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terça-feira, 11 de fevereiro de 2020
Varal de Trovas n. 179
Antonio Roberto de Paula (O Sábado e suas Casualidades)
– Vem sempre aqui?
– Não. É a primeira vez. E você?
– Segunda. Não gosto. Muito apertado.
– Achei legal. Muita gente bonita.
– E mal educada. Ninguém respeita fila. Olha aí, ó, o cara entra pega a cerveja e sai na boa.
– Não adianta esquentar. É coisa de Brasil.
– Mas é um saco você ser obrigado a entrar numa fila para comprar ficha e em outra para a cerveja. Quebra o embalo, entende?
– Não.
– Você tá com o seu pessoal bebendo. Aí seca o copo e você tem que buscar.
– Sabe que eu não tô ligando muito hoje. Vim com uma turma que é um pé no saco.
– Vim com duas irmãs e um amigo. Você não quer ir à nossa mesa?
– Não, acho chato deixar o pessoal.
– Chato é ficar num lugar que a gente não tá a fim e fica só pra não ser indelicado.
– Mais tarde dou uma passada na sua mesa.
– Passa sim. Como é o seu nome?
– Nalva.
– Sabe que eu não tô ligando muito hoje. Vim com uma turma que é um pé no saco.
– Vim com duas irmãs e um amigo. Você não quer ir à nossa mesa?
– Não, acho chato deixar o pessoal.
– Chato é ficar num lugar que a gente não tá a fim e fica só pra não ser indelicado.
– Mais tarde dou uma passada na sua mesa.
– Passa sim. Como é o seu nome?
– Nalva.
– Nalva?
– O certo é Edinalva, mas gosto que me chamem de Nalva. E o seu?
– Manoel Augusto, mas a turma me conhece por Nezão. Apelido de criança.
– Tua cara não é estranha.
– A tua também não é. Faz tempo que você mora aqui?
– Nasci aqui.
– Uns 18 anos atrás?
– Assim você me deixa vermelha. Quem me dera ter 18 anos...
– Mas não tem muito mais do que isto.
– Pode crer que tenho.
– Se você tiver uns 23 é muito,
– Acho que você tá querendo me gozar.
– Palavra que não. Quantos anos você tem?
– Faço 28 em setembro.
– Não acredito. Não parece.
– Tenho três mais que você. Mas não adianta querer ser boazinha comigo. Tenho certeza que você imaginou que eu tinha muito mais.
– Que é isso, Neisão?
– Neisão, não. É Nezão.
– Desculpe, Nezão. Você tem o jeito de um cara de 30. Nem mais nem menos.
– Mas de onde a gente se conhece?
– Onde você trabalha?
– Sou autônomo!
– Vende o que?
– Manoel Augusto, mas a turma me conhece por Nezão. Apelido de criança.
– Tua cara não é estranha.
– A tua também não é. Faz tempo que você mora aqui?
– Nasci aqui.
– Uns 18 anos atrás?
– Assim você me deixa vermelha. Quem me dera ter 18 anos...
– Mas não tem muito mais do que isto.
– Pode crer que tenho.
– Se você tiver uns 23 é muito,
– Acho que você tá querendo me gozar.
– Palavra que não. Quantos anos você tem?
– Faço 28 em setembro.
– Não acredito. Não parece.
– Tenho três mais que você. Mas não adianta querer ser boazinha comigo. Tenho certeza que você imaginou que eu tinha muito mais.
– Que é isso, Neisão?
– Neisão, não. É Nezão.
– Desculpe, Nezão. Você tem o jeito de um cara de 30. Nem mais nem menos.
– Mas de onde a gente se conhece?
– Onde você trabalha?
– Sou autônomo!
– Vende o que?
– Produtos de limpeza. Nossa firma representa uma multinacional.
– Você deve ser bom de conversa!
– Sou tímido pra caramba. Acho que só estou conversando com você porque já tomei umas três. E porque hoje é sábado. Reparou que no sábado a gente se solta mais?
– É verdade. Parece que todo mundo deixa os problemas de lado no sábado. Tira a preocupação da cara e fica mais sociável. É o dia da liberdade e a felicidade é saber que o dia seguinte é domingo.
– Me deixa pegar as cervejas. Dá tuas fichas, eu pego pra você.
– Pega dois guaranás.
– Ufa, que sufoco. E você faz o que?
– Cabeleireira.
– Onde fica o salão?
– Faço o trabalho em casa.
– Salão unissex?
– Não, só atendo mulheres.
– Não dá pra abrir uma exceção?
– Engraçadinho. Vou ter que ir pra mesa.
– A gente vai se ver de novo?
– Claro. Quer meu telefone? Tá aqui no cartão o meu nome, endereço e telefone. Mandei fazer para as clientes.
– Posso te ligar amanhã?
– Vou ficar esperando.
– Quer o meu telefone?
– Não, prefiro que você me ligue.
– Gostei de você.
– Eu também. E eu que achava que a noite ia ser um tédio.
– Quer que eu te leve'?
– Não, vou voltar com o pessoal. Me liga?
– Pode esperar por isso, Nalva,
– Foi um prazer, Nezão.
– Prazer foi meu. Escuta, você é casada?
– Já fui. E você?
– Mais livre impossível. Posso te dar um beijo no rosto de boa noite?
– Deve. Conhece esta música que está tocando?
– Qual?
– Presta atenção.
– Hum, tema do Ghost, Bonita.
– Adoro ela. É a minha música.
– Agora é minha também.
– Coincidência, não?
– O quê?
– Tocar esta música justamente no momento em que estou me despedindo de você, uma pessoa que acabei de conhecer.
– Espero que não seja coincidência. O cara morre logo no começo do filme e depois fica pentelhando aquela gostosa da Demi More até o final.
– Insensível...
– Tô brincando. Realmente a música é muito bonita. Toda vez que ouvir vou lembrar de você.
– Sério?
– Pode botar fé.
– Legal te conhecer. Tchau.
– Isto é que eu chamo de "valeu o sábado". Tchau.
Com um guaraná em cada mão, Nalva vai saindo da visão de Nezão. No rosto, instalou um sorriso entre feliz e vitorioso. Ela também considera ganho o sábado. Nezão dá a última golada e encara a fila novamente. Gravou Nalva na mente e já começou a contagem regressiva para telefonar. "É o dia da liberdade e a felicidade é saber que o dia seguinte é domingo". Nezão lembra das palavras de Nalva, ditas tão docemente. Com ela todos os dias devem ser sábado, sonha, enquanto espera mais uma cerveja.
Fonte:
Antonio Roberto de Paula. Da minha janela. Maringá/PR: Gráfica Sthampa, 2003.
– Você deve ser bom de conversa!
– Sou tímido pra caramba. Acho que só estou conversando com você porque já tomei umas três. E porque hoje é sábado. Reparou que no sábado a gente se solta mais?
– É verdade. Parece que todo mundo deixa os problemas de lado no sábado. Tira a preocupação da cara e fica mais sociável. É o dia da liberdade e a felicidade é saber que o dia seguinte é domingo.
– Me deixa pegar as cervejas. Dá tuas fichas, eu pego pra você.
– Pega dois guaranás.
– Ufa, que sufoco. E você faz o que?
– Cabeleireira.
– Onde fica o salão?
– Faço o trabalho em casa.
– Salão unissex?
– Não, só atendo mulheres.
– Não dá pra abrir uma exceção?
– Engraçadinho. Vou ter que ir pra mesa.
