CAROLINA RAMOS
Santos/SP
PROTESTO DO RIO
Quando Deus fez surgir, do nada, o mundo,
recortou-o de rios que em Seu plano
tinham valor imenso e tão profundo
quanto o fluxo arterial do corpo humano!
A terra floresceu. O amor fecundo
povoou lares. E o homem, sempre ufano,
o Éden que recebeu tornou imundo,
semeando em cada canto o desengano!
Ar e águas poluiu... E os próprios veios,
com seus desmandos, vícios e mazelas!...
E hoje... os rios ocultam, em seus seios,
as angústias das vozes sufocadas
pelos surdos gemidos das sequelas,
num protesto de artérias infartadas!
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Soneto de
ANTONIO JURACI SIQUEIRA
Belém/PA
PASSARINHO NA GAIOLA
Sempre que a lida me isola
nas grades do dia-a-dia,
abro a porta da gaiola
com a chave da poesia.
Nesta vida quanta gente
na incerteza do arriscar,
olha o mundo aberto à frente
porém tem medo de voar...
Teu amor, gaiola aberta;
meu coração, passarinho
que por nada se liberta
das grades do teu carinho.
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Soneto de
EDY SOARES
Vila Velha/ES
PROFISSÃO DE FÉ
Folhearei as Tuas escrituras
em busca de melhor discernimento,
de compreender o mundo e o sentimento
que envolve o Criador e as criaturas.
Respeitarei, Senhor, Teu mandamento
para que um dia eu possa, nas Alturas,
estar em meio as almas fiéis e puras
que aqui seguiram Teu ensinamento…
Mas, me perdoa, ó Deus, se Te questiono
ao ver tantas famílias no abandono
entre os escombros mórbidos da guerra.
Falsos pastores traem nossa fé;
conspiram nos porões da Santa Sé...
Não Te esqueças da gente aqui na Terra!
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Quadra Popular de
AUTOR ANÔNIMO
Morena, quando eu morrer,
me enterre no mesmo dia;
Eu quero ser enterrado
no coração de Maria.
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Poema de
CASTRO ALVES
Freguesia de Muritiba (hoje, Castro Alves)/BA (1847 – 1871) Salvador/BA
A DUAS FLORES
São duas flores unidas,
São duas rosas nascidas
Talvez no mesmo arrebol,
Vivendo no mesmo galho,
Da mesma gota de orvalho,
Do mesmo raio de sol.
Unidas, bem como as penas
Das duas asas pequenas
De um passarinho do céu…
Como um casal de rolinhas,
Como a tribo de andorinhas
Da tarde no frouxo véu.
Unidas, bem como os prantos,
Que em parelha descem tantos
Das profundezas do olhar…
Como o suspiro e o desgosto,
Como as covinhas do rosto,
Como as estrelas do mar.
Unidas... Ai quem pudera
Numa eterna primavera
Viver, qual vive esta flor.
Juntar as rosas da vida
Na rama verde e florida,
Na verde rama do amor!
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Poema de
CRIS ANVAGO
Setúbal/ Portugal
O TEU ENCANTO
Tudo em ti é beleza
mesmo nas horas de tristeza
és um ser simples e natural
Fazes tudo com paixão
Tens uma força visceral
que me arranca o coração
Já não és só poema és canção!
Deslumbras quem te conhece e,
sem saberes, até parece que és tu
que todos queres conhecer
Tens ímã no sorriso
e a luz nos teus olhos
são botões de rosa
que espalhas aos molhos
pelos que por ti passam
nem tens noção do bem que fazes
e, quando te elogiam
ficas sem saber qual a razão
Quando falas, as tuas palavras
são gotas de água fresca
que caem em cascata
refrescam a mente mais sombria
Tu nunca és noite és sempre dia
Sempre motivas quem se cruza contigo
És conselho sem saber e abrigo
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Haicai do
PROFESSOR GARCIA
Caicó/RN
A velha candeia,
piscava quase sem luz;
ó, que noite feia!
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Poema de
DOMINGOS FREIRE CARDOSO
Ilhavo/ Portugal
COMO QUEM NÃO TEM MAIS ONDE IR
(verso de Ana Margarida da Silva Ferreira)
Como quem não tem mais para onde ir
Fui buscar nas palavras o acalanto
Que lavem as poeiras do quebranto
Que me deram os anos de existir.
Qual bálsamo, poção ou elixir
As palavras trouxeram-me o encanto
Que eu havia perdido num recanto
Do canteiro que não chegou a abrir.
As palavras me envolvem como um véu
E do chão levam-me ao azul do céu
Num crescendo de sons e de magia.
E os dias, em fortuna, tão avaros
Fazem-se mais ridentes e mais claros
Quando me beija a sombra da Poesia.
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Soneto de
MACHADO DE ASSIS
Rio de Janeiro/RJ, 1839 – 1908
O DESFECHO
Prometeu sacudiu os braços manietados
E súplice pediu a eterna compaixão,
Ao ver o desfilar dos séculos que vão
Pausadamente, como um dobre de finados.
Mais dez, mais cem, mais mil e mais um bilhão,
Uns cingidos de luz, outros ensanguentados...
Súbito, sacudindo as asas de tufão,
Fita-lhe a águia em cima os olhos espantados.
Pela primeira vez a víscera do herói,
Que a imensa ave do céu perpetuamente rói,
Deixou de renascer às raivas que a consomem.
Uma invisível mão as cadeias dilui;
Frio, inerte, ao abismo um corpo morto rui;
Acabara o suplício e acabara o homem.
