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quarta-feira, 25 de abril de 2018
Augusto Gil (Livro D'Ouro da Poesia Portuguesa vol.3) I
Il pleure dans mon coeur
Comme il pleut sur la ville.
Verlaine
“A Vicente Arnoso”
Batem leve, levemente
Como quem chama por mim...
Será chuva? Será gente?
Gente não é certamente
E a chuva não bate assim...
É talvez a ventania;
Mas há pouco, há pouquinho,
Nem uma agulha bulia
Na quieta melancolia
Dos pinheiros do caminho...
Quem bate assim levemente
Com tão estranha leveza
Que mal se ouve, mal se sente?...
Não é chuva, nem é gente,
Nem é vento com certeza.
Fui ver. A neve caía
Do azul cinzento do céu
Branca e leve, branca e fria...
– Há quanto tempo a não via!
E que saudades, Deus meu!
Olho-a através da vidraça.
Pôs tudo da cor do linho.
Passa gente e quando passa
Os passos imprime e traça
Na brancura do caminho...
Fico olhando esses sinais
Da pobre gente que avança
E noto, por entre os mais,
Os traços miniaturais
Duns pezinhos de criança...
E descalços, doloridos...
A neve deixa inda vê-los
Primeiro bem definidos,
-Depois em sulcos compridos,
Porque não podia ergue-los!...
Que quem já é pecador
Sofra tormentos, enfim!
Mas as crianças, Senhor,
Porque lhes dás tanta dor?!...
Porque padecem assim?!...
E uma infinita tristeza
Uma funda turvação
Entra em mim, fica em mim presa.
Cai neve na natureza...
– E cai no meu coração.
TOADA PARA AS MÃES ACALENTAREM OS FILHOS
“À Bertha Cayolla Gil Vianna”, minha sobrinha
Oh Desgraça! vai-te embora,
Que esta linda criancinha
Andou no meu ventre e agora
Trago-a nos braços. É minha!...
Do berço, segue-me os passos;
Onde eu vou, seus olhos vão...
E quando a aperto nos braços
-Abraço o meu coração.
Quando o seu choro receio,
Embalo-a, faço que aceite
A alegria do meu seio
Na brancura do meu leite...
E quando assim não descansa,
Que tristezas me consomem!
– Mas antes chore em criança
Que depois, quando for homem...
Se ao da-lo ao mundo sofri
Tormentos, ânsias mortais,
Desgraça, vai-te d'aqui,
O que pretendes tu mais?!
Bate as asas, mas ao voares,
Não me apagues esta estrela.
Se alguém d'aqui precisares,
– Aqui me tens, em vez dela!
Tocam ás ave-marias.
Foi-se o sol. Não vem a lua.
Luzinha que me alumias,
Que sorte será a tua?...
Riquezas tenhas tão grandes,
E tal bondade também,
Que ao redor d'onde tu andes
Não fique pobre ninguém.
Que a todos chegue a ventura:
Toda a boca tenha pão,
Toda a nudez cobertura,
Toda a dor, consolação...
Mas se o ouro é mau caminho,
– Antes tu venhas a ser
O pobre mais pobrezinho
De quantos pobres houver.
Iremos por esses montes
Altos e azuis, como os céus...
Que onde há frutos e onde há fontes,
– Está a mesa de Deus!
E, quando a neve cair
E as seivas adormecerem,
Iremos então pedir...
(Aceitar o que nos derem!)
Andaremos á mercê
Dos gênios bons, e dos falsos,
Léguas e léguas a pé,
Rotinhos, magros, descalços...
E onde houver urzes e tojos*,
Pedras que rasgam a pele,
Porei o corpo de rojos**
– Passarás por cima dele!
Dorme, dorme, meu menino,
Foi-se o sol. Nasceu a lua.
Qual será o teu destino?
Que sorte será a tua?...
Se um crime tens de fazer,
Antes fique vago um trono,
Antes um palácio a arder,
– Do que uma enxada sem dono...
