sábado, 29 de julho de 2017

Anibal Beça (Poemas Escolhidos)

ARS POÉTICA

Nesse afago do meu fado afogado
as águas já me sabem nadador.
A rês na travessia marejada
gado da grei de um mar revelador.

Vou e volto lambendo o sal do fardo
língua no labirinto, ardendo em cor
furtiva, enquanto messe temperada,
da tribo das palavras sou cantor.

Procuro em frio exílio tipográfico
o verbo mais sonoro em melodia
o ritmo para a cal de um pasto cáustico.

Sou boi e sou vaqueiro dia a dia
no laço entrelaçado fiz-me prático
catador de capins nas pradarias.

BOLERO DAS ÁGUAS

O passo no compasso dois por quatro
acode meu suplício de afogado
afastando de mim sedento cálice
em submerso bolero de águas tantas.

A sede dança seca na garganta
curtindo signos, fala ressequida
para a língua de couro, lixa tântala,
alisando palavras rebuçadas.

Quanto alfenim no alfanje que se enfeita
para montar as ancas de égua moura.
Lábia flamenca lambe leve as oiças,

é rito muezim ditando a dança:
no dois pra cá me levo em dois pra lá,
nas águas do regaço vou-me e lavo-me.

JOROPO PARA TIMPLES E HARPA

Em duas asas prontas para o voo
assim se foi em par a minha vida
e com rilhar de dentes me perdoo
trilhando as horas nuas na medida

Bilros tecendo rendas amarelas
bordando em vão um tempo já remoto
no sol dos girassóis da cidadela
canto um recanto que me faz devoto

A dor que existe em mim raiz que medra
no rastro mais sombrio as minhas luas
talvez não fora Sísifo ou a pedra

que encontro todo dia pelas ruas
ao revirar as heras nessa redra
trilhando na medida as horas nuas

MALA COM ALÇA

É da lama essa mala que retiro
para subir a encosta (como a pedra
que Sísifo ainda empurra todo dia)
numa viagem cheia de sequelas.

Não há como negar tantos espinhos
na travessia turva de mistérios
que vão-se descobrindo nos caminhos:
a mão negada, a fome, o vitupério,

o rito solidário que esquecemos
em troca a vaidade transitória.
Somos do barro e ao barro voltaremos.

A verdade do Homem e de sua Hora
vem com mala e alça, disto sabemos,
mais o peso do corpo e sua história.

MANHÃ

A manhã nasce das muitas janelas
deste sereno corpo fatigado,
sede  dos meus caminhos sem cancelas,
na luz de muitos astros albergados.

Casa em que me recolho das mazelas,
dos louros, derroteiros, lado a lado,
para de mim ouvir franca sequela:
Ecce Homo! Eis o triste camuflado.

Essa tristeza antiga em residência,
às vezes se constrói em face alegre,
máscara sem eu mesmo em aparência

num carnaval insólito em seu frege.
O que me salva a cor nessa vivência
é saber que a poesia é quem me rege.

NOSSA LÍNGUA
(para o poeta Antoniel Campos)

O doce som de mel que sai da boca
na língua da saudade e do crepúsculo
vem adoçando o mar de conchas ocas
em mansa voz domando tons maiúsculos.

É bela fiandeira em sua roca
tecendo a fala forte com seu músculo
na hora que é preciso sai da toca
como fera que sabe o tomo e o opúsculo.

Dizer e maldizer do mel ao fel
é fado de cantigas tão antigas
desde Camões, Bandeira a Antoniel,

este jovem poeta que se abriga
na língua portuguesa em verso e fala
nau de calado ao mar que não se cala.

PARA QUE SERVE A POESIA?

De servir-se utensílio dia a dia
utilidade prática aplicada,
o nada sobre o nada anula o nada
por desvendar mistério na magia.

O sonho em fantasia iluminada
aqui se oferta em módica quantia
por camelôs de palavras aladas
marreteiros de mansa mercancia.

De pagamento, apenas um sorriso
de nuvens, uma fatia de grama
de orvalho e o fugaz fulgor de astro arisco.

Serena sentença em sina servida,
seu valor se aquilata e se esparrama
na livre chama acesa de quem ama.

PROFISSÃO DE FÉ

Meu verso quero enxuto mas sonoro
levando na cantiga essa alegria
colhida no compasso que decoro
com pés de vento soltos na harmonia.

