terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

Antonio Roberto de Paula (O Sábado e suas Casualidades)


Vem sempre aqui?
Não. É a primeira vez. E você?
Segunda. Não gosto. Muito apertado.

– Achei legal. Muita gente bonita.

– E mal educada. Ninguém respeita fila. Olha aí, ó, o cara entra pega a cerveja e sai na boa.
Não adianta esquentar. É coisa de Brasil.
Mas é um saco você ser obrigado a entrar numa fila para comprar ficha e em outra para a cerveja. Quebra o embalo, entende?
Não. 
Você tá com o seu pessoal bebendo. Aí seca o copo e você tem que buscar.
Sabe que eu não tô ligando muito hoje. Vim com uma turma que é um pé no saco.
Vim com duas irmãs e um amigo. Você não quer ir à nossa mesa?

– Não, acho chato deixar o pessoal.
Chato é ficar num lugar que a gente não tá a fim e fica só pra não ser indelicado.
Mais tarde dou uma passada na sua mesa.
Passa sim. Como é o seu nome?

– Nalva.

– Nalva?
 
– O certo é Edinalva, mas gosto que me chamem de Nalva. E o seu?
Manoel Augusto, mas a turma me conhece por Nezão. Apelido de criança.

– Tua cara não é estranha.

– A tua também não é. Faz tempo que você mora aqui?

– Nasci aqui.

– Uns 18 anos atrás?

– Assim você me deixa vermelha. Quem me dera ter 18 anos...

– Mas não tem muito mais do que isto.
Pode crer que tenho.
Se você tiver uns 23 é muito,
Acho que você tá querendo me gozar.

– Palavra que não. Quantos anos você tem?
Faço 28 em setembro.
Não acredito. Não parece.
Tenho três mais que você. Mas não adianta querer ser boazinha comigo. Tenho certeza que você imaginou que eu tinha muito mais.

– Que é isso, Neisão?
Neisão, não. É Nezão.
Desculpe, Nezão. Você tem o jeito de um cara de 30. Nem mais nem menos.
Mas de onde a gente se conhece?
Onde você trabalha?
Sou autônomo!

– Vende o que?
 
– Produtos de limpeza. Nossa firma representa uma multinacional.
Você deve ser bom de conversa!
Sou tímido pra caramba. Acho que só estou conversando com você porque já tomei umas três. E porque hoje é sábado. Reparou que no sábado a gente se solta mais?
É verdade. Parece que todo mundo deixa os problemas de lado no sábado. Tira a preocupação da cara e fica mais sociável. É o dia da liberdade e a felicidade é saber que o dia seguinte é domingo.
Me deixa pegar as cervejas. Dá tuas fichas, eu pego pra você.
Pega dois guaranás.
Ufa, que sufoco. E você faz o que?

– Cabeleireira.

– Onde fica o salão?

– Faço o trabalho em casa.

– Salão unissex?

– Não, só atendo mulheres.
Não dá pra abrir uma exceção?
Engraçadinho. Vou ter que ir pra mesa.
A gente vai se ver de novo?
Claro. Quer meu telefone? Tá aqui no cartão o meu nome, endereço e telefone. Mandei fazer para as clientes.
Posso te ligar amanhã?

– Vou ficar esperando.

– Quer o meu telefone?

– Não, prefiro que você me ligue.

– Gostei de você.

– Eu também. E eu que achava que a noite ia ser um tédio.

– Quer que eu te leve'?

– Não, vou voltar com o pessoal. Me liga?

– Pode esperar por isso, Nalva,

– Foi um prazer, Nezão.
Prazer foi meu. Escuta, você é casada?

– Já fui. E você?

– Mais livre impossível. Posso te dar um beijo no rosto de boa noite?

– Deve. Conhece esta música que está tocando?

– Qual?

– Presta atenção.

– Hum, tema do Ghost, Bonita.

– Adoro ela. É a minha música.

– Agora é minha também.

– Coincidência, não?

– O quê?
Tocar esta música justamente no momento em que estou me despedindo de você, uma pessoa que acabei de conhecer.
Espero que não seja coincidência. O cara morre logo no começo do filme e depois fica pentelhando aquela gostosa da Demi More até o final.

– Insensível...

– Tô brincando. Realmente a música é muito bonita. Toda vez que ouvir vou lembrar de você.

– Sério?

– Pode botar fé.

– Legal te conhecer. Tchau.

– Isto é que eu chamo de "valeu o sábado". Tchau.

Com um guaraná em cada mão, Nalva vai saindo da visão de Nezão. No rosto, instalou um sorriso entre feliz e vitorioso. Ela também considera ganho o sábado. Nezão dá a última golada e encara a fila novamente. Gravou Nalva na mente e já começou a contagem regressiva para telefonar. "É o dia da liberdade e a felicidade é saber que o dia seguinte é domingo". Nezão lembra das palavras de Nalva, ditas tão docemente. Com ela todos os dias devem ser sábado, sonha, enquanto espera mais uma cerveja.

Fonte:
Antonio Roberto de Paula. Da minha janela. Maringá/PR: Gráfica Sthampa, 2003.

Lairton Trovão de Andrade (Panaceia de Trovas) VII


A estrela do firmamento
da grandeza é o brasão;
nossa glória esvai-se ao vento
feito bolha de sabão.
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A hortência está no horto,
onde há flores por vintém;
tanto quer, pra seu conforto,
o aroma que ela não tem.
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A justa sabedoria
despreza vis aparências;
triunfa a Filosofia
no universo das essências.
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Além do bem e do mal
não se contempla ninguém;
jamais nascerá um tal
que seja um "super alguém".
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Apesar de algum espinho,
levo à frente o caminhar;
os tropeços do caminho
não me impedem de sonhar.
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A rica mata florida
vê a vida massacrada;
por um cruel homicida,
a natureza é linchada!
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As árvores da natura
têm a beleza cativa;
a brisa suave e pura
faz a aurora mais festiva.
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A verdade é que nos diz:
Não há maior decepção
que ver o povo infeliz
com tanta retaliação.
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A vida, neste interior,
reflete feliz bonança;
a natureza em vigor
renova toda esperança.
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Destruam toda floresta,
desprezem valores certos,
mudem o clima que resta
e verão novos desertos.
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Dizem que o mundo sorri
e seu sorriso é de artista;
há muita ilusão, ali,
naquela voz de sofista.
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É o refulgir da evidência,
que ao conhecer dá firmeza;
forte alicerce da ciência
é o critério da certeza.
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Leva desprezo maior
o torpe réptil traidor;
não pode haver coisa pior
que trair seu benfeitor.
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Merece o trabalhador,
após jornada sem fim,
ser do seu tempo senhor,
bem aposentado enfim.
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Motosserra na floresta
destrói o nosso futuro;
é ação vil e funesta
que nos traz fim prematuro.
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Na letra desta poesia,
há sonho com muito ardor.
Que bom alcançar, um dia,
a doce paz interior!
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Na minha vida em percurso,
perante ofensa velada,
prefiro usar o discurso
do meu silêncio e mais nada.
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Não morrerá a esperança
pra quem a tem por preceito;
quem trabalha sempre alcança
o bom fruto e o seu efeito.
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Nas mornas noites de outono,
com este lindo luar,
muitas vezes, perco o sono,
por um bem além do mar.
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Neste mundo de surpresa,
conservo a minha coragem;
na abundância ou na pobreza,
hei de sempre seguir viagem.
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O amor que vibra em meu peito
já não tem mais dimensão:
é chama de sumo efeito
e delícia em explosão.
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Observo, sem compreender,
hipócritas em ação;
o que sempre mostram ser
é tudo o que eles não são.
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O tirano prepotente,
por ter feito tanto mal,
mesmo na vida presente
terá desprezo total.
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Por vez, quem perde eleição
quer, ao eleito, insucesso;
instiga só insurreição,
é contra o bem e o progresso.
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Pouco importa o que eu escrevo
no discurso, em cada linha;
certas coisas só me atrevo
declarar nas entrelinhas.
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Quando a palavra se cala,
pode inda haver advertências:
Nem só a palavra fala...
há vozes nas reticências...
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Riqueza não compra tudo,
nem mesmo a tranquilidade;
compra o dinheiro, contudo,
amigos com falsidade.
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Se eu pudesse, te daria
grande presente de escol,
e você se assentaria
num trono acima do Sol.
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Torna-se, às vezes, o amor
só lenda de dicionário,
que não tem mais resplendor
nem nas letras de um hinário.

