sexta-feira, 7 de outubro de 2022

Stanislaw Ponte Preta (Era a Regininha)


O marido - que era um santo marido, como todos os enganados - deixou o escritório mais cedo e passou no "Seu Morais" para comprar sorvete de gabiroba, uma das taras de sua mulher. A mulher tinha muitas, mas o marido pensava que a única tara dela fosse sorvete de gabiroba.

Então o marido chegou e foi entrando em casa sem assobiar, o que é um perigo. Todo marido enganado devia entrar em casa assobiando, para evitar certas coisas, mas os maridos enganados que ainda não sabem não assobiam, é lógico e por isso mesmo ele entrou sem assobiar.

Estava colocando o sorvete no freezer (a surpresa seria na hora do jantar) quando ouviu a voz da mulher lá dentro. Ela dissera qualquer coisa e depois dera uma gargalhada, dessas gargalhadas assanhadinhas que certas mulheres dão quando o marido não está perto. Ele estranhou aquilo e foi até o quarto, onde encontrou Leonor deitada na cama, seminua, falando ao telefone.

A mulher, quando viu o marido, ficou com um ar assim meio sobre o de quem achou mosca no pirão. Logo se recompôs de fisionomia, e se dizemos de fisionomia é porque o resto ficou à mostra. Foi o marido, pouco depois, que teve o cuidado de dobrar o lençol por cima dela, escondendo o principal.

Antes, entretanto, ficou ali, parado na porta, sem entender direito, com aquele olhar ausente que crioulo faz quando vai andando pela rua com rádio transistor colado ao ouvido.

A mulher - dizia eu - recompôs-se com certa facilidade e continuou a falar no mesmo tom de voz:

- Mas, Regininha, essa anedota que você acabou de me contar é ótima!... e riu de novo, mas já sem aquele leve tom sexy da primeira risadinha que ele ouvira lá da cozinha, de gabiroba na mão, isto é, com o sorvete aquele.

Tirou um lenço do bolso, limpou os dedos e veio sentar na beirinha da cama, enquanto a mulher dava-lhe um adeusinho e continuava a conversar pelo telefone:

- Pois é isso, Regininha... nós precisamos marcar uma biriba para uma noite destas. Não, Regininha. O quê, Regininha? Tá bem, Regininha.

O marido pôs-se a sorrir de si mesmo. Por um momento suspeitara da pobre mulher. Não sabia explicar por que. Apenas, quando ouvira a sua voz, sentiu um leve calafrio a percorrer sua espinha, desde a nuca até a ZM (Zona Morta). Talvez porque não fosse aquele o tom de voz que sua mulher usava para o trivial havia já muito tempo. Mas, agora, tudo se dissipava. Era a Regininha.

- Você leu o artigo de Jacinto de Thormes de ontem, Regininha? - continuava a mulher: - Divino, Regininha, simplesmente divino.

Foi nesse pedaço que ele a cobriu com o lençol.

- Então tá, Regininha. Ele vai bem. Acaba de chegar aqui. (TAPANDO O FONE.) - Está mandando um abraço para você. OK, Regininha. Outro para você, Regininha.

E, ao desligar, antes que o marido abrisse a boca, tentou explicar o óbvio:

- Era a Regininha.

Deram-se um beijo mixuruca e o marido já ia para o banheiro, quando a campainha da porta tocou.

Era a Regininha.

Fonte:
Stanislaw Ponte Preta. Rosamundo e os outros. Publicado em 1963.

Professor Garcia (Reflexões em Trovas) 13


Almas cheias de pecados,
rondam noites dolorosas,
e em corpos tão mutilados,
há tantas almas bondosas!
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Aos ideais, não me oponho,
nem curto promessas vãs...
Garimpo sonho por sonho
nos cascalhos das manhãs!
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Cumprindo os ritos do outono,
percebo nas tardes mansas,
tanta alegria sem dono,
no olhar de tantas crianças!
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De tudo o que a vida apronta
e, no meu peito, ainda vive...
Eu só nunca fiz a conta
dos desencantos que tive!
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Em silêncio, olha o infinito,
a mãe, que o filho venera!...
No silêncio, há tanto grito
que acorda o sono da espera!
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Este teu olhar sombrio,
à distância, me traduz,
que um olhar cego e vazio
busca outro raio de luz!
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Foram tantas despedidas,
que hoje, eu procuro um recanto,
que esconda mágoas retidas
no disfarce do meu pranto!
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Já velho, encurtando os passos,
no outono e arrastando as penas,
ninguém mais lhe estende os braços,
sequer, as tardes serenas!
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Muitas pedradas me dão,
e a resposta é mais ousada:
Dou pedradas de perdão
que vencem qualquer pedrada!
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Não temo falsa premissa,
nem falsidades fatais;
tenho medo é da justiça
com rumos tão desiguais!
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Na praça, as horas passando,
e ante o olhar da solidão,
a lua passa bordando
sonhos de amor pelo chão!
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No instante em que tu me rondas,
ó, lua do meu sonhar,
ouço os conselhos das ondas,
sinto as angústias do mar!
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Ó, mar, por que não te acalmas?
vê como a noite está mansa...
Não pesco os sonhos das almas,
pesco os sonhos da esperança!
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O tempo, aponta os sinais
que mudam nosso destino:
Menino não brinca mais
com brinquedos de menino!
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Por mais que a vida se apresse;
sentindo que a idade avança,
mesmo que nela, eu tropece,
não perco nunca a esperança!
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Por mais que o adeus se descarte,
nele, o que se intensifica,
não é a dor de quem parte,
mas é a dor de quem fica!
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Quando a aurora, abre a janela,
se expõe e puxa a cortina,
deixa a alvorada mais bela
aos olhos da luz divina!
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Quando a noite me insinua
a ver o seu negro véu,
no lago, eu vejo outra lua,
rindo da lua no céu!
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Que o tempo nunca me peça,
medidas da mocidade;
não há no mundo, quem meça,
da infância, uma só saudade!
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Se a ostentação te faz nobre,
esquece!… É falsa nobreza;
nobre é quem deixa que o pobre
ponha mais pão sobre a mesa!
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Sempre juntos, de mãos dadas,
e o casal, muito depois...
Segue contando as passadas
e a solidão entre os dois!
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Se uma onda se encapela,
e acalma com a lua cheia,
o mar, com ciúme dela,
não deixa rastros na areia!
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Se um certo olhar te conduz,
a uma paixão envolvente...
Vê, se de fato, traduz
o amor que teu corpo sente!
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Sou como o mar entre as brumas,
que ante as procelas, se alteia,
mas deixa versos de espumas
nos pergaminhos da areia!
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Teu olhar me disse tudo!...
E, eu só vim saber depois,
que aquele silêncio mudo
disse tudo por nós dois!
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Fonte:
Professor Garcia. Versos para refletir. Natal/RN: Trairy, 2021.
Livro enviado pelo trovador.

quinta-feira, 6 de outubro de 2022

Vanice Zimerman (Tela de Versos) 6: Gotas de Cera

 

Silmar Böhrer (Croniquinha) 63


Sinistra noite. Pressaga. Tanto visto, tanto anunciado. Ventosraiostrovõesaguaceiro. Mancomunados da mãe-natureza. Muita chuva, sinais dos tempos? Ciclos da natureza em constância inconstante? Previsões dos homens ? Indagações permanentes.

