Silmar Bohrer nasceu em Canela/RS em 1950, com sete anos foi para em Porto União-SC, com vinte anos, fixou-se em Caçador/SC. Aposentado da Caixa Econômica Federal há quinze anos, segue a missão do seu escrever, incentivando a leitura e a escrita em escolas, como também palestras em locais com envolvimento cultural. Criou o MAC - Movimento de Ação Cultural no oeste catarinense, movimentando autores de várias cidades como palestrantes e outras atividades culturais. Fundou a ACLA-Academia Caçadorense de Letras e Artes. Membro da Confraria dos Escritores de Joinville e Confraria Brasileira de Letras. Editou os livros: Vitrais Interiores (1999); Gamela de Versos (2004); Lampejos (2004); Mais Lampejos (2011); Sonetos (2006) e Trovas (2007).
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quinta-feira, 9 de janeiro de 2025
José Feldman (O coração sonhador)
Texto construído tendo por base trova de Therezinha Dieguez Brisolla (São Paulo/SP)
Envergonhado e sem jeito,
meu coração sonhador
conserta o ninho desfeito
enquanto espera outro amor!
Em uma pequena cidade à beira do mar, onde as ondas sussurravam segredos e o sol se despedia em cores vibrantes, vivia um jovem chamado Rafael. Ele era conhecido por seu espírito sonhador e sua sensibilidade à flor da pele. Com seus cabelos bagunçados e um olhar que carregava a luz do horizonte, Rafael caminhava pelas ruas da cidade com um caderno sempre à mão, onde anotava pensamentos, poesias e fragmentos de suas esperanças.
Ele acreditava no amor como algo mágico, um laço que transcende a lógica e as barreiras do cotidiano. Desde pequeno, ele sonhara em encontrar sua alma gêmea, aquela pessoa que faria seu coração bater mais forte e transformaria sua vida em uma aventura. Porém, a realidade o havia ensinado que os amores nem sempre são eternos. Recentemente, ele havia passado por um término doloroso com Lúcia, uma jovem que iluminou sua vida como poucos. A separação foi abrupta, deixando um ninho desfeito em seu coração, repleto de memórias e promessas não cumpridas.
Sentado em seu quarto, cercado por livros e poemas, Rafael sentia-se envergonhado e sem jeito. A dor da perda ainda pulsava em seu peito, mas, ao mesmo tempo, havia uma chama de esperança que se recusava a se apagar. Ele sabia que precisava consertar o ninho que havia se desfeito, não apenas para curar suas feridas, mas também para se abrir a novas possibilidades. O amor poderia ser um ciclo, e ele estava determinado a não deixar que o medo do fracasso o impedisse de voar novamente.
Os dias passaram, e ele começou a se dedicar a si mesmo, a recuperar o que havia se perdido na relação anterior. Ele se permitiu sentir a dor, mas também se permitiu sonhar. Começou a frequentar uma nova cafeteria na cidade, um lugar aconchegante e repleto de pessoas criativas. Ali, entre risos e conversas, ele começou a se abrir para o mundo. O cheiro do café fresco e o som das xícaras se chocando criavam um ambiente acolhedor, onde ele podia se perder em pensamentos e anotações.
Em uma dessas manhãs ensolaradas, enquanto rabiscava algumas linhas de poesia, uma jovem entrou na cafeteria. Seu nome era Ana, e sua presença iluminou o ambiente. Ela tinha um sorriso contagiante e um olhar curioso, que imediatamente capturou a atenção de Rafael. Eles começaram a conversar, e, a cada trocadilho e risada, ele sentia seu coração despertar lentamente. Era como se ele estivesse consertando seu ninho desfeito, colocando de volta cada pedaço que havia se espalhado com a dor da separação.
Ana e Rafael começaram a se encontrar regularmente, trocando histórias sobre suas vidas, sonhos e desejos. A conexão entre eles cresceu de maneira orgânica, como uma planta que se adapta ao ambiente. Rafael se sentia mais vivo e mais inspirado do que nunca. Ele redescobriu a alegria de escrever, agora fluindo com versos que falavam sobre recomeços e a beleza de se abrir novamente para o amor.
No entanto, mesmo com a felicidade renascente, Rafael não conseguia esquecer completamente Lúcia. A saudade ainda o acompanhava em momentos de solidão, e ele se perguntava se estava sendo justo com Ana ao permitir que essa sombra ainda existisse em seu coração. Era um dilema que o deixava angustiado: como poderia amar plenamente outra pessoa se ainda havia espaços ocupados por memórias passadas?
Uma noite, enquanto caminhava pela praia com Ana, Rafael decidiu que era hora de ser honesto. Com o som das ondas como pano de fundo, ele compartilhou suas inseguranças. “Ana, eu estou tão feliz por estar aqui com você, mas preciso te contar que ainda sinto a falta de minha ex. É um sentimento que não sei como lidar, e temo que isso possa afetar o que estamos construindo juntos.”
A brisa do mar trouxe um silêncio momentâneo, e Rafael sentiu seu coração apertar.
Ana olhou para ele com compreensão: “Rafael, é normal carregar algumas bagagens, mas o que importa é o que decidimos fazer com elas. O amor não é uma competição; é um espaço onde podemos crescer juntos. Se você está disposto a abrir seu coração para mim, estarei aqui, ao seu lado.”
Suas palavras foram como um bálsamo para as feridas de Rafael. Ele percebeu que, embora as sombras do passado ainda estivessem presentes, a luz do novo amor poderia iluminá-las.
Com o passar do tempo, Rafael aprendeu a equilibrar seus sentimentos. Ele não precisava apagar Lúcia de sua memória, mas poderia permitir que Ana ocupasse um lugar especial em seu coração. A cada encontro, a cada conversa, seu ninho se tornava mais forte, mais acolhedor. Rafael dedicou-se a construir uma nova história, onde o amor não era uma substituição, mas uma continuidade.
O que começou como uma angústia se transformou em um aprendizado profundo sobre amor, perda e renovação. Rafael percebeu que a vida é feita de ciclos, e cada amor traz suas lições. Ele aprendeu a olhar para suas experiências não como fardos, mas como parte da bela tapeçaria que compõe sua existência.
E assim, enquanto o sol se desvanecia no ocaso em mais um dia, ele sentiu seu coração sonhador pulsar com uma nova esperança. Sabia que estava em um caminho de cura, e que, enquanto consertava seu ninho desfeito, estava também se preparando para voar mais alto. Afinal, o amor verdadeiro não se apaga; ele se transforma, se adapta e, na maioria das vezes, nos ensina a amar de uma maneira ainda mais profunda.
Fontes:
José Feldman. Labirintos da vida. Maringá/PR: Plat.Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
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Geraldo Pereira (O Recife de Agora)
O Recife, como as metrópoles do mundo, vem experimentando nos últimos 50 anos o que tenho chamado de metamorfose do tudo, isto é, mudanças e transformações que ultrapassam o simplesmente físico e o apenas urbano, para ter também uma natureza sociológica ou antropológica.