Fonte:
Lairton Trovão de Andrade. Perene alvorecer. 2016.

Manuel Antonio de Almeida (Uma História Triste)


Dois passarinhos tinham tido na primavera uns amores muito inocentes e muito ternos. Começaram por um trinado alegre nos ramos da mesma árvore, depois fizeram juntos um voo para a árvore vizinha, depois chamaram-se um ao outro nuns pios muito doces para o denso da mata, depois um deles baixou à terra, e ergueu-se levando no bico uma palhinha seca.

Sobre o rio que ali perto corria debruçava-se o ramo de uma grande árvore, e com suas folhas beijava quase a superfície das águas.

Para esse ramo foi levada a palhinha seca que deu começo ao ninho.

Por cima havia a copa da árvore, por baixo as águas do rio. O ninho ficou naquele meio voluptuoso de sombra e de frescura.

Durante alguns dias passaram-se ali ao pôr do sol alguns mistérios que a solidão escondeu; ouviam-se uns chilros entrecortados, o sussurro de umas asas que se debatiam, o ramo que se agitava. Depois a aragem, passando pela copa da árvore, desfolhava sobre o ninho as flores que haviam desabrochado naquela mesma aurora.

Um dia, ao despontar do sol, os dois passarinhos cantaram mais do que nunca, esvoaçaram alegres em torno do ramo, pousaram em todas as grimpas da árvore, e de cima de cada uma delas cantaram, trinaram, chilraram.

De dentro do ninho partiram uns pios que mal se ouviam, e começaram a agitar-se umas asas pequeninas cobertas de penugem.

Nesse mesmo dia, ao cair da tarde, os céus cobriram-se de nuvens, e as águas do rio tornaram-se turvas.

De noite caiu a tempestade.

Ao amanhecer, um dos passarinhos, tendo ficado a noite inteira com as asas abertas sobre o ninho para protegê-lo, cedeu o lugar ao outro, e foi nos ramos mais altos esperar um raio de sol que lhe enxugasse as penas úmidas da chuva.

Debalde esperou, o sol não veio nessa manhã.

No entanto, as águas do rio, engrossadas pela chuva da noite, começaram a crescer com um ruído longínquo e surdo.

Já as últimas folhas do ramo se achavam mergulhadas, e este começava a balançar com o movimento da corrente.

Os infelizes pressentiram o perigo que iam correr as premissas do seu amor, e começaram a esvoaçar inquietos em torno do ninho.

As águas continuaram a crescer, e já se não via a extremidade do ramo.

A inquietação dos malfadados crescia com eles; continuavam a esvoaçar soltando uns gemidos rápidos, mas repetidos, único meio por que podiam manifestar a sua aflição. Quando cansavam, pousavam num ramo vizinho, mas só por um instante, e recomeçavam logo a esvoaçar e a gemer.

As águas cresciam sempre, e já grande parte do ramo estava mergulhado na corrente.

Os infelizes redobravam os voos e os gemidos.

Depois o ramo vergou com a força da água, estalou e partiu-se. Preso às plantas marinhas ficou alguns instantes no mesmo lugar; depois começou a correr levado pela corrente.

O ninho ficara fora da água, e dentro dele os recém-nascidos agitavam medrosos suas asas de penugem para os pais que acompanhavam o ramo, disputando no voo a velocidade da corrente.

Correram assim por muito tempo, o ninho sobre as águas, os pássaros cortando o ar.

Quando encontravam alguma raiz ou planta, ou quando nalguma volta do rio a corrente menos rápida demorava o ramo, os infelizes tentavam pousar nas bordas do ninho; mas este ameaçava submergir-se com o peso: eles erguiam-se de novo, e começavam, voando, a descrever em torno dele círculos tão estreitos, que muitas vezes suas asas se encontravam.

Fatigados da luta inútil, já o seu voo era rasteiro, trêmulo e incerto. Pousando em qualquer árvore da margem poderiam cobrar novas forças, mas durante esse tempo onde teriam ido o ninho, e os filhinhos que pipitavam de fome!

Continuaram a voar, e o ninho a correr.

Afinal um deles caiu numa vertigem da fadiga sobre a corrente; quis erguer de novo o voo; abriu as asas na superfície das águas; pesaram-lhe porém as penas molhadas; e sumiu-se num redemoinho que fazia o rio.

O companheiro continuou a seguir ainda por algum tempo o ninho; mas venceu-o também o cansaço; abateu-se trêmulo sobre um ramo da margem, donde caiu desfalecido na corrente.

No entanto era já de tarde; o céu tinha-se tornado limpo, aparecera o sol, as águas do rio tinham baixado.

O ninho encalhou por fim no remanso da areia, onde os infelizes filhinhos de um amor tão inocente e tão puro morreram de fome, de orfandade e de abandono, não tendo vivido duas auroras!

Pois sobre aqueles seres tão inocentinhos, tão inofensivos, que parecem não ter sido criados senão para adorno da criação, pesará também a fatalidade da desventura?

Pois nem aquele amor que fora tão puro e tão breve deixou de pagar ao infortúnio o seu tributo de dores?

Ou será que a Providência que rege os destinos do homem deixa o dos outros seres à lei do acaso?

Se não tivesse medo que se rissem de uma questão de passarinhos, havia de apresentar estes problemas aos grandes pensadores, a ver se os resolviam.

Fonte:
Manuel Antonio de Almeida. Obra dispersa.

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020

Malba Tahan (Mil Histórias sem Fim) Narrativa 14 e 15


Da janela de minha casa, em Bagdá, observava uma tarde o vaivém dos aventureiros e beduínos, quando a minha atenção foi despertada por um fato que me pareceu estranho e muito singular.