– A gente vai se ver de novo?
– Claro. Quer meu telefone? Tá aqui no cartão o meu nome, endereço e telefone. Mandei fazer para as clientes.
– Posso te ligar amanhã?
– Vou ficar esperando.
– Quer o meu telefone?
– Não, prefiro que você me ligue.
– Gostei de você.
– Eu também. E eu que achava que a noite ia ser um tédio.
– Quer que eu te leve'?
– Não, vou voltar com o pessoal. Me liga?
– Pode esperar por isso, Nalva,
– Foi um prazer, Nezão.
– Prazer foi meu. Escuta, você é casada?
– Já fui. E você?
– Mais livre impossível. Posso te dar um beijo no rosto de boa noite?
– Deve. Conhece esta música que está tocando?
– Qual?
– Presta atenção.
– Hum, tema do Ghost, Bonita.
– Adoro ela. É a minha música.
– Agora é minha também.
– Coincidência, não?
– O quê?
– Tocar esta música justamente no momento em que estou me despedindo de você, uma pessoa que acabei de conhecer.
– Espero que não seja coincidência. O cara morre logo no começo do filme e depois fica pentelhando aquela gostosa da Demi More até o final.
– Insensível...
– Tô brincando. Realmente a música é muito bonita. Toda vez que ouvir vou lembrar de você.
– Sério?
– Pode botar fé.
– Legal te conhecer. Tchau.
– Isto é que eu chamo de "valeu o sábado". Tchau.
Com um guaraná em cada mão, Nalva vai saindo da visão de Nezão. No rosto, instalou um sorriso entre feliz e vitorioso. Ela também considera ganho o sábado. Nezão dá a última golada e encara a fila novamente. Gravou Nalva na mente e já começou a contagem regressiva para telefonar. "É o dia da liberdade e a felicidade é saber que o dia seguinte é domingo". Nezão lembra das palavras de Nalva, ditas tão docemente. Com ela todos os dias devem ser sábado, sonha, enquanto espera mais uma cerveja.
Fonte:
Antonio Roberto de Paula. Da minha janela. Maringá/PR: Gráfica Sthampa, 2003.
Lairton Trovão de Andrade (Panaceia de Trovas) VII
A estrela do firmamento
da grandeza é o brasão;
nossa glória esvai-se ao vento
feito bolha de sabão.
**************************
A hortência está no horto,
onde há flores por vintém;
tanto quer, pra seu conforto,
o aroma que ela não tem.
**************************
A justa sabedoria
despreza vis aparências;
triunfa a Filosofia
no universo das essências.
**************************
Além do bem e do mal
não se contempla ninguém;
jamais nascerá um tal
que seja um "super alguém".
**************************
Apesar de algum espinho,
levo à frente o caminhar;
os tropeços do caminho
não me impedem de sonhar.
**************************
A rica mata florida
vê a vida massacrada;
por um cruel homicida,
a natureza é linchada!
**************************
As árvores da natura
têm a beleza cativa;
a brisa suave e pura
faz a aurora mais festiva.
**************************
A verdade é que nos diz:
Não há maior decepção
que ver o povo infeliz
com tanta retaliação.
**************************
A vida, neste interior,
reflete feliz bonança;
a natureza em vigor
renova toda esperança.
**************************
Destruam toda floresta,
desprezem valores certos,
mudem o clima que resta
e verão novos desertos.
**************************
Dizem que o mundo sorri
e seu sorriso é de artista;
há muita ilusão, ali,
naquela voz de sofista.
**************************
É o refulgir da evidência,
que ao conhecer dá firmeza;
forte alicerce da ciência
é o critério da certeza.
**************************
Leva desprezo maior
o torpe réptil traidor;
não pode haver coisa pior
que trair seu benfeitor.
**************************
Merece o trabalhador,
após jornada sem fim,
ser do seu tempo senhor,
bem aposentado enfim.
**************************
Motosserra na floresta
destrói o nosso futuro;
é ação vil e funesta
que nos traz fim prematuro.
**************************
Na letra desta poesia,
há sonho com muito ardor.
Que bom alcançar, um dia,
a doce paz interior!
**************************
Na minha vida em percurso,
perante ofensa velada,
prefiro usar o discurso
do meu silêncio e mais nada.
**************************
Não morrerá a esperança
pra quem a tem por preceito;
quem trabalha sempre alcança
o bom fruto e o seu efeito.
**************************
Nas mornas noites de outono,
com este lindo luar,
muitas vezes, perco o sono,
por um bem além do mar.
**************************
Neste mundo de surpresa,
conservo a minha coragem;
na abundância ou na pobreza,
hei de sempre seguir viagem.
**************************
O amor que vibra em meu peito
já não tem mais dimensão:
é chama de sumo efeito
e delícia em explosão.
**************************
Observo, sem compreender,
hipócritas em ação;
o que sempre mostram ser
é tudo o que eles não são.
**************************
O tirano prepotente,
por ter feito tanto mal,
mesmo na vida presente
terá desprezo total.
**************************
Por vez, quem perde eleição
quer, ao eleito, insucesso;
instiga só insurreição,
é contra o bem e o progresso.
**************************
Pouco importa o que eu escrevo
no discurso, em cada linha;
certas coisas só me atrevo
declarar nas entrelinhas.
**************************
Quando a palavra se cala,
pode inda haver advertências:
Nem só a palavra fala...
há vozes nas reticências...
**************************
Riqueza não compra tudo,
nem mesmo a tranquilidade;
compra o dinheiro, contudo,
amigos com falsidade.
**************************
Se eu pudesse, te daria
grande presente de escol,
e você se assentaria
num trono acima do Sol.
**************************
Torna-se, às vezes, o amor
só lenda de dicionário,
que não tem mais resplendor
nem nas letras de um hinário.
Fonte:
Lairton Trovão de Andrade. Perene alvorecer. 2016.
Manuel Antonio de Almeida (Uma História Triste)
Dois passarinhos tinham tido na primavera uns amores muito inocentes e muito ternos. Começaram por um trinado alegre nos ramos da mesma árvore, depois fizeram juntos um voo para a árvore vizinha, depois chamaram-se um ao outro nuns pios muito doces para o denso da mata, depois um deles baixou à terra, e ergueu-se levando no bico uma palhinha seca.
Sobre o rio que ali perto corria debruçava-se o ramo de uma grande árvore, e com suas folhas beijava quase a superfície das águas.
Para esse ramo foi levada a palhinha seca que deu começo ao ninho.
Por cima havia a copa da árvore, por baixo as águas do rio. O ninho ficou naquele meio voluptuoso de sombra e de frescura.
Durante alguns dias passaram-se ali ao pôr do sol alguns mistérios que a solidão escondeu; ouviam-se uns chilros entrecortados, o sussurro de umas asas que se debatiam, o ramo que se agitava. Depois a aragem, passando pela copa da árvore, desfolhava sobre o ninho as flores que haviam desabrochado naquela mesma aurora.
Um dia, ao despontar do sol, os dois passarinhos cantaram mais do que nunca, esvoaçaram alegres em torno do ramo, pousaram em todas as grimpas da árvore, e de cima de cada uma delas cantaram, trinaram, chilraram.
De dentro do ninho partiram uns pios que mal se ouviam, e começaram a agitar-se umas asas pequeninas cobertas de penugem.
Nesse mesmo dia, ao cair da tarde, os céus cobriram-se de nuvens, e as águas do rio tornaram-se turvas.
De noite caiu a tempestade.