A paisagem da cidade contemporânea é diferente, inteiramente diferente daquela de meio século atrás, desde as periferias, nas quais proliferam favelas e palafitas ocupadas por migrantes e seus descendentes, tantas vezes desempregados e deseducados. Na selva de pedra e cal aglomeram-se os prédios de apartamentos, apertando as famílias em quatro paredes. O ser humano mudou também e hoje as relações de amizade ou de vizinhança não reconhecem mais a proximidade dos anos que ficaram encantados nas brumas do tempo. E quando há aproximação, nota-se o exagero e a ausência de limites. Prova disso está nos namoros e nos filhos de mães adolescentes.
Desapareceram as antigas moradias, tangidas pelos enormes edifícios, arranha-céus do presente. Com isso, levaram as cadeiras da calçada, postas em fins de tarde pelos netos, para que sentassem as avós e fiassem conversa com os parentes e os vizinhos. O mascate, que passava vendendo a matéria prima da costura, do crochê e do bordado, muito do agrado das senhoras idosas, afastou-se do cotidiano, do mesmo jeito e agora tudo está disponível nos shoppings e nas lojas que proliferam em galerias dos bairros finos, ao lado da verticalidade das residências. O vendedor de amendoim, torrado e cozinhado, mestre-cuca da deliciosa farinha do grão, encostou os balaios, deixou de gritar chamando a garotada para degustar aquela preciosidade artesanal. Foi substituído pelos meninos que nos bares da vida ofertam o produto sem gosto, faltando o tempero do bem-querer.
Nos bancos assusta, às vezes, a quantidade de máquinas que fazem o serviço do estabelecimento. Assim, é possível sacar, depositar e cumprir os compromissos do mês. Há uma luz que sabe ler, dispensando as antigas filas, de voltas e voltas no salão, as quais nem sempre fluíam com a desejada rapidez. Estão dispensadas as cenas que vi na infância, dos grandes livros sendo abertos no balcão, para o funcionário identificar o nome do correntista e fornecer o saldo do dia.
E foram demitidos os empregados considerados excedentes, com a estreia do computador e a automação das operações, dessa forma com outras empresas, na indústria e no comércio. De tal maneira que no tempo do hoje, quem não tem uma especialização, uma profissão, está fadado à perda, ao desemprego ou ao subemprego.
E o comércio do centro, tão movimentado no pretérito, com lojas e mais lojas à disposição da clientela: a Sloper, a Viana Leal, as Lojas Seta para homens, a Personal e muitas outras? Era na Viana Leal que íamos escolher os presentes de aniversário ou do Natal, adquiridos com todo o sacrifício por meu pai. Ali, também, visitávamos o Papai Noel e nos embalávamos nas fantasias do velhinho, absolutamente crentes em sua passagem na noite do nascimento de Jesus. Sumiram, da mesma forma, as vendas que abasteciam os bairros de classe média e vendiam fiado, usando uma caderneta, na qual se anotavam as despesas a serem cobradas no final do mês. Era um ponto de encontro dos passantes, onde se podia provar o bacalhau e o fígo de alemão, comidas não recomendáveis aos remediados da sorte. Os supermercados ganharam a concorrência!
Frequentava-se o cinema São Luiz ou o Moderno, o Trianon ou o Art Palácio, de seletos espectadores. Esperava-se a namorada à porta e assistia-se o filme do dia. La Violetera fez sucesso e era repetidamente visto pela rapaziada, uma outra película, cujo nome não me ocorre, na qual a trilha sonora incluía a música Relógio - “Por que não paras relógio/Não me faças padecer/...” -, abalou os corações da moçada.
Depois das duas horas sentado, o sorvete no Gemba era indispensável e muitos amores nasceram assim, diante de um casquinho do gelado de ameixa ou de graviola. Agora, os cinemas estão embutidos no corre-corre dos shoppings, para que todos se protejam da violência.
Eis o Recife de agora ou eis aqui a metamorfose do tudo!
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Geraldo José Marques Pereira nasceu em Recife/PE, em 1945 e faleceu na mesma cidade em 2015, formou-se em Medicina na UFPE em 1986. Fez o mestrado no Departamento de Medicina Tropical da instituição, do qual se tornou coordenador posteriormente. Foi diretor do Centro de Ciências da Saúde e fundou o Núcleo de Saúde Pública e Desenvolvimento Social (Nusp) da universidade. Vice-reitor da instituição de 1996 a 2004 e, quando o reitor precisou se afastar entre março e novembro de 2003, foi reitor em exercício. Fora da universidade, integrou a Comissão Estadual de Saúde, a Comissão Científica de Combate à Dengue do Governo do Estado e a Comissão de Cólera da UFPE e da Cidade do Recife, além de participar do Conselho Científico do Espaço Ciência da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente de Pernambuco. Por conta dos inúmeros artigos científicos publicados, ainda foi membro da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores e do Conselho Estadual de Cultura e presidente da Academia Pernambucana de Medicina. Escrevia crônicas e, em março de 2011, assumiu a cadeira de número 16 da Academia Pernambucana de Letras, que já havia sido ocupada pelo seu pai, o escritor Nilo Pereira.
Fontes:
Geraldo Pereira. A medida das saudades. Recife/PE, 2006. Disponível no Portal de Domínio Público
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Sammis Reachers (A visitante)
A noite chegara lá fora.
– O que a senhora quer, afinal?, perguntei.
– Sair da rotina. Nada. Obrigado pelo café.
Foi à estante, olhou com desdém a profusão de livros. Uma parte insuspeita a atraiu: um trecho da estante onde eu guardava memorabilia, pequenos brinquedos, álbuns de figurinha. Tocou os brinquedos, sorriu ao manusear um boneco do Hulk. Puxou alguns álbuns. Apanhou o mais antigo, um álbum de cromos sobre dinossauros, da década de 60 do último século a morrer.
– O homem que pintou esses animais era um ser infeliz. Japonês de nome Agura Sayta, depois John Sayta, radicado em Cincinnati, nos EUA. Como você, praticava colecionismo: possuía escaravelhos. Escaravelhos embalsamados. Seu amor era a taxidermia, o reino de aço dos ínfimos e fortes insetos, mas ganhou a vida pintando dinossauros. Morreu de uma pneumonia. ...Segunda feira começa o verão em seu hemisfério... – ela concluiu, mudando completamente de assunto.
Já havia percebido esse padrão, esse alheamento. Se fosse cabível, diria que ela está esclerosada. Mas algo em mim insiste (intui) que ela sempre foi assim. O alheamento é parte de seu ofício.
– Quando você nasceu? – rompi a casquinha do nonsense com minha primeira pergunta de verdade.
Ela nada respondeu: olhava pela janela, contemplando talvez as roseiras podadas do jardim.
– Você consegue estar em muitos lugares ao mesmo tempo. Como faz isso? Há muitas de você?