Um homem, ricamente trajado, aproximou-se de um velho mercador que oferecia à venda, sob largo toldo, uma bela coleção de jarros de diversas formas. Depois de escolher, com um empenho que me pareceu exagerado, a peça que mais lhe interessava, o desconhecido pagou ao vendedor, sem hesitar, o preço exigido. Isso feito, encaminhou-se para o meio da rua e levantando, com ambas as mãos, o jarro atirou-o com toda força contra uma pedra, espatifando-o.

- É um louco! - murmurei. E, como não sei resistir à atração que sobre mim exerce o ímã da curiosidade, fui sem demora juntar-me ao grupo dos que faziam roda ao desatinado comprador.

O homem, entretanto, sem se preocupar com os árabes e cameleiros que bem de perto o observavam, abaixou-se e começou a ajuntar vagarosamente os cacos, como se lhe movesse a intenção de reconstituir o que ele mesmo destruíra inexplicavelmente.

Sheiks e caravaneiros que cruzavam a rua, vendo o caminho impedido pelo ajuntamento, gritavam do alto dos maharis (camelo de sela):

- Passagem! Eia! Por Alá! Passagem!

Ao cabo de algum tempo tornou-se enorme a confusão; os mais exaltados, proferindo insultos e blasfêmias de toda espécie, tentavam maldosamente atropelar e pisar com seus camelos os curiosos parados em grupos no meio da rua.

Temendo que aquele incidente degenerasse num conflito mais sério, deliberei intervir. Aproximei-me do desconhecido, tomei-o pelo braço e disse-lhe:

- Quero levar-vos, meu amigo, até a minha casa! Tenho em meu poder diversos jarros persas e chineses com desenhos admiráveis.

Sem se mostrar surpreendido ou contrariado pelo intempestivo convite, o jovem acompanhou-me sereno, sob o olhar atônito da multidão!

Ficamos sós. Ofereci-lhe, com demonstrações de alta cerimônia, tâmaras e água, mas ele nada aceitou. Quis apenas provar o pão e o sal da hospitalidade.

Teria, afinal, o meu estranho hóspede perdido o uso da razão?

- Onde estão os teus jarros chineses? - perguntou-me, percorrendo insistente, com o olhar, todos os cantos da sala.

- Peço perdão, ó sheik! - respondi -, faltei há pouco à verdade quando vos disse possuir jarros da China e da Pérsia. Queria, apenas, inventar um pretexto para arrancar-vos do meio daqueles exaltados muçulmanos! Bedal matghechoc ôlloh fê-vechoc! (1) Bem vejo que sois estrangeiro e desconheceis, por certo, o gênio arrebatado e violento do povo desta terra. Rara é a semana em que não assistimos, pelas praças e ruas, distúrbios e correrias. Às vezes, por causa de ninharias e frivolidades, homens são assassinados e ricas lojas saqueadas em poucos instantes. Os guardas não dominam os ímpetos sanguinários da população. Se houvesse, há pouco, um conflito com os caravaneiros turcos, a vossa vida estaria em grave perigo!

Riu o desconhecido ao ouvir a minha explicação.

- Uallah! (Por Deus!) - exclamou. - Julgavas, então, que eu fosse um fraco, um demente? É interessante! Vou contar-te a minha história e o motivo que me levou a quebrar um jarro no meio da rua.

Antes, porém, de dar início à prometida narrativa, o jovem maníaco sentou-se sobre uma almofada (que cuidadosamente ajeitara), colocou diante de si, sobre o tapete, dois fragmentos do jarro que ele, pouco antes, estilhaçara em plena rua e pôs-se a observá-los com a atenção de um obstinado.

Pareceu-me que seria mais delicado ou talvez mais cauteloso não perturbar o meu hóspede. Acomodei-me, sem-cerimônia, diante dele, acendi o meu delicioso narguilé e entreguei-me à tarefa de reparar e estudar as estranhas atitudes do lunático quebrador de vasos.

Teria, no máximo, trinta e um ou trinta e dois anos; seus olhos eram azulados; sua barba clara tinha reflexos cor de ouro vivo. Ostentava, com natural elegância, um aparatoso turbante de seda amarela no qual cintilava uma pequena pedra verde-escura.

De repente, a fisionomia do jovem tornou-se radiante, como se surpreendente inspiração o iluminasse. Ergueu o rosto e disse-me risonho:

- Afinal, o sultão perdoou o segundo condenado e este, sem querer, salvou o companheiro!

Aquela frase, para mim, não tinha sentido. Parecia disparate.

- Que sultão é esse, ó jovem? - interpelei-o com exagerada complacência, na certeza de que falava a um infeliz demente.

- Lamentável distração a minha! - exclamou com vivacidade. - Acreditei que fosses capaz de adivinhar os meus pensamentos e seguir o rumo da história que estive, aqui sentado, a arquitetar! Conforme prometi, vou contar-te o enredo de minha vida, e esclarecer os episódios que me forçaram a esfacelar o jarro diante da tenda de um mercador. E tudo compreenderás.

E na linguagem límpida e correta de um homem educado e culto, contou-me o seguinte:

Rafi An-Hari é o meu nome. Meu pai, que era um hábil negociante, fazia de quando em vez uma viagem a Sirendib (antigo nome do Ceilão), aonde ia em busca de especiarias que ele revendia com apreciáveis lucros aos seus agentes de Basra.

Quis, porém, o destino que meu pai viesse a morrer em consequência de um naufrágio, desaparecendo com todas as riquezas e dinheiro que transportava. Ficou a nossa família em completo desamparo. Forçado pelas necessidades da vida a procurar trabalho, empreguei-me como escriba em casa de um sheik muito rico chamado Ibraim Hata. 

Uma noite, conversando casualmente com o meu patrão, disse-lhe que sabia contar várias histórias.

- Se é verdade o que acabas de revelar - ajuntou o sheik -, vou dar-te, em minha casa, o emprego de contador de histórias. Passarás a ganhar o triplo de teu atual ordenado!

Aquela decisão do meu generoso amo causou-me não pequena alegria. Passei a exercer no palácio de Ibraim Hata um cargo invejável: contador de histórias. Todas as noites, invariavelmente, o sheik Ibraim reunia em sua casa vários parentes e amigos; e eu, na presença dos ilustres convidados, contava uma lenda ou uma fábula qualquer. 

Em geral, finda a narrativa, os ouvintes mais entusiasmados felicitavam-me com palavras de estímulo e davam-me ainda peças de ouro. Vivi assim, regaladamente, durante meses semeando na imaginação dos que me ouviam todos os sonhos e fantasias dos contos árabes.

Hoje, finalmente, pela manhã, fui avisado de que haviam chegado do Egito vários amigos do sheik, mercadores ricos e prestigiosos, que seriam incluídos entre os meus numerosos ouvintes para o conto da noite.

Em outra ocasião tal acontecimento seria para mim motivo de júbilo; agora, porém, veio causar-me um grande pavor, deixando-me o coração esmagado por uma angústia sem limites. E a razão é simples: tendo desfiado, sem cessar, até a minha última pérola, o colar das minhas histórias e fábulas, nada mais restava do meu tesouro! 

Como inventar, de momento, um conto interessante e maravilhoso capaz de agradar aos meus nobres e exigentes ouvintes?