Na dança das palavras me enamoro
prossigo passional na melodia
amante da metáfora em meus poros
já vou vagando em vasta arritmia .

No voo aliterado sigo o rumo
dos mares mais remotos navegados
e em faias de catraias me consumo.

É meu rito subscrito e bem firmado
sem o temor do velho e seu resumo
num eterno retorno renovado.

OLHAR

As grades que me prendem são teus olhos,
aquática prisão, cela telúrica,
liana que me enrosca e me desfolha
no tronco tosco dessa árvore lúbrica.

No sol de Gláucia apenas me recolho
e, sendo assim, o sido se faz público
num pelourinho aberto com seus folhos
zurzindo seu chicote em gestos lúdicos.

Perau de feras, circo de centelha
regendo as águas tépidas de escamas
no fogo da (a)ventura da parelha.

Tudo em suor e sal o amor proclama:
No mar do teu olhar a onda se espelha
na chama que me queima e que te inflama.

Olivaldo Junior (Pequeno conto de estrela)

O menino se chamava João. Tinha sete anos e meio. Um detalhe: queria alcançar as estrelas. Já lhe haviam dito que, se quisesse mesmo isso, tinha que ser astronauta. "'Astronáutico'?", dizia ele para si mesmo, que não entendia bem o que uma coisa tinha a ver com outra. Não queria ser nenhum "astronáutico", nem nada, só queria uma coisa: alcançar as estrelas. Seria pedir muito, seria?!

Assim, depois de um tempo, adolescente, seu desejo de alcançar as estrelas foi se diluindo no universo interior de quem tem mais o que fazer que só sonhar com o (im)possível. A mente do pequeno João já fixara bem os mandamentos da vida em duo, em trio, em quarteto, em quinteto, em múltiplos coletivos. A vida em sociedade era o seu alvo. Aliás, de quem não é? Onde seu quorum?

João não tinha muitos amigos. Nunca os teve. Tinha muitos, inúmeros conhecidos. Quantos contatos mesmo no Face? Não sei, não sei. O que sei é que, certo dia, numa noite sem lua, bem preta, um vagalume adentrou o quarto do jovem e, no meio da tela do computador, pousou sua esperança. Um vaga-lume? Sim, um vaga-lume, um resistente. Não se viam muitos mais ultimamente. Será que os pesticidas também estão acabando com eles? João não sabia. O que sabia é que, enfim, sua primeira estrela o alcançara.

Fonte:
O Autor

quinta-feira, 27 de julho de 2017

Olivaldo Júnior (Dois microcontos sobre amizade)

A lanterna da amizade

O Poeta jamais podia supor que encontraria um amigo. Mas, numa esquina de sua vida, num dezembro longínquo, o Músico apareceu em seu caminho e acendeu a luz.

Desde então, por onde quer que vá, uma lanterna, flutuante e amarela luz, o acompanha, dando a ele um sol só seu, mesmo quando a chuva cai, mesmo a interior.

Faz muito tempo que o Músico não visita o Poeta. Mas a lanterna da amizade ainda pisca em certas datas, na esperança de que o Músico, lá de longe, a redescubra.
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O olhar daquele homem

Éramos dois homens e um elo eterno a nos ligar: o da amizade. Havíamos nos encontrado por acaso (se é que existe mesmo o acaso). Seu olhar me dizia tudo de si.

Assim, por um tempo, nos víamos sempre que dava, e quase nunca era fácil. Agendas difíceis, amigos sem Face, fomos ficando longe, você na “China”, e eu, só.

O olhar daquele homem, no entanto, se entranhou no meu e, durante o meu dia, várias vezes é com os olhos dele que eu vejo a vida. Poderia chorar... Mas, hoje, não.

Fonte:
O Autor

terça-feira, 18 de julho de 2017

José Feldman (O Trovador)