– Nascer não é a palavra. Nascer nem se aproxima da essência do conceito. Sou para o Universo como estas três paredes deste quarto de quatro. Sem elas não há quarto, não há morada: sou a coesão, a corrente de prata, o elo que liga o início deste Universo a seu fim, e seu fim será o meu. Mato para que um dia eu morra, enfim.
Puxou uma biografia de Einstein da estante. Fez menção de abrir o livro, declinou.
– A entropia que causa o caimento energético da matéria, entropia que a tudo corrói e mata e eu somos uma: o mesmo princípio, o mesmo... material criando formas diversas.
Era a minha vez de saltar de assuntos, pisar num detalhe que me perturbara desde que lhe abri a porta:
– Senhora, seus olhos são assustadoramente... impossivelmente melancólicos. Congelados num perpétuo estado de pré-lágrima. Eu os suporia duros, se tal imaginação tivesse tido seu tempo. É um detalhe ínfimo, mas que se mereceria espantoso. E o pior não é esse espanto, mas sua quase ausência... Pois é como se eu já tivesse visto esta cena e seus olhos. Você já esteve aqui? Em algum momento de que não me recordo?
– Se o Tempo é circular? Se você se sente girar, sim. Esse boneco sem braços... sim, lembrança de sua infância. O Tempo é uma explosão secundária ou de fundo, uma força-de-seguir-energias que, a partir do momento inicial, expandiu-se em todas as direções... mas não como o espaço, que vai sempre adiante, ou seguindo a placidez das linhas... o Tempo é inconcebível em linhas, elas avançam, entrechocam-se, ricocheteiam... Tempo, encantação domesticada, é a reificação mais mágica do Lumen, do Criador. Confuso? Ele não é para as palavras, como tanta coisa.
– Gostei daquilo que você escreveu – ela diz, noutro salto ou tombo demencial. E recita: “Vejo as pequenas mangas crescendo nos pés, a partir de setembro. Em dezembro estarão nas mesas e mãos. Um dia morrerei e as mangas, indiferentes, continuarão nascendo, crescendo açucaradas, sendo arrancadas ou caindo ao chão, diante de homens que não saberão de mim, seivas engordando uma outra manga, mesmerizados e indiferentes. Há um toque, um toque magistral de horror em todo esse processo de vida e morte.”
– Quer jogar xadrez?
– Para quê? Rainha-negra-mata-peões-mata-cavalos-mata-bispo-mata-torre-mata-rei-e-rainha-brancos. Partidários da rainha negra morrem. Rainha negra morre. Morte sempre vence.
– Ha-ha-ha... Perdão, senhora. Não quis dizer que poderia vencê-la, não imaginei o jogo sob esse prisma. Mas agora que a senhora referiu a isso... se fosse possível, como vencê-la?
– Sabe, certa feita um rei travestiu-se de peão e me venceu em meu próprio jogo. Mas tinha que ser, e o rei vestido em burla criara mesmo o tabuleiro-de-tudo em sua marcenaria. Era o mesmo que me criou, aos pés daquele Jardim onde teu pai foi criado e depois proscrito.
Mas vamos finalmente ao motivo deste dia. Você tem questionado e entristecido, mergulhado em café e aborrecimentos. Acredita, e com razão, na construção de sentido para a sua vida. Mas tem desesperado; já não pode mais construir, já atingiu a estação dos trens exaustos e ninguém lhe espera na estação.
Eu tenho uma oferta para você.
– Vai me levar? Só podia ser isso, afinal. E precisa desonrar-se ao propor a um peão o inescapável, o inacordável?
– No oceano, este oceano absurdo, cujo sentido verdadeiro, ou final se preferir, só pertence ao Um, você e, sei que inesperadamente eu também, sabemos que o maior tesouro é possuir sentido. É quase paradoxal, mas não temos escolha. Eu lhe ofereço o sentido sob minha jurisdição. Uma migalha bem maior que a sua.
“Tudo de que uma criatura, qualquer criatura, precisa: um mapa e uma missão. O bernardo-eremita possui seus instintos, seu mapa, e sua missão é cumprir o ciclo; um demônio possui seu mapa de ódio, e uma agenda que se renova a cada homem que nasce, e como nascem homens!
“Mas você, homenzinho amorável, desespera e pisoteia, em subidas e descidas, os andares do sobrado de sua própria angústia.”
– E que tipo de sentido a senhora me oferece?
– O único que possuo, e como seria diferente? O meu.
– Não entendo.
– Mapa e missão, mapa e missão. É tudo de que toda criatura precisa. E sou feitura como você. Te darei minha missão e meu mapa. Não tema; não passará uma vida eterna sob meu manto; como missão, ela terá conclusão, e como mapa, há destino a alcançar.
– Calma, madame, calma aí. Quer que eu seja um... um tipo de seu ajudante?!? Um arauto, talvez?
– Quero que você seja eu.
Aturdido pelo insólito de tal diálogo, sentei-me no sofá. Afundei o rosto entre as mãos; chegara ao limite, tardiamente não conseguia conciliar os pensamentos. Escorri para o chão. Deitei-me, olhando fixo para o teto escurecido. Que tipo de pesadelo estava sendo aquele dia?
– E se eu aceitar sua oferta, que será de você?
– Abreviarei minha missão interior; acrescentarei ou expandirei sentido ao burlar o mapa; tomarei um atalho, e atalhos são raridades na metanarrativa universal.
– E, suponho, estarei para sempre prisioneiro de tua sina?
– Não, não para sempre, já lhe disse; meu mapa é delimitado em exatidões. Virá o dia, o Dia magnífico, em que o Equalizador terminará com a sua fome.
O sentimento de pesadelo ainda me dominava; a situação inteira não era crível, mas ao mesmo tempo a sensação de que jamais homem algum poderia ter sonho tão complexo e tão real como aquele era avassaladora. Eis o fantástico arrombando a portinhola de meu curral de tédio, eis a espada mística de Arthur ou Siegfried caindo do céu e enterrando-se no peito pálido de meu desconcerto. Que importa se sonho ou realidade?
– Aceito sua proposta.
– Oh. Finalmente. – disse, sentando-se. – Aquele que ulula entre terribilidade e misericórdia apiedou-se de mim. Pois há alguns séculos passei a clamar não no vazio, mas pelo nome de Seu Filho, o intermediário.
– ??? Oh. Fala de Deus?
– Toda fala, fala de Deus, e não há escape, ó sucessor.
Ela se levantou e aproximou-se do local em que me deitara. Levantei-me, leso de quaisquer sentimentos. Ao abrir seu manto, pude divisar, mesmo na penumbra, o interior de seu sinistro corpo, ou fosse o que fosse. Era um entretecido de feixes, como raízes escurecidas, mas que me aparentaram sinalizar um belo mosaico, uma apetecível estrutura. Enfiou sua mão direita no próprio peito de urdiduras, que se abriram ao toque. De dentro de si retirou uma pedra. Ou joia. Tinha o tamanho de um punho fechado, talvez de um coração. Era translúcida; em seu interior, feixes de luz negra pulsavam em diversas direções.