Preocupado com a grave responsabilidade que pesava sobre meus ombros, deixei pela manhã o palácio de meu amo e deliberei caminhar ao acaso, pelas ruas da cidade, pois tinha a esperança de encontrar alguém que me pudesse tirar do embaraço em que me achava. Procurei nos cafés os contadores profissionais de maior fama e consultei-os sobre as melhores narrativas que conheciam; apesar da recompensa que eu prometia, não consegui ouvir de nenhum deles história que fosse nova para mim; citavam-me algumas - é verdade - mas todas elas já tinham sido por mim mesmo narradas ao sheik.

O desânimo - acompanhado de uma inquietação perturbadora - já começava a esmagar as fibras restantes de minha energia, quando me veio, não sei por quê, à lembrança, um antigo provérbio hindu: “Um jarro quebrado alguma coisa recorda.” “Quem sabe”, pensei, agarrando-me ainda uma vez à esperança, “quem sabe se um jarro partido não me fará lembrar uma história há muito esquecida no meu passado pela caravana indolente da memória?”

Conta-se (Alá, porém, é mais sábio!) que o famoso poeta Moslini ben el Valid foi, certa vez, vítima de grave atentado. Fizeram cair sobre ele, atirado do alto de um terraço, grande e pesadíssimo jarro. Veio o jarro espatifar-se aos pés do poeta e um dos estilhaços, saltando impelida pela violência do choque, foi ferir de leve o rosto de Moslini. O jarro, fabricado por um oleiro de Medina, trazia em letras douradas, sobre fundo azul, a seguinte inscrição:

“O que se adquiriu pela força só se pode conservar pela doçura.”

O fragmento que feriu Moslini era, precisamente, aquele que continha a palavra “doçura”.

Aconselharam ao poeta que levasse o caso ao conhecimento do juiz. A culpada (fora uma jovem ciumenta a autora do atentado) devia ser punida. Recusou-se, porém, Moslini, a apresentar queixa ou acusação, dizendo: “Não posso pedir castigo ou punição para uma pessoa que me feriu com tanta ‘doçura’.”

Confirmava-se, mais uma vez, o provérbio: “Um vaso quebrado alguma coisa recorda.”

Movido por essa ideia, adquiri um jarro, depois de meticulosa escolha e pondo em execução o plano delineado, limitei-me a reduzi-lo a estilhaços no meio da rua.

- E o processo deu resultado? - perguntei, interessado. - Veio à vossa memória, depois do sacrifício, alguma história interessante, digna de ser contada a um auditório seleto?

A minha ingenuidade fez rir novamente o inteligente Rafi An-Hari.

- Ualá! - exclamou, batendo-me no ombro. - O tal jarro, depois de partido, fez-me recordar um conto, muito original, que poderá divertir os viajantes ilustres e agradar ao bom e generoso sheik Ibraim. E sabes, meu amigo, que história é essa?

- Interessa-me conhecê-la - respondi. - Deve ser muito original.
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Nota
1 É preferível agora não enganar, e dizer-te logo a verdade!

Continua…

Fonte:
Malba Tahan. Mil histórias sem fim.

sábado, 8 de fevereiro de 2020

Alcântara Machado (O Monstro de Rodas)


O Nino apareceu na porta. Teve um arrepio. Levantou a gola do paletó.

- Ei, Pepino! Escuta só o frio!

Na sala discutiam agora a hora do enterro. A Aída achava que de tarde ficava melhor. Era mais bonito. Com o filho dormindo no colo Dona Mariângela achava também. A fumaça do cachimbo do marido ia dançar bem em cima do caixão.

- Ai, Nossa Senhora! Ai, Nossa Senhora

Dona Nunzia descabelada enfiava o lenço na boca.

- Ai, Nossa Senhora! Ai, Nossa Senhora.

Sentada no chão a mulata oferecia o copo de água de flor de laranja.

- Leva ela pra dentro!

- Não! Eu não quero! Eu... não... quero!...

Mas o marido e o irmão a arrancaram da cadeira e ela foi gritando para o quarto. Enxugaram-se lágrimas de dó.

- Coitada da Dona Nunzia!

A negra de sandália sem meia principiou a segunda volta do terço.

- Ave Maria, cheia de graça, o Senhor...

Carrocinhas de padeiro derrapavam nos paralelepípedos da Rua Sousa Lima. Passavam cestas para a feira do Largo do Arouche. Garoava na madrugada roxa.

- ... da nossa morte. Amém. Padre Nosso que estais no Céu...

O soldado espiou da porta. Seu Chiarini começou a roncar muito forte. Um bocejo. Dois bocejos. Três. Quatro.

- ... de todo o mal. Amém.

A Aída levantou-se e foi espantar as moscas do rosto do anjinho.

Cinco. Seis.

O violão e a flauta recolhendo de farra emudeceram respeitosamente na calçada.

Na sala de jantar Pepino bebia cerveja em companhia do Américo Zamponi (SALÃO PALESTRA ITÁLIA - Engraxa-se na perfeição a 200 réis) e o Tibúrcio (- O Tibúrcio... - O mulato? - Quem mais há de ser?).

- Quero só ver daqui a pouco a noticia do Fanfulla. Deve cascar o almofadinha.

- Xi, Pepino! Você é ainda muito criança. Tu é ingênuo, rapaz. Não conhece a podridão da nossa imprensa. Que o quê, meu nego. Filho de rico manda nesta terra que nem a Light. Pode matar sem medo. É ou não é, Seu Zamponi?

Seu Américo Zamponi soltou um palavrão, cuspiu, soltou outro palavrão, bebeu, soltou mais outro palavrão, cuspiu.

- É isso mesmo, Seu Zamponi, é isso mesmo!

O caixãozinho cor-de-rosa com listas prateadas (Dona Nunzia gritava) surgiu diante dos olhos assanhados da vizinhança reunida na calçada (a molecada pulava) nas mãos da Aída, da Josefina, da Margarida e da Linda.

- Não precisa ir depressa para as moças não ficarem escangalhadas.

A Josefina na mão livre sustentava um ramo de flores. Do outro lado a Linda tinha a sombrinha verde, aberta. Vestidos engomados, armados, um branco, um amarelo, um creme, um azul. O enterro seguiu.

O pessoal feminino da reserva carregava dálias e palmas-de-são-josé. E na calçada os homens caminhavam descobertos.

O Nino quis fechar com o Pepino uma aposta de quinhentão.

- A gente vai contando os trouxas que tiram o chapéu até a gente chegar no Araçá. Mais de cinqüenta você ganha. Menos, eu.

Mas o Pepino não quis. E pegaram uma discussão sobre qual dos dois era o melhor: Friedenreich ou Feitiço.

- Deixa eu carregar agora, Josefina?

- Puxa, que fiteira! Só porque a gente está chegando na Avenida Angélica. Que mania de se mostrar, que você tem!

O grilo fez continência. Automóveis disparavam para o corso com mulheres de pernas cruzadas mostrando tudo. Chapéus cumprimentavam dos ônibus, dos bondes. Sinais-da-santa-cruz. Gente parada.

Na Praça Buenos Aires, Tibúrcio já havia arranjado três votos para as próximas eleições municipais.

- Mamãe, mamãe! Venha ver um enterro, mamãe!