Não seria a vida constante aguaceiro, chuvarada, temporais, enchentes a qualquer tempo? Passam os ventos, as águas baixam, o sol ressurge, a vida volta ao seu normal. Perene ciclo dos humanos. E dos ventos, e das águas, dos presságios, do sem tempo…

Fonte:
Texto enviado pelo autor.


Mario Quintana em Prosa e Verso – 24 -

5005618942
Não existe no mundo tanta gente como o número de ordem que me deram no cartão de identidade, que não vou te mostrar porque não poderias lê-lo antes de o ter dividido da direita para a esquerda em grupos de três, para depois o pronunciares cuidadosamente da esquerda para a direita. Sei que o mesmo acontece contigo, mas que te importa, que nos importa isso — antes que um dia nos identifiquem a ferro em brasa, como fazem os estancieiros com o seu gado amado?

Esse número, de quintilhões ou quatrilhões, não me lembro mais, me faz recordar que venho desde o princípio do mundo, lá do fundo das cavernas, depois de pintar nas suas paredes, com uma habilidade hoje perdida, aqueles animais que vejo nos álbuns, milagre de movimento e síntese. Agora sou analítico, expresso-me em símbolos abstratos e preciso da colaboração do leitor para que ele “veja” as minhas imagens escritas. Olho em redor do bar em que escrevo estas linhas. Aquele homem ali no balcão, caninha após caninha, nem desconfia que se acha conosco desde o início das eras. Pensa que está somente afogando os problemas dele, João Silva... Ele está é bebendo a milenar inquietação do mundo!

Fonte:
Mário Quintana. A Vaca e o Hipogrifo. Publicado em 1977, pela editora Garatuja (Porto Alegre).

quarta-feira, 5 de outubro de 2022

Daniel Maurício (Poética) 40


Artur de Azevedo (A cozinheira)


Capítulo I

Araújo entrou em casa alegre como passarinho. Atravessou o corredor cantarolando a Mascote, penetrou na sala de jantar, e atirou para cima do aparador de vieux-chêne um grande embrulho quadrado; mas, de repente, deixou de cantarolar e ficou muito sério: a mesa não estava posta! Consultou o relógio: era cinco e meia.

— Então que é isto? São estas horas e a mesa ainda neste estado! - Maricas!

Maricas entrou, arrastando lentamente uma elegante bata de seda. Araújo deu-lhe o beijo conjugal, que há três anos estalava todo dia à mesma hora, invariavelmente - e interpelou-a:

— Então, o jantar.

— Pois sim, espera por ele!

— Alguma novidade?

— A Josefa tomou um pileque onça, e foi-se embora sem ao menos deitar as panelas no fogo!

Araújo caiu aniquilado na cadeira de balanço. Já tardava! A Josefa servia-os há dois meses, e as outras cozinheiras não tinham lá parado nem oito dias!

— Diabo! dizia ele irritadíssimo; diabo!

E lembrava-se da terrível estopada que o esperava no dia seguinte: agarrar no Jornal do Comércio, meter-se num tílburi, e subir cinquenta escadas à procura de uma cozinheira!

Ainda da última vez tinha sido um verdadeiro inferno! — Papapá! — Quem bate! — Foi aqui que anunciaram uma cozinheira? — Foi, mas já está alugada. — Repetiu-se esta cena um ror de vezes!

— Vai a uma agência, aconselhou Maricas.

— Ora muito obrigado! — bem sabes o que temos sofrido com as tais agências. Não há nada pior.

E enquanto Araújo, muito contrariado, agitava nervosamente a ponta do pé e dava pequenos estalidos de língua, Maricas abria o embrulho que ele ao entrar deixara sobre o aparador...

— Oh! como é lindo! exclamou extasiada diante de uma magnífico chapéu de palha, com muitas fitas e muitas flores. Há de me ficar muito bem. Decididamente és um homem de gosto!

E, sentando-se no colo de Araújo, agradecia-lhe com beijos e carícias o inesperado mimo. Ele deixava-se beijar friamente, repetindo sempre:

— Diabo! diabo!...

— Não te amofines assim por causa de uma cozinheira.

— Dizes isso porque não és tu que vais correr a via sacra à procura de outra.

— Se queres, irei; não me custa.

— Não! Deus me livre de dar-te essa maçada. Irei eu mesmo.

Ergueram-se ambos. Ele parecia agora mais resignado, e disse:

— Ora, adeus! Vamos jantar num hotel!

— Apoiado! Em qual há de ser?

— No Daury. É o que está mais perto. Ir agora à cidade seria uma grande maçada.

— Está dito: vamos ao Daury.

— Vai te vestir

Às oito horas da noite Araújo e Maricas voltaram do Daury perfeitamente jantados e puseram-se à fresca.

Ela mandou iluminar a sala, e foi para o piano assassinar miseravelmente a marcha da Aída; ele, deitado num soberbo divã estofado, saboreando o seu Rondueles, contemplava uma finíssima gravura de Goupil, que enfeitava a parede fronteira, e lembrava-se do dinheirão que gastara para mobiliar a ornar aquele bonito chalé da rua do Matoso.

Às dez horas recolheram-se ambos. Largo e suntuoso leito de jacarandá e pau-rosa, sob um dossel de seda, entre cortinas de rendas, oferecia-lhes o inefável conchego das suas colchas adamascadas.

À primeira pancada da meia-noite, Araújo ergue-se de um salto, obedecendo a um movimento instintivo. Vestiu-se, pôs o chapéu, deu um beijo de despedida em Maricas, que dormia profundamente, e saiu de casa com mil cuidados para não despertá-la.

A uns cinquenta passos de distância, dissimulado na sombra, estava um homem cujo vulto se aproximou à medida que o dono da casa se afastava...

Quando o som dos passos de Araújo se perdeu de todo no silêncio e ele desapareceu na escuridão da noite, o outro tirou uma chave do bolso, abriu a porta do chalé, e entrou...

Na ocasião em que se voltava para fechar a porta, a luz do lampião fronteiro bateu-lhe em cheio no rosto; se alguém houvesse defronte, veria no misterioso noctívago um formoso rapaz de vinte anos.

Entretanto, Araújo desceu a rua Matriz e Barros, subiu a de São Cristóvão, e um quarto de hora depois entrava numa casinha de aparência pobre.

Capítulo II

Dormiam as crianças, mas dona Ernestina de Araújo ainda estava acordada. O esposo deu-lhe o beijo convencional , um beijo apressado, que tinha uma tradição de quinze anos, e começou a despir-se para deitar-se. Araújo levava grande parte da vida a mudar de roupa.

— Venho achar-te acordada: isso é novidade!

— É novidade, é. A Jacinta deu-lhe hoje para embebedar-se, e saiu sem aprontar o jantar. Fiquei em casa sozinha com as crianças.

— Oh, senhor! é sina minha andar atrás de cozinheiras!

— Não te aflijas: eu mesma irei amanhã procurar outra.

— Naturalmente, pois se não fores, nem eu, que não estou para maçadas!

Depois que o marido se deitou, dona Ernestina, timidamente:

— E o meu chapéu? perguntou; compraste-o?

— Que chapéu?

— O chapéu que te pedi.

— Ah? já não me lembrava... Daqui a uns dias... Ando muito arrebentado...

— É que o outro já está tão velho...

— Vai-te arranjando com ele, e tem paciência... Depois, depois...

— Bom... quando puderes.

E adormeceram.

