Não sei se já aconteceu com você, mas descobrimos nas sobrancelhas da minha mãe a revelação do seu estado de espírito. Se ela estivesse sóbria e feliz, as sobrancelhas não se modificavam, mas se estava com o humor pelo avesso – comum em relação à carestia, ela as arqueava assimetricamente para baixo e para cima, como escudos dos gladiadores na defesa ou no ataque.
Esse sinal, despercebido por ela, mas nítido em nós, indicava se ao chegarmos da escola podíamos ou não ligar o rádio, brincar dentro de casa ou comer algo fora do horário.
Minha irmã era mais observadora nesse sentido, e ela dava a nota: - hoje pode, ou hoje não pode... e o cochichar valia como decreto.
Tratávamos de nos cuidar com o que dizíamos ou fazíamos enquanto ela terminava sua tarefa, até que a sobriedade voltasse a enfeitar sua face com sorriso de mãe de sobrancelhas silentes.
Mãe braba e mãe mansa, então, passou a ser sinalizado pelas nossas próprias sobrancelhas.
Se ela se mostrava sóbria, nós lhe imitávamos as sobrancelhas abertas, expandidas a florir no rosto. Se nervosa e triste, fechávamos as nossas como asas de morcego, e só. Sem emitirmos qualquer pio, nem riso, nem careta no pacto da mudez mímica. Nem ousávamos colocar o dedo indicador sobre os lábios, a pedir silêncio.
Foi assim por um bom tempo, até que um dia, estando ela nervosa, observou que a imitávamos ao tempo que segurávamos o riso, e aí a casa caiu: apanhamos os dois.
Minha irmã, maior e mais ajuizada, apanhou mais, e eu, franzino e magrelo, ganhei uns puxões de orelha. Pela forma como a imitávamos, chamou-nos de macaquinhos de ver sorte.
Mas isso serviu para que ela compreendesse que nós, filhos, não a imitávamos com o fim de feri-la, mas o fazíamos em respeito aos seus próprios humores e sentimentos. Então, tomada de surpresa com essa observação, ela suspirou, colocou a mão no coração e, depois, ambas na cabeça. Sentou-se e nos chamou para perto. - Desculpem. Às vezes me deixo levar por pensamentos ruins... dessa carestia, desses preços nas alturas, desse aluguel que enforca nosso bolso... – E sorriu, passando suavemente as mãos em nossos rostos como se tirasse com a magia de mãos de mãe, qualquer ressentimento.
Não é que conseguiu? …
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Renato Benvindo Frata nasceu em Bauru/SP, radicou-se em Paranavaí/PR. Formado em Ciências Contábeis e Direito. Professor da rede pública, aposentado do magistério. Atua ainda, na área de Direito. Fundador da Academia de Letras e Artes de Paranavaí, em 2007, tendo sido seu primeiro presidente. Acadêmico da Confraria Brasileira de Letras. Seus trabalhos literários são editados pelo Diário do Noroeste, de Paranavaí e pelos blogs: Taturana e Cafécomkibe, além de compartilhá-los pela rede social. Possui diversos livros publicados, a maioria direcionada ao público infantil.
Fonte:
Texto e imagem enviados pelo autor.
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