Aída voltou com a chave do caixão presa num lacinho de fita. Encontrou Dona Nunzia sentada na beira da cama olhando o retrato que a Gazeta publicara. Sozinha. Chorando.

- Que linda que era ela!

- Não vale a pena pensar mais nisso, Dona Nunzia...

O pai tinha ido conversar com o advogado.

Fonte:
Alcântara Machado. Brás, Bexiga e Barra Funda.

Rita Delamari (Cristais Poéticos)


A POESIA EM NÓS

No frio de nossos dias,
o calor da tua presença
aquece!

Das nossas bocas, 
palavras com veemência
e sintonia.

Tua voz rouca
e esse olhar em sorriso, 
minha tristeza fenece!

Em nossos ouvidos,
uma bela sinfonia
enlouquece!

É tudo tão preciso
Nesse nosso universo, 
sem ponto ou reticências.

Escrevemos os nossos versos, 
sem métrica, com ou sem rimas: 
é o nosso amor, fazendo poesia.
**************************************** 

CHUVA NO OUTONO

Nas folhas 
soltas a voar, 
ela demora a enxergar
que fora o vento,
e tão somente,
que levou consigo
uma lágrima de saudade 
na chuva de outono.
**************************************** 

ESCOMBROS

Meu peito inflama
com uma chama
que me invade 
de incertezas. 

A cada tombo 
me levanto
e organizo 
meus escombros.
**************************************** 

MÃE NATUREZA

Da natureza, tudo se extrai...   
Vida em meio a tanta devastação, 
um rio de poluição se vai 
e se abrupta na correnteza.

Uma mãe, no centro 
dessa imensidão,
os seus filhos
jamais abandona. 

Vida, vivos seres de tanta beleza,
Ela se consome em preocupação...
Observa o oceano: 
ainda rico em profundeza.
**************************************** 

ORVALHO

O orvalho da noite
chora testemunhando
tão profunda dor,
que dói como açoite.

Doida esta, a de amor...
Um choro que 
não é solitário,
ainda tenho sorte:

pelo orvalho
do choro que cai,
vem exalar seu perfume,
a flor!
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SEUS OLHOS

Os seus olhos são
como dois diamantes...
Parecem pedras preciosas,
que juntas estão

assim como nós,
na união de amantes,
nas horas gostosas
em que ficamos a sós...

E carregam um brilho
trazendo a sua beleza:
verdes e marcantes,
puros e fascinantes,
como a própria natureza.
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SOFREGUIDÃO

Ouço a voz do silêncio, 
a paz que acalenta a noite, 
a força do vento
que parece um açoite... 
Mas, não, é a magia
da minha feliz solidão, 
como um sussurro 
no infinito, na imensidão
de uma saga que, juro, 
não é angústia...  
É vida, é sofreguidão!
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Rita Delamari, nascida Rita do Rocio Alves dos Santos é graduada 1º Sargento da Reserva na Polícia Militar do Paraná  (PMPR). Começou seus escritos na adolescência. Cursou Redação Técnico-Científica com formação acadêmica em Pedagogia. A poesia se enraizou, durante o período em que seguiu a carreira militar: “meu encanto na poesia, minha centelha à posteridade.” É membro efetivo do Centro de Letras do Paraná, 2017.
Seus livros: Das pedras as flores, Ed. Íthala, 2011; Da janela do quarto, Ed. Blanche, 2015; Contornos e contrastes, Marianas Edições, 2018.
Participou de diversas antologias, dentre elas: Cronistas do Centro de Letras do Paraná (Coleção Literária de Autores Paranaenses, 2018), Histórias que vi, vivi e ouvi II (Associação Literária Lapeana, 2019) e Conexões Atlânticas IV (Ed. In-Finita Lisboa-Portugal/2019). Seu poema “Engrenagem” foi publicado em livro, com os vencedores do Concurso Literário Fazenda Rio Grande-PR/2018 (1º lugar, gênero poesia, categoria comunidade).

Fonte:
Poemas e Biografia por colaboração

Homero (Odisseia)

Odisseia é um dos dois principais poemas épicos da Grécia Antiga, atribuídos a Homero. É uma sequência da Ilíada, outra obra creditada ao autor, e é um poema fundamental no cânone ocidental. Historicamente, é a segunda - a primeira sendo a própria Ilíada – obra da literatura ocidental.

A Odisseia, assim como a Ilíada, é um poema elaborado ao longo de séculos de tradição oral, tendo tido sua forma fixada por escrito, provavelmente no fim do século VIII a.C. A linguagem homérica combina dialetos diferentes, inclusive com reminiscências antigas do idioma grego, resultando, por isso, numa língua artificial, porém compreendida. Composto em hexâmetro dactílico era cantado pelo aedo (cantor), que também tocava, acompanhando, a cítara ou fórminx, como consta na própria Odisseia (canto VIII, versos 43-92) e também na Ilíada (canto IX, versos 187-190).

O poema relata o regresso de Odisseu, (ou Ulisses, como era chamado no mito romano), herói da Guerra de Troia e protagonista que dá nome à obra. Como se diz na proposição, é a história do “herói de mil estratagemas que tanto vagueou, depois de ter destruído a cidadela sagrada de Troia, que viu cidades e conheceu costumes de muitos homens e que no mar padeceu mil tormentos, quanto lutava pela vida e pelo regresso dos seus companheiros”.

Odisseu leva dez anos para chegar à sua terra natal, Ítaca, depois da Guerra de Troia, que também havia durado dez anos. 

A trama da narrativa, surpreendentemente moderna na sua não-linearidade, apresenta a originalidade de só conservar elementos concretos, diretos, que se encadeiam no poema sem análises nem comentários. A análise psicológica, a análise do mundo interior , não era ainda praticada. As personagens agem ou falam; ou então, falam e agem. E falam no discurso direto, diante de nós, para nós – preparando, de alguma forma, o teatro. Os eventos narrados dependem tanto das escolhas feitas por mulheres, criados e escravos quanto dos guerreiros.

A influência homérica é clara em obras como a Eneida, de Virgílio, Os Lusíadas, de Camões, ou Ulysses, de James Joyce, mas não se limita aos clássicos. As aventuras de Ulisses, a superação desesperada dos perigos, nas ameaças que lhe surgem na luta pela sobrevivência, são a matriz de grande parte das narrativas modernas, desde a literatura ao cinema.

Em português, bem como em diversos outros idiomas, a palavra odisseia passou a referir qualquer viagem longa, especialmente se apresentar características épicas.

A Odisseia se inicia in medias res (latim para "no meio das coisas"), com sua trama já inserida no meio de uma história mais ampla, e com os eventos anteriores sendo descritos ou através de flashbacks ou de narrativas dentro da própria história. O dispositivo foi imitado por diversos autores de épicos literários posteriores, como por exemplo Virgílio, na Eneida, bem como poetas modernos como Alexander Pope (The Rape of the Lock).

A ação está repartida em três tempos principais: situação de Penélope e Telêmaco em Ítaca e viagem de Telêmaco; chegada de Odisseu ao país dos feaces, onde narra as suas aventuras (recuo da ação, em vários anos); regresso de Ulisses a Ítaca e morte dos pretendentes.