Ao amanhecer, um dos passarinhos, tendo ficado a noite inteira com as asas abertas sobre o ninho para protegê-lo, cedeu o lugar ao outro, e foi nos ramos mais altos esperar um raio de sol que lhe enxugasse as penas úmidas da chuva.
Debalde esperou, o sol não veio nessa manhã.
No entanto, as águas do rio, engrossadas pela chuva da noite, começaram a crescer com um ruído longínquo e surdo.
Já as últimas folhas do ramo se achavam mergulhadas, e este começava a balançar com o movimento da corrente.
Os infelizes pressentiram o perigo que iam correr as premissas do seu amor, e começaram a esvoaçar inquietos em torno do ninho.
As águas continuaram a crescer, e já se não via a extremidade do ramo.
A inquietação dos malfadados crescia com eles; continuavam a esvoaçar soltando uns gemidos rápidos, mas repetidos, único meio por que podiam manifestar a sua aflição. Quando cansavam, pousavam num ramo vizinho, mas só por um instante, e recomeçavam logo a esvoaçar e a gemer.
As águas cresciam sempre, e já grande parte do ramo estava mergulhado na corrente.
Os infelizes redobravam os voos e os gemidos.
Depois o ramo vergou com a força da água, estalou e partiu-se. Preso às plantas marinhas ficou alguns instantes no mesmo lugar; depois começou a correr levado pela corrente.
O ninho ficara fora da água, e dentro dele os recém-nascidos agitavam medrosos suas asas de penugem para os pais que acompanhavam o ramo, disputando no voo a velocidade da corrente.
Correram assim por muito tempo, o ninho sobre as águas, os pássaros cortando o ar.
Quando encontravam alguma raiz ou planta, ou quando nalguma volta do rio a corrente menos rápida demorava o ramo, os infelizes tentavam pousar nas bordas do ninho; mas este ameaçava submergir-se com o peso: eles erguiam-se de novo, e começavam, voando, a descrever em torno dele círculos tão estreitos, que muitas vezes suas asas se encontravam.
Fatigados da luta inútil, já o seu voo era rasteiro, trêmulo e incerto. Pousando em qualquer árvore da margem poderiam cobrar novas forças, mas durante esse tempo onde teriam ido o ninho, e os filhinhos que pipitavam de fome!
Continuaram a voar, e o ninho a correr.
Afinal um deles caiu numa vertigem da fadiga sobre a corrente; quis erguer de novo o voo; abriu as asas na superfície das águas; pesaram-lhe porém as penas molhadas; e sumiu-se num redemoinho que fazia o rio.
O companheiro continuou a seguir ainda por algum tempo o ninho; mas venceu-o também o cansaço; abateu-se trêmulo sobre um ramo da margem, donde caiu desfalecido na corrente.
No entanto era já de tarde; o céu tinha-se tornado limpo, aparecera o sol, as águas do rio tinham baixado.
O ninho encalhou por fim no remanso da areia, onde os infelizes filhinhos de um amor tão inocente e tão puro morreram de fome, de orfandade e de abandono, não tendo vivido duas auroras!
Pois sobre aqueles seres tão inocentinhos, tão inofensivos, que parecem não ter sido criados senão para adorno da criação, pesará também a fatalidade da desventura?
Pois nem aquele amor que fora tão puro e tão breve deixou de pagar ao infortúnio o seu tributo de dores?
Ou será que a Providência que rege os destinos do homem deixa o dos outros seres à lei do acaso?
Se não tivesse medo que se rissem de uma questão de passarinhos, havia de apresentar estes problemas aos grandes pensadores, a ver se os resolviam.
Fonte:
Manuel Antonio de Almeida. Obra dispersa.
Sobre o rio que ali perto corria debruçava-se o ramo de uma grande árvore, e com suas folhas beijava quase a superfície das águas.
Para esse ramo foi levada a palhinha seca que deu começo ao ninho.
Por cima havia a copa da árvore, por baixo as águas do rio. O ninho ficou naquele meio voluptuoso de sombra e de frescura.
Durante alguns dias passaram-se ali ao pôr do sol alguns mistérios que a solidão escondeu; ouviam-se uns chilros entrecortados, o sussurro de umas asas que se debatiam, o ramo que se agitava. Depois a aragem, passando pela copa da árvore, desfolhava sobre o ninho as flores que haviam desabrochado naquela mesma aurora.
Um dia, ao despontar do sol, os dois passarinhos cantaram mais do que nunca, esvoaçaram alegres em torno do ramo, pousaram em todas as grimpas da árvore, e de cima de cada uma delas cantaram, trinaram, chilraram.
De dentro do ninho partiram uns pios que mal se ouviam, e começaram a agitar-se umas asas pequeninas cobertas de penugem.
Nesse mesmo dia, ao cair da tarde, os céus cobriram-se de nuvens, e as águas do rio tornaram-se turvas.
De noite caiu a tempestade.
Ao amanhecer, um dos passarinhos, tendo ficado a noite inteira com as asas abertas sobre o ninho para protegê-lo, cedeu o lugar ao outro, e foi nos ramos mais altos esperar um raio de sol que lhe enxugasse as penas úmidas da chuva.
Debalde esperou, o sol não veio nessa manhã.
No entanto, as águas do rio, engrossadas pela chuva da noite, começaram a crescer com um ruído longínquo e surdo.
Já as últimas folhas do ramo se achavam mergulhadas, e este começava a balançar com o movimento da corrente.
Os infelizes pressentiram o perigo que iam correr as premissas do seu amor, e começaram a esvoaçar inquietos em torno do ninho.
As águas continuaram a crescer, e já se não via a extremidade do ramo.
A inquietação dos malfadados crescia com eles; continuavam a esvoaçar soltando uns gemidos rápidos, mas repetidos, único meio por que podiam manifestar a sua aflição. Quando cansavam, pousavam num ramo vizinho, mas só por um instante, e recomeçavam logo a esvoaçar e a gemer.
As águas cresciam sempre, e já grande parte do ramo estava mergulhado na corrente.
Os infelizes redobravam os voos e os gemidos.
Depois o ramo vergou com a força da água, estalou e partiu-se. Preso às plantas marinhas ficou alguns instantes no mesmo lugar; depois começou a correr levado pela corrente.
O ninho ficara fora da água, e dentro dele os recém-nascidos agitavam medrosos suas asas de penugem para os pais que acompanhavam o ramo, disputando no voo a velocidade da corrente.
Correram assim por muito tempo, o ninho sobre as águas, os pássaros cortando o ar.
Quando encontravam alguma raiz ou planta, ou quando nalguma volta do rio a corrente menos rápida demorava o ramo, os infelizes tentavam pousar nas bordas do ninho; mas este ameaçava submergir-se com o peso: eles erguiam-se de novo, e começavam, voando, a descrever em torno dele círculos tão estreitos, que muitas vezes suas asas se encontravam.
Fatigados da luta inútil, já o seu voo era rasteiro, trêmulo e incerto. Pousando em qualquer árvore da margem poderiam cobrar novas forças, mas durante esse tempo onde teriam ido o ninho, e os filhinhos que pipitavam de fome!
Continuaram a voar, e o ninho a correr.
Afinal um deles caiu numa vertigem da fadiga sobre a corrente; quis erguer de novo o voo; abriu as asas na superfície das águas; pesaram-lhe porém as penas molhadas; e sumiu-se num redemoinho que fazia o rio.