Logo pela manhã a pobre senhora pôs o seu chapéu velho e saiu por um lado, enquanto o seu marido saía por outro, ambos à procura de cozinheira. Os pequenos ficaram na escola.

Os rendimentos de Araújo davam-lhe para sustentar aquelas duas casas. Ele almoçava com a mulher e jantava com a amante. Ficava até a meia-noite em casa desta, e entrava de madrugada no lar doméstico.

A amante vivia num bonito chalé, a família morava numa velha casinha arruinada e suja. Na casa da mão esquerda havia o luxo, o conforto, o bem estar; na casa da mão direita reinava a mais severa economia. Ali os guardanapos eram de linho; aqui os lençóis de algodão. Na rua do Matoso havia sempre o supérfluo; na rua de São Cristóvão muitas vezes faltava o necessário.

Araújo prontamente arranjou cozinheira para a rua do Matoso, e à meia noite encontrou a esposa muito satisfeita:

— Queres saber, Araújo? Dei no vinte! Achei uma excelente cozinheira!

— Sério?

— Que jantar esplêndido! Há muito tempo não comia tão bem! Esta não me sai mais de casa.

Pela manhã, a nova cozinheira veio trazer o café para o patrão, que se achava ainda recolhido, lendo a Gazeta. A senhora estava no banho; os meninos tinham ido para a escola.

— Eh! eh! meu amo, é vosmecê que é dono da casa?

Araújo levantou os olhos; era a Josefa, a cozinheira que tinha estado em casa de Maricas!

— Cala-te, diabo! Não digas que me conheces!

— Sim, sinhô.

— Com que então tomaste anteontem um pileque onça e nos deixaste sem jantar, hein?

— Mentira sé, meu amo; Josefa nunca tomou pileque. Minha ama foi que me botou pra fora!

— Oras essa! Por que?

— Ela me xingou pro via das compra, e eu ameacei ela de dizê tudo a vosmecê.

— Tudo, o que?

— A história do estudante que entra em casa à meia-noite quando vosmecê sai.

— Cala-te! disse vivamente Araújo, ouvindo os passos de dona Ernestina, que voltava do banho.

O nosso herói prontamente se convenceu que a Josefa lhe havia dito a verdade. Em poucos dias desembaraçou-se da amante, deu melhor casa à mulher e aos filhos, começou a jantar em família, e hoje não saí à noite sem dona Ernestina.

Tomou juízo e vergonha.

Fonte:
Artur de Azevedo. Contos Fora da Moda. Publicado originalmente em 1894,

Aparecido Raimundo de Souza (A insídia)


‘A morte é um passo absurdo. Junta os pés de todo mundo’.
Lau Siqueira


EU TRAGO O CANSAÇO OFEGANTE das estradas na poeira nojenta encravada em meu corpo. Os pés endurecidos e calejados de passos, a voz embargada, enregelada por soluços e, no peito, as dores traiçoeiras nascidas da solidão de todos que me desprezaram aos reveses da sorte. Coladas em mim, me acompanham, as frustrações e malquerenças dos seres humanos perdidos em lembranças e, no coração magoado, se fazem presentes às batidas descompassadas pelos dissabores da revolta de estar sempre na busca constante do nada.  

Caminham comigo, lado a lado, as desgraças e as misérias dos derrotados.  Igualmente, as infelicidades dos homens aflitos e os atravancamentos das mulheres que não conseguiram galgar as aspirações e os sonhos que tinham ao alcance das mãos. Estão sempre aonde quer que eu vá, ou esteja restos de amores desfeitos, relíquias amargas e destroços mortiços e sombrios. Na verdade, pedaços e porções das muitas alegrias interrompidas e não compensadas por motivos outros que sequer ousaram vingar. E pelo andar da carruagem, nunca ousarão.

Para me tornar mais nimbosa e peçonhenta do que sou, tenho, no rosto, o trágico sorriso que as crianças esqueceram. Nos lábios, palavras amigas jamais pronunciadas e, no sangue –, bem, no sangue -, as partículas das maldades eternas se arrastando, toldadas, como vermes malévolos pelas esquinas obumbradas do silêncio taciturnamente constrangedor. Está guardada dentro de mim, a mais cruel das apoquentações existentes na face da terra. Exatamente aquela que fere e não cicatriza. Que machuca e não sara. Que faz doer e não se debela. Nunca se medica. A desgraça.

Além de não convalescer, na mesma paulada, essa desgraça aniquila e definha, pouco a pouco, sem dar esperanças de se acurar, ou de se consumar. Já não falo no vil e sórdido esmorecimento, açoitado pelas brumas do mal, baralhada com a neurastenia, para, no minuto seguinte, transformar a chuva fina que cai intermitente, num temporal de fustigações cruéis, notadamente, nas vidas de cada um que visito. E eu patrulho meticulosamente, vidas e vidas, todos os dias...

Por conseguinte, carrego as desdouras inconstâncias dos fracassados, os insucessos dos desfortalecidos de espírito, as fúrias dos oprimidos que sucumbiram (e sucumbem) em misérias e não tiveram a coragem suficiente de moverem as barreiras do tempo para tentarem mudar seus destinos no painel comum das acontecências.  O frio esquálido das masmorras e o vazio gélido e sepulcral das cadeias infestadas de cadáveres em busca de luz são como sombras perniciosas a me protegerem.  E maleficamente me resguardam...

Seguem meus passos, em trilho contíguo, as angústias embaraçosas dos espectros apodrecidos nos pavilhões e corredores dos hospitais e enfermarias, como, igualmente, a vã esperança de cura para os atirados aos leitos dos nosocômios e sanatórios. De contrapeso, conservo a fé destruída, exterminada, fragmentada em mil pedaços. Constantemente, tenho ao meu redor, sob meus mandos e caprichos, uma multidão de resignados e desiludidos, decepcionados e desenganados pelo câncer e pelo fogo selvagem das doenças e moléstias incuráveis. E esses andrajos, a cada novo dia, crescem de intensidade como as bactérias em meio a detritos a céu aberto.

Outros infortúnios e desditas marcam assídua presença à minha beira: a separação dos casais, a desunião das criaturas, os entulhos e as ruínas de lares desfeitos, as desalegrias e as desesperanças enfraquecidas e narcotizadas dos que vivem em plena harmonia. Atrapalho, de maneira fulminante, os cultivadores do bem e interfiro diretamente na sorte dos não vaidosos e descaídos, colocando, em seus calcanhares, as raias comuns das malquerenças, acompanhadas de densas nuvens negras de embaraços e azares...

Eu trago mais. O canto ingrato das agonias e urucubacas, as quimeras desfeitas, o transtorno brutal, o choro convulso dos adolescentes e, de roldão, o desejo veemente de ferir a ilusão de cada um, de lesionar profundamente cada ser vivente combalido e de agredir, moralmente, aqueles gentios que caminham em busca de luz nas trilhas da paz perene.

Eu trago, ainda, os presságios escoriados da vida, os júbilos e as festanças, por menores que sejam me fazem mal. O sol da primavera me golpeia os olhos e a noite me cega os sentidos. Por essa razão, a quietude dos pântanos me agasalha os passos, a deformidade inópia do passado é o meu escudo e a indigência da exacerbação minha maior aliada.

Eu tenho, comigo, a chave para decifrar o enigma que toda humanidade busca. Por isso mesmo, sou o eterno problema da vida, a pedra nos sapatos dos estudiosos, dos jovens de todas as idades, dos namorados, dos noivos, dos velhos, das crianças. Eu desafio a inteligência dos cientistas e me faço incógnita e insondada na equação de todos os credos.