Perante a presunção da morte de Ulisses, a sua esposa Penélope e o seu filho, Telêmaco são obrigados a lidar com um grupo de insolentes pretendentes, os Mnesteres ou Proci, que competem pela mão de Penélope em casamento. Telêmaco tenta assumir o controle da sua casa e aconselhado por Atena, viaja em busca de notícias do seu pai desaparecido.
A cena então muda: Odisseu é cativo da bela ninfa Calipso, com quem ele passou sete dos dez anos em que esteve perdido. Após ser libertado pela intercessão de sua padroeira, a deusa Atena, ele parte. Porém, a sua jangada é destruída por Poseidon, furioso por Odisseu ter cegado o seu filho, Polifemo. Quando Odisseu alcança a praia de Esquéria, lar dos feácios, é auxiliado pela jovem Nausícaa, de quem recebe hospitalidade; em troca, satisfaz a curiosidade dos feácios, narrando a eles - e ao leitor - as suas aventuras desde a partida de Troia. Os feácios, hábeis construtores de navios, emprestam-lhe uma embarcação para que ele regresse a Ítaca, onde recebe a ajuda do pastor de porcos Eumeu, se encontra com Telêmaco e reconquista o seu lar, reencontrando a sua esposa, Penélope e matando os seus pretendentes.

Quase todas as edições e traduções modernas da Odisseia são divididas em 24 livros. Esta divisão é conveniente, porém não é original; foi desenvolvida pelos editores alexandrinos do século III a.C. No período clássico diversos dos livros (individualmente e em conjunto) recebiam seus próprios títulos; os primeiros quatro, que se concentravam em Telêmaco, eram comumente conhecidos como a Telemaquia; a narrativa de Odisseu, no livro 9, que contém seu encontro com o ciclope Polifemo, era tradicionalmente chamada de Ciclopeia; e o livro 11, que descreve seu encontro com os espíritos dos mortos no Hades, era conhecido como Nekyia. Os livros 9 a 12, onde Odisseu reconta suas aventuras para seus anfitriões feácios eram referidos como os Apologoi, as "histórias" de Odisseu. O livro 22, no qual Odisseu mata todos os pretendentes, recebia o título de Mnesterophonia, o "massacre dos pretendentes".

Estrutura

Os últimos 548 versos da Odisseia, que correspondem ao livro 24, são tidas por muitos acadêmicos como uma adição feita por um poeta posterior; diversas passagens dos livros anteriores parecem preparar para os eventos que ocorrem nele, portanto se de fato forem uma adição posterior, o editor responsável teria alterado algum texto antigo já existente.

Telêmaco, filho de Odisseu, tem apenas um mês de idade quando seu pai sai para combater em Troia, numa guerra da qual ele não quer fazer parte. No ponto em que a obra se inicia, já se passaram dez anos após o fim da Guerra de Troia - que por sua vez durou dez anos - Telêmaco tem 20 anos e está dividindo a casa de seu pai ausente, localizada na ilha de Ítaca, com sua mãe e uma multidão de 108 arruaceiros, "os pretendentes", cuja meta é persuadir Penélope de que seu marido está morto, e que ela deve se casar com um deles.

A deusa Atena, a protetora de Odisseu, discute seu destino com Zeus, rei dos deuses, no momento em que o inimigo do herói, o deus do mar, Poseidon, se ausenta do monte Olimpo. Escondida como um chefe táfio chamado Mentes, ela visita Telêmaco e o encoraja a procurar notícias de seu pai. Ele oferece sua hospitalidade, e ela pode observar o comportamento inapropriado dos pretendentes, jantando no meio de arruaças enquanto o bardo Fêmio lhes interpretava um poema narrativo. Penélope opõe-se ao tema de Fêmio, o Retorno de Troia, por lembrá-la de seu marido desaparecido, porém Telêmaco refuta suas objeções.

Naquela noite, Atena, disfarçada como Telêmaco, encontra um navio e uma tripulação para o verdadeiro Telêmaco. No dia seguinte, este reúne uma assembleia de cidadãos de Ítaca, para discutir o que deveria ser feito com os pretendentes. Acompanhado por Atena (agora disfarçada como seu amigo, Mentor), ele parte para a Grécia continental, onde é recebido por Nestor, o mais respeitável dos guerreiros gregos de Troia, já de volta a seu lar, em Pilos. De lá, Telêmaco parte por terra, acompanhado pelo filho de Nestor, para Esparta, onde encontra Menelau e Helena, já reconciliados; estes descrevem como retornaram à Grécia depois de uma longa viagem, que passou pelo Egito e, de lá, pela ilha mágica de Faros, onde Menelau encontrou o velho deus do mar Proteu, que o contou que Odisseu havia sido aprisionado pela ninfa Calipso. Telêmaco também descobre o destino do irmão de Menelau, Agamenon, rei de Micenas e líder dos gregos em Troia, assassinado logo depois de retornar ao seu lar, por sua esposa Clitemnestra e seu amante Egisto.

A obra chega então à história de Odisseu, que passou sete anos no cativeiro, na ilha de Calipso. Esta é persuadida a libertá-lo pelo deus mensageiro, Hermes, enviado por Zeus. Odisseu constrói uma jangada e recebe roupas, comida e bebida de Calipso; acaba naufragando, no entanto, por obra de Poseidon, e é obrigado a nadar até a ilha de Esquéria onde, nu e exausto, ele se esconde numa pilha de folhas e adormece. Na manhã seguinte, desperto pelas risadas de garotas que se aproximam, vê a jovem Nausícaa, que veio com suas criadas lavar roupas à beira do mar. Odisseu pede ajuda a ela, que o encoraja a procurar a hospitalidade de seus país, Aretê e Alcínoo. Odisseu que inicialmente não se identifica, é bem recebido; permanece no local por diversos dias, participa de um pentatlo e ouve o cantor cego Demódoco executar dois poemas narrativos. O primeiro é um incidente obscuro da Guerra de Troia, a "Disputa ente Odisseu e Aquiles", enquanto o segundo é a narrativa de um caso de amor entre dois deuses do Olimpo, Ares e Afrodite. Odisseu pede então a Demódoco que retorne ao tema da Guerra de Troia, que conta sobre o Cavalo de Troia, um estratagema no qual Odisseu havia desempenhado um papel crucial. Incapaz de esconder suas emoções ao narrar o episódio, Odisseu finalmente revela sua identidade, e começa a contar a fantástica história de seu retorno à Troia.

Após uma incursão pirática em Ismara, na terra dos cicones, Odisseu e seus doze navios são desviados do curso por tempestades. Visitam então os letárgicos Comedores de Lótus, e são capturados pelo ciclope Polifemo, do qual escapa apenas após cegá-lo com um pedaço afiado de madeira. São recebidos por Éolo, senhor dos ventos, que dá a Odisseu um saco de couro contendo todos os ventos (com a exceção do vento oeste), um presente que deveria lhe ter garantido a viagem de volta para casa; seus marinheiros, no entanto, abrem de maneira tola o saco enquanto Odisseu dormia, pensando que continha ouro; todo o vento voou para fora do saco, e a tempestade resultante mandou os navios de volta para onde haviam vindo, quando Ítaca havia acabado de aparecer no horizonte.