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Haicai de
SOLANGE COLOMBARA
São Paulo/SP
BOM ENTARDECER
solzinho de outono
aquece a novata haijin —
sua luz inspira
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Poema de
FILEMON MARTINS
São Paulo/ SP
VERSOS DA NOITE
É noite. O céu azul, todo estrelado,
a brisa perfumada vem do mar,
lembrando aquele sonho do passado,
a teu lado viver, sorrir e amar...
Por que será, destino malfadado,
que a ventura se foi sem começar?
Hoje vejo em ruínas meu reinado
nesta noite tão bela a me saudar.
Breve os clarões da loura madrugada
vão surgir, como prece, em clarinada,
e em borbotões meus versos vão jorrar.
Para que ao lê-los, saibas da verdade:
aqui tens um poeta sem vaidade
que, os teus pés, inspirado vem beijar!
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Poeminha de
A. A. DE ASSIS
Maringá/PR
Fantástico evento:
o fascinante momento
em que o botão
vira rosa.
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Dobradinha Poética de
THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA
São Paulo/SP
AMOR PLATÔNICO
De repente, o seu olhar
encontrei na multidão
e vi a vida passar...
Ele esqueceu... mas, eu não!
* * *
Desconheces que te amo e, com certeza,
não supões quanto eu sofro ao te encontrar.
Em meio à multidão, com que tristeza,
o meu olhar procura o teu olhar!
E passas sem me ver... eu, indefesa,
sufoco a dor, tentando disfarçar
a emoção que mantém a chama acesa
dessa paixão, que só me faz penar!
Ouço a razão... Mas, antes de partir
atendo o apelo do meu coração.
Quero passar por ti... e me iludir
que o teu olhar, amor de minha vida,
encontre, enfim, em meio à multidão,
meu triste e meigo olhar... de despedida!
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Poema de
JÉRSON BRITO
Porto Velho/ RO
RETRATOS
Partiste, mas tenho no peito ferido
Guardadas as cenas, lembranças pungentes
Dalguma esperança talvez as sementes
Ou meros resquícios do amor destruído.
Resgato o retrato das tardes prazentes,
Concertos suaves, jardim colorido,
Romance perfeito, casal embebido
Em mélicos sonhos, desejos ardentes.
Não deixo que o tempo cruel amarele
Aquelas imagens sublimes, bonitas,
A plena expressão de felizes instantes.
Queria sorrir, celebrar como dantes
Em minhas quimeras, senhora, inda habitas.
Não pude esquecer esse olor, essa pele...
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Poema de
RITA MOURÃO
Ribeirão Preto/SP
COLO DE MÃE
Mudei de cadeira, mudei de xícara,
joguei fora o adoçante
e recriei meu café da manhã.
De nada adiantaram as mudanças,
tudo tem outro gosto, tudo é fastio,
tudo é uma esquisitice aguda.
Estou macambúzia, gripada, mas nada dói em meu corpo.
Minha gripe é na alma, congestionada de saudade.
Ah, meu Deus! Dá-me a canequinha de lata,
o tamborete antigo e o colo de mãe
que foram deixados numa cozinha farta de aconchego.
Dá-me o fogão à lenha, o café de um coador de pano
e os meus despreocupados anos de infância .
Hoje eu quero um remédio que me cure
dessa dor inquietante de não ser mais criança.
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Soneto de
LUIZ POETA
(Luiz Gilberto de Barros)
Rio de Janeiro/RJ
COLIBRIZANDO
Fotografei, num flash, um beija-flor.
peguei-o distraído a distrair-me,
movi-me cauteloso e ele ali, firme,
polinizando o meu tímido amor.
Que pássaro feliz... sinto assim,
voando... quando faço poesias,
criando minhas doces fantasias
com cada flor que enfeita meu jardim.
Amei aquele lindo passarinho
tão frágil, com a lírica missão
de abençoar alguém que ele nem vê...
Por isso é que oferto meu carinho
a que quem conversa com meu coração
no instante mais feliz com que me lê.
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Poema de
ÓGUI LOURENÇO MAURI
Catanduva/SP
MULHER...A VIDA!...
A partir dela, começa nova vida...
Mulher, gênese maior da concepção!
Faz-se ímpar protetora do embrião,
Num sublime encargo, por Deus escolhida!
Em seu ventre, traz o feto com amor.
Dá à luz!... A espécie que se perpetua!
Amamenta, por missão somente sua;
No crescer da cria, dá-lhe mais calor.
Vive, dos filhos, as vitórias e fracassos;
Muitas vezes, no lugar de mãe e pai.
São momentos em que sempre sobressai
A intuição do ser mulher ao dar os passos.
Mulher... A vida!... Missão polivalente!
Ela é mãe, tão companheira e tão amante!
Para o homem, faz-se trunfo exuberante,
É com ela que ele põe a vida à frente!
Mulher... A vida!... Coberta só de glória!
Competência a impulsionou rumo à conquista,
Eis que pela sociedade agora é vista
Pari passu ao homem, a fazer a História.
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Poema de
CECÍLIA MEIRELES
Rio de Janeiro RJ, 1901-1964
MÚSICA
Noite perdida,
Não te lamento:
embarco a vida
no pensamento,
busco a alvorada
do sonho isento,
puro e sem nada,
— rosa encarnada,
intacta, ao vento.
Noite perdida,
noite encontrada,
morta, vivida,
e ressuscitada...
(Asa da lua
quase parada,
mostra-me a sua
sombra escondida,
que continua
a minha vida
num chão profundo!
— raiz prendida
a um outro mundo.)
Rosa encarnada
do sonho isento,
muda alvorada
que o pensamento
deixa confiada
ao tempo lento..
Minha partida,
minha chegada,
é tudo vento...
Ai da alvorada!
Noite perdida,
noite encontrada…
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