Se, porém, no teu destino,
Há tão cruentos sinais,
Dorme, dorme, meu menino,
– Não tornes a acordar mais!
______________________________
NOTA:
* Urzes e Tojos = tipos de arbustos
** Rojos = de rastos
___________________
O PASSEIO DE SANTO ANTÔNIO
“A Columbano”
La fleur des traditions nationales est flétrie. Mais libre a tous
de puiser, dans l'herbier cosmopolite des legendes, les admirables
pretextes à fiction qu'il recèle.
(Litterature à Tout á L'Heure.)
Saíra Santo Antônio do convento,
A dar o seu passeio acostumado
E a decorar, num tom rezado e lento,
Um cândido sermão sobre o pecado.
Andando, andando sempre, repetia
O divino sermão piedoso e brando,
E nem notou que a tarde esmorecia,
Que vinha a noite plácida baixando...
E andando, andando, viu-se num outeiro,
Com árvores e casas espalhadas,
Que ficava distante do mosteiro
Uma légua das fartas, das puxadas.
Surpreendido por se ver tão longe,
E fraco por haver andado tanto,
Sentou-se a descansar o bom do monge,
Com a resignação de quem é santo...
O luar, um luar claríssimo nasceu.
Num raio dessa linda claridade
O Menino Jesus baixou do céu,
Pôs-se a brincar com o capuz do frade.
Perto, uma bica d'água murmurante
Juntava o seu murmúrio ao dos pinhais.
Os rouxinóis ouviam-se distante.
O luar, mais alto, iluminava mais.
De braço dado, para a fonte, vinha
Um par de noivos todo satisfeito.
Ela trazia ao ombro a cantarinha,*
Ele trazia... o coração no peito.
Sem suspeitarem de que alguém os visse,
Trocaram beijos ao luar tranquilo.
O menino, porém, ouviu e disse:
– Oh Frei Antônio, o que foi aquilo?...
O santo, erguendo a manga de burel**
Para tapar o noivo e a namorada,
Mentiu numa voz doce como o mel:
– Não sei que fosse. Eu cá não ouvi nada...
Uma risada límpida, sonora,
Vibrou com timbres d'ouro no caminho.
– Ouviste, Frei Antônio? Ouviste agora?
– Ouvi, Senhor, ouvi. É um passarinho...
– Tu não estás com a cabeça boa...
Um passarinho a cantar assim!...
E o pobre Santo Antônio de Lisboa
Calou-se embaraçado, mas por fim,
Corado como as vestes dos cardeais,
Achou esta saída redentora:
– Se o Menino Jesus pergunta mais,
...Queixo-me á sua mãe, Nossa Senhora!
Voltando-lhe a carinha contra a luz
E contra aquele amor sem casamento,
Pegou-lhe ao colo e acrescentou: Jesus,
São horas... -E abalaram pro convento.
________________
Nota:
* Cantarinha: espécie de cântaro bastante bojudo e com boca de grande diâmetro.
** Burel: tecido grosseiro de lã, geralmente pardo, marrom ou preto, usado na vestimenta de alguns religiosos.
Fonte:
Augusto Gil. Luar de Janeiro. Lisboa: A Lanterna, 1909
terça-feira, 24 de abril de 2018
Arnaldo Forte (Livro D'Ouro da Poesia Portuguesa vol. 2) I
Naquela valsa que dançamos, lenta e linda,
Num baile onde, ao acaso, um dia te encontrei,
Sem qu'rer, fiz-te chorar. Eu lembro-me ainda!
Foi toda a minha vida... a valsa que dancei!
Senti a tua alma entrar dentro da minha;
E ouvi teu coração falar muito baixinho.
E ainda pressenti que a tua alma tinha
Anseios de contar soluços de carinho.
Sentindo as tuas mãos nas minhas a queimar,
Eu disse-te orações... e ouvi-te murmurar
Palavras que de cor meu peito diz ainda!
Vejo-te assim; juntinha a mim, d'olhos fechados...
Eu sinto que nós dois andamos abraçados,
Dançando devagar, aquela valsa linda!