Após pedir em vão para que Éolo o ajudasse novamente, Odisseu e seus companheiros reembarcaram nos navios e zarparam, viajando até encontrar o canibal Lestrigão. O navio de Odisseu acaba sendo o único a sobreviver ao ataque, e acaba indo parar junto à deusa-bruxa Circe, que transforma metade dos seus homens em porcos, após alimentá-los com vinho e queijo. Hermes, que havia alertado Odisseu a respeito de Circe, dá a ele uma droga chamada móli, que o fazia resistente à magia de Circe. Esta, atraída por esta resistência, apaixonou-se por ele e libertou seus homens a seu pedido. Odisseu e sua tripulação permaneceram na ilha por um ano, durante o qual festejaram, beberam e realizaram banquetes incessantes. Finalmente, os homens de Odisseu o convencem que é hora de partir para Ítaca; guiado pelas instruções de Circe, cruzam o oceano a atingem um porto na beira ocidental do mundo, onde Odisseu sacrifica aos mortos e invoca o espírito do velho profeta Tirésias para aconselhá-lo. Em seguida Odisseu encontra o espírito de sua própria mãe, que havia morrido de desgosto durante sua longa ausência; dela, descobre pela primeira vez notícias de sua própria casa e família, ameaçada pela cobiça dos pretendentes. Lá encontra também os espíritos de mulheres e homens famosos, entre eles Agamenon, que lhe informa sobre seu assassinato e lhe alerta sobre os perigos das mulheres. Ao retornar à ilha de Circe, são aconselhados por ela sobre as etapas restantes de sua jornada. Após costearem a terra das sereias, passam por entre Cila, um monstro de muitas cabeças, e o redemoinho Caribde, e chegam à ilha de Trinácia. Lá, os homens de Odisseu ignoram os avisos de Tirésias e Circe, e abatem o gado sagrado do deus sol, Hélio; este sacrilégio lhes traz como punição um naufrágio, onde todos morrem afogados, com a exceção de Odisseu, que consegue chegar à ilha de Calipso, ninfa que o força a se tornar seu amante por sete anos, até que ele consegue escapar.

Depois de ouvir com grande atenção a história, os feácios, marinheiros experientes, concordam em ajudar Odisseu a voltar para casa. Deixam-no à noite, enquanto está em sono pesado, num porto escondido em Ítaca. Lá ele consegue chegar à casa de um de seus antigos escravos, o pastor de porcos Eumeu. Odisseu se disfarça como um mendigo vagante, para descobrir como estão as coisas em sua residência. Após jantar, conta aos trabalhadores da fazenda uma história fictícia sobre si; afirma ter nascido em Creta, e ter liderado um grupo de cretenses que lutaram ao lado dos gregos na Guerra de Troia, e que havia passado sete anos na corte do rei do Egito, e depois naufragado na Tesprócia, de onde teria vindo a Ítaca.

Enquanto isso, Telêmaco navega para casa, vindo de Esparta, fugindo de uma emboscada preparada pelos pretendentes. Desembarca na costa de Ítaca e se dirige à casa de Eumeu; lá, pai e filho se encontram, e Odisseu se identifica para o filho (embora ainda não para Eumeu), e decidem que os pretendentes devem ser mortos. Telêmaco chega à sua casa primeiro; acompanhado por Eumeu, Odisseu retorna ao seu lar, ainda fingindo ser um mendigo, e presencia as arruaças dos pretendentes. Encontra-se com Penélope, e testa suas intenções com uma história inventada sobre seu nascimento em Creta onde, segundo ele, teria se encontrado com Odisseu. Ao ser interrogado, acrescenta que também havia estado recentemente em Tesprócia, onde fora informado sobre as viagens recentes de Odisseu.

Sua identidade é descoberta pela caseira, Euricleia, quando ela lava seus pés e descobre uma antiga cicatriz que Odisseu tinha, fruto de uma caçada a javalis; ele a faz jurar segredo. No dia seguinte, instigada por Atena, Penélope convence os pretendentes a competir por sua mão, numa competição de arco-e-flecha, utilizando o arco de Odisseu - que participa da competição, ainda disfarçado, e, após ser o único com força suficiente para dobrar o arco, a vence. Odisseu passa então a disparar flechas contra os pretendentes; com a ajuda de Atena, Telêmaco, Eumeu e Filoteu, um pastor, todos são mortos; Odisseu ainda executa, juntamente com Telêmaco, doze das criadas da casa que haviam feito sexo com os pretendentes,e, após mutilá-las também executam o pastor de cabras Melâncio, que havia caçoado de Odisseu e o maltratado. Odisseu então finalmente se identifica para Penélope, que, hesitante, o aceita após ele descrevê-la a cama que teria construído para ela após se casarem.

No dia seguinte Odisseu e Telêmaco visitam a fazenda de seu velho pai, Laerte, que também só aceita sua identidade após ver Odisseu descrever corretamente o pomar que Laerte lhe dera certa vez. Os cidadãos de Ítaca, no entanto, seguem Odisseu e Telêmaco ao longo da estrada, planejando vingar as mortes dos pretendentes, seus filhos. O líder do grupo afirma que Odisseu havia causado a morte de duas gerações de homens de Ítaca - seus marinheiros, nenhum dos quais havia sobrevivido à jornada de volta, e os pretendentes, que ele havia agora executado. A deusa Atena intervem pessoalmente, e convence ambos os lados a abandonar a vingança. Ítaca finalmente está em paz novamente, e a Odisseia é concluída.
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O traço heroico de Odisseu está em sua mētis, ("esperteza"), tanto que várias vezes é descrito como "Par de Zeus em Conselhos". Sua argúcia se manifesta no uso de sorrelfas, blefes e discursos enganosos. Os ardis podem ser tanto físicos (alterando sua aparência) como verbais, como fez ao contar para o ciclope Polifemo que seu nome era Oútis, "Ninguém", e fugir após cegá-lo; quando os outros ciclopes perguntaram a Polifemo o motivo de seus gritos, ele responde que "Ninguém" lhe está machucando, e os outros assumem que "Se sozinho como você está [Polifemo] ninguém usa violência sobre si, ora, não há como escapar do mal enviado pelo grande Zeus; então melhor rezar a seu pai, o senhor Poseidon". A falha de caráter mais evidente em Odisseu é sua soberba, ou húbris. À medida que navega para longe da ilha dos ciclopes, Odisseu grita seu próprio nome, bravateando que ninguém pode derrotar o "Grande Odisseu". Os ciclopes então jogam metade de uma montanha sobre seu barco, e rezam para seu pai, Poseidon, dizendo que um de seus filhos foi cegado; irado, o deus dos mares o impede de voltar para casa por muitos anos.