Eu me desordeno, ainda, por inteira, na linha daqueles que sonham alto demais. Na verdade, eu me desfiguro na barreira que atrapalha tanto o rico, na sua opulência, quanto o miserável na sua desdita, almejando alcançar o ponto mais alto do pódio.  Amo ser a maligna que derruba o “grande”, do seu pedestal como, em contrapartida, empurro o “pequeno”, abismo abaixo. Destruo o orgulho na sua arrogância e faço o copo trasbordar sem lhe acrescentar a gota minguada.

Eu gero a força oculta nos gestos que espalho. Nos menores trejeitos está a minha magnificência. Virei à emboscada, a artimanha, o estratagema na individualidade do conduto de cada pessoa. O buraco negro, de sete palmos de profundidade, onde todos, indistintamente, terão de cair, vencidos, implorando clemência, de joelhos, curvados aos meus anseios.  

Na cintura está, em ponto de bala, a arma engatilhada para tolher aqueles que buscam conquistar um amanhã em troca de qualquer coisa, seja a que preço for. Por conta disso, verguei à perfídia dos que não tem religião onde se agarrar. Sou os olhos dos sem fé, as mãos dos imbecis e as pernas dos sem Deus. Deveras, me resignei ao derradeiro degrau da insolência. Posso ser encontrada no início, no meio ou no fim da corrida, seja da carreira em busca de dias melhores, ou em ensaio à magia da felicidade. Alimento e me regozijo em temperar o obscuro que está por vir depois, bem ainda, o tenebroso de tudo o que ainda acontecerá num futuro próximo.

Mesmo ângulo aprisiono e encarcero os pecados. Detenho, a meus serviços, o vazio imensurável, a ponte salvadora entre Deus e o homem. Tenho guardado, a sete chaves, o suspiro final. O adeus sem volta, sem restituição, sem expectativa de ressurgir das cinzas. Coloco nos olhos dos protagonistas desta terra, as lágrimas aflitas e tormentosas da cruel e desumana saudade. Bem preservada, bem arquivada, conservo a imagem do medo, na sua forma mais obscura de temperamento e rigidez. O receio mórbido da morada após sepultura e o cheiro acre das flores perdendo o viço, fenecendo lentamente num devagar sem pressa e sem retorno vem logo a seguir.

Manipulo a bel prazer o direito nas coisas que faço. Sou a advogada que defende. A promotora que incrimina. A juíza que sentencia.  Lado igual, o carrasco que usa a sua lei perversa, para fazer da sua presa, a vítima sem direito a qualquer tipo de argumento ou compaixão. Compaixão, aqui entendida, no sentido amplo de se ver livre das minhas garras. Portanto, me viro na corda do cadafalso, onde cada pescoço indistintamente se desvencilhará do corpo... e virá para mim...

Por conclusão, sem tirar nem pôr, me ponho à gula, me arbítrio, à algema, me coto à autoridade que pesará na hora de proferir o alvedrio que executará seu passamento desta para outro andar. Vem de lambuja a maior de todas as justiças. A mais certa. A que não deixa dúvidas. Oxalá, talvez, seja por todas essas e outras tantas razões, que a medicina venha fazendo pesquisas e mais pesquisas, desde os tempos de Leviatã e Moisés, para ver se encontra, dentro de mim, a doença que me definha o espírito.  Em verdade em verdade amadas e amados compreendo e conscientizo que não tenho cura...

EU SOU A MORTE!...

Fonte:
Texto enviado pelo autor.

segunda-feira, 3 de outubro de 2022

Filemon Martins (Paleta de Trovas) 14

 

Moacyr Scliar (Parada obrigatória)


Mil lugares para conhecer antes de morrer é um best-seller  mundial da americana Patricia Schulz. (23/04/2006)

Tão logo ele tomou conhecimento dos mil lugares imperdíveis no mundo decidiu: seria o primeiro brasileiro a conhecê-los todos. Homem muito rico, recursos para isso não lhe faltariam. Pretendia, inclusive, realizar esse périplo em tempo recorde, em primeiro lugar para dar à façanha ainda maior destaque e depois porque, pela idade, já não podia fazer planos a longo prazo. Assim, tudo o que faria era entrar nos lugares mencionados na obra, tirar uma foto e  seguir adiante.  

Consultou um amigo, dono de uma grande agência de turismo. Sim, era possível fazer aquilo em um ano, desde que ele alugasse um jatinho particular. O que sem demora foi feito, e assim partiu, disposto a visitar pelo menos três lugares por dia. Era difícil, mas ele o conseguiu, e assim pouco a pouco foi riscando os lugares de sua lista.  

Deixou o Brasil para o fim. Em nosso país eram cerca de 20  lugares, a maioria deles em São Paulo, cidade onde nascera e onde morava. Os amigos esperavam que ali se encerrasse a gloriosa trajetória, mas seus planos eram diferentes. Queria terminar com o Copacabana Palace, no Rio.

Havia uma razão para isso, uma razão muito especial. Anos antes ele se apaixonara por uma mulher, uma jovem e linda carioca.  Paixão tão fulminante, tão avassaladora, que decidira largar tudo, esposa, filhos, empresas e viver com a moça no Rio. Para tanto, haviam marcado um encontro no Copacabana Palace. Encontro ao qual ele não compareceu. Chegou a viajar para o Rio, e, no aeroporto, tomou um táxi para ir ao famoso hotel, mas  no meio do caminho desistiu: não, não abandonaria tudo que havia conquistado por causa de uma aventura amorosa. Retornou a São Paulo sem ir ao Copacabana Palace, que aliás nem conhecia.  

Agora, finalmente, adentraria o hotel. Não mais para uma aventura, mas para gozar seus quinze minutos de fama. Seus assessores  haviam avisado a imprensa, que lá estaria para registrar o clímax da  aventura, a chegada ao último dos mil lugares.  

Já era noite quando o jatinho pousou no aeroporto. Ele tomou  um táxi. Nervoso: já estava atrasado. E, para cúmulo do azar, havia  um congestionamento em Copacabana. Decidiu completar o trajeto  a pé, apesar das advertências do motorista.  

Já estava a uns duzentos metros do famoso prédio da Avenida  Atlântica quando o assaltante lhe apontou o revólver. Ele fez um  gesto - um gesto que queria dizer, leve tudo, mas não me retenha, tenho um encontro com o Destino -, mas foi mal interpretado: o  homem achou que ele tentava reagir e disparou.  

Caído no chão, agonizante, tinha apenas uma mágoa: havia um lugar, um único entre mil outros lugares, que ele não veria antes de morrer. O problema, concluiu antes de expirar, é que a gente não  pode ter tudo o que se quer na vida.

Fonte:
Moacyr Scliar. Histórias que os jornais não contam. Ed. Agir, 2012.

Athos Fernandes ( Caderno de Poemas) 2


DESEJO INÚTIL


Eu sinto às vezes um desejo ardente
de percorrer as ruas da cidade,
e abraçar toda a gente,
num transporte sincero de amizade!

E de estender as minhas mãos cansadas
a todos que encontrar pelo caminho.
Às almas desgraçadas,
e aos que ostentam riqueza ou pergaminho!

E de dizer aos cresos e aos mendigos,
à porta dos palácios e choupanas,
que os quero como amigos
na identidade das paixões humanas!