O companheiro continuou a seguir ainda por algum tempo o ninho; mas venceu-o também o cansaço; abateu-se trêmulo sobre um ramo da margem, donde caiu desfalecido na corrente.
No entanto era já de tarde; o céu tinha-se tornado limpo, aparecera o sol, as águas do rio tinham baixado.
O ninho encalhou por fim no remanso da areia, onde os infelizes filhinhos de um amor tão inocente e tão puro morreram de fome, de orfandade e de abandono, não tendo vivido duas auroras!
Pois sobre aqueles seres tão inocentinhos, tão inofensivos, que parecem não ter sido criados senão para adorno da criação, pesará também a fatalidade da desventura?
Pois nem aquele amor que fora tão puro e tão breve deixou de pagar ao infortúnio o seu tributo de dores?
Ou será que a Providência que rege os destinos do homem deixa o dos outros seres à lei do acaso?
Se não tivesse medo que se rissem de uma questão de passarinhos, havia de apresentar estes problemas aos grandes pensadores, a ver se os resolviam.
Fonte:
Manuel Antonio de Almeida. Obra dispersa.
segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020
Varal de Trovas n. 178
Luiz Gonzaga da Silva (Trova e Cidadania) 10 - Fome e Miséria
Quando dou comida aos pobres, me chamam de santo.
Quando pergunto por que eles são pobres, me chamam de comunista
[Dom Helder Câmara).
A fome aniquila o ser humano, alucina consciências, gera desespero. A fome rouba a honra e a altivez do homem, que sem forças para a luta entrega-se à languidez e assim é acusado de preguiça. Josué de Castro em seu livro Geografia da fome mostra bem este indesejável fenômeno.
A geografia da fome
mostra a distância traçada
entre quem tudo consome
e quem não consome nada.
Gonzaga da Silva - RN
Eu sei de uma negra cruz,
de tão negra não tem nome:
essa que o pobre conduz
pelo calvário da fome.
Sebastião Soares - RN
A tristeza me consome
diante desta crueldade!
A violência da fome
dizimando a humanidade.
Reinaldo Aguiar - RN
A miséria por capricho
sai bem cedo vasculhando...
Mexe mil latas de lixo
volta de mãos abanando.
Minervino Wanderley - RN
É o abuso da riqueza
e o desprezo à educação
que põe sobre a nossa mesa
a fome, em lugar do pão.
Sônia Sobreira da Silva - RJ
Poderosa, ela se ajeita
e entre o bem e o mal permeia
a infame fortuna feita
à custa da fome alheia...
Divenei Boseli - SP
Quando a miséria se ajeita,
na ausência d'água e de pão,
faminta a fome se deita
na esteira que forra o chão!
Prof. Garcia - RN
A miséria devora os seres humanos. A miséria crônica é uma patologia social que poderia e deveria ser evitada. Mas como evitar a fome se os Estados preferem gastar com armamentos? Não podemos deixar de lembrar o título completo do livro de Josué de Castro: Geografia da fome: o dilema brasileiro - pão ou aço. Parece que o mundo prefere mesmo o aço.
A fome que o mundo assola
tem raízes na injustiça:
o pobre vive de esmola
sob o jugo da cobiça!
Angélica Villela Santos - SP
A arma mais poderosa
que o homem já inventou
foi esta fome horrorosa
que a tantos já dizimou.
Gonzaga da Silva - RN
O triste da caminhada,
na longa estrada da vida,
é ver a fome estampada
em tanta gente excluída!
Hermoclydes Siqueira Franco - RJ
Não pode haver raciocínio
quando a miséria, sem nome,
invade qualquer domínio
e o domina pela FOME!...
Hermoclydes Siqueira Franco - RJ
Se o teu riso é de grandeza,
vaidade que te consome,
- olha bem para a tristeza
do pranto de quem tem fome.
Fernando Câncio - CE
Sentir fome e não comer
porque não tem condição
pode mesmo comover
quem tem duro coração.
Aracy da Silveira Cavalcante - CE
Mas como se comover se em geral a fome em sua forma mais terrível está longe dos nossos olhos? Nossos amigos não passam fome, nossos vizinhos não passam fome, no meio social que frequentamos não vemos ninguém passando fome... Os meios de comunicação não mostram os bolsões de fome, preferem mostrar o "progresso" das vitrines... É como diz o provérbio: O que os olhos não veem o coração não sente! Só mesmo uma convulsão social drástica para alertar o mundo.
As revoltas não têm fim
e explodem cada vez mais,
que a fome acende o estopim
das convulsões sociais!
João Freire Filho - RJ
Treme o mundo e se consome
ao som de um terrível brado:
- o grito que sai com fome
da boca do ínjustiçado!
A. A. de Assis - PR
Metade da humanidade
infelizmente não come;
e não dorme a outra metade,
temendo os que passam fome,
Geraldo Amâncio - CE
Há mil gritos e protestos
na fila ingente da fome,
onde a migalha dos restos
não chega pra quem não come!
Delcy Canalles - RS
Hoje a fome encontra abrigo
nos campos de plantação...
Violência é plantar o trigo
e não ter direito ao pão,
Arlindo Tadeu Hagen - MG
Quando os muros da opressão
enfim forem derrubados,
o mundo terá mais pão
e menos injustiçados.
Gonzaga da Silva - RN
Fonte:
Luiz Gonzaga da Silva (org.). Trova e Cidadania.
Natal/RN, abril de 2019.
Malba Tahan (Mil Histórias sem Fim) Narrativa 14 e 15
Da janela de minha casa, em Bagdá, observava uma tarde o vaivém dos aventureiros e beduínos, quando a minha atenção foi despertada por um fato que me pareceu estranho e muito singular.
Um homem, ricamente trajado, aproximou-se de um velho mercador que oferecia à venda, sob largo toldo, uma bela coleção de jarros de diversas formas. Depois de escolher, com um empenho que me pareceu exagerado, a peça que mais lhe interessava, o desconhecido pagou ao vendedor, sem hesitar, o preço exigido. Isso feito, encaminhou-se para o meio da rua e levantando, com ambas as mãos, o jarro atirou-o com toda força contra uma pedra, espatifando-o.
- É um louco! - murmurei. E, como não sei resistir à atração que sobre mim exerce o ímã da curiosidade, fui sem demora juntar-me ao grupo dos que faziam roda ao desatinado comprador.
O homem, entretanto, sem se preocupar com os árabes e cameleiros que bem de perto o observavam, abaixou-se e começou a ajuntar vagarosamente os cacos, como se lhe movesse a intenção de reconstituir o que ele mesmo destruíra inexplicavelmente.
Sheiks e caravaneiros que cruzavam a rua, vendo o caminho impedido pelo ajuntamento, gritavam do alto dos maharis (camelo de sela):
- Passagem! Eia! Por Alá! Passagem!
Ao cabo de algum tempo tornou-se enorme a confusão; os mais exaltados, proferindo insultos e blasfêmias de toda espécie, tentavam maldosamente atropelar e pisar com seus camelos os curiosos parados em grupos no meio da rua.
Temendo que aquele incidente degenerasse num conflito mais sério, deliberei intervir. Aproximei-me do desconhecido, tomei-o pelo braço e disse-lhe:
- Quero levar-vos, meu amigo, até a minha casa! Tenho em meu poder diversos jarros persas e chineses com desenhos admiráveis.
Sem se mostrar surpreendido ou contrariado pelo intempestivo convite, o jovem acompanhou-me sereno, sob o olhar atônito da multidão!