FRIA
Qu'importa o teu olhar seja tão lindo,
E tenha a cor da luz que tem o dia?
Qu'importa o teu sorriso doce, infindo,
Se és fria, como a pedra, fria, fria!
Qu'importa esse teu corpo, se não sente!?
A alvura do teu colo sempre a arfar,
Se não tem o calor que dá á gente,
A força p'ra viver e para amar?!
Amor, no teu olhar eu tenho lido aos poucos,
Anseios esquisitos, sonhos loucos...
E és fria como a lousa em cemitério!
Envolta nesse manto de Beleza,
Quando olho dos teus olhos a frieza,
Eu quedo-me a cismar nesse mistério!
TEUS OLHOS FALAM MÁGOAS...
Os teus olhos magoados dizem tanto!
Aos meus olhos, sem qu'rer, têm contado
As mágoas, os sorrisos, mais o pranto,
Que teus olhos magoados tem chorado.
Teus olhos magoados vão no berço
Do meu peito, e dormem de mansinho.
Teus olhos,-Padre-Nossos– são d'um terço,
Contas d'Amor, que eu rezo tão baixinho...
Teus olhos magoados são dois beijos.
São promessas, sonhos, são desejos...
E eu trago os olhos teus no coração.
São a luz da minh'alma entristecida;
Teus olhos magoados são a Vida,
E o sol da minha vida também são!
VIOLETAS ROXAS
Inda tenho as florzinhas inquietas,
Que beijaram teus seios pequeninos,
Através d'essas rendas indiscretas,
Sob entremeios brancos e tão finos!
Flor's que dos teus lábios coralinos
Ouviram confidências tão secretas,
E que teus dedos brancos, peregrinos,
Deitaram fora... Pobres Violetas!
Perdidas pela sala e desatadas,
Encontrei-as, as pobres, requeimadas,
Ainda cheias desse teu encanto!
Mas lá 'stão inquietas e viçosas,
As que olharam teus seios vergonhosas...
Reviveram nas águas do meu pranto.
A MINHA ALMA JÁ MORREU...
Eu não te disse, Amor? Minh'alma já morreu
Cansada de esperar teus olhos num anseio!
Cansada de rezar baixinho o nome teu.
A noite era tão linda! E o teu olhar não veio!
E o teu olhar não trouxe a sombra dum carinho
Á minha pobre alma exausta de sofrer!
Luar! Tanto Luar havia no caminho...
E a luz do teu olhar não quis vê-la morrer!
O teu olhar matou-a! E não quiseste vir
Trazer-lhe uma grinalda branca do teu rir.
Ao menos murmurar baixinho uma oração!
Amor, sempre julguei que as tuas mãos pequenas,
Branquinhas como duas açucenas,
Viessem ajeitar minh'alma no caixão!
VENDIDA
Vendeste a tua boca, aquela que beijara
Purinha e a sorrir, meus versos a chorar.
Vendeste as tuas mãos, febris que eu apertara,
E outr'ora já por mim se ergueram a rezar.
Vendeste o teu olhar, e o corpo airoso e lindo,
Enlevo do meu sonho, a luz do meu viver.
Vendeste o teu sorrir, sorriso doce, infindo...
Que fora para mim alívio de sofrer!
E nem sequer tens pena! És d'el' que te comprou!
Vender's a tua boca, aquela que beijou
Meus versos a chorar por ti n'uma paixão!
És minha? És d'ele? És minha á luz do sentimento!
Tu vives d'este amor. É meu teu pensamento.
És minha! Não vendeste ainda o coração.
UM PECADO
Silhuete do Amor, corpinho d'anfora, esguia!
Olhar sonhando a rir, promessas e desejos.
Brasa a queimar, a arder, acesa á luz do dia...
Boca tão linda... e boca virgem dos meus beijos!
És a esfinge da Graça! O sonho do Noivado!
Uma oração trazida á Terra, pela Virgem!
E és também ainda um misto do Pecado...
A figura do Amor na tela da Vertigem!