O Trovador

         Hoje é o Dia Nacional do Trovador. E, em homenagem a este dia, tantas e tantas trovas são colocadas. Mas, afinal quem é o trovador?
         Trovas são os nossos sonhos, nossos momentos de tristeza, de revolta, de solidão, de alegria, de amor, de fé.
         Os trovadores carregam dentro de si uma bagagem enorme de suas realizações, decepções, sonhos e principalmente, doação.
         O trovador doa-se, para poder compartilhar o momento com os outros. É como se recebesse um pão e deste fizesse brotar tantos e tantos pãezinhos para que pudesse saciar a nossa fome de esperança.
         O trovador é coração, é alma, é sangue, é lágrima, é riso.
         O trovador busca em cada cantinho escondido da vida um mínimo que seja de um grão de areia para poder mostrar ao mundo, e transformar este grão em uma praia enorme para que todos possam aproveita-la e se encantar com a maravilha que é um mero grão.
         O trovador é luz. É luz que ilumina o caminho de muitos que vivem nas trevas. É luz daqueles que a perderam nas encruzilhadas da vida.
         O trovador é sonho. Tantos sonhos são sonhados, e o trovador carrega nestes quatro versos sonhos que se perderam na névoa do tempo.
         Enfim, o trovador é amor. É o amor dos apaixonados, o amor dos casados e dos que ainda um dia irão amar. É o amor de amigos, o amor ao próximo, o amor aos animais.
         O trovador foi, é e sempre será VIDA!
         Meus parabéns a todos os trovadores, todos que batalharam e batalham para manter esta chama acesa.
         São tantos nomes, por isto deixo os meus parabéns a TODOS OS TROVADORES E AMANTES DA TROVA.
         E em especial o meu muito obrigado a Luiz Otávio, nosso mestre maior, o estopim do movimento trovadoresco.
(José Feldman)
 

Artur de Azevedo (Poemas Escolhidos)


AS ESTÁTUAS

No dia em que na terra te sumiram,
Eu fui ver-te defunta sobre a essa*,
Fechados para sempre — oh, sorte avessa!
Aqueles olhos que me seduziram.

À luz do sol uma janela abriram,
E o jardim avistei onde, oh, condessa,
Uma noite perdemos a cabeça,
E as estátuas de mármore sorriram...

Saíste por aquela mesma porta
Onde outrora os teus lábios me esperaram,
Cheios do amor que ainda me conforta.

Quando o jardim saudoso atravessaram
Seis homens com o esquife em que ias morta,
As estátuas de mármore choraram!
________________
*estrado alto sobre o qual se coloca o ataúde ou a representação de um morto a quem se deseja prestar honras

ETERNA DOR 

Já te esqueceram todos neste mundo...
Só eu, meu doce amor, só eu me lembro,
Daquela escura noite de setembro
Em que da cova te deixei no fundo.

Desde esse dia um látego iracundo
Açoitando-me está, membro por membro.
Por isso que de ti não me deslembro,
Nem com outra te meço ou te confundo.

Quando, entre os brancos mausoléus, perdido,
Vou chorar minha acerba desventura,
Eu tenho a sensação de haver morrido!

E até, meu doce amor, se me afigura,
Ao beijar o teu túmulo esquecido,
Que beijo a minha própria sepultura!
________________

MUSA INFELIZ

Todo o cuidado nestas rimas ponho;
Musa, peço-te, pois, que me remetas
Versos que tenham rútilas facetas,
E não revelem trovador bisonho.

Meia noite bateu. Sai risonho...
Brilhava - oh, musa, não me comprometas! -
O mais belo de todos os planetas
N'um céu que parecia um céu de sonho.

O mais belo de todos os prazeres
Gozei, à doce luz dos olhos pretos
Da mais bela de todas as mulheres!

Pobres quartetos! míseros tercetos!...
Musa, musa infeliz, dar-me não queres.
O mais belo de todos os sonetos!...
________________

O MURO

Com justa maldição já te não falto,
Desalmado pedreiro, que tão alto
Fizeste o muro de jardim que cerca,
A habitação da minha namorada!

Baldado esforço! Qual o quê! Não salto!
Não quero espapaçar-me neste asfalto!
Fortuna, amor, prazer, tudo se perca!
Ah, maldito pedreiro, alma danada!

Furioso diante das paredes altas,
Consolação debalde vos procuro,
Peito que saltas, perna que não saltas!

Que lamente, que chore o fado escuro,
Quem fora o mais ditoso dos peraltas,
Se não fosse tão alto aquele muro!
________________

O RELÓGIO

Quando não vens, formosa desumana,
E, saudoso de ti, sem ti me deito,
Fica tão esperançoso o nosso leito,
Que me parece o campo de Sant'Ana!

Quando não vens, oh, pálida tirana,
Torna-se lúgubre o quartinho estreito!
Com muitas flores, flor, debalde o enfeito:
Falta-lhe a flor das flores soberana.

Se vens, é natural que isso me apraza;
Mas, se não vens, quanta amargura, quanta!
As próprias coisas sentem n'esta casa!