Mas... quem, deseja as minhas mãos vazias?
Quem as quer estreitar nas suas mãos?
Tão só nas fantasias
ricos e pobres podem ser irmãos.

Num mundo de misérias e temores,
de tão tremendas lutas sociais,
os homens sofredores
como os dedos das mãos, não são iguais!
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NO PALCO DA VIDA

Na infância as travessuras são ruidosas...
Correr, brincar, ter sonhos multicores,
ir ao pomar colher frutas cheirosas
e nas escola zombar dos professores!

Depois, a mocidade! Enfim, garbosas,
as almas vivem desejando amores,
sorrindo sempre à vida, esperançosas,
vendo em tudo no mundo lindas cores.

Por fim, quando a velhice vem chegando,
em nossos corações vão-se abrigando
a nostalgia atroz e o desengano...

Foi-se o viço das folhas tão queridas!
Vem a morte ceifando nossas vidas,
neste palco de dor - descendo o pano!
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NUNCA MAIS

Viver só por viver, sem escopo, sem mira,
vazio de ideais, indigente de beijos,
imune o coração de afeto e de desejos,
quem há que em tal estado a morte não prefira?

Apátrida do amor, pobre vate sem lira,
nuvem que não tem céu, fonte sem rumorejos,
para que serve a asa a quem não tem adejos,
de que vale a vestal a quem não tem pira?

Eis o que me restou, saudosa amada minha!
Pois que ao partir levaste as ilusões que eu tinha
deixando-me a sofrer tormentos infernais...

E a sentir, como Poe, sobre o busto de Palas,
no silêncio do quarto ou no esplendor das salas,
negro corvo augural grasnando o “Nunca mais!”
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SE QUERES SER FELIZ

Se queres ser feliz, basta-te crer somente
e a ventura virá bater à tua porta!
Quem crê supera o Mal! E o resto pouco importa,
pois só vive feliz o que feliz se sente!

O que passou, passou. Cuidemos do presente,
já que é ele tão só que agora nos conforta.
Há, por falta de fé, tanta gente morta,
tanta gente infeliz, amigo, tanta gente!...

O futuro será conforme nossa crença:
bem melhor ou pior, segundo o preparemos
pela força da fé ou pela indiferença.

E o amor também virá, - no momento propício,
na exata proporção do quanto o merecemos,
como prêmio do bem ou cruz de sacrifício.
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TEMPO-VIDA

Todos nós temos na vida
tempo certo de viver...
E a gente, despercebida,
gasta o tempo sem prever
que toda hora perdida
sem algo de bom fazer,
mais rasa torna a medida
do bem que iremos colher
na hora da despedida,
quando é tempo de morrer!

Toda esperança falida
não torna a enriquecer,
tal como a flor ressequida
não logra reverdecer;
- assim, também, nossa vida
ao que foi não volta a ser.
Mal principia a partida
já se começa a perder.
Contra o tempo, na corrida,
ninguém consegue vencer!

Se a árdua luta intimida,
é bom ninguém se esquecer
que a fé sempre dá guarida
àquele que sabe crer.
Que a virtude apetecida
é ter gana no querer,
é ser forte na descida,
é ser justo no poder.
Quem malversa o Tempo-Vida,
tempo algum merece ter.

Fonte:
Athos Fernandes. Shangri-La: Poesias. Publicado em 1979.

Malba Tahan (7ª Narrativa das Mil histórias sem fim)


História de um povo triste e de um rei que se viu ameaçado por uma terrível profecia. Neste capítulo vamos encontrar um rei que só criou juízo no dia em que resolveu enlouquecer.

I

Conta-se que existiu outrora, na Índia, entre o Indo e o Ganges, um país tão grande que uma caravana, para atravessá-lo de um extremo ao outro, era obrigada a repousar setenta e sete vezes.

Era esse país governado por um rei, chamado Talif, filho de Camil, Camil filho de Ludin, Ludin filho de Maol, o Forte.

Certo dia, o rei Talif chamou o seu grão-vizir Natuc e disse-lhe:

— Tenho notado, meu bom amigo, que os meus súditos, desde o mais humilde remendão ao mais opulento e prestigioso emir, de há algum tempo a esta parte, andam todos tristes e abatidos. Desejo vivamente saber qual é a causa dessa epidemia de tristeza e abatimento que oprime meu povo!

— Rei magnânimo e justo — respondeu o judicioso Natuc — que o Distribuidor (1) vos conceda todas as graças que mereceis! Sou forçado a dizer-vos a verdade, embora tenha certeza de que ela vai causar-vos grande desgosto! O povo anda triste e abatido porque dentro de poucos dias deverá ser festejado em todo o reino o trigésimo quinto aniversário de vossa existência!

— Pelo manto do Profeta! — exclamou o rei Talif. — Que absurdo é este? Não vejo que relação possa existir entre o meu aniversário e a melancolia dessa gente!

— Bem sei que ignorais ainda — explicou o grão-vizir — que esse dia tão ansiosamente esperado, do vosso aniversário natalício, será para o reino o mais calamitoso do século!

— Calamitoso? Positivamente, ou tens o juízo fora da cabeça, ou terás, em breve, a cabeça fora do corpo. Já vai a tua audácia além do que eu poderia tolerar.

— Espero, ó rei magnânimo, me perdoeis a licença das expressões ao contar-vos a razão delas.

E o dedicado Natuc narrou ao soberano da Índia o seguinte:

— Uma semana depois do vosso nascimento, mandou o saudoso rei Camil, sobre ele a bênção de Alá!, chamar o famoso Ben-Farrac, o sábio astrólogo de maior prestígio do mundo, e pediu-lhe que lesse nas estrelas visíveis e nos astros invisíveis do firmamento o futuro de Talif, o novo príncipe do Islã. O grande Ben-Farrac, sobre ele a misericórdia de Alá, depois de consultar os voos dos pássaros, as constelações e a marcha dos planetas mais propícios, declarou que o filho de Camil subiria ao trono aos vinte e um anos de idade, e durante quatorze outros governaria, com agrado de todos, o novo reino herdado de seu pai. No dia, porém, em que completasse trinta e cinco anos, o rei Talif seria acometido de um ataque de loucura! Se ao atingir essa idade fatal, escrita no céu pelos astros luminosos, não apresentasse o rei sintomas de demência, uma grande e indescritível calamidade, que não pouparia nem mesmo as palmeiras do deserto, devastaria o país de norte a sul! E até agora, ó rei do tempo! Não houve uma só previsão de Ben-Ferrac que fosse tida por falsa ou errada. O povo tem assistido já a realização completa de várias delas!

E, depois de pequena pausa, o grão-vizir continuou:

— Eis aí, glorioso senhor, a causa da tristeza de vossos dedicados súditos. No próximo dia do vosso aniversário seremos vítimas de uma desgraça: ou a loucura apagará para sempre a luz de vossa inteligência, ou uma calamidade, que ainda não teve igual na história, devastará o país de norte a sul!

O bondoso rei Talif, ao ter conhecimento desse triste augúrio que pesava ameaçadoramente sobre seu futuro, ficou tomado da mais profunda tristeza e sentiu invadir-lhe o coração piedoso uma onda de amargura.

— Bem triste é a minha sina! — lamentou o rei depois de longo e penoso silêncio.

— Certo estou, ó vizir, de que não poderei fugir aos decretos irrevogáveis do destino. Apelo, meu amigo, para o teu esclarecido espírito e longa experiência! Não haveria um meio de atenuar-se a grande desgraça que paira presentemente sobre o meu povo e sobre mim mesmo?