Tu sabes quem eu sou; e crê, quando te vejo,
Eu tenho a impressão do que seria um beijo,
Em frente do Senhor, á luz do coração!
Mas tu, sorris, e ris... e eu quedo-me a cismar,
Como seria bela a vida a recordar,
Um longo beijo teu – Pecado, e Oração!
Fonte:
Arnaldo Forte. 13 Sonetos. Lisboa: Edição do Autor, 1921
Contos e Lendas do Mundo (Europa: Os Compadres Corcundas)
Era uma vez, dois compadres corcundas, um Rico outro Pobre. O povo do lugar vivia zombando da corcunda Pobre e não reparava no Rico. A situação do Pobre andava preta, e ele era caçador.
Certo dia, sem conseguir caçar nada, já tardinha, sem querer voltar para casa, resolveu dormir ali mesmo no mato. Quando já ia pegando no sono ouviu uma cantiga ao longe, como se muita gente cantasse ao mesmo tempo. Saiu andando, andando, no rumo da cantiga que não parava. Depois de muito andar, chegou numa clareira iluminada pelo luar, e viu uma roda de gente esquisita, vestida de diamantes que brilhavam com a lua. Velhos, rapazes, meninos, todos cantavam e dançavam de mãos dadas, o mesmo verso, sem mudar:
Segunda, Terça-feira, Vai, vem!
Segunda, Terça-feira, Vai, vem!
Tremendo de medo, escondeu-se numa moita e ficou assistindo aquela cantoria que era sempre a mesma, durante horas. Depois ficou mais calmo e foi se animando, e como era metido a improvisador, entrou no meio da cantoria entoando:
Segunda, Terça-feira, Vai, vem!
E quarta e quinta-feira, Meu, bem!
Calou-se tudo imediatamente e aquele povo espalhou-se procurando quem havia falado. Pegaram o corcunda e o levaram para o meio da roda. Um velho então perguntou com voz delicada:
– Foi você quem cantou o verso novo da cantiga?
– Fui eu, sim Senhor!
– Quer vender o verso? – perguntou então o Velho.
– Caro senhor, não vendo não, mas dou de presente porque gostei demais do baile animado.
O Velho achou graça e todo aquele povo esquisito riu também.
– Pois bem – disse o Velho – uma mão lava a outra. Em troca do verso eu te tiro essa corcunda e esse povo te dá um casaco novo!
Passou a mão nas costas do caçador e a corcunda sumiu. Lhe deram um casaco novo e disseram que só o abrisse quando o sol nascesse.
O Caçador meteu-se na estrada e foi embora. Assim que o sol nasceu abriu o casaco e o encontrou cheio de pedras preciosas e moedas de ouro. No outro dia comprou uma casa com todos os móveis, comprou uma roupa nova e foi à missa porque era domingo.
Lá na igreja encontrou o compadre rico, também corcunda. Este quase caiu de costas, assombrado com a mudança. Mais espantado ficou quando o compadre, antes pobre e agora rico, contou tudo que aconteceu ao compadre rico. Então cheio de ganância, o rico resolveu arranjar ainda mais dinheiro e livrar-se da corcunda nas costas. Esperou uns dias e depois largou-se no mato. Tanto fez que ouviu a cantoria e foi na direção da toada. Achou o povo esquisito dançando numa roda e cantando:
Segunda, Terça-feira, Vai, vem!
Quarta e quinta-feira, Meu, bem!
O Rico não se conteve. Abriu o par de queixos e foi logo berrando:
Sexta, Sábado e Domingo, Também!
Calou-se tudo novamente. O povo esquisito voou para cima do atrevido e o levaram para o meio da roda onde estava o velho. Esse gritou, furioso:
– Quem mandou se meter onde não é chamado, seu corcunda besta? Você não sabe que gente encantada não quer saber de Sexta-feira, dia em que morreu o filho do alto; sábado, dia em que morreu o filho do pecado, e domingo, dia em que ressuscitou quem nunca morre? Não sabia? Pois fique sabendo! E para que não se esqueça da lição, leve a corcunda que deixaram aqui e suma-se da minha vista senão acabo com seu couro!