É o relógio, porém, que mais me espanta,
Pois, se não vens, o mísero se atrasa,
E, se vens, o ditoso se adianta!
________________

SONETO DRAMÁTICO

"O Incesto". Drama em 3 atos. Ato primeiro:
Jardim. Velho castelo iluminado ao fundo.
O cavaleiro jura um casto amor profundo,
E a castelã resiste... Um fâmulo matreiro

Vem dizer que o barão suspeita o cavaleiro...
Ele foge, ela grita... — Apito! — Ato segundo:
Um salão do castelo. O barão, iracundo,
Sabe de tudo... Horror! Vingança! — Ato terceiro:

Em casa do galã, que, sentado, trabalha,
Entra o barão armado e diz: "Morre, tirano,
Que me roubaste a honra e me roubaste o amor!"

O mancebo descobre o peito. — "Uma medalha!
Quem ta deu?!" — "Minha mãe!" — "Meu filho!" Cai o pano...
À cena o autor! à cena o autor! à cena o autor!
________________

TERTULIANO, O PASPALHÃO

Tertuliano, frívolo peralta,
Que foi um paspalhão desde fedelho,
Tipo incapaz de ouvir um bom conselho,
Tipo que, morto, não faria falta;

Lá um dia deixou de andar à malta
E, indo à casa do pai, honrado velho,
A sós na sala, diante de um espelho,
À própria imagem disse em voz bem alta:

— Tertuliano, és um rapaz formoso!
És simpático, és rico, és talentoso!
Que mais no mundo se te faz preciso?
Penetrando na sala, o pai sisudo,
Que por trás da cortina ouvira tudo,
Severamente respondeu: — Juízo!
________________

33 GRAUS À SOMBRA

Calor que os colarinhos me descolas,
Vê como tenho as roupas ensopadas!
Já tomei não sei quantas cajuadas!
Já gastei não sei quantas ventarolas!

Canícula que a toda a gente amolas
E me privas de algumas namoradas.
As pobres ficam; as remediadas,
Perseguidas por ti, vão dando as solas!

Do nosso "high-life" as pálidas donzelas,
Como um bando travesso de andorinhas
Para as montanhas vão, batendo as asas...

Sem me dizer adeus, voou com elas
A mais gentil das namoradas minhas!
Dize, meu anjo, é certo que te casas?
________________

VEM

Escrúpulos?...Escrúpulos!...Tolice!...
Corre aos meus braços! Vem! Não tenhas pejo!
Traze o teu beijo ao encontro do meu beijo,
E deixa-os lá dizer que isto é doidice!

Não esperes o gelo da velhice,
Não sufoques o lúbrico desejo
Que nos teus olhos úmidos eu vejo!
Foges de mim?... Farias mal? .... Quem disse?

Ora o dever! - o coração não deve!
O amor, se é verdadeiro, não ultraja
Nem mancha a fama embora alva de neve.

Vem!... que o sangue férvido reaja!
Amemo-nos, amor, que a vida é breve,
E outra vida melhor talvez não haja!

Como Escrever um Limerique

Um limerique é um poema curto, cômico e quase musical que beira o absurdo ou o obsceno. O nome do poema é geralmente considerado como uma referência à cidade irlandesa de Limerick, que é onde acredita-se tenha tido origem, mas seu uso foi documentado pela primeira vez na Inglaterra em 1846, quando Edward Lear publicou A Book of Nonsense, (e, portanto, o dia do Limerique é celebrado no seu aniversário, 12 de maio). Para escrever um, você precisa de um pouco de prática, mas não vai demorar para você ficar viciado em criar rimas espirituosas e imaginativas.

1
Aprenda as características básicas de um limerique.

Padrão de rimas. Um limerique tem cinco versos: o primeiro, o segundo e o quinto rimam entre si, e o terceiro e o quarto entre eles.

Número de sílabas. O primeiro, segundo e quinto versos devem ter oito ou nove sílabas, enquanto o terceiro e o quarto devem ter cinco ou seis.

Métrica. Um limerique tem um certo “ritmo” criado pela ênfase dada às sílabas.