– Este é o roteiro de missões. Aqui você verá cada alma a tocar, e quando fazê-lo.
– Como você pode tocar a tantos ao mesmo tempo? – repeti a pergunta inicial, noutros termos, tornando a um de seus nós metafísicos que me fascinavam.
– O Tempo, principezinho das cismas, é passível de dobraduras. Posso, e você, no começo não sem assombro, o fará, dobrá-lo para frente e para trás: ele sempre volta à posição normal, mas me permite estar em muitos lugares, em muitos tempos que, para os prisioneiros de sua falsa linearidade, parecem um tempo só.
Em seguida ela retirou seu manto. Inesperadamente, como se para deitar terror a um homem já além do medo – pois colapsado pelo absurdo –, a fraca luz de LED da sala tremulou. Vi seu corpo de feixes, de raízes entrelaçadas, sua nudez milenar. Ela estendeu-me sua mortalha.
– E se o Deus de que fala não me aceitar?
– Ele me permitiu escolher alguém. Não como fui escolhida, dentre a animália. Nem entre espíritos. Mas me permitiu escolher um dentre os de Adão. E eu escolhi você. E, se aconteceu, faz parte do sentido. O mais é contigo, e logo saberá.
Tomei seu manto. Deitei-o sobre meu corpo. Raízes começaram a cobrir minha pele; mas sentia também, em meu interior, seu avanço lento. A primeira sensação foi uma mudança no meu poder visual: podia ver a quilômetros de distância, estando dentro de minha casa.
– Agora irei lhe inserir a pedra. Doerá. Sim, doerá como o pecado de Adão.
Tocou-me com a pedra. No pouco tempo de reflexão entre suas palavras e sua ação de estender a joia, imaginei-a gélida. Mas era ardente, e incendiou meu ser, agora feito de urdiduras e entrelaces. Minha visão turvou-se, e como que, em poucos segundos, apaguei e despertei. E já era a Morte.
A pedra pulsava dentro de mim; sem que me desse conta ou plena consciência, desdobrei-me ou dobrei o que antes chamava de Tempo, voando célere em direção, perdão, nas muitas direções em que apontavam os feixes febris dentro da joia, acelerado por seu impulso. E, no entanto, eu permanecia ali. E era terrível, e era magnífico. Havia sentido, possuía a firme presciência de que havia missão e dela haveria um término; de que um dia aquele que alistara minha predecessora e agora me aceitava, iria finalizar meu propósito, e traria a equalização. Equalização, rosa para onde todas as coisas rumam, linhas de sua mão cosmocrática.
A minha predecessora, agora o borbulhar de um vulto amorfo, se arrastara em direção à porta; sem olhar para trás, abriu-a. Eu não encontrei palavras a proferir, inebriado de meu novo e vasto estado.
Ao ser alcançada pela luz do dia, ela transmutou-se em uma reles doninha. Então realmente não fora criada ex-nihili (do nada); fora uma doninha transfeita neste ser que a Queda, ou melhor, a provisória Ascensão do Absurdo, fez necessário existir. Isso explica ter sido possível o repasse do manto, um câmbio da máxima escuridão de as mãos do pó para as mãos do pó.
Lá fora, o pequeno mustelídeo corria e saltitava, provavelmente já insciente (ignorante) de seu passado impossível. Atingira a equalização, ou ao menos retornara à possibilidade de brevidade, cura para o pó. Equalização que se completaria quando a joia do Deus Equalizador em meu peito sinalizasse sua direção, para que eu colhesse minha predecessora.
A não ser que Ele, o Deus Cosmocrator venha a me tocar antes, cerrando o voluptuoso túmulo do absurdo do qual me fiz porteiro. Ele de quem eu duvidava da existência, posso sentir agora, aterrado, sua presença e seu amor, tese da qual estou antítese, sentido por trás de todo sentido.
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Sammis Reachers Cristence Silva nasceu em 1978, em Niterói/RJ, mas desde sempre morador de São Gonçalo/RJ, ambos municípios fluminenses. Sammis é poeta, escritor, antologista e editor. Licenciado em Geografia atua em redes públicas de ensino de municípios fluminenses. É autor de dez livros de poesia, três de contos/crônicas e um romance, e organizador de mais de cinquenta antologias. Aos 16 anos inicia seus escritos e logo edita fanzines, participando do assim chamado circuito alternativo da poesia brasileira, com presença em jornais e informativos culturais. Possui contos e poemas premiados em concursos do Brasil, bem como textos publicados em antologias e renomadas revistas de literatura.
Fonte: Sammis Reachers. Fabulário índigo: contos. São Gonçalo/RJ: Ed. do Author, 2024. Enviado pelo autor.
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quarta-feira, 8 de janeiro de 2025
Edy Soares (Fragata da Poesia) 70: Epitáfio
Edy Soares (Edmardo Lourenço Rodrigues), nasceu na cidade de Ibatiba/ES, em 1964. Filho de pais agricultores. Viveu nos Estados Unidos entre 1991 e 2006. Regressando ao Brasil dedicou-se, além do seu trabalho de rotina, ao seu acervo de poemas e composições de canções. Classificado em vários concursos literários, nacionais e internacionais, de Sonetos, trovas e outros gêneros, identifica-se principalmente como sonetista clássico e trovador. Participação em várias feiras literárias e na Bienal Capixaba do Livro. Empresário no ramo hoteleiro, com o Fragata Hotel, em Guarapari/ES. Reside em Vila Velha/ES. Membro fundador da Academia Brasileira de Sonetistas (ABRASSO), Academia Pan-Americana de Letras e Artes (APALA), Academia Ibatibense de Letras e Artes, Confraria Brasileira de Letras, entre outros. Livros publicados: “Poemas Canções e Sonetos”, “Flores no Deserto”, “Sonetos Sonantes”, co-autor do livro “Três em Trovas”.
Aparecido Raimundo de Souza (O Stubby*)
O EPAMINONDAZINHO, um moleque de quinze anos, chegou notoriamente cediço na aula de matemática. Assim que o viu entrar, a professora abriu a correr se plantando no encalço dele. Ao pará-lo, antes que se sentasse, o interpelou:
— O que foi que houve Epaminondazinho que você chegou atrasado?
— A senhora nem vai acreditar, tia Camomila: fui atacado por um cachorro bravo justamente quando estava para pegar o caminho aqui da escola!
A professora Camomila fazendo uma cara de assustada:
— Nossa, disse ela confusa! E está tudo bem? — Ele mordeu você? — Acaso se machucou?
Epaminondazinho sem perder a esportiva e rindo de um canto a outro da boca, explicou:
— Olha, tia Camomila. Está tudo nos conformes: Morder ele não me mordeu, só fez latir. — Tampouco me machuquei... aconteceu, inclusive, um fato interessante. Seu Tião...
A mestra o interrompeu:
— Quem é seu Tião?