O Velho passou a mão no peito do corcunda e deixou ali a corcunda do compadre pobre. Depois deram uma carreira no homem, que ele não sabe como chegou em casa. E assim viveu o resto da sua vida, rico, mas com duas corcundas, uma na frente e outra atrás, para não ser ambicioso.
Fonte:
segunda-feira, 23 de abril de 2018
Antonio Florêncio Ferreira (Livro D'Ouro da Poesia Portuguesa vol.1) I
Vês aquele enterro humilde,
sem padre, sem cruz, sem nada?
Vês aquel'outro, pomposo,
do templo a frente enlutada?
O primeiro é d'um honrado;
talvez o do outro o não seja...
Mas ambos, de igual doutrina,
são filhos da mesma igreja.
O que me admira e me assombra
é o afeto desta mãe,
que ao rico dispensa afagos
e ao pobre atira o desdém!
II
Moram aqui uns vizinhos
que sabem quanto fazemos;
são capazes de informar-nos
se nos devem, se devemos...
Em vindo qualquer pessoa
Nossas tensões inquirir,
Manda-se lá... inteirada
Por certo que há de sair!
III
Dizer que Deus dá Castigos
eternos, que não têm fim,
é a maior das blasfêmias,
heresia, quanto a mim...
Se os homens, por maus que sejam,
tal não podem legislar,
porque a Morte aos criminosos
vem da pena libertar,
Querer que Deus os exceda
no rancor e na secura
é de embrenhar nosso espirito
nuns abismos de amargura!
IV
Deixemos, Amor, deixemos
questões de filosofia;
Pode nelas haver ciência,
mas não podem ter poesia.
V
Não são vossos meus cantares,
mulheres que festejei;
Vistes o amor em quimeras?
Nunca iludir-vos pensei!
De que servem esses gabos,
Essa ideia presunçosa?
Esquecestes esta màxima:
«Sê modesta, não vaidosa.»
______
Nota:
Gabos – pessoas excêntricas, que se acham melhor que as outras.
__________
VI
Peregrina luz da lua,
como é velho o teu palor!
Mas, como tu, sempre encanta,
velha embora, a luz do amor!
VII
Oh! consente-me num sono
dormido ao terno embalar
da poesia que se evola
do teu mimoso afagar!
No calor do teu regaço
que sonhos devera ter!
Nos braços de huris, de fadas
mais gôzo não pode haver!
________________
Nota:
Huris: São as virgens do paraíso que, de acordo com a crença islâmica, receberão os homens que foram bons na Terra após a morte.
VIII
Meu coração foi sangrado;
já se não usa a sangria...
Por isso, caso hoje raro,
ele sangra noite e dia.
Foi operante... quem amo;
A lanceta... o seu olhar;
A ligadura... seus beijos,
Que não tardei a furtar.
E assim ele está gemente,
o meu pobre coração,
à espera de que mais beijos
o estanquem e ponham são!
Fontes:
Antonio Florencio Ferreira. Trovas: canções de amor.
Lisboa: Imprensa de Libanio Silva, 1906
Notas: Dicionário Informal.
Contos e Lendas do Mundo (Ursinho Peralta)
Baseado em uma fábula de Leonardo da Vinci
O ursinho era dos mais peraltas, coisa natural nas crianças porque nessa fase da vida a curiosidade fala mais alto que as recomendações maternas. Por isso aquele filhote da mamãe ursa logo esquecia as instruções que ela lhe dava, maravilhado que ficava com as descobertas que fazia durante suas pequenas caminhadas pela floresta.
Um dia o ursinho percebeu que em certa árvore à sua frente havia um buraco relativamente grande, e que nele as abelhas entravam e saíam a todo instante, numa movimentação incessante. Intrigado, ele foi verificar mais de perto o que era aquilo, e percebeu que no tal buraco, além do constante entra-e-sai das abelhas, algumas delas permaneciam paradas em sua entrada, como se a estivessem guardando.