Verso Anapéstico – duas sílabas curtas seguidas por uma longa (pa-pa-pam, pa-pa-pam) 

Aqui vai um exemplo (note que a ênfase naturalmente cai nas sílabas entre aspas): 
Es-ta-“rei” a-ma-“nhã” por-a-“qui”/ Es-tu-“dan”-do,o-ter-“ná”-rio-ca-“paz”

Verso Anfíbraco – uma sílaba longa entre duas curtas (pa-pam-pa, pa-pam-pa. Exemplo: 

No-“ber”-ço pen”den”te de “ra”mos flo”ri”dos/Em “que eu” peque”ni”no fe”liz” dormi”ta”va.

Os versos podem começar com duas, uma ou ocasionalmente nenhuma sílaba átona. Alguns preferem continuar o ritmo de uma linha para a próxima, especialmente quando uma frase continua na linha seguinte, mas isso não é essencial.

2
Escolha o fim do seu primeiro verso, geralmente um lugar. Por exemplo, São “Pau”lo. Note que a primeira sílaba de Paulo é tônica, resultando em uma sílaba curta no fim do verso. Outro exemplo: Bau”ru”. Note que a segunda sílaba de Bauru é tônica.

3
Pense em diversas palavras que rimem com o fim do primeiro verso. Deixe a história e a graça do seu limerique se originarem das rimas que pensar. Desse modo você vai parecer engraçado, espirituoso e esperto. 

Exemplo 1: Como a sílaba tônica de Paulo é a primeira, você terá que rimar a palavra toda. Algumas palavras que vêm à mente: alto, falo, calo, calvo, fidalgo. 

Exemplo 2: Em Bauru a sílaba tônica é a segunda, então você só precisa encontrar uma rima para ela. Algumas palavras que vêm à mente: Canguru, jaburu, baiacu. Anote sua própria lista.

4
Faça associações com as palavras rimadas. 

Exemplo 1: Com palavras como alto, calvo e fidalgo você pode fazer um limerique sobre um senhor e suas qualidades. 

Exemplo 2: Com a combinação azul, baiacu e jaburu, você pode pensar em um limerique sobre animais coloridos. Vá pela lista que criou e invente pequenas histórias sobre o que pode ter acontecido e como suas ideias podem estar relacionadas.

5
Escolha uma história que te atraia, e decida quem é a pessoa que você introduz no primeiro verso. O que é importante sobre ela? Você vai se concentrar na profissão ou status social dela, ou na idade, saúde ou fase da vida? 

Exemplo 1: Para o limerique de São Paulo, você pode escolher a palavra “idoso.” 

Exemplo 2: Para o limerique de Bauru, você pode escolher “animais”.

6
Escreva o primeiro verso de acordo com a métrica. 

Exemplo 1: A sílaba tônica de idoso é a segunda. Em São Paulo, a sílaba do meio é a tônica. Isso significa que precisamos de mais três sílabas, e a do meio deve ser tônica. Então temos: “Um homem idoso de São Paulo.” 

Exemplo 2: Animais é formado por duas sílabas curtas e uma longa. Combinado com Bauru, isso nos deixa com quatro sílabas restantes. Você pode resolver isso, por exemplo, assim: Animais no fogão em Bauru.

7
Escolha uma situação ou ação com a qual começar o limerique. Esse é o início da sua história ou piada. Use uma das rimas da lista. 

Exemplo 1: “Um homem idoso de São Paulo, era bom, mas um tanto calvo.” 

Exemplo 2: “Animais no calor de Bauru, era um cachorro e um baiacu.” Note como a rima no verso 2 parece se adequar com o assunto do verso 1, quando na verdade é o contrário.

8
Pense em uma reviravolta para sua história, tendo em mente as rimas do terceiro e quarto verso, mas salve a piada para o último verso. 

Exemplo 1: Algumas partes da história podem ficar avacalhadas, já que limeriques muitas vezes beiram o obsceno. Por exemplo, você pode fazer os hormônios do herói se descontrolarem (sem deixar muito explícito). Que tal: “Ele sempre sonhava, que uma moça amava ”? 

Exemplo 2: Pensando em baiacu e jaburu, você pode ter percebido como animal é uma palavra com muitas rimas.

9
Volte para a sua lista de rimas e encontre uma boa para encerrar a história com uma boa piada. Essa é a parte mais difícil. Não desanime se os seus primeiros limeriques não são engraçados o bastante. Lembre-se primeiramente de que é tudo uma questão de gosto e em segundo lugar: tudo precisa de prática. 

Exemplo 1: “Um homem idoso de São Paulo, era bom, mas um tanto calvo. Ele sempre sonhava, que uma moça amava, mas ele caiu do cavalo.” 