— O dono do cachorro. Ele chegou em tempo de ralhar com o animal e o prender numa coleira. — Aliás, um gesto desnecessário...
— Graças a Deus, Epaminondazinho. Porém, isso não explica quase quarenta minutos de atraso. Conta a verdade...
— Seu Tião me pediu que fosse até a casa dele. É perto lá da minha rua. E eu não perdi tempo. Aceitei o convite, até porque a Lilica...
A professora Camomila estava a ponto de perder a esportiva. Berrou:
— Quem é Lilica, Epaminondazinho? — Você está me enrolando... conta a verdade ou vou levar você agora e o entregarei de bandeja à tia Valquíria, da coordenadoria. E você sabe que ela é dura na queda: — Pedirei para chamarem seus pais.
Epaminondazinho, não se fez de rogado. Respondeu sem pressa. A sala, em peso, observava atenciosamente e em silêncio, cada palavra dita pelo coleguinha:
— Tia, não há necessidade. Estou falando a verdade, Lilica é a filha dele. Um ano mais nova que eu, e não é de hoje que estou de olho nela...
O moleque fez uma pausa e prosseguiu:
— Conversa vai, conversa vem, acertei dois passarinhos com uma estilingada só. Revi a Lilica, e descobri que o Stubby...
— Meu Pai Santíssimo, Epaminondazinho. — Quem é esse... como é mesmo o nome?
— Stubby, tia. Se escreve assim. Esse, tê, u, dois bês e ípsilon... aliás, é o nome do cachorro. Ele jamais me morderia. Só fez latir e fazer festinha. Confesso, me assustei com outra coisa. Quando em casa de seu Tião, ele me mostrou as medalhas que o danado ganhou... nossa! Mais de vinte, só a senhora vendo...
— Medalhas?
— Sim, tia Camomila. Eu disse para a senhora que ele veio para cima de mim muito bravo... e como eu não o conhecia...
A professora não se intimidou. Todavia, dava para se perceber, estava furiosa. Redarguiu:
— Cão bravo ataca, Epaminondazinho. Você deu foi sorte. Ponha as mãos para o céu.
— Tia, a senhora não entendeu. Não sabe diferenciar bravo de brabo?
— Seja mais claro, mocinho... não estou aqui para perder tempo.
— Stubby correu para meu lado latindo e querendo carinho, exatamente por ser bravo... ouvira falar dele, mas nunca o havia visto...
Tia Camomila ainda tentou manter o controle:
— Desenhe. Enquanto desenha, pegue seu material escolar. Vamos para a sala da tia Valquíria.
Epaminondazinho estava começando a se irritar. Não era para menos:
— Calma, tia Camomila. Deixa eu explicar. A senhora vai dizer que não gosto de sua aula. Daí minha demora. Negativo. A senhorita é para mim como uma prova de matemática. Difícil, mas elegantemente compensadora.
A tia Camomila diante desta revelação, sorriu, brejeira. Epaminondazinho voltou ao cachorro:
— Stubby é bravo, de braveza e de bravura. Simplificando, um cachorro valente.
Epaminondazinho fez uma breve pausa e seguiu em frente:
— Não tem medo de nada. Por sua característica destemida, ele ganhou medalhas em diversas competições caninas. É um atleta olímpico nato. Diferente de brabo, que seria o contrário, ou um cachorro perverso, feroz. Entre um cachorro brabo, e um cãozinho bravo, o que faz toda a diferença é a letra “B” substituída pela letra “V”.
A tia Camomila finalmente sem munição para seguir discutindo, mandou o garoto se acomodar e continuou a aula. Se via, em seu semblante uma abespinhes desconcertante. Numa olhada geral da sala, meia dúzia de rostos pingados captou a conversa e intimamente aplaudiu a discussão. A outra banda caiu na gargalhada, — ou seja — ninguém entendeu bulhufas. Resumindo, em números de cabeças presentes: cinco ou seis alunos assimilaram o que Epaminondazinho discutia com a professora de matemática. O resto da galera, a bem da verdade não passava de um bando de mentes vazias.
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(*) STUBBY: — O lendário bull terrier Stubby, citado como sendo o cão de estimação do senhor Tião, no presente conto, foi o cão mais condecorado da história militar dos Estados Unidos. Ele foi adotado pelo soldado J. Robert Conroy ainda filhote, em 1917. Conroy conseguiu embarcá-lo escondido em um navio para a França durante a Primeira Guerra Mundial. Lá, ele participou de 17 combates. Stubby realizou inúmeras façanhas durante a guerra. Entre elas salvou soldados de gases tóxicos no front de batalha, localizou feridos em combates e até mesmo capturou sozinho um espião alemão. Graças às suas façanhas, ele foi o primeiro cão a ser condecorado sargento do exército americano. O obituário da morte de Stubby foi publicado em três colunas no jornal “The New York Times” em 4 de abril de 1926.
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Aparecido Raimundo de Souza, natural de Andirá/PR, 1953. Aos doze anos, deu vida ao livro “O menino de Andirá,” onde contava a sua vida desde os primórdios de seu nascimento, o qual nunca chegou a ser publicado. Em Osasco, foi responsável, de 1973 a 1981, pela coluna Social no jornal “Municípios em Marcha” (hoje “Diário de Osasco”). Neste jornal, além de sua coluna social, escrevia também crônicas, embora seu foco fosse viver e trazer à público as efervescências apenas em prol da sociedade local. Aos vinte anos, ingressou na Faculdade de Direito de Itu, formando-se bacharel em direito. Após este curso, matriculou-se na Faculdade da Fundação Cásper Líbero, diplomando-se em jornalismo. Colaborou como cronista, para diversos jornais do Rio de Janeiro e Minas Gerais, como A Gazeta do Rio de Janeiro, A Tribuna de Vitória e Jornal A Gazeta, entre outras. Hoje, é free lancer da Revista ”QUEM” (da Rede Globo de Televisão), onde se dedica a publicar diariamente fofocas. Escreve crônicas sobre os mais diversos temas as quintas-feiras para o jornal “O Dia, no Rio de Janeiro.” Acadêmico da Confraria Brasileira de Letras. Reside atualmente em Vila Velha/ES.
Fontes: Texto enviado pelo autor.
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Silmar Bohrer (Croniquinha) 126
Esta poderia ser a HISTÓRIA de um cachorrinho. Poderia! Seguidamente nas andanças pelo cantinho da barra passo em frente do hotel para um papo com o Joaquim, comandante do local.
Curiosamente onde eu o encontro é na rua e não no trabalho interno, por isso não tinha ainda acessado alguma das dependências do hotel. Na quarta-feira, porém, portão aberto, me dirigi à portaria à procura do Joaquim. Novamente ele não estava.
No local um cachorrinho dormia num canto a ele preparado, e uma senhorinha simpática me recebeu com um bom dia alegrinho. Disse a ela que noutro dia ali estivera e, não tendo visto ninguém, tentei uma conversa com o cachorrinho que dormia.