— Só vejo um meio — respondeu sem hesitar o grão-vizir — e nele venho pensando há muito tempo. Segundo a previsão formulada pelo astrólogo, se ficardes louco no dia do vosso aniversário, o país não mais terá a temer futuras calamidades. Assim sendo, no dia do vosso natalício, logo pela manhã, fingireis, por vários atos absurdos, que o destino vos privou da luz da razão. Não deveis, porém, com a simulada loucura, deixar que desapareça, ou mesma diminua, a confiança que o povo deposita em vós. Para isto, penso que os vossos atos de falsa demência deverão ser de molde que não tragam qualquer perigo ou a menor perturbação à vida dos vossos súditos. O povo depressa poderá verificar que o rei, apesar de louco, continua a exercer o governo do país com justiça e tolerância. É preferível, poderão dizer todos, um rei demente, piedoso e justo, a um soberano de espírito lúcido, mas perverso e vingativo! E, assim, a vida de todos nós continuará, como até agora tem sido, calma, tranquila e feliz!

— Grande e talentoso amigo! — exclamou o rei Talif, movido por sincero entusiasmo — Como admiro a tua sagacidade, como aprecio a tua dedicação! É, na verdade, uma solução admirável para o meu caso; fazendo-me passar por louco farei com que se realize a terrível previsão do maldito astrólogo, e restituirei a calma e o sossego ao meu povo!

E desta sorte, tendo assentado com o grão-vizir os planos para a curiosa farsa que devia representar — fingindo-se louco —, ordenou o rei Talif que o seu trigésimo quinto aniversário fosse condignamente festejado em todas as cidades e aldeias do reino. Chegado que foi o dia, todos os vizires, nobres e ricos mercadores foram, conforme o tradicional costume, levar as felicitações e os votos de prosperidade ao régio aniversariante.

Ordenou o rei Talif fossem os seus ilustres homenageantes conduzidos à sala do trono e recebeu-os de pé, tendo numa das mãos uma caveira e à cintura longa corrente de ferro a cuja extremidade vinha presa uma figura, feita de barro, que representava um gênio infernal de horripilante aspecto.

Os ricos, nobres e vizires, ao verem a estranha e descabida atitude do rei Talif, concluíram logo que o soberano da Índia havia enlouquecido. Aqueles que ainda tinham dúvida sobre o desequilíbrio mental do rei depressa se convenceram da dolorosa verdade, quando o ouviram declarar que estava resolvido a caçar elefantes no fundo do terceiro mar da China!

E quando um dos honrados vizires ponderou sobre as dificuldades de tal empresa, o rei pôs-se a enunciar frases sem nexo.

— Qual peso é excessivo aos esforçados? Que é diante ao perseverante? Que país é estranho aos homens da ciência? Quem é inimigo dos afáveis?

— Está louco o rei! — murmuraram todos. — De dois males o menor. Estamos livres da calamidade que devia devastar o país de norte a sul!

E o povo festejou nesse dia, com demonstrações de grande alegria, o trigésimo quinto aniversário do rei Talif, apelidado o Louco.

Desde logo, porém, compreenderam todos que a branda loucura do rei Talif em nada prejudicava a marcha natural dos múltiplos negócios do governo. Na verdade, os atos provindos da demência do monarca eram inofensivos. Ora decretava o casamento de uma palmeira com um coqueiro, ou assinava uma lei ridícula pela qual tomava posse de uma parte da Lua, ou de uma nuvem pardacenta do céu.

Quis Alá, o Exaltado, que o inteligente plano concebido pelo talentoso grão-vizir Natuc desse o melhor resultado. O país continuou a prosperar e o povo da Índia vivia tranquilo e feliz, embora tivesse no trono um rei privado da luz da razão.

II

Um dia, afinal, inspirado talvez pelo Demônio (Alá persiga o Maligno!), resolveu o rei Talif sair do seu palácio, disfarçado em mercador, a fim de ouvir o que diziam a seu respeito os homens do povo.

Bem oculto por hábil disfarce, entrou num grande khã (2) onde se reuniam, à noite, viajantes, peregrinos e aventureiros, vindos de todos os cantos. Um cameleiro, que se achava a seu lado, murmurou com voz pesarosa:

— Pobre do nosso rei Talif! Depois do seu último aniversário ainda não recuperou a razão! Ainda hoje praticou nova insensatez! Concedeu o título de emir ao rio Ganges!

— Meus amigos — replicou um velho de venerável aspecto, que fumava silencioso a um canto. — Creio bem que o povo deste país anda treslendo! Estamos diante de um dos casos mais singulares que tenho observado em minha vida. Julgam todos que o rei Talif enlouqueceu no dia em que completou trinta e cinco anos, mas exatamente o contrário sucedeu! Foi nesse dia, precisamente, que o soberano recuperou o juízo!

— Como assim? — perguntaram os mais curiosos. — Não é possível! Como explicar os disparates e as ridículas decisões do rei?

— Já observei — continuou o ancião — que os últimos atos praticados pelo rei são inofensivos e servem apenas para divertir o povo. Antes, porém, de seu último aniversário, o rei Talif só procedia como louco ditando leis que eram profundamente prejudiciais aos interesses e ao bem-estar do país!

E, ante a admiração de todos, o velho hindu continuou:

— Não se lembram daquela estrada que o rei, há dois anos, mandou abrir, pelas montanhas de Chenab? Foi isto um ato de inconcebível loucura, visto como a tal estrada, que tantos sacrifícios nos custou, lá está abandonada sem utilidade nem valor algum. E aquele grande castelo mandado erguer no meio do lago de Magdalane? Foi outro ato de insânia do nosso soberano. Na primeira cheia do lago as águas invadiram impetuosamente a ilha e derrubaram todas as obras de arte que já estavam quase concluídas!

O bom monarca, que tudo ouvia, pálido de espanto, sentia-se obrigado a reconhecer que as palavras do desconhecido eram a expressão da verdade. A estrada e o famoso castelo tinham sido, realmente, erros lamentáveis de sua administração.

— E não foi só — acrescentou ainda o velho. — Há cerca de três anos o rei Talif mandou demitir o governador de Bhavapal, homem honesto e digno, para pôr no lugar um nobre protegido, que fora sempre um sujeito desonesto e mau. Só um rei insensato é que procede assim! E mais ainda. De outra feita o rei Talif, a pretexto de aumentar o salário dos servidores do reino...

Não quis o rei Talif continuar a ouvir a análise imparcial que o velho hindu fazia de todos os erros que ele praticara. Sem proferir uma só palavra, levantou-se e saiu vagarosamente do khã.

“É singular e espantoso”, pensava ele, enquanto vagava a esmo por vielas desertas e mal iluminadas. “É espantoso e singular o que sucedeu comigo! Creio bem que sou fraco para governar o meu povo. E no tempo em que julgava ter perfeito juízo pratiquei tantas loucuras, o que não terei feito agora que resolvi passar por demente?”

Absorto em profunda meditação, voltava o rei para o palácio quando, ao atravessar uma praça, encontrou um árabe que chorava desesperado sentado junto a uma fonte.

— Que tens, meu amigo? — perguntou-lhe o monarca. — Qual é a causa de tua grande tristeza?

O desconhecido, sem reconhecer na pessoa que o interrogava o poderoso rei da Índia, respondeu:

— Sou um infeliz, ó muçulmano! Há perto de um ano que procuro falar ao rei Talif e não consigo chegar à sala do trono nos dias de audiência pública.