Exemplo 2: “Animais no calor de Bauru, era um cachorro e um baiacu.” “Foram cozidos, quase comidos, mas tinham sabor de jaburu.”

Dicas

Passe por todo o alfabeto para achar rimas. Isso vai te ajudar a lembrar rapidamente de um grande número de rimas. Por exemplo, pegue a palavra “Wiki” e troque o W por todas as letras do alfabeto. Quando você tiver passado mentalmente por todas as 26 letras, você terá: dique, fique, pique, tique. Também há dicionários de rima que podem ajudar.

Tente começar a primeira linha com “Era uma vez um ____ de ____”. Assim fica mais fácil.

Escolha animais, plantas ou pessoas como tópicos no começo. Não comece com nada abstrato demais.

Se você estiver sem saber como continuar, tente dar uma olhada em alguns limeriques que outras pessoas escreveram. Os limeriques de cada escritor tem sua atmosfera especial. Você nunca sabe qual deles pode quebrar seu bloqueio de escritor.

Bata palmas quando ler seus limeriques em voz alta. Isso vai te ajudar com a métrica do poema, e a verificar se está com o ritmo certo.

No Brasil, a arte do limerique também foi representada por escritores como Joaquim de Sousândrade e Clarice Lispector, sendo que os mais famosos foram escritos pela escritora de livros infantis Tatiana Belinky.

Poemas de amor são difíceis de escrever. Limeriques são piadas, não poemas de amor.

Quando você tiver dominado o básico, experimente rima interna, aliteração ou assonância para deixar seu poema ainda mais especial.

Exemplo de Limeriques

1
Ao ver uma velha coroca
fritando um filé de minhoca
o Zé Minhocão
falou pro irmão:
“Não achas melhor ir pra toca?”
Tatiana Belinky

2
Amarrei uma fita no dedo
Para não esquecer o segredo
Mas, reparem que azar
Esqueci de lembrar
Ai, que medo!
Tatiana Belinky

3
"Tremelique" ataca no escuro
(O susto é um páreo duro!)!
O cara atacado
É um gato escaldado
Que vive em cima do muro!
Tatiana Belinky

4
Eu ontem comi agrião
Temperado com açafrão
 Me deu um piriri
Que quase morri
Com minhas calças na mão!
Pedro Antônio de Oliveira

5
Pela longa rua da feira
tem tudo de bom e primeira;
vê-se a granel,
quentinho. pastel...
Tem até gente barraqueira.
Nilton Manoel

6
Professor, é com letra de mão?
Sim! cursiva nesta lição.
Quem escreve de pé
tendo no aluno fé,
é professor de profissão.
Nilton Manoel

Fonte principal:
http://pt.wikihow.com/Escrever-um-Limerique

segunda-feira, 17 de julho de 2017

Maria Thereza Cavalheiro (O Bom Trovar : Como contar as sílabas poéticas - Escansão)

Vimos que cada verso da trova deve ter sete sílabas poéticas, que não são contadas da mesma forma que as gramaticais. As poéticas contam-se pela emissão de voz (fusão ou junção de sons), agrupando-se as sílabas, geralmente quando há o encontro de duas ou mais vogais fracas, ou, pelo menos, quando apenas uma delas é forte.

As sílabas poéticas de cada verso são contadas até a última sílaba forte, também chamada tônica, aguda ou longa. Convém ler os versos em voz alta, contá-los nos dedos e seguir o ouvido. Quando houver dúvida, fazer a escansão do verso para ver se não está de pé quebrado (nota do CDV: pé quebrado é quando o verso tem menos de 7 sílabas). Escandir um verso é dividi-lo em seus elementos métricos. Na contagem das sílabas, procede-se como se não houvesse pontuação.

Vamos escandir uma trova como exemplo, colocando barra entre as sílabas poéticas (cada uma com uma emissão de voz), e pondo duas barras após a última sílaba tônica:

Felicidade, surpresa
que a vida às vezes nos faz…
Não tem base nem firmeza,
e, como é linda, é fugaz.
COLOMBINA

Fe/li/ci/da/de/ sur/pre//sa
quea/ vi/dás/ve/zes/ nos/ faz//
Não/ tem/ ba/se/ nem/ fir/me//za
e/co/moé/ lin/ dé/ fu/gaz//

Observe-se que as sílabas de cada verso são contadas até a última tônica (pre, faz, me, gaz) e cada verso tem sete sílabas poéticas, contadas pela emissão de voz. No 1o e 3o verso do exemplo não se conta a última sílaba gramatical de cada uma (sa, za), que vem depois das duas barras por ser fraca. A sílaba fraca, aquela que não tem acento tônico, é também chamada átona, grave ou breve.