A garota disse que não era um cachorrinho de verdade, por isso não tem reações e estímulos. Dorme dias e noites, alheio ao mundo-cão.
Então a crônica de um cãozinho não passou de ESTÓRIA de um não-cachorrinho, que assim mesmo segue impondo algum respeito a alguém no recinto. Mesmo inerte tem alguma utilidade. Silencioso, faz a sua parte, faz a gente calar. E a voz do silêncio é tantas vezes poderosa.
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Silmar Bohrer nasceu em Canela/RS em 1950, com sete anos foi para em Porto União-SC, com vinte anos, fixou-se em Caçador/SC. Aposentado da Caixa Econômica Federal há quinze anos, segue a missão do seu escrever, incentivando a leitura e a escrita em escolas, como também palestras em locais com envolvimento cultural. Criou o MAC - Movimento de Ação Cultural no oeste catarinense, movimentando autores de várias cidades como palestrantes e outras atividades culturais. Fundou a ACLA-Academia Caçadorense de Letras e Artes. Membro da Confraria dos Escritores de Joinville e Confraria Brasileira de Letras. Editou os livros: Vitrais Interiores (1999); Gamela de Versos (2004); Lampejos (2004); Mais Lampejos (2011); Sonetos (2006) e Trovas (2007).
Fontes:
Texto enviado pelo autor.
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Célio Simões (O nosso português de cada dia) “Santinha do pau oco”
A língua portuguesa possui inúmeros dizeres interessantes, que permanecem imutáveis ao longo do tempo, representando um forte viés cultural para o idioma. Esses dizeres podem ser fundamentados na cultura do próprio país ou ainda, ter influência estrangeira, mitológica, religiosa, histórica, etc.
Sabe-se que a partir dos cinco ou seis anos, as crianças começam a usar pelo menos algumas delas, que são repetidas com frequência em casa pelos pais e amigos, e esse procedimento de expressões populares repetitivas acaba por se incorporar ao acervo cultural de uma pessoa, contribuindo assim para o enriquecimento do dicionário mental de cada qual na vida adulta.
Existe uma justificativa histórica para a expressão “SANTINHA DO PAU OCO”, que utilizamos para designar uma pessoa de caráter duvidoso, mentirosa ou falsa, surgida ainda no tempo do Brasil Colônia, por volta do Século XVII em Minas Gerais, berço da mineração do ouro, na época pesadamente tributado em 20% a título do “quinto”, que constituía a parte imposta pela coroa portuguesa como condição básica para quem se dedicava à garimpagem, extração e comercialização de metais preciosos em solo brasileiro.
Vivíamos o apogeu do domínio do catolicismo nas cidades e no campo, pela forte influência da Igreja Católica num Estado não laico, pontificando o talento dos artesãos que esculpiam em madeiras previamente selecionadas, a imagem dos santos que mais tarde viraram cobiçadas relíquias do barroco brasileiro, confeccionados propositadamente ocos, para que pudessem ser recheados de ouro em pó, assim driblando a rígida fiscalização vigente, que impunha um escorchante tributo cobrado pelas “Casas de Fundição”, repartições incumbidas de arrecadar os impostos sobre a mineração no Brasil.
A partir de então, a dita expressão invariavelmente alude à pessoa conhecida como sonsa, que aparenta ter um temperamento cordial, agradável e inocente, mas na realidade é o oposto, pois age de modo sorrateiro, escondendo suas intenções, no mais das vezes malévolas e o que é mais grave, com o obscuro e inconfessável propósito pessoal de levar vantagem, de tirar proveito.
Cairon e Márcio Oliveira aproveitaram o tema para enriquecer o cancioneiro popular, com um texto poético que revela o sentido pejorativo da expressão:
Eu pensava que você era santinha
eu jurava que você era só minha
mas foi tudo ilusão
e o meu pobre coração
você fez de bobo
Sua santinha do pau oco...
Na esteira dessa composição musical, os cantores e compositores Jefferson Morais, Luís Marcelo e Gabriel, Márcio Dhuka e Marreta, também lançaram suas canções com a mesma denominação - “SANTINHA DO PAU ÔCO” - evidenciando que não constitui motivo de orgulho para ninguém ser assim rotulado, por exprimir um conceito negativo, rebarbativo, quase sempre de pessoa falsa ou dissimulada, na qual não se deve confiar, nem mesmo rimando:
Com a santinha de pau oco
todo cuidado é pouco!
Confiou, ela te engana
e te deixa no sufoco...
E assim se consolidou essa expressão que atravessou gerações e até hoje surge quando no meio social em que vivemos aparece alguém - homem ou mulher, jovem ou idoso - que por razões insondáveis, lança mão da dissimulação e da esperteza, para ludibriar outrem.
E basta olhar em volta, pois em qualquer aglomerado humano, dos mais modestos aos requintados, essa nefanda figura pode ser identificada com facilidade, bastando que se observe seu agir manhoso, astuto e disfarçado, visto pela psicologia como inerentes a quem oculta seus sentimentos reais, ludibriando quase todo mundo, para só depois mostrar suas verdadeiras e turvas intenções.
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Célio Simões de Souza é paraense, advogado, pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho, escritor, professor, palestrante, poeta e memorialista. Membro da Academia Paraense de Letras, membro e ex-presidente da Academia Paraense de Letras Jurídicas, fundador e ex-vice-presidente da Academia Paraense de Jornalismo, fundador e ex-presidente da Academia Artística e Literária de Óbidos, membro da Academia Paraense Literária Interiorana e da Confraria Brasileira de Letras em Maringá (PR). Foi juiz do TRE-PA, é sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós, fundador e membro da União dos Juristas Católicos de Belém e membro titular do Instituto dos Advogados do Pará. Tem seis livros publicados e recebeu três prêmios literários.
Fonte: Enviado pelo autor
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segunda-feira, 6 de janeiro de 2025
Jerson Brito (Asas da poesia) 06
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Jerson Lima de Brito, nasceu em Porto Velho/RO, em 1973, onde reside. Graduado em Administração e Direito pela Fundação Universidade Federal de Rondônia. Sonetista, trovador e cordelista, é membro fundador da Academia Brasileira de Sonetistas (Abrasso), integrante do Fórum do Soneto e Delegado da União Brasileira de Trovadores (UBT) em Porto Velho. Exerce o cargo de Técnico Federal de Controle Externo na SECEX-RO, tendo participado de algumas Mostras de Talentos do TCU. Neto de nordestinos, na infância teve os primeiros contatos com os versos, lendo os folhetos de cordel que seu pai comprava. Já na fase adulta, depois dos 30 anos, deu os primeiros passos na literatura escrevendo sobretudo cordéis. Posteriormente, aderiu aos sonetos e outras modalidades poéticas. Premiado em diversos concursos de trovas, sonetos e cordéis.