Cada vez mais interessado o ursinho se pôs de pé nas patas traseiras, encostou o focinho no buraco, aspirou uma, duas, três vezes, e o cheiro que sentiu fê-lo enfiar uma das patas dianteiras lá dentro. Quando a retirou, ela estava lambuzada de mel que o ursinho tratou de lamber na maior euforia porque acabara de descobrir um manjar extremamente gostoso para o seu paladar. Ao repetir o gesto que fizera da primeira vez, novamente sua pata saiu toda melada de dentro da árvore, e o filhote da mamãe urso exultou com isso porque além da gula ser um procedimento indescritivelmente delicioso, dela ninguém se cansa.
Foi nesse exato momento que um enxame de abelhas furiosas saiu de dentro do buraco para revidar a invasão sofrida, e elas passaram a ferroar as mãos do ursinho, sua cabeça, seus pés, e todas as partes do seu corpo não suficientemente protegidas pela pelagem grossa e abundante. Bem que o pequeno animal tentou defender-se da forma como podia, mas ele não conseguia acertar nenhuma das atacantes porque enquanto batia em si mesmo de um lado, elas investiam do outro, castigando o ladrão de mel sem dó nem piedade, até que desesperado o ursinho deitou-se e rolou pelo chão durante alguns segundos, mas logo depois se pôs de pé e saiu em carreira desabalada, chorando, em busca da proteção materna. Satisfeitas com a vingança executada, as abelhas retornaram à colmeia.
*Moral da história*: O desrespeito à propriedade alheia pode provocar diversas reações. Portanto, não faça aos outros aquilo que não deseja que eles façam consigo.
Fonte: Contos de Encantar
domingo, 22 de abril de 2018
Errata de Ontem (Carolina Ramos: Poesias Esparsas)
Aos assinantes do blog, que receberam esta manhã as postagens de ontem (aqui no blog eu já corrigi hoje):
No soneto “A Orquídea”, de Carolina Ramos, no primeiro quarteto, 3º verso, em vez de "pasmam os colírios, e se extasiam" , o certo é "pasmam os colibris, e se extasiam".
Falha de digitação. Desculpe.
Érico Veríssimo (As Aventuras de Tibicuera) Capítulos 57 a 60
Mas... Francisco Solano Lopez, ditador do Paraguai não gostou de ver o Brasil metendo o bedelho nos negócios do Uruguai. Sem declarar guerra prendeu no Rio Paraguai o vapor brasileiro Marquês de Olinda que levava a bordo o presidente nomeado para o Mato Grosso. Em seguida uma força paraguaia invadiu esta Província brasileira. Outra se meteu República Argentina a dentro.
Estava acesa a guerra.
Brasil, Argentina e Uruguai uniram-se e formaram a Tríplice Aliança para guerrear o Paraguai. No Brasil criaram-se os Corpos de Voluntários da Pátria.
Tibicuera vendeu o sítio, despediu-se das galinhas, lançou um olhar de adeus para os livros e para o milharal crescido — e se alistou no Exército.
Travou-se o combate naval do Riachuelo. Francisco Manuel Barroso da Silva, comandante da nossa divisão naval, conseguiu uma grande vitória. Estigarríbia à frente de seu Exército invadia o Rio Grande. Mas 100 dias depois, se entregava em Uruguaiana. E D. Pedro II, que tinha vindo em pessoa ao Rio Grande, assistiu à rendição do chefe inimigo.
Os aliados invadiram o território paraguaio, passando pelo Uruguai e o território argentino de Corrientes. O Brig. Manuel Luís Osório comandava nosso Exército. Que era um homem valente e impetuoso eu vi. Não li nem ouvi dizer. Vi. Vocês hoje falam na 1.ª Batalha de Tuiuti... Mas não imaginam o que ela foi na realidade. Eu estava lá, eu a sinto ainda no meu peito, nos meus ossos, no meu sangue.