— E que queres dizer ao nosso bom soberano? — insistiu curioso o rei hindu. Respondeu o desconhecido:

— Quero transmitir-lhe uma importante mensagem que recebi há tempos de meu saudoso pai, o astrólogo Ben-Farrac!

E, como o rei quedasse pouco menos que atônito ao ouvir o nome do fatídico astrólogo, o árabe continuou:

— Pouco antes de morrer, meu pai chamou-me e disse: “Meu filho, vou contar-te uma história singular intitulada: ‘O Rei Insensato’. Peço-te que repitas fielmente essa história ao rei Talif, quando o nosso monarca festejar o trigésimo quinto aniversário. Se, por qualquer motivo, não atenderes a este meu pedido, que tem unicamente por fim salvar o rei, serás mais infeliz do que o mais desprezível dos mamelucos!”(3) Eis a causa do meu desespero; não vejo um meio de chegar à presença do rei Talif, filho de Camil, e receio que a maldição paterna venha a pesar sobre mim!

Ao ouvir tais palavras, não mais se conteve o rei Talif. Arrancando, no mesmo instante, as grandes barbas postiças e a negra cabeleira que lhe alteravam completamente a fisionomia, apresentou-se ao filho do astrólogo no seu verdadeiro aspecto, e gritou-lhe enérgico e ameaçador:

— Fica sabendo, ó infeliz!, que eu sou Talif, o rei. Exijo que me contes imediatamente essa história que para transmitir-me ouviste, há tantos anos, de teu pai, o astrólogo Ben-Farrac!

O árabe, ao reconhecer naquele simples e modesto mercador a pessoa sagrada e respeitável do rei, ajoelhou-se humilde, beijou a terra entre as mãos e assim falou:

— É bem possível, ó Rei do Tempo, que o simples conhecimento da narrativa a que me referi seja suficiente para causar graves e profundas alterações em vossa vida. Desse momento em diante, porém, os nossos destinos estão ligados por laços inquebráveis. Tal é a sentença ditada pela sabedoria do astrólogo Ben-Farrac, meu saudoso pai. Sereis, ó glorioso Talif, responsável pela minha vida e, mais ainda, responsável também pela vida de meus filhos e de meus amigos mais caros.

— Afirmo, sob juramento — declarou, logo, o rei —, que nada farei de mal contra ti, nem contra qualquer amigo ou parente teu!

— Agradeço-vos a inestimável garantia que as vossas palavras traduzem — retorquiu o filho do astrólogo. — Vejo-me, entretanto, forçado a exigir outro penhor e outra segurança de vossa parte.

— Que segurança é essa? — indagou nervoso o monarca aproximando-se de seu jovem interlocutor.

— O aviso que me cumpre fazer — explicou o enviado — é o seguinte: não deveis, sob pretexto algum, interromper a narrativa que, dentro de breves instantes, vou iniciar. Graves e desastrosas seriam as consequências de um gesto de impaciência ou protesto de vossa parte.

— Juro, pelas cinzas de meus antepassados — retorquiu gravemente o monarca —, que ouvirei a tua narrativa em absoluto silêncio!
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continua…
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Notas
1 Distribuidor – Um dos muitos nomes com que os muçulmanos se referem a Alá.
2 Khã — lugar onde se reúnem viajantes e mercadores.
3 Mameluco ou mameluj –  escravo. O plural seria mamelik.


Fonte:
Malba Tahan. Mil histórias sem fim. Rio de Janeiro/RJ: Editora Record, 2013.

domingo, 2 de outubro de 2022

A. A. de Assis (Viva o Elevador!)

 

Sempre que se fala em vizinhos me vem à lembrança um vexame que passei, há coisa de 20 anos, numa viagem de ônibus de São Paulo para Maringá.

Na poltrona ao lado estava um rapaz que puxou conversa, me chamando pelo nome. Parecia-me também conhecê-lo, mas não me lembrava de onde. Só depois de um bom tempo de papo me caiu a ficha: éramos vizinhos, residentes no mesmo prédio. Era dos encontros no elevador que me lembrava dele...

Esse exemplo (mau exemplo) não é dos mais ilustrativos, porque sou meio distraído mesmo. Mas serve para demonstrar como enfraqueceram nos últimos tempos os velhos “elos de vizinhança”. Até nos edifícios de apartamentos, onde as pessoas moram quase juntas, “é-difícil” o relacionamento. O elevador é o único ponto de encontro. Daí a preciosa função social do sobe-e-desce naquele apertado “minimetrô” vertical onde os moradores trocam algum “bom-dia”, “como vai”, “puxa, que calor...”

É nos nervosos momentos de espera do elevador, e durante os poucos segundos em que viajamos nele, que a gente começa a conhecer os vizinhos. Primeiro, apenas de vista; depois, pouco a pouco, pelo nome. O blá no início é na base da chamada linguagem fática: um “oi” qualquer para quebrar o gelo. De tanto subir e descer, a conversa vai ficando mais animada, na medida em que uns vão sabendo coisas dos outros.

 A troca de visitas, até entre os que moram no mesmo andar, continua rara. Apesar de tudo, entretanto, vão se estreitando os laços. Os rostos vão se tornando mais familiares. As mulheres já se encorajam a bater às portas das outras para pedir emprestado um pedacinho de fita adesiva. As crianças, mais comunicativas, vão se enturmando, organizam brincadeiras no playground, e por causa dos filhos os pais vão devagarinho aprendendo também a dialogar mais intimamente uns com os outros. Alguns chegam logo a até formar grupos para jogar truco ou promover churrascadas no salão de festas.

É, porém, no elevador que toda essa aproximação começa. Bendito aparelho que, embora de vez em quando enguice, tem sido, nestes tempos de gente apressada, o mais eficiente fazedor de amizade entre vizinhos,

Nem todos chegam a conhecer-se pelos nomes, menos ainda pelo apelido ou pela profissão, e raros deles já entraram na sala ou na cozinha do parceiro de condomínio, mas todos acabam capazes de pelo menos reconhecer uns aos outros quando se encontram em algum lugar fora do prédio.

Viva então o elevador! Nos edifícios residenciais ou de escritórios, graças a ele quantos amigos já fizemos. O meu vexame com o companheiro de ônibus não vale como regra.

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(Crônica publicada no Jornal do Povo – Maringá – 22-9-2022)

Carlos Drummond de Andrade (Trem de Contos) Vagões 73, 74 e 75

 
ENCONTRO

O personagem de Lúcio Cardoso hospedou por algumas semanas o personagem de Cornélio Pena. Nunca se viam, porque um dormia pela madrugada e o outro ao anoitecer. Não se encontravam à mesa, mas ambos diziam “bom dia”, sozinhos, referindo-se ao companheiro.

O personagem de Guimarães Rosa, encontrando aberta a porta da casa, entrou, não viu ninguém, deu tiros para o alto. Um buriti cresceu na sala de jantar, a vereda fluiu suas águas. Os personagens de Lúcio e de Cornélio acudiram ao mesmo tempo, surpresos. Ouviu-se a viola de Miguelão entoar modinhas do Urucuia. Todos beberam muito, e a noite acabou em antologia mineira, com ilustrações de Poty.
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EPISÓDIO VENEZIANO

A duquesa de Arrivabene apaixonou-se por um gondoleiro de Veneza e, para não deixá-lo um só momento, acompanhava-o no trabalho. Frequentemente manejava o remo, deixando a cabeça do namorado repousar em seu colo alabastrino.