Renato Frata (Il Maestro Dorfo)
À memória de meu pai
A casa da Mamma Luigia seria igual a tantas de imigrantes italianos nos fins do século dezenove, não fosse seu jeito de ser; alta, esguia, nariguda, magriça e mandona, a ponto de fazer seu marido Ângelo, coadjuvante no trato das coisas
A família ocupava uma residência com tarefas definidas: as noras e filhas - que não estivessem de resguardo cuidavam da cozinha, da ordenha, da roupa e da casa, enquanto os filhos e genros, da roça, da tarefa de pilar arroz, do moinho de fubá, dos animais. Aos bambini cabia o trato das galinhas e a obrigação de levar, aonde os homens estivessem, água fresca e café com broa por duas vezes ao dia.
A vida seguia na aspereza dos dias e nas noites nos aconchegos dos enormes colchões de palhas e, de resto, a lentidão do tempo em que a natureza com suas cores, clarões e vozes, comungava com a simplicidade do povo tendo Deus e os santos por guardiões do amor que gestava, de permeio.
Nessa labuta passou o tempo, até que num momento Mamma Luigia despejou:
- O "Dorfo" vai pra escola, precisamo de alguém mais sabido que noi, que leia o que 'essa gente' põe na nossa frente.
Tratava-se de Rodolpho, o caçula, e do contrato de meação que o proprietário da terra os fazia assinar para garantir sua estada no trato do cafezal. Daí a preocupação em ser menos lesados nos preços das compras, da entrega, pesagem, das somas e subtrações.
Ninguém se opôs. Já haviam passado da idade para a escola, e às mulheres, não era dado esse direito. Ângelo fez a matrícula do menino, comprou os materiais e um saco branco, para o embornal. O bambino Dorfo foi levado na manhã seguinte. De carroça. Depois iria sozinho, a pé, com a obrigação de sendo sabido, aprender para conseguir resolver os problemas de conhecimento da família.
O moleque arruivado logo aprendeu a ligação das letras compondo palavras e a formação de frases, que um mais um dá dois e muita coisa mais, o que chamou à atenção da professora. Fora feito para a escola, especialmente quando os cadernos voltavam com frases como: "parabéns, vá em frente", "isso mesmo! Estou satisfeita." escritos na parte superior das folhas.
- Buonno, buonno, bambino mio -, sorria ela, embevecida enquanto lhe gadanhava os cabelos. O Dorfo fora feito para os conhecimentos de que tanto precisavam. E teria um horizonte inteiro a si descortinado com as oportunidades derriçadas aos seus pés como os grãos de café, na colheita, a leitura e o aprendizado faziam dos homens pessoas importantes, traziam-lhe as chances dos bons negócios e até o céu derramaria em suas mãos a abençoada chuva da prosperidade, tal como aquela que volta e meia escorria dos telhados, ganhava as lavouras e as faziam florescer.
Bastasse seguir as regras da humildade e da decência: o mundo das letras, das mãos macias, do ordenado certo, enquanto eles continuariam a depender da lavoura, do meeiro-proprietário, do atravessador que os fiava na entressafra e cobrava em dobro depois. Da lida inglória do homem da roça.
Quanta sabedoria naqueles sonhos!
Quando o moleque chegou mostrando resolvidas as contas mais complicadas de aritmética, todos se empolgaram. Era mesmo o mais sabido, e chegara a hora dele começar a pagar pelo benefício. Então, ela ordenou:
- Dorfo, tu sarai il maestro de noi tutti.
Foi o que bastou para que nos começos das noites, ao redor da grande mesa da cozinha iluminada com lamparinas, lápis começassem a riscar copiando nos cadernos, as primeiras letras desenhadas por Dorfo na lousa improvisada: A-E-I-O-U.
Mamma Luigia observava a segurança do bambino que, apesar do respeito que dedicava aos irmãos, mostrava destreza e paciência diante da dificuldade que tinham em desenhar nas entrelinhas, os complicados rabiscos.
Com o tempo, mais familiarizados com os instrumentos de escrita e com suas pontas finas e frágeis, as mãos calosas foram se adaptando a juntar as letras em carreirinha e a montar seus nomes, os sobrenomes, as frases curtas do dia a dia como; o sol está quente, a lua está clara; e mais tarde, pensamentos longos e enigmáticos, saídos do coração.
O mestre Dorfo havia alfabetizado seus irmãos e cunhados como num passe de mágica, tão capaz, tão dono de si com um pedaço de giz na mão. Era um verdadeiro professor. E só não o fez, ensinando a mamma e su padre Angelo, porque eles não quiseram: - estavam tropo vecchi para pegar num lápis; era per i Giovani.
O vento que leva o cisco, leva também palavras e, nesse soprar, a notícia correu pela colônia. Foi o que bastou para que a cozinha da grande casa, de hora para outra, ficasse pequena para o abrigo de vizinhos que chegavam com cadeiras e lamparinas, dispostos a aprender. Homens de mãos calosas, mulheres de toucas e xales puseram-se ali, sentados em união, às lições encantadoras da aprendizagem das coisas estupendas que o pequeno Dorfo tinha a oferecer.
Il mestre Dorfo, agora de calças compridas, contava histórias dos navios de Cabral, dos textos de Machado de Assis sobre a aurora de esperança do país a cada amanhecer, da terra que nunca negou frutos a quem plantasse a semente, e explicava sobre os astros do céu, sobre as constelações, as mudanças da lua com a sua importância à pesca e agricultura, os planetas do cosmo, as intrigas políticas do poder republicano que o jornal semanal trazia, as coisas intrincadas da Primeira Guerra, o amor ao Ser Supremo e, pacientemente, os ensinava ler e escrever seus nomes, as datas, os acontecimentos, a fazer contas de mais, de menos, de dividir e de multiplicar.
Era il maestro, che solo deto la verità, como vaticinara a mamma.
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Renato Benvindo Frata nasceu em Bauru/SP, radicou-se em Paranavaí/PR. Formado em Ciências Contábeis e Direito. Professor da rede pública, aposentado do magistério. Atua ainda, na área de Direito. Fundador da Academia de Letras e Artes de Paranavaí, em 2007, tendo sido seu primeiro presidente. Acadêmico da Confraria Brasileira de Letras. Seus trabalhos literários são editados pelo Diário do Noroeste, de Paranavaí e pelos blogs: Taturana e Cafécomkibe, além de compartilhá-los pela rede social. Possui diversos livros publicados, a maioria direcionada ao público infantil.
Fontes:
Renato Benvindo Frata. Crepúsculos outonais: contos e crônicas. Editora EGPACK Embalagens, 2024. Enviado pelo autor.
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José Feldman (Estrepolias de um insone)
Era uma vez, em uma cidade não muito longe daqui, um sujeito chamado Tico. Ele era conhecido por uma peculiaridade: ele não conseguia dormir. Enquanto a maioria das pessoas se entregava aos braços de Morfeu, ele passava as noites em claro, contando carneirinhos, assistindo a infindáveis maratonas de programas de culinária e fazendo listas de coisas que nunca faria. Com o tempo, a insônia foi se agravando, e ele decidiu que, se não podia dormir, pelo menos poderia se divertir à custa dos que estavam.