Assim, o 1o e 3o verso são versos graves, enquanto o 2o e o 4o são versos agudos. Os agudos são os que terminam por sílaba tônica, acentuada. Do ponto de vista gramatical, as últimas palavras do 1o e 3o verso são paroxítanas; no 2o e no 4o, oxítonas. Em trova, são muito pouco usados os versos esdrúxulos, que é quando o acento tônico cai na antepenúltima sílaba, caso das palavras proparoxítonas,e, aí, desprezam-se as duas últimas sílabas gramaticais, como no no 1o e no 3o verso da trova a seguir:

É todo prazer do vândalo
destruir o que é sagrado:
“o machado fere o sândalo
para ficar perfumado”.
RODOLFO C. CAVALCANTE


 Fonte: CAVALHEIRO, Maria Thereza. Trovas para refletir. SP: Edição do Autor, 2009.

domingo, 16 de julho de 2017

Conto de Papua-Guiné (Indigam Toruai – O grande peixe)

Há muitos dias que não chovia. A água estava límpida, o rio baixo. Não podia haver melhor altura para a pesca.

Os rapazes de Kamberap preparavam as azagaias.

— É trabalho em vão — diziam os homens. — Não ides apanhar nada. Até as garças sabem que no rio Xilil já não há peixe.

— Mas nós queremos subir o rio até à foz do Troali — disseram os rapazes.

— Trabalho ainda mais inútil — disseram os homens. — Mas ide lá e tentai a sorte.

Os rapazes foram sentar-se à sombra dos hibiscos que rodeavam a praça da aldeia. Estavam em silêncio. Cada qual pensava para si se valeria ou não a pena levar a cabo a planeada pescaria.

Foi então que surgiu Bonifo com um grande peixe.

Yamandau foi o primeiro a vê-lo.

— Indigam! — gritou. — Indigam toruai! (Um peixe grande!)

Os rapazes levantaram-se de repente e correram para Bonifo, cercaram-no, admiraram e apalparam o peixe, queriam saber quando, onde e como é que Bonifo o tinha apanhado e assediavam-no com perguntas.

Bonifo não respondia. Só se ria e segurava o peixe no ar para o manter fora do alcance dos rapazes. Eles deram um passo para trás. O círculo à volta de Bonifo alargou-se e a confusão das vozes calou-se. Só Yamandau perguntava insistentemente:

— Diz-nos lá, Bonifo, onde é que o arranjaste?

— No sítio onde há muitos como este — respondeu Bonifo sorrindo de contente e pondo-se novamente a andar.

Agora já nada detinha os rapazes. Dispararam para casa, trouxeram as setas, correram para junto de Koere a pedir-lhe cestos para apanhar peixe, e em seguida abalaram todos para o rio.

O resto do dia foi passado no Yilil. Koere, que viera com eles, também ficou e ajudou os rapazes no que pôde. Preparou as setas, substituiu as pontas partidas por outras de tapioca, novas e duras, ensinou-os a atirar as setas e mergulhou nas partes mais fundas do rio para verificar pessoalmente se aí havia peixe ou não.

Havia peixes … aqui e ali, mas eram tão minúsculos que não valia a pena apontar-lhes uma seta nem perder tempo a pôr os cestos. O entrançado era demasiado imperfeito, de modo que os cestos não reteriam peixe algum. Para Koere isto era evidente.

Mas para os rapazes é que não. Estavam confiantes e não iriam desistir. Mesmo que todos os meios falhassem, restava sempre uma outra possibilidade: a magia!

Mesmo que os rapazes nunca tivessem visto, todos sabiam que os velhos da tribo conheciam uma forma de enfeitiçar os peixes através de fórmulas e canções mágicas. O líquido atordoante das lianas venenosas deixava os peixes cansados e sem forças, e tornava-se até possível apanhá-los à mão.

— Porque não tentamos? — perguntou Yamandau. — Já experimentámos tudo o resto, porque não a magia com as lianas?

Koere meneou a cabeça:

— Aqui não há as lianas certas para isso. Só nas montanhas, lá em cima.

— Não faz mal — disse Yamandau. — Usamos lianas daqui e fazemos nós a nossa magia.