Era ciumenta a duquesa, e Paolo tinha de recusar passageiras cujo sorriso parecia demasiado promissor. Com o tempo, nem mais os homens eram admitidos na gôndola, que vogava ao sabor do capricho feminino, entre beijos que se diria capazes de inflamar a água do canal.

Paolo, exausto, quis fugir, mas sua amante ameaçou afundar com ele e com a embarcação, em derradeiro enlace amoroso.

A gôndola envelheceu, os dois também. Se já não se amavam como antigamente, é porque tinham chegado a formar uma só individualidade, meio carne meio madeira. Um dia o barco afundou, levando consigo os dois amantes, não se sabe se ainda vivos ou mumificados. Desde então os gondoleiros temem o amor das duquesas e preferem não transportá-las, pretextando que a gôndola está com defeito.
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EXCESSO DE COMPANHIA

Os anjos cercavam Marilda, um de cada lado, porque Marilda ao nascer ganhou dois anjos da guarda.

Em vez de ajudar, atrapalhou. Um anjo queria levar Marilda a festas, o outro à natureza. Brigavam entre si, e a moça não sabia a qual deles obedecer. Queria agradar aos dois, e acabava se indispondo com ambos.

Tocou-os de casa. Ficou sozinha, sem apoio espiritual mas também sem confusão. Os dois vieram procurá-la, arrependidos, pedindo desculpas.

— Só aceito um de cada vez. Passa uns tempos comigo, depois mando embora, e o outro fica no lugar. Dois anjos ao mesmo tempo é demais.

Agora Marilda é o anjo da guarda dos seus anjos, um de cada vez.

Fonte:
Carlos Drummond de Andrade. Contos plausíveis. Publicado em 1981.

sábado, 1 de outubro de 2022

Silmar Böhrer (Gamela de Versos) 28

 

Vanice Zimerman (Saudade…) – 1


AS MÃOS QUE COLHERAM AS UVAS...


Feito, finas rendas que com o tempo
Tornaram-se translúcidas e, aos poucos
Desapareceram,
As mãos que colheram as uvas,
Permanecem vivas, pulsando
Nas lembranças de outras mãos
Colhendo uvas em um antigo ritual
Árduo e encantado,
Mantendo a tradição de colher com cuidado e,
Carinho, e assim extrair
Dos doces cachos, o vinho...
As mãos que colheram as uvas,
Vivas permanecem em vinícolas,
E na solitária garrafa escura, ao lado do queijo,
E também, em telas
E no olhar de quem, curioso
As observa ao alcance das mãos
Em um fim de tarde, repleto
De cores, amor e silêncio...
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CHAVE DO TEMPO

Tarde de inverno,
Imóvel no arame
Ele continua
O prendedor de roupas
Silencia-se
Sem a companhia
Do lençol ou da camisa branca...
Em sua geometria
Ostenta as marcas
Do sol, da chuva
E das noites frias...
A ferrugem
Com seus tons cobriu seu metal,
E a boa parte de sua madeira
Foi tingida com a passagem
Do por do sol e do amanhecer
Prendendo com suas pontas
Lembranças de ontens -
Admirável sua resistência,
Quase, dobra-se à rotina
Das horas, dias e anos -
Mas, a essência permanece
Misteriosa
Chave do Tempo...
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JANELA AZUL


Na pausa do olhar
A poesia, devagarzinho
Alisa e desliza
Na janela de madeira azul
Os nós trabalhados pela
Passagem do tempo
São imóveis olhares...
Há uma rústica e desbotada
Interação entre os tons de azul
Que se mesclam à madeira-
Na pausa do olhar
A delicadeza
Das mãos, agora, invisíveis
Que tantas vezes
Entreabriram a janela...
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LEMBRANÇAS DE MINAS GERAIS

De manhãzinha -
Janela entreaberta
A mesa de madeira
Pequenas flores perfumam
A caneca de ágata,
Recebendo os tênues raios de sol,
Enquanto o gato se espreguiça
À soleira da porta -
Distancia-se o som da trem,
Sinto o aroma de café
Que evola do antigo bule azul,
Emoldurando
O despertar da vida
Em poesias e nas alegres
Borboletinhas brancas -
Manhã de primavera
Desperta em Minas...
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RISCOS E RABISCOS

Riscos
Na mesa de madeira,
Rabiscos nos tijolos
Do fogão a lenha...

Desenhos no vidro
Nublado da janela,
Linhas curvas e retas
Na cadeira de palha
Marcam presença,
Pincelando ausências,
Enquanto a chuva risca
Mais um fim de tarde...
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"RODA DE FIAR"

As lembranças tecidas em lãs,
Algodão e linho aquietam-se
E observam a antiga roda de fiar,
Transformando a palha em ouro -
"Rumpelstiltskin"...
A roca
Lembra o leme de um barco
Roda da Vida, num contínuo movimento
De fibras em fios.
As mãos invisíveis do Tempo
Ainda permanecem
A mover a roda de fiar - tecer destinos
Delicados fios entrelaçando
Sonhos e vida -
Enquanto,
Uma, curiosa, gota de sangue
Desliza no fuso...
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TEXTURAS

Aconchega-se
À toalha de seda lilás
Ao bule branco,
Mesclam-se luz e sombra
Em dobras,
Tecidas na delicada seda -
Um labirinto...
Ao toque da porcelana
A sensação
De uma atemporal imagem,
Uma tela, um devaneio -
Saudade.

Fonte:
Vanice Zimerman y Gustavo Henao Chica. Saudade… . Curitiba/PR: Nogus Ed., 2021.
Livro enviado pela poetisa.

Hans Christian Andersen (O menino insolente)

Há muito tempo, vivia um velho poeta, um velho poeta muito gentil. Quando ele estava sentado uma noite em seu quarto, uma tempestade terrível surgiu, e a chuva escorreu do céu; mas o velho poeta sentou-se quente e confortável em sua lareira, onde o fogo ardia e a maçã assada assobiava.

"Quem não tiver um teto sobre a cabeça ficará molhado na pele", disse o bom e velho poeta.

"Oh, deixe-me entrar! Deixe-me entrar! Estou com frio e estou tão molhado!" exclamou de repente uma criança que estava chorando na porta e batendo na entrada, enquanto a chuva caía e o vento fazia todas as janelas estremecerem.

"Pobre criança!" disse o velho poeta, quando foi abrir a porta. Havia um garotinho, completamente nu, e a água escorria de seus longos cabelos dourados; tremia de frio e, se não tivesse entrado em uma sala quente, certamente teria morrido na terrível tempestade.

"Pobre criança!" disse o velho poeta, enquanto pegava o garoto pela mão. "Entre, entre, e em breve te revigorarei! Terás vinho e maçãs assadas, pois és realmente uma criança encantadora!"

E o garoto era realmente muito encantador. Seus olhos eram como duas estrelas brilhantes; e, embora a água escorresse por seus cabelos, ela ondulava em lindos cachos. Ele parecia exatamente como um anjinho, mas estava tão pálido e todo o seu corpo tremia de frio. Ele tinha um belo pequeno arco na mão, mas estava bastante estragado pela chuva, e os matizes de suas flechas coloridas correram um contra o outro.

O velho poeta sentou-se ao lado da lareira e levou o pequeno no colo; ele espremeu