas,
este amor que agora cortas...
mas, em mim, como estão vivas
essas nossas horas mortas!
= = = = = = 

Hino de 
SÃO JOÃO DE MERITI/RJ

Desejando a lei conceber o progresso
De ver o Sol renascendo maior,
Fez ir ao berço da mãe gentil
São João transformado em cidade.
Do passado é memória na história presente
Para tecer um futuro melhor.
Continuamente, nosso dever
É guiá-lo crescendo e avante.

São João de Meriti é o nome da terra que louvamos!
O povo meritiense com áureos lauréis honramos!
Se tiver que partir eu irei onde a vida decidir!
Mas em meu coração levarei a bandeira de Meriti!

Sobre o chão dos "Tamoios" virou "Freguesias",
Nas sesmarias de "Iguaçu",
A produzir finas iguarias
Levadas nas águas do rio.
Tal labor construiu sobre tua presença
Templos à pura e exata razão
Enaltecendo a doce emoção
De quem ama, trabalha e pensa.

Que teu céu guarde o voo da sã liberdade
E que teu solo a permita correr.
Fartas virtudes possam chover
Sobre nossa querida cidade,
Pois ao imaginar não haver mais saída,
Quando a luz do final se apagar,
Quero chorar do amor que te sinto
Ao ver teu brasão acendendo.
= = = = = = 

Quadra Humorística de
IDEL BECKER
Porto Casares/ Argentina, 1910 – 1994, São Paulo/SP

Tenho tosse no cabelo,
dor de dentes no cachaço,
sinto canseira nas unhas,
não vejo nada de um braço.
= = = = = = 

Soneto de
VICENTE DE CARVALHO
Santos/SP, 1866 – 1924

Corrida de amor

Quando partiste, em pranto, descorada
A face, o lábio trêmulo... confesso:
Arrebatou-me um verdadeiro acesso
De raivosa paixão desatinada.

Ia-se nos teus olhos, minha amada,
A luz dos meus; e então, como um possesso,
Quis arrojar-me atrás do trem expresso
E seguir-te correndo pela estrada...

"Nem há dificuldade que não vença
Tão forte amor!" pensei. Ah! como pensa
Errado o vão querer das almas ternas!

Com denodo, atirei-me sobre a linha...
Mas, ao fim de uns três passos, vi que tinha
Para tão grande amor, bem curtas pernas...
= = = = = =

Trova Premiada de
RITA MARCIANO MOURÃO 
Ribeirão Preto/SP

Se o homem abaixasse a fronte
com fé, respeito, humildade,
seria a Terra uma ponte
entre Deus e a humanidade.
= = = = = = 

Recordando Velhas Canções
ACALANTO 

Elomar Figueira Melo 
(Vitória da Conquista/BA)

Certa vez ouvi contar
 Que muito longe daqui
 Bem pra lá do São Francisco, ainda pra lá...
 Em um castelo encantado,
 Morava um triste rei
 E uma linda princesinha,
 Sempre a sonhar...

Ela sempre demorava
 Na janela do castelo
 Todo dia à tardezinha, a sonhar...
 Bem pra lá do seu castelo,
 Muito além, ainda mais belo,
 Havia outro reinado,
 De um outro rei.

Certo dia a princesinha,
 Que vivia a sonhar
 Saiu andando sozinha,
 Ao luar...

E o castelo encantado
 Foi ficando inda pra lá
 Caminhando e caminhando,
 Sem encontrar.

Contam que essa princesinha
 Não parou de caminhar,
 E o rei endoideceu,
 E na janela do castelo morreu,
 Vendo coisas ao luar.
= = = = = = = = = = = = =