Não quero contar o que foi aquela campanha que ficou na História com o nome de Guerra contra o Governo do Paraguai. Ferido duas vezes, passei muito trabalho, sofri horrores.
Curupaiti, Humaitá, Tuiuti, Itororó, Lomas Valentinas, Angostura... São nomes que lembram tiros de canhão e de espingarda, baionetas relampejando, homens gritando e caindo, sangue empapando o chão. Cada nome desses recorda uma batalha. É claro que não estive em todas elas. Mas, oh!, como desejei estar em toda a parte onde se lutava! Argentinos e uruguaios guerrearam com bravura a nosso lado. Valentes, e muito, eram também os paraguaios.
Estive no Cerro Corá com os soldados que cercaram Lopez. O ditador não se quis render. Um dos nossos o matou. A guerra terminou. Durara mais ou menos cinco anos.
Consegui ser transferido para um regimento do Rio de Janeiro. Em princípios de 1871 voltei para a Capital do Império. Tirei a farda e de novo me vi sozinho e pobre, indeciso e inquieto, diante do mar, do velho mar da minha saudade e das minhas aventuras.
Um dia ia caminhando por um largo, na cidade, quando vi grande aglomeração em torno de um homem que, de pé em cima dum banco, fazia um
discurso entusiasmado. Aproximei-me e escutei. Era um propagandista da República. Gostei do que ele dizia. Eram palavras bonitas. Promessas agradáveis.
Comecei a me interessar pela República e frequentei o Clube Republicano que fora fundado no ano anterior por Saldanha Marinho, Aristides Lobo e Cristiano Otoni. Foi lá que, no decorrer dos anos da propaganda, travei relações com homens inteligentes e entusiastas, alguns deles muito jovens.
Lembro-me de Quintino Bocaiuva, Silva Jardim, Rui Barbosa, Campos Sales, Demétrio Ribeiro, Joaquim Nabuco, Assis Brasil, Eduardo Wandenkolk...
Por aquele tempo o Imperador foi fazer uma viagem à Europa. Na sua ausência a Princesa Isabel ficou como regente do Império. No clube comentamos com muita satisfação a lei do “ventre livre que declarava livres os filhos nascidos das escravas.
O tempo passou. Progredi na vida. Consegui ótima colocação. Voltei-me de novo para os livros. Em 1875 tivemos notícia de motins em algumas Províncias do Norte. Em Pernambuco o povo atacou e invadiu casas de negócios, por causa da lei do governo que mandava adotar o sistema métrico decimal. Ninguém queria saber de comprar as coisas aos quilos. Vejam que engraçado! Mas os quebra-quilos tiveram de amoitar, porque o governo agiu com energia.
No Rio as coisas não andavam boas. Fora criada uma taxa de vinte réis sobre cada passagem de bonde. Era o Imposto do Vintém!
Lopes Trovão, um jovem propagandista da República, fez comícios na rua e falou contra a odiosa taxa. No dia em que a lei ia ser posta em vigor, o povo falava em revolta.
Comecei a ficar inquieto. E, a despeito de todos os esforços que fiz para me portar com discrição, não pude resistir ao desejo de fazer uma baderna. Foi num bonde. Quando me vieram cobrar a passagem, soltei um “Viva a República!”.
Veio a polícia. Socos, pontapés, gritos. Depois, tiros. Naquele dia houve barricadas nas ruas, travaram-se verdadeiros combates. Foram mobilizados os corpos de linha, os imperiais marinheiros, os bombeiros.. .
Cheguei a meu quarto de madrugada, empoeirado, esfolado, esfarrapado. Contemplei meus livros com tristeza. Eu era mesmo um caso perdido.
Fiz-me amigo de José do Patrocínio. Tenho dele as melhores recordações. Não poderei mais esquecer-lhe a figura imponente. Era um negro de ombros largos, olhar chispante. Jornalista e orador, seus artigos e discursos eram vibrantes e entusiastas. Batia-se a favor do abolicionismo: queria acabar com a escravatura no Brasil. Ele próprio era neto de escravos.