Ficamos sós. Ofereci-lhe, com demonstrações de alta cerimônia, tâmaras e água, mas ele nada aceitou. Quis apenas provar o pão e o sal da hospitalidade.
Teria, afinal, o meu estranho hóspede perdido o uso da razão?
- Onde estão os teus jarros chineses? - perguntou-me, percorrendo insistente, com o olhar, todos os cantos da sala.
- Peço perdão, ó sheik! - respondi -, faltei há pouco à verdade quando vos disse possuir jarros da China e da Pérsia. Queria, apenas, inventar um pretexto para arrancar-vos do meio daqueles exaltados muçulmanos! Bedal matghechoc ôlloh fê-vechoc! (1) Bem vejo que sois estrangeiro e desconheceis, por certo, o gênio arrebatado e violento do povo desta terra. Rara é a semana em que não assistimos, pelas praças e ruas, distúrbios e correrias. Às vezes, por causa de ninharias e frivolidades, homens são assassinados e ricas lojas saqueadas em poucos instantes. Os guardas não dominam os ímpetos sanguinários da população. Se houvesse, há pouco, um conflito com os caravaneiros turcos, a vossa vida estaria em grave perigo!
Riu o desconhecido ao ouvir a minha explicação.
- Uallah! (Por Deus!) - exclamou. - Julgavas, então, que eu fosse um fraco, um demente? É interessante! Vou contar-te a minha história e o motivo que me levou a quebrar um jarro no meio da rua.
Antes, porém, de dar início à prometida narrativa, o jovem maníaco sentou-se sobre uma almofada (que cuidadosamente ajeitara), colocou diante de si, sobre o tapete, dois fragmentos do jarro que ele, pouco antes, estilhaçara em plena rua e pôs-se a observá-los com a atenção de um obstinado.
Pareceu-me que seria mais delicado ou talvez mais cauteloso não perturbar o meu hóspede. Acomodei-me, sem-cerimônia, diante dele, acendi o meu delicioso narguilé e entreguei-me à tarefa de reparar e estudar as estranhas atitudes do lunático quebrador de vasos.
Teria, no máximo, trinta e um ou trinta e dois anos; seus olhos eram azulados; sua barba clara tinha reflexos cor de ouro vivo. Ostentava, com natural elegância, um aparatoso turbante de seda amarela no qual cintilava uma pequena pedra verde-escura.
De repente, a fisionomia do jovem tornou-se radiante, como se surpreendente inspiração o iluminasse. Ergueu o rosto e disse-me risonho:
- Afinal, o sultão perdoou o segundo condenado e este, sem querer, salvou o companheiro!
Aquela frase, para mim, não tinha sentido. Parecia disparate.
- Que sultão é esse, ó jovem? - interpelei-o com exagerada complacência, na certeza de que falava a um infeliz demente.
- Lamentável distração a minha! - exclamou com vivacidade. - Acreditei que fosses capaz de adivinhar os meus pensamentos e seguir o rumo da história que estive, aqui sentado, a arquitetar! Conforme prometi, vou contar-te o enredo de minha vida, e esclarecer os episódios que me forçaram a esfacelar o jarro diante da tenda de um mercador. E tudo compreenderás.
E na linguagem límpida e correta de um homem educado e culto, contou-me o seguinte:
Rafi An-Hari é o meu nome. Meu pai, que era um hábil negociante, fazia de quando em vez uma viagem a Sirendib (antigo nome do Ceilão), aonde ia em busca de especiarias que ele revendia com apreciáveis lucros aos seus agentes de Basra.
Quis, porém, o destino que meu pai viesse a morrer em consequência de um naufrágio, desaparecendo com todas as riquezas e dinheiro que transportava. Ficou a nossa família em completo desamparo. Forçado pelas necessidades da vida a procurar trabalho, empreguei-me como escriba em casa de um sheik muito rico chamado Ibraim Hata.
Uma noite, conversando casualmente com o meu patrão, disse-lhe que sabia contar várias histórias.
- Se é verdade o que acabas de revelar - ajuntou o sheik -, vou dar-te, em minha casa, o emprego de contador de histórias. Passarás a ganhar o triplo de teu atual ordenado!
Aquela decisão do meu generoso amo causou-me não pequena alegria. Passei a exercer no palácio de Ibraim Hata um cargo invejável: contador de histórias. Todas as noites, invariavelmente, o sheik Ibraim reunia em sua casa vários parentes e amigos; e eu, na presença dos ilustres convidados, contava uma lenda ou uma fábula qualquer.
Em geral, finda a narrativa, os ouvintes mais entusiasmados felicitavam-me com palavras de estímulo e davam-me ainda peças de ouro. Vivi assim, regaladamente, durante meses semeando na imaginação dos que me ouviam todos os sonhos e fantasias dos contos árabes.
Hoje, finalmente, pela manhã, fui avisado de que haviam chegado do Egito vários amigos do sheik, mercadores ricos e prestigiosos, que seriam incluídos entre os meus numerosos ouvintes para o conto da noite.
Em outra ocasião tal acontecimento seria para mim motivo de júbilo; agora, porém, veio causar-me um grande pavor, deixando-me o coração esmagado por uma angústia sem limites. E a razão é simples: tendo desfiado, sem cessar, até a minha última pérola, o colar das minhas histórias e fábulas, nada mais restava do meu tesouro!
Como inventar, de momento, um conto interessante e maravilhoso capaz de agradar aos meus nobres e exigentes ouvintes?
Preocupado com a grave responsabilidade que pesava sobre meus ombros, deixei pela manhã o palácio de meu amo e deliberei caminhar ao acaso, pelas ruas da cidade, pois tinha a esperança de encontrar alguém que me pudesse tirar do embaraço em que me achava. Procurei nos cafés os contadores profissionais de maior fama e consultei-os sobre as melhores narrativas que conheciam; apesar da recompensa que eu prometia, não consegui ouvir de nenhum deles história que fosse nova para mim; citavam-me algumas - é verdade - mas todas elas já tinham sido por mim mesmo narradas ao sheik.
O desânimo - acompanhado de uma inquietação perturbadora - já começava a esmagar as fibras restantes de minha energia, quando me veio, não sei por quê, à lembrança, um antigo provérbio hindu: “Um jarro quebrado alguma coisa recorda.” “Quem sabe”, pensei, agarrando-me ainda uma vez à esperança, “quem sabe se um jarro partido não me fará lembrar uma história há muito esquecida no meu passado pela caravana indolente da memória?”
Conta-se (Alá, porém, é mais sábio!) que o famoso poeta Moslini ben el Valid foi, certa vez, vítima de grave atentado. Fizeram cair sobre ele, atirado do alto de um terraço, grande e pesadíssimo jarro. Veio o jarro espatifar-se aos pés do poeta e um dos estilhaços, saltando impelida pela violência do choque, foi ferir de leve o rosto de Moslini. O jarro, fabricado por um oleiro de Medina, trazia em letras douradas, sobre fundo azul, a seguinte inscrição:
“O que se adquiriu pela força só se pode conservar pela doçura.”
O fragmento que feriu Moslini era, precisamente, aquele que continha a palavra “doçura”.
Aconselharam ao poeta que levasse o caso ao conhecimento do juiz. A culpada (fora uma jovem ciumenta a autora do atentado) devia ser punida. Recusou-se, porém, Moslini, a apresentar queixa ou acusação, dizendo: “Não posso pedir castigo ou punição para uma pessoa que me feriu com tanta ‘doçura’.”