Koere voltou a menear a cabeça.

— Não sabemos as palavras mágicas — disse.

— Não faz mal — insistiu Yamandau. — Inventamos nós as palavras mágicas.

Koere foi buscar lianas. Cortou-as em pedaços, atou-as e deu a cada rapaz um feixe de caules duros mas maleáveis. Os rapazes estenderam os feixes nas pedras da margem, procuraram seixos duros do tamanho de um punho e bateram com eles nos caules até as lianas se desfazerem e o sumo começar a escorrer.

Procediam exatamente como faziam os velhos com a magia autêntica das lianas, só que não eram nem as lianas certas nem as palavras mágicas certas.

Ainda assim, enquanto Yamandau batia no feixe de lianas, lembrou-se de uma canção que de certeza seria tão boa como qualquer outra fórmula mágica:

Indigan tangane O peixe está aqui
Kolop, kolop venham, venham
Kawaikare muitos!

Yamandau cantava com todas as suas forças, enquanto batia na água, tão cheio de raiva e de desapontamento pelo fracasso daquele dia passado no rio, que até fazia espuma e salpicava tudo à sua volta. A sua canção ecoava no barranco, misturando a voz de Yamandau com a de Koere e a dos outros rapazes, e com o eco que vinha de todos os lados. O bater das lianas na água marcava o compasso da música, como fazem os tambores nas festas da aldeia.

Antes do sol se pôr, os rapazes fizeram-se a casa. Estavam cansados e esfomeados. O máximo que tinham conseguido apanhar nesse dia foram sete caranguejos.

Assaram-nos num pequeno fogo à beira do rio e comeram-nos antes de subirem o monte a caminho da aldeia, já de noite.

Mas não foram logo para casa. Primeiro, passaram pela casa de Bonifo para ver se este já tinha comido o peixe. Ainda não! Ali estava ele, numa folha de bananeira, ao lado do fogão, assado, aloirado e tostado. Os rapazes ficaram de olhos perdidos no peixe.

Do fundo da varanda, Bonifácio exclamou:

— Até que enfim! Deixaram-me à tanto tempo à vossa espera! Subam.

Subiram à varanda. Bonifo foi ter com eles. Debruçou-se sobre o peixe, partiu-o e deu a cada um deles um pedaço de carne branca e bem cheirosa, e ainda uma porção de purê de tapioca.

— Que bem que isto sabe! — disse Yamandau. E passado algum tempo:

— Diz-nos lá, Bonifo, como é que apanhaste o peixe! Foi com magia?

— Não — respondeu Bonifo.

— Então? — exclamaram os rapazes.

— Com cocos — disse Bonifo, rindo-se divertido.

Os rapazes não perceberam. Bonifo soltou uma gargalhada e explicou-lhes. Tinha trocado o peixe por dois cocos… no mercado de Green River…

Fonte:
Lene Mayer-Skumanz (org.). Hoffentlich bald. Wien, Herder Verlag, 1986. Disponível em Contos de Encantar

sábado, 15 de julho de 2017

Olivaldo Júnior (O catador)

Fazia um frio descomunal na Cidade. Quatro, cinco horas da manhã, e lá se ia. Não era velho nem jovem. Estava ao meio da vida e à margem de si. Sussurro seu nome, mas ele não ouve. Nem a ninguém, nem a mim. Sua única preocupação é passar a madrugada nas ruas fazendo o menor barulho possível. Assim, é fácil catar o lixo das casas, que dormem, sonham, esperam o dia. Para ele, o dia não vem. Quando chega, está em casa, na cama, coruja humana que só vai despertar com o primeiro raio lunar em seu rosto. Então, como se fosse um artista, paramenta-se todo e, com a cara limpa, palhaço às avessas, conversa com o cão que cria com restos de janta e se vai. Logo, não é nem mais visto com seu carrinho de lata, com sua cara de quem já teve outra vida. Vivo, fareja a sucata que pode lhe dar um pão mais quentinho, um leite mais puro no dia seguinte. Tento esperá-lo, mas o sono me vence e nunca o encontro. Triste, me deito e, de vez em quando, num sonho qualquer, lá está ele, o catador que se infiltra nas latas de lixo, em nossas calçadas, no vão das lixeiras, em busca de... Não, não pode ser! Detrás de seu rosto, outro rosto se vê! Não, não pode ser!... O catador de meus sonhos, quem diria, sou eu!

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