sábado, 14 de agosto de 2021

A Árvore em Versos – 4 –


Júlia Lopes de Almeida

(Rio de Janeiro/RJ, 1862 – 1934)
Afonso Lopes de Almeida
(Rio de Janeiro/RJ, 1889 – 1953)


PLANTAÇÃO

Plantar árvores é santa,
Fecunda, e nobre missão.
Pois quem uma árvore planta
Pratica uma boa ação.

Ó plantas, boas amigas
Que aos homens dais vosso amor
No pão – que está nas espigas,
No fruto – que está na flor!

Dais sombra para o repouso;
Abrigo e cibo nos dais;
Que são para o nosso gozo
Landeiras e mangueirais.

Seja pois dia de festa
O dia em que vais plantar
O início de uma floresta,
O começo de um pomar!
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Luís Delfino
(Florianópolis/SC, 1834 – 1910, Rio de Janeiro/RJ)

PRECE DAS ÁRVORES


– Senhor, Deus, Eloim, sede clemente:
Mostrai-lhes sempre aos dois os bons caminhos,
Que não pisem aos pés urzes e espinhos,
Que tenham água em límpida corrente.

Que seja o céu azul, o sol fulgente;
Lhes preste a natureza os seus carinhos:
Deem-lhes os troncos folhas, sombra e ninhos,
Seja-lhes sempre aroma e luz o ambiente.

As árvores cantavam, misturando
O orvalho, pranto em gotas, brando e brando:
E as cítaras brandindo iam também

Anjos, com tristes salmos, repetindo:
– Perdão, piedade, amor a par tão lindo.
E o Éden todo, a chorar, dizia: – Amém. –
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Manuel Gusmão
(Évora/Portugal, 1945)

UMA ÁRVORE É UM ANJO


um anjo lenhoso, altamente inflamável,
de alto a baixo prometido
a um incêndio que a si mesmo se combatesse.

uma árvore é um anjo na terra,
um anjo que está sempre a enraizar-se
e a erguer-se a poder de braços.

Uma árvore conhece pouco
das nossas maneiras de lutar
e morrer; por isso:

uma árvore é e não é um anjo.
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Nicolas Behr
(Cuiabá/MT, 1958)


DESPEDAÇADO

despedaçado,
o espírito da floresta
sobrevive nas tábuas

é na escola de tábuas
que se aprende
a ler árvores

casa de madeira
mesa de madeira
cadeira de madeira
lápis de madeira
caderno de madeira
professor cara-de-pau

a árvore abre o livro
e se reconhece
nas próprias nervuras

alfabetizada, a árvore
sobrevive a si mesma
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Ruy Belo
(Portugal, 1933 – 1978)

ÁRVORE RUMOROSA


Árvore rumorosa pedestal da sombra,
sinal de intimidade decrescente
que a primavera veste pontualmente
e os olhos do poema de repente deslumbra.

Receptáculo anônimo do espanto,
capaz de encher aquele que direito à morte passa
e no ar da manhã inconsequente traça
o rastro desprendido do seu canto.

Não há inverno rigoroso que te impeça
de rematar esse trabalho que começa
na primeira folha que nos braços te desponta.

Explodiste de vida e és serenidade
e imprimes no coração mais fundo da cidade
a marca do princípio a que tudo remonta.

Fonte:
Sammis Reachers (org.). Árvore: uma antologia poética.
São Gonçalo/RJ, 2018. E-book.

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