Confirmava-se, mais uma vez, o provérbio: “Um vaso quebrado alguma coisa recorda.”
Movido por essa ideia, adquiri um jarro, depois de meticulosa escolha e pondo em execução o plano delineado, limitei-me a reduzi-lo a estilhaços no meio da rua.
- E o processo deu resultado? - perguntei, interessado. - Veio à vossa memória, depois do sacrifício, alguma história interessante, digna de ser contada a um auditório seleto?
A minha ingenuidade fez rir novamente o inteligente Rafi An-Hari.
- Ualá! - exclamou, batendo-me no ombro. - O tal jarro, depois de partido, fez-me recordar um conto, muito original, que poderá divertir os viajantes ilustres e agradar ao bom e generoso sheik Ibraim. E sabes, meu amigo, que história é essa?
- Interessa-me conhecê-la - respondi. - Deve ser muito original.
______________________________________
Nota
1 É preferível agora não enganar, e dizer-te logo a verdade!
Continua…
Fonte:
Malba Tahan. Mil histórias sem fim.
domingo, 9 de fevereiro de 2020
Divenei Boselli (1938 - 2020)
1
A cascata em que se espelha
resplandecente beleza,
é o rio que se ajoelha
ante o altar da natureza.
2
Ainda que outras despontem
neste teu céu de hoje em dia,
há de lembrar, sempre, que ontem
eu fui tua estrela guia...
3
A mais ostensiva prova
de fé que a morte produz
não é a cruz sobre a cova,
mas a crença nessa cruz.
4
Amanhece… De repente,
tomando o corpo da Terra,
o sol beija ardentemente
o rosto bruto da serra…
5
A vaga está garantida
para mim, porque, sabendo
que exigem folha corrida,
eu trouxe o jornal, correndo!
6
Chego à porta, enxugo o pranto,
deixo a dor no chão que piso
e, como que por encanto,
mostro o encanto de um sorriso...
7
Chegou cedo o bom marido
e amanheceu sobre a mesa...
- De que teria morrido?
- Ora, “meu”... Foi de surpresa...
8
Choro junto à sepultura
de sonhos mortos repleta,
e a razão, mãos na cintura,
diz: – quem mandou ser Poeta?
9
Coração, pouso de estrada,
repara bem, coração,
que entre os que pedem pousada,
entra o teu próprio ladrão!
10
Da fartura prometida
de carícias e de beijos,
só resta a parca medida
que não mata meus desejos…
11
Descubro ao longo da vida
meus mais íntimos segredos,
quando, qual harpa tangida,
vibro ao toque dos teus dedos...
12
Disfarço a mágoa com jeito
de quem crê no recomeço
e o disfarce é tão perfeito
que nem eu me reconheço…
13
Enquanto eu choro e tu dormes
com teus sonhos traiçoeiros,
cabem distâncias enormes
no vão de dois travesseiros.
14
Essa idade que escondemos,
que, entre risos, desmentimos,
é sempre aquela que temos,
mas, nem sempre, a que sentimos.
15
Eu faço das fronhas, lenços,
nas longas noites sem sono
e os lençóis, braços imensos,
abraçam meu abandono.
16
“Eu tenho a idade mundo!,
grita a Mentira; e a Verdade,
em tom solene e profundo:
“Eu também tenho essa idade!”
17
Fundamentada promessa
de dignidade e decência,
a liberdade começa
no fundo da consciência.
18
Hoje, em que braços deliras,
em que outro ouvido murmuras
as verdadeiras mentiras
que me disseste por juras?...
19
Madame teve um desmaio
no quarto das empregadas,
ouvindo, do papagaio,
tremendas papagaiadas!
20
Meu olhar seco adivinha
e eu evito a despedida
porque as lágrimas que eu tinha
chorei quando eu tinha vida…
21
Meu papagaio sumiu...
E um vizinho, desonesto,
anda dizendo que o viu
no Cartório de Protesto!
22
Meu peito é campo minado
onde o amor, míssil incerto,
procura um tanque blindado
e encontra apenas deserto…
23
Na moldura carcomida
resiste o sorriso antigo,
mas o espelho mostra a vida
e o que a vida fez comigo...
24
Não regressas... Mesmo assim,
a ilusão que eu julguei morta,
morta de pena de mim,
monta guarda à minha porta.
25
No cálice, o teu adeus
transborda o fel pelas beiras
e eu padeço, feito um deus
no Jardim das Oliveiras.
26
No estreito espaço de um quarto,
muitos tiveram guarida,
mas... só contigo eu reparto
o espaço inteiro da vida!...
27
Nos beijos apaixonados
os desejos vão contendo
os versos inacabados
que a Vida vive fazendo.
28
Onde a lei torta vigora
E o povo ao jugo se presta,
O rico só comemora
E o pobre é quem paga a festa.
29
O que aumenta meu tormento
é lembrar que me sorrias
e, ao fazer teu juramento,
mentias bem… Mas, mentias!
30
Partes, levando a metade
da metade que eu já sou,
deixando inteira a saudade
na metade que restou...
31
Partiste e, neste abandono,
na luz que vem da vidraça,
afugentando meu sono,
vem a saudade... e me abraça!
32
Pedi que nenhum de nós
terminasse só e triste;
eu pus minha alma na voz
mas, mesmo assim, não me ouviste...
33
Por direito, a safra é minha,
mas, na colheita, um impasse:
por que essa erva daninha
que eu colho sem que a plantasse?
34
Por respeito e amor à Vida,
que todo o Amor se concentre
em toda Vida contida
no estreito espaço de um ventre!
35
Pranto, riacho de dor
que em mim se faz um açude,
lembrando os versos de amor
que eu quis compor, mas não pude…
36
Quero o abraço ardente, aceso
de alguém que derreta, enfim,
a neve que o teu desprezo
derramou dentro de mim...
37
Saudade, eterno martírio
que ocupa, agora, em meu peito,
os espaços que o delírio
ocupava em nosso leito!...
38
Semana santa em meu peito...
Nas trevas, sem compaixão,
as mágoas rondam meu leito
com jeito de procissão...
39
Sem saber, os violeiros,
cantando em dupla ou sozinhos,
cantam a dor dos pinheiros
que deram vida aos seus pinhos.
40
Sentimos tanta alegria
quando estamos abraçados,
que, para nós, qualquer dia,
é "Dia dos Namorados"!
41
– Seu filho não tem vontade
de trabalhar pra ninguém!
Nega o pai: – Não é verdade.
Tem má vontade... Mas tem!
42
Soubesses medir o peso
que tem a palavra "Não",
saberias que o desprezo
é um convite à traição..
43
Teu corpo, assim, sinuoso,
cheira a convite suspeito;
- o rio mais caudaloso
tem mais mistérios no leito...
44
Teus olhos, luz que ilumina
o tatear dos teus dedos,
são dois faróis de neblina
devassando os meus segredos…
45
Toda a ilusão tem a sorte
da frágil franja alvacenta
da onda que, embora forte,
de espaço a espaço rebenta.
46
Tu, que ao partires, outrora,
não pensavas regressar,
regressas, e é tua, agora,
a hora e vez de chorar...
47
Uma lágrima, sequer,
eu vi no adeus...Nem depois.
Não faz mal...eu sou mulher,
posso chorar por nós dois!
48
Um dia eu parti, pensando
poder, um via, voltar;
sem pensar que 'um dia' é quando
o Deus - destino marcar...