Em uma noite particularmente longa, enquanto o relógio marcava 3 da manhã, Tico teve uma ideia brilhante. Ele se vestiu como um ninja (ou, pelo menos, como um ninja que não tinha um bom senso de moda) e decidiu que iria “visitar” seus vizinhos que, ao contrário dele, estavam desfrutando do sono dos justos.
Primeiro, ele foi até a casa da Dona Efigênia, uma senhora que sempre reclamava do barulho na rua. Com um sorriso travesso, ele começou a bater na porta, fazendo imitações de vários animais. Primeiro, ele grunhiu como um porco, depois miou como um gato e, por último, uivou como um lobo. A Dona Efigênia, que estava tendo um sonho maravilhoso com um bolo de chocolate, acordou assustada, pensando que um zoológico tinha se instalado em sua sala. Quando abriu a porta, encontrou Tico agachado, fazendo a pose de um gato.
— O que você está fazendo, Tico? — perguntou ela, com os olhos arregalados.
— Apenas testando se a senhora está sonhando! — respondeu ele, tentando conter o riso.
A Dona Efigênia, com um olhar de quem não tinha a menor paciência para brincadeiras, fechou a porta na cara dele. Mas Tico não estava disposto a desistir. Ele seguiu para a casa do Seu Joaquim, um aposentado que sempre sonhava em voltar a pescar.
Ao chegar lá, decidiu que a melhor estratégia seria imitar o barulho de um peixe fora d'água. Ele se jogou no chão e começou a se contorcer, fazendo ruídos estrondosos. O Seu Joaquim acordou, pulou da cama e correu para a sala, armado com um taco de beisebol que mantinha para "emergências".
— O que está acontecendo aqui? — gritou ele, olhando para Tico se debatendo no chão.
— Estou apenas fazendo uma pesca noturna, Seu Joaquim! — respondeu Tico, gargalhando.
Naturalmente, o Seu Joaquim não achou graça nenhuma. Ele deu uma rápida olhada para Tico e saiu para a rua, murmurando algo sobre “juventude perdida” e “jovens insensatos”.
Com uma sensação crescente de missão cumprida, Tico decidiu que ainda não era hora de parar. Ele se dirigiu para a casa do Luís, o estudante que sempre tirava notas altas, mas que tinha uma aversão a qualquer tipo de perturbação. Tocou a campainha e, assim que Luís abriu a porta, ele começou a fazer uma apresentação de stand-up, mas com piadas completamente sem graça.
— Você sabe por que a galinha atravessou a estrada? Para ir do outro lado! — disse Tico, enquanto Luís, sem paciência, tentava entender o que acontecia àquelas horas da noite.
Luís, que estava prestes a fazer uma prova importante, não achou muita graça e, em um impulso, empurrou Tico para fora de casa, fechando a porta com força. Tico, no entanto, não se deixou abalar. Em vez disso, decidiu que era hora de uma nova abordagem.
Ele foi até o parque, onde alguns jovens costumavam se reunir à noite para tocar violão. Juntou-se a eles e começou a cantar, mas em vez de músicas conhecidas, ele fez versões paródicas de clássicos, como “Garota de Ipanema” transformada em “Garoto de Insônia”. A letra, que falava sobre coisas totalmente sem sentido, fez com que todos se unissem a ele, rindo e se divertindo.
No entanto, a festa logo atraiu a atenção dos vizinhos, que saíram de suas casas, sonolentos e irritados. A cena era hilária: pessoas de pijama, com cabelos desgrenhados, tentando descobrir o que estava acontecendo. Tico, percebendo que havia criado um verdadeiro show improvisado, decidiu que era hora de encerrar a apresentação.
— Obrigado, pessoal! Espero que tenham gostado! E lembrem-se: a insônia pode ser divertida! — gritou, antes de sair correndo, rindo da confusão que deixara para trás.
Na manhã seguinte, enquanto os moradores da rua tentavam recuperar o sono perdido, Tico percebeu que talvez estivesse indo longe demais. Ele sentiu uma pontinha de culpa ao ver a Dona Efigênia, o Seu Joaquim e o Luís todos com olheiras profundas. Mas logo essa culpa se transformou em uma nova ideia.
— Que tal uma festa do pijama? — pensou, já imaginando a diversão.
E assim, ele começou a planejar um evento que traria todos os vizinhos para uma noite de risadas e histórias, prometendo que, ao menos uma vez, eles poderiam se divertir juntos, mesmo que isso significasse perder algumas horas de sono.
Enquanto isso, ele continuava a infernizar a vida dos que dormiam, mas agora com uma pitada de humor e um convite para a festa do pijama. Afinal, quem disse que a insônia não poderia ser uma bênção disfarçada? Só não se sabe para quem.
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Fontes:
José Feldman. Peripécias de um jornalista de fofocas & outros contos. Maringá/PR: Plat.Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
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domingo, 5 de janeiro de 2025
Luiz Poeta (Nuvens de Sonhos) 06
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Luiz Gilberto de Barros, registrado como Luiz Poeta, nasceu em 1950, no Rio de Janeiro/RJ. Escritor, Poeta, Contista, Cronista, Ensaísta, Trovador, Aldravianista, Sonetista, Músico, Compositor, Produtor Musical, Artista Plástico, Gestor Educacional e Docente Aposentado de Língua Portuguesa e Literaturas Brasileira e Portuguesa. Destacou-se no meio artístico como produtor fonográfico, violonista, guitarrista, compositor, poeta e artista plástico. Acadêmico da AVLBL membro da UBT, é Verbete do Dicionário de Música Popular Brasileira Antônio Houaiss e detentor de relevantes títulos acadêmicos. Fundador de diversas entidades culturais Nacionais e internacionais. Autor premiadíssimo em inúmeros concursos no Brasil e no Exterior. Foi Presidente da Academia Pan-Americana de Letras e Artes; do Centro Cultural Leopoldina de Souza Marques, da Faculdade Souza Marques, e Diretor Presidente do Jornal “O Coruja“, de circulação universitária. Membro da Confraria Brasileira de Letras, Academia Luso-Brasileira de Letras; Academia Paulista de Letras; Cerc Universal des Ambasssadeurs de la Paix; Divine Academie Française de Letters y Arts; Associação dos Acadêmicos da Academia Brasileira de Letras; Diretor Cultural da Associação Cultural Encontros Musicais; Inbrasci (Instituto Brasileiro de Culturas Internacionais, entre outros. Sua obra artística é eclética e engloba mais de 10.000 trabalhos (músicas, poesias, ensaios contos, novelas, textos dramáticos e crônicas – além de telas e trabalhos artesanais ). Tem CDs e DVDs gravados, tendo publicado mais de 100 obras publicadas entre livros-solo, antologias, CDs, DVDs, jornais e revistas.
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