Personagens:

Odisseu (conhecido também pela forma latina, Ulisses), herói da guerra de Troia e que quer voltar para junto dos seus familiares;
Penélope, esposa de Odisseu, prima de Helena de Troia;
Telémaco, filho de Odisseu e Penélope;
Laerte, rei de Ítaca e pai de Odisseu, de onde vem o epíteto "Laércio", o mais usado para se referir a seu filho ao longo da obra;
Eumeu, porqueiro;
Euricleia, fâmula de Odisseu;
Antinoo, um dos pretendentes e o mais malino;
Eurimaco, um dos pretendentes, imitador de Antinoo.
Alcínoo, rei dos feácios;
Areta de Cirene, esposa de Alcínoo;
Nausícaa, princesa dos Feácios;
Laodamante, irmão de Nausícaa, desafiador de Odisseu nos jogos;
Hálio, idem;
Clitóneo, idem;
Equeneu, velho herói;
Demódoco, aedo, contador lírico de histórias;
Anfíloo, atleta;
Euríalo, atleta, desafiador de Odisseu nos jogos.
Zeus, rei dos deuses;
Atena, deusa da sabedoria e estratégia (a favor de Odisseu);
Circe, a feiticeira, filha do deus Hélio com a mortal Persa (a favor de Odisseu);
Poseidon, deus dos mares, antagonista principal e maior inimigo de Odisseu;
Éolo, deus dos ventos, anfitrião de Odisseu e seus amigos em sua ilha; 
Hermes, mensageiro dos deuses;
Hélio, o deus do sol, de quem os companheiros de Odisseu mataram o gado;
Calipso ninfa, filha de Atlante, apaixonada por Odisseu;
Leucothea, deidade marinha que salva Odisseu de um naufrágio.
Cila, monstro com doze pernas e seis cabeças, cada uma com três fileiras de dentes, habitava o interior de uma gruta cavada no rochedo;
Ciclopes, (literalmente "Olho redondo", "Olhicircular") em particular Polifemo (lit. "que fala muito", "Multifalaz"), filho de Poseidon e da ninfa Toosa. Gigante de umolho só, dedicado ao pastoreio e que vive em estado selvagem;
Caríbdis, monstro das profundezas marinhas que três vezes ao dia sorvia e vomitava a água do mar . Sua morada ficava a curta distância de Cila;
Hárpias, em Homero, dois monstros com corpo metade mulher e metade pássaro, habitantes de uma ilha na qual há bonança. Com seus cantos, encantam os homens que passem perto, devorando-os depois;
Lotófagos ("Comedores de Lótus"), povo fantástico que vive próximo as regiões da Líbia na África e se alimentam de flores de lótus, a qual provoca certo esquecimento.
Lestrigões gigantes antropófagos e arremessadores de rochas 

Os eventos na sequência principal da Odisseia (excluindo-se a narrativa de Odisseu) se dão no Peloponeso e naquelas que são atualmente chamadas de ilhas Jônicas.

Existem controvérsias quanto à real identificação de Ítaca, terra natal de Odisseu, que pode ou não ser a mesma ilha que é atualmente chamada pelos gregos de Ithake. As viagens de Odisseu narradas aos feácios, e a localização da própria ilha destes, Esquéria, apresentam problemas geográficos ainda mais fundamentais aos estudiosos: tanto acadêmicos antigos quanto modernos dividem-se quanto à existência ou não dos lugares visitados por Odisseu depois de Ismaros e antes de seu retorno à Ítaca.

Traduções

No Brasil há algumas traduções feitas a partir do original grego, a maioria delas poéticas .

A primeira é de Manuel Odorico Mendes, feita no século XIX, mas publicada somente em 1928, postumamente, em que, seguindo a tradição épica em português, emprega o verso decassílabo, porém branco. A tradução é marcada pela extrema concisão - com total de versos sendo menor que o do texto original -, estruturas sintáticas incomuns, decorrentes muitas vezes dessa concisão, preciosismo lexical, neologismos e latinismos - sobretudo para traduzir os epítetos gregos, como em "Aurora dedirrósea" [Aurora de dedos róseos]. Outra característica (na verdade, comum até sua época) é a substituição dos nomes gregos pelos correspondentes latinos: Zeus, por Júpiter, Poseídon por Netuno, Atena por Minerva, Odisseu por Ulisses, etc.

Sua tradução foi reeditada pelas editoras da USP e Ars Poetica, na coleção "Texto e Arte", com organização, notas suplementares e prefácio de Antonio Medina Rodrigues

A segunda tradução, da década de 40 século XX (a primeira edição com data incerta, mas publicada muito provavelmente em 1941), é de Carlos Alberto Nunes, cujo principal critério foi a tentativa de transpor o a métrica original do poema (hexâmetro dactílico) para o português, resultando num verso de dezesseis sílabas poéticas, cujo ritmo é a sequência de seis grupos (chamados "pés") de sílabas, sendo cada um composto por uma sílaba tônica seguida de duas átonas (o sexto grupo, em geral, com uma tônica seguida de apenas uma átona), no seguinte esquema: ó o o | ó o o | ó o o | ó o o | ó o o | ó o (o); ou seja, com acentuação na 1ª, 4ª, 7ª, 10ª, 13ª e 16ª sílabas. Para correta leitura do hexâmetro vernaculizado de Nunes, entretanto, é necessário atentar ainda para a cesura, normalmente ocorrendo uma vez, no meio do verso (terceiro pé), ou, menos frequentemente, duas vezes no mesmo verso.

A tradução de Nunes foi publicada originalmente pela editora Atena. O texto foi posteriormente revisado pelo próprio tradutor e republicado diversas vezes por outras editoras. Entretanto, desde que passou a ser editada pela Ediouro, o texto publicado foi o revisado por Marcus Reis Pinheiros, cuja intervenção por vezes deturpa a métrica empregada pelo tradutor. A edição mais recente foi publicada pela editora Nova Fronteira, com o texto revisado por Pinheiros.

Em 2011, Trajano Vieira, seguindo os passos de Haroldo de Campos, publicou sua tradução (ou transcriação) da Odisseia, tendo como critério resgatar a sonoridade do poema grego e sua complexidade poética e lexical. Em sua tradução, vencedora do Prêmio Jabuti, emprega o verso dodecassílabo.

Mais recentemente, a Cosac & Naify publicou, em 2014, a tradução de Christian Werner, que adotou o verso livre e cuja característica, segundo o próprio tradutor, foi conferir à tradução "clareza, fluência e poeticidade". O tradutor se preocupou em reproduzir o traço da oralidade do poema, mantendo a repetição de diversas fórmulas e estruturas na tradução.

Há também a tradução de Donaldo Schüler, editada pela L&PM em três volumes, de 2007. Não sendo propriamente poética (apesar de dispor o texto em versos), é marcada pelo extremo coloquialismo.
Eis seu proêmio:

Em Portugal, foi publicada pela editora Cotovia, em 2003, a tradução feita por Frederico Lourenço, que objetiva uma maior literalidade, clareza e fluência e, para tal, empregou versos livres. Sua tradução recebeu o prêmio D. Diniz pela Fundação Casa de Mateus e o grande prêmio de tradução do PEN Clube Português e da Associação Portuguesa de Tradutores. Foi publicada no Brasil, em 2011, pela editora Penguin-Companhia (na coleção Clássicos Penguin).

Odisseia no Perseus Project (em grego clássico). 
O site, além de conter diversas traduções paralelas para o inglês, permite que o usuário confira a tradução de palavra por palavra, apenas clicando sobre elas.

Fonte: