Soneto de
EDY SOARES
Vila Velha/ES
FILHOS DA GUERRA
É noite e aquelas pobres mãos, vazias,
que esmolaram em busca de migalhas
seguram contra o peito, em meio às tralhas,
faminta e escaveirada, uma das crias...
Enquanto o mundo, envolto em tantas falhas,
serve banquete e brinda às regalias
há tantas mães chorando as noites frias
e as procissões cruentas das cangalhas.
Quem há de retirar a cruz dos ombros
daqueles que palmilham sobre escombros,
dos miseráveis de um país em guerra?...
Quem há de controlar mentes insanas
e ideologias torpes soberanas
que há tanto tempo fazem mal a Terra?...
= = = = = = = = =
Poema de
ANTERO JERÓNIMO
Lisboa/ Portugal
Escrevo-me
nesta vontade de existir para além de mim
de acrescentar rascunhos ao discorrer dos dias
um começo sem um fim em si
devorando instantes na turbulência do caos
Sentado no sofá da minha inquietação
saboreio tragos do vinho iluminado
aguçando o paladar dos sentidos
ébrios momentos de vacilante deambular
Pairo numa nuvem letárgica
o tic-tac dos segundos comprime-me a pele
belisca-me o sentido das coisas
neste pensar desligado de tudo
Escrevo-me
para justificar a minha existência
burilando constantemente o frio gume
do poema da minha irrealidade.
= = = = = = = = =
Poema de
DOMINGOS FREIRE CARDOSO
Ilhavo/ Portugal
DORMIRÁ NAS BERMAS DAS ESTRADAS
(Manuel Lima Monteiro Andrade in "Mãos abertas" p. 42)
Dormirá pelas bermas das estradas
O sonho a que ninguém abrir o peito
Definhando ao pó sujo e tão desfeito
Onde passam pessoas apressadas.
Bastavam três palavras conversadas
Num olhar de amizade e de respeito
Pão e sopa na mesa e morno leito
Para o salvar de tão frias facadas.
Um sonho é uma riqueza sem dinheiro
Um impulso tão forte e tão inteiro
Que a vida se converte em "quero e posso!"
Num mundo tão ingrato e tão padrasto
Por vezes, quando tudo já foi gasto
O sonho é o sumo bem que ainda é nosso.
= = = = = = = = =
Poema de
ANDRÉ GRANJA CARNEIRO
Atibaia/SP, 1922 – 2014 , Curitiba/PR
ARQUEOLOGIA
0 agora é estrela cadente
na subterrânea memória.
Com pincéis delicados
limpo restos à procura da história.
Homem de Piltdown, quero avós primatas.
Arqueólogo amador,
em elos antigos
acrescento asas.
No retrato falta
a ruga deste instante,
o verso vive atrás
sua melhor face.
0 imediato relâmpago submerge em cinzas cinzentas.
A mão com a caneta reinventa no branco do caderno.
Faíscas atrás da testa são
fósseis do amanhã,
neurônios incendeiam
as melhores sinapses
e o poema desaparece
nas placas tectônicas
das bibliotecas.
= = = = = =
Poema de
FILEMON MARTINS
São Paulo/ SP
O ANDARILHO
“Não me fale de amor”, alguém me disse,
“o amor morreu, já não existe mais”.
E eu retruquei que aquilo era tolice,
– será pecado alguém amar demais?
Ficou parado ali, talvez me ouvisse
que o amor perdoa e espera, sem jamais
querer em troca o favo da meiguice
que perpetua a vida entre os casais.
O tempo foi passando e pela rua
eu vi aquele vulto olhando a lua
perambulando como um peregrino.
E percebi, então, que aquele rosto
marcado pela dor, pelo desgosto,
nunca teve um Amor em seu destino!
= = = = = = = = =
Soneto de
GISLAINE CANALES
Herval/RS, 1938 – 2018, Porto Alegre/RS
ENTARDECER
A paz do entardecer... Fascinação...
Com mil beijos de cor sobre o universo!
Eu sinto, bem no fundo, o coração
querer cantar essa beleza em verso.
Fazendo, dessa paz, sublimação,
inunda-se no belo, submerso,
vivendo, assim, total transmutação,
esquecendo que o mundo é tão perverso.
Vai sonhando mil sonhos coloridos,
cantando mil canções, só de alegria,
e esquece a solidão dos tempos idos.
Realizando assim sua utopia,
de posse, então, de sétimos sentidos,
contempla o pôr-do-sol em poesia!
= = = = = = = = =
Soneto de
MIGUEL RUSSOWSKY
Santa Maria/RS (1923 – 2009) Joaçaba/SC
ARREPENDIMENTO
Um por um, os meus sonhos, nesta vida,
Despi no andar do tempo modorrento
Qual árvore esfolhada pelo vento
Numa tarde outonal, entristecida.
Quebrei-me um pouco, assim, a cada ida
À procura não sei de qual intento.
Deixei amor, amigos e, ao relento,
Destroços de minha alma enrijecida.
E hoje, velho, ao voltar da caminhada,
Tropeço em meus pedaços pela estrada
Com saudosa visão aqui e ali.
Não mais me iludo, e essa descrença atesta
Que passarei o tempo que me resta
Recolhendo os pedaços que perdi.
= = = = = = = = =
Soneto de
ALMA WELT
Novo Hamburgo/RS (1972 – 2007)
O INTERDITO
Este senso de beleza que ganhamos
De Deus, em nossa própria natureza,
É o melhor de nós, que desfrutamos
Do paraíso, não perdido, com certeza,
Se jaz em nossa alma assimilado
E posso recompô-lo a cada passo
Quando estou a vagar pelo meu prado,
Diária romaria que ainda faço...
E vejo que está completa a vida,
Não perdemos nada, isso me intriga,
A expulsão nos foi só advertida
Como falsa reprimenda, só um pito
Diante do mistério do interdito
Contra o qual Deus mesmo nos instiga...
= = = = = = = = =
Quadra Popular de
AUTOR ANÔNIMO
Não opino, nem me meto,
em brigas de namorados;
vocês hoje estão brigando
e amanhã estão abraçados.
= = = = = = = = =
Poema de
DANIEL MAURÍCIO
Curitiba/PR
Fui ali
Emprestar um pouco
De pó das estrelas
Pra que
Com meu abraço,
Teus olhos
Voltem
A
Brilhar.
= = = = = = = = =
Nenhum comentário:
Postar um comentário