Tivemos por aquela época um caso complicado conhecido como “a questão militar”. Houve discussões pela imprensa. As opiniões se dividiram. O ministro da guerra repreendeu os oficiais que haviam escrito nos jornais sem licença. Mas o Mar. Deodoro da Fonseca e o Ten. Gen. Visconde de Pelotas se manifestaram a favor desses oficiais.
Eu via o governo pouco seguro. A República não tardaria em ser proclamada. Na noite de 13 de maio de 1888 me vi na rua no meio duma multidão que, louca de alegria, gritava, cantava e ria, dando vivas à princesa regente. D. Isabel, que acabava de assinai a lei abolindo definitivamente a escravatura. Deixei-me levar pelo povo, fui arrastado, olhando para o céu, lembrando-me de meus companheiros mortos nos quilombos. E não pude deixar de dizer baixinho: “Zumbi, teu povo está livre!”
Todos os sonhos dos homens do passado se realizavam. À cabeça de Tiradentes decerto sorria lá do alto do poste infame, contemplando a pátria libertada. Quem sabe se agora lá duma estrela remota o Zumbi não estava sorrindo também para a regente do Império?
A todas ESTAS a questão militar continuava acesa. Aproveitando um boato de guerra entre Paraguai e Bolívia, o governo mandou ao Mato Grosso uma força comandada pelo Mar. Deodoro da Fonseca. Um meio hábil de afastá-lo do Rio…
Um dia, já ele de volta à Corte, correu pela cidade o boato de que o marechal ia ser preso juntamente com o Ten. Cel. Benjamin Constant. Uma brigada de São Cristóvão se rebelou. Deodoro e Benjamin Constant puseram-se à frente dessa força.
O momento é de sensação. Todos os ministros — menos o da Marinha — se encontram reunidos no edifício do Ministério da Guerra. Nervosismo geral. Deodoro marcha à frente das brigadas revoltadas. O almirante Barão de Ladário, Ministro da Marinha, aproxima-se. Vem de carro, com o fim de se reunir ao Ministério. Deodoro manda prendê-lo. O barão resiste à voz de prisão e é ferido por uma descarga.
Deodoro entra no pátio do Ministério da Guerra onde se encontram as tropas do governo... Como vão recebê-lo? Como inimigo? Há momentos de terrível angústia. Deodoro entra. As forças do governo lhe prestam continência. É a revolução.
Os ministros se entregam aos revoltosos e telegrafam ao Imperador, que se acha em Petrópolis, apresentando-lhe seus pedidos de demissão. Quando vi o rebrilho das baionetas e ouvi o som das charangas, não pude deixar de acompanhar as tropas que desfilavam pelas ruas.
Naquela mesma tarde de 15 de novembro de 1889, José do Patrocínio levou ao Mar. Deodoro da Fonseca um manifesto declarando que o povo havia proclamado a República. Formou-se o governo provisório. Estava proclamada a República dos Estados Unidos do Brasil. Quatro dias depois eram adotadas uma nova bandeira e as armas nacionais. E o Imperador? Ninguém lhe queria mal. Era uma grande alma, cheia de bondade e tolerância. Eu até simpatizava com ele. O que me seduzia na ideia republicana era o que ela tinha de novo, de revolucionário, de vibrante.
D. Pedro II foi intimado a partir para a Europa. Fui ao cais espiar seu embarque. Eram três horas da madrugada. O imperador veio num carro negro, puxado por uma parelha de cavalos. Pouca gente o acompanhava. Uma lancha o conduziu até o paquete Alagoas que devia levá-lo para o exílio.
Olhei o vulto encurvado. Tive pena. Vi o vapor partir e não sei por que me lembrei daquele dia distante em que as caravelas de Pedro Álvares Cabral se fizeram ao mar.
Fonte:
Érico Veríssimo. As aventuras de Tibicuera, que são também do Brasil. (Texto revisto conforme Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa em vigor em 2009). Porto Alegre: Edição da Livraria do Globo, 1937.
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