49
Vai trabalhar, vagabundo,
grita a mulher, feito gralha;
e ele rosna lá do fundo” :
– “Vagabundo não trabalha!”…
50
Voltas... E eu acho tão triste
a emoção de disfarçar,
que por mim, já que partiste,
nem precisavas voltar...
A cascata em que se espelha
resplandecente beleza,
é o rio que se ajoelha
ante o altar da natureza.
2
Ainda que outras despontem
neste teu céu de hoje em dia,
há de lembrar, sempre, que ontem
eu fui tua estrela guia...
3
A mais ostensiva prova
de fé que a morte produz
não é a cruz sobre a cova,
mas a crença nessa cruz.
4
Amanhece… De repente,
tomando o corpo da Terra,
o sol beija ardentemente
o rosto bruto da serra…
5
A vaga está garantida
para mim, porque, sabendo
que exigem folha corrida,
eu trouxe o jornal, correndo!
6
Chego à porta, enxugo o pranto,
deixo a dor no chão que piso
e, como que por encanto,
mostro o encanto de um sorriso...
7
Chegou cedo o bom marido
e amanheceu sobre a mesa...
- De que teria morrido?
- Ora, “meu”... Foi de surpresa...
8
Choro junto à sepultura
de sonhos mortos repleta,
e a razão, mãos na cintura,
diz: – quem mandou ser Poeta?
9
Coração, pouso de estrada,
repara bem, coração,
que entre os que pedem pousada,
entra o teu próprio ladrão!
10
Da fartura prometida
de carícias e de beijos,
só resta a parca medida
que não mata meus desejos…
11
Descubro ao longo da vida
meus mais íntimos segredos,
quando, qual harpa tangida,
vibro ao toque dos teus dedos...
12
Disfarço a mágoa com jeito
de quem crê no recomeço
e o disfarce é tão perfeito
que nem eu me reconheço…
13
Enquanto eu choro e tu dormes
com teus sonhos traiçoeiros,
cabem distâncias enormes
no vão de dois travesseiros.
14
Essa idade que escondemos,
que, entre risos, desmentimos,
é sempre aquela que temos,
mas, nem sempre, a que sentimos.
15
Eu faço das fronhas, lenços,
nas longas noites sem sono
e os lençóis, braços imensos,
abraçam meu abandono.
16
“Eu tenho a idade mundo!,
grita a Mentira; e a Verdade,
em tom solene e profundo:
“Eu também tenho essa idade!”
17
Fundamentada promessa
de dignidade e decência,
a liberdade começa
no fundo da consciência.
18
Hoje, em que braços deliras,
em que outro ouvido murmuras
as verdadeiras mentiras
que me disseste por juras?...
19
Madame teve um desmaio
no quarto das empregadas,
ouvindo, do papagaio,
tremendas papagaiadas!
20
Meu olhar seco adivinha
e eu evito a despedida
porque as lágrimas que eu tinha
chorei quando eu tinha vida…
21
Meu papagaio sumiu...
E um vizinho, desonesto,
anda dizendo que o viu
no Cartório de Protesto!
22
Meu peito é campo minado
onde o amor, míssil incerto,
procura um tanque blindado
e encontra apenas deserto…
23
Na moldura carcomida
resiste o sorriso antigo,
mas o espelho mostra a vida
e o que a vida fez comigo...
24
Não regressas... Mesmo assim,
a ilusão que eu julguei morta,
morta de pena de mim,
monta guarda à minha porta.
25
No cálice, o teu adeus
transborda o fel pelas beiras
e eu padeço, feito um deus
no Jardim das Oliveiras.
26
No estreito espaço de um quarto,
muitos tiveram guarida,
mas... só contigo eu reparto
o espaço inteiro da vida!...
27
Nos beijos apaixonados
os desejos vão contendo
os versos inacabados
que a Vida vive fazendo.
28
Onde a lei torta vigora
E o povo ao jugo se presta,
O rico só comemora
E o pobre é quem paga a festa.
29
O que aumenta meu tormento
é lembrar que me sorrias
e, ao fazer teu juramento,
mentias bem… Mas, mentias!
30
Partes, levando a metade
da metade que eu já sou,
deixando inteira a saudade
na metade que restou...
31
Partiste e, neste abandono,
na luz que vem da vidraça,
afugentando meu sono,
vem a saudade... e me abraça!
32
Pedi que nenhum de nós
terminasse só e triste;
eu pus minha alma na voz
mas, mesmo assim, não me ouviste...
33
Por direito, a safra é minha,
mas, na colheita, um impasse:
por que essa erva daninha
que eu colho sem que a plantasse?
34
Por respeito e amor à Vida,
que todo o Amor se concentre
em toda Vida contida
no estreito espaço de um ventre!
35
Pranto, riacho de dor
que em mim se faz um açude,
lembrando os versos de amor
que eu quis compor, mas não pude…
36
Quero o abraço ardente, aceso
de alguém que derreta, enfim,
a neve que o teu desprezo
derramou dentro de mim...
37
Saudade, eterno martírio
que ocupa, agora, em meu peito,
os espaços que o delírio
ocupava em nosso leito!...
38
Semana santa em meu peito...
Nas trevas, sem compaixão,
as mágoas rondam meu leito
com jeito de procissão...
39
Sem saber, os violeiros,
cantando em dupla ou sozinhos,
cantam a dor dos pinheiros
que deram vida aos seus pinhos.
40
Sentimos tanta alegria
quando estamos abraçados,
que, para nós, qualquer dia,
é "Dia dos Namorados"!
41
– Seu filho não tem vontade
de trabalhar pra ninguém!
Nega o pai: – Não é verdade.
Tem má vontade... Mas tem!
42
Soubesses medir o peso
que tem a palavra "Não",
saberias que o desprezo
é um convite à traição..
43
Teu corpo, assim, sinuoso,
cheira a convite suspeito;
- o rio mais caudaloso
tem mais mistérios no leito...
44
Teus olhos, luz que ilumina
o tatear dos teus dedos,
são dois faróis de neblina
devassando os meus segredos…
45
Toda a ilusão tem a sorte
da frágil franja alvacenta
da onda que, embora forte,
de espaço a espaço rebenta.
46
Tu, que ao partires, outrora,
não pensavas regressar,
regressas, e é tua, agora,
a hora e vez de chorar...
47
Uma lágrima, sequer,
eu vi no adeus...Nem depois.
Não faz mal...eu sou mulher,
posso chorar por nós dois!
48
Um dia eu parti, pensando
poder, um via, voltar;
sem pensar que 'um dia' é quando
o Deus - destino marcar...
49
Vai trabalhar, vagabundo,
grita a mulher, feito gralha;
e ele rosna lá do fundo” :
– “Vagabundo não trabalha!”…
50
Voltas... E eu acho tão triste
a emoção de disfarçar,
que por mim, já que partiste,
nem precisavas voltar...
Fonte:
sábado, 8 de fevereiro de 2020
Varal de Trovas n. 177
Alcântara Machado (O Monstro de Rodas)
O Nino apareceu na porta. Teve um arrepio. Levantou a gola do paletó.
- Ei, Pepino! Escuta só o frio!
Na sala discutiam agora a hora do enterro. A Aída achava que de tarde ficava melhor. Era mais bonito. Com o filho dormindo no colo Dona Mariângela achava também. A fumaça do cachimbo do marido ia dançar bem em cima do caixão.
- Ai, Nossa Senhora! Ai, Nossa Senhora
Dona Nunzia descabelada enfiava o lenço na boca.
- Ai, Nossa Senhora! Ai, Nossa Senhora.
Sentada no chão a mulata oferecia o copo de água de flor de laranja.
- Leva ela pra dentro!
- Não! Eu não quero! Eu... não... quero!...
Mas o marido e o irmão a arrancaram da cadeira e ela foi gritando para o quarto. Enxugaram-se lágrimas de dó.
- Coitada da Dona Nunzia!
A negra de sandália sem meia principiou a segunda volta do terço.
- Ave Maria, cheia de graça, o Senhor...
Carrocinhas de padeiro derrapavam nos paralelepípedos da Rua Sousa Lima. Passavam cestas para a feira do Largo do Arouche. Garoava na madrugada roxa.
- ... da nossa morte. Amém. Padre Nosso que estais no Céu...
O soldado espiou da porta. Seu Chiarini começou a roncar muito forte. Um bocejo. Dois bocejos. Três. Quatro.
- ... de todo o mal. Amém.
A Aída levantou-se e foi espantar as moscas do rosto do anjinho.
Cinco. Seis.
O violão e a flauta recolhendo de farra emudeceram respeitosamente na calçada.
Na sala de jantar Pepino bebia cerveja em companhia do Américo Zamponi (SALÃO PALESTRA ITÁLIA - Engraxa-se na perfeição a 200 réis) e o Tibúrcio (- O Tibúrcio... - O mulato? - Quem mais há de ser?).
- Quero só ver daqui a pouco a noticia do Fanfulla. Deve cascar o almofadinha.
- Xi, Pepino! Você é ainda muito criança. Tu é ingênuo, rapaz. Não conhece a podridão da nossa imprensa. Que o quê, meu nego. Filho de rico manda nesta terra que nem a Light. Pode matar sem medo. É ou não é, Seu Zamponi?
Seu Américo Zamponi soltou um palavrão, cuspiu, soltou outro palavrão, bebeu, soltou mais outro palavrão, cuspiu.
- É isso mesmo, Seu Zamponi, é isso mesmo!
O caixãozinho cor-de-rosa com listas prateadas (Dona Nunzia gritava) surgiu diante dos olhos assanhados da vizinhança reunida na calçada (a molecada pulava) nas mãos da Aída, da Josefina, da Margarida e da Linda.
- Não precisa ir depressa para as moças não ficarem escangalhadas.
A Josefina na mão livre sustentava um ramo de flores. Do outro lado a Linda tinha a sombrinha verde, aberta. Vestidos engomados, armados, um branco, um amarelo, um creme, um azul. O enterro seguiu.
O pessoal feminino da reserva carregava dálias e palmas-de-são-josé. E na calçada os homens caminhavam descobertos.
O Nino quis fechar com o Pepino uma aposta de quinhentão.
- A gente vai contando os trouxas que tiram o chapéu até a gente chegar no Araçá. Mais de cinqüenta você ganha. Menos, eu.
Mas o Pepino não quis. E pegaram uma discussão sobre qual dos dois era o melhor: Friedenreich ou Feitiço.
- Deixa eu carregar agora, Josefina?
- Puxa, que fiteira! Só porque a gente está chegando na Avenida Angélica. Que mania de se mostrar, que você tem!
O grilo fez continência. Automóveis disparavam para o corso com mulheres de pernas cruzadas mostrando tudo. Chapéus cumprimentavam dos ônibus, dos bondes. Sinais-da-santa-cruz. Gente parada.
Na Praça Buenos Aires, Tibúrcio já havia arranjado três votos para as próximas eleições municipais.
- Mamãe, mamãe! Venha ver um enterro, mamãe!
Aída voltou com a chave do caixão presa num lacinho de fita. Encontrou Dona Nunzia sentada na beira da cama olhando o retrato que a Gazeta publicara. Sozinha. Chorando.
- Que linda que era ela!
- Não vale a pena pensar mais nisso, Dona Nunzia...
O pai tinha ido conversar com o advogado.
Fonte:
Alcântara Machado. Brás, Bexiga e Barra Funda.
Rita Delamari (Cristais Poéticos)
A POESIA EM NÓS
No frio de nossos dias,
o calor da tua presença
aquece!
Das nossas bocas,
palavras com veemência
e sintonia.
Tua voz rouca
e esse olhar em sorriso,
minha tristeza fenece!
Em nossos ouvidos,
uma bela sinfonia
enlouquece!
É tudo tão preciso
Nesse nosso universo,
sem ponto ou reticências.
Escrevemos os nossos versos,
sem métrica, com ou sem rimas:
é o nosso amor, fazendo poesia.
****************************************
CHUVA NO OUTONO
Nas folhas
soltas a voar,
ela demora a enxergar
que fora o vento,
e tão somente,
que levou consigo
uma lágrima de saudade
na chuva de outono.
****************************************
ESCOMBROS
Meu peito inflama
com uma chama
que me invade
de incertezas.
A cada tombo
me levanto
e organizo
meus escombros.
****************************************
MÃE NATUREZA
Da natureza, tudo se extrai...
Vida em meio a tanta devastação,
um rio de poluição se vai
e se abrupta na correnteza.
Uma mãe, no centro
dessa imensidão,
os seus filhos
jamais abandona.
Vida, vivos seres de tanta beleza,
Ela se consome em preocupação...
Observa o oceano:
ainda rico em profundeza.
****************************************
ORVALHO
O orvalho da noite
chora testemunhando
tão profunda dor,
que dói como açoite.
Doida esta, a de amor...
Um choro que
não é solitário,
ainda tenho sorte:
pelo orvalho
do choro que cai,
vem exalar seu perfume,
a flor!
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SEUS OLHOS
Os seus olhos são
como dois diamantes...
Parecem pedras preciosas,
que juntas estão
assim como nós,
na união de amantes,
nas horas gostosas
em que ficamos a sós...
E carregam um brilho
trazendo a sua beleza:
verdes e marcantes,
puros e fascinantes,
como a própria natureza.
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SOFREGUIDÃO
Ouço a voz do silêncio,
a paz que acalenta a noite,
a força do vento
que parece um açoite...
Mas, não, é a magia
da minha feliz solidão,
como um sussurro
no infinito, na imensidão
de uma saga que, juro,
não é angústia...
É vida, é sofreguidão!
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Rita Delamari, nascida Rita do Rocio Alves dos Santos é graduada 1º Sargento da Reserva na Polícia Militar do Paraná (PMPR). Começou seus escritos na adolescência. Cursou Redação Técnico-Científica com formação acadêmica em Pedagogia. A poesia se enraizou, durante o período em que seguiu a carreira militar: “meu encanto na poesia, minha centelha à posteridade.” É membro efetivo do Centro de Letras do Paraná, 2017.
Seus livros: Das pedras as flores, Ed. Íthala, 2011; Da janela do quarto, Ed. Blanche, 2015; Contornos e contrastes, Marianas Edições, 2018.
Participou de diversas antologias, dentre elas: Cronistas do Centro de Letras do Paraná (Coleção Literária de Autores Paranaenses, 2018), Histórias que vi, vivi e ouvi II (Associação Literária Lapeana, 2019) e Conexões Atlânticas IV (Ed. In-Finita Lisboa-Portugal/2019). Seu poema “Engrenagem” foi publicado em livro, com os vencedores do Concurso Literário Fazenda Rio Grande-PR/2018 (1º lugar, gênero poesia, categoria comunidade).
Fonte:
Poemas e Biografia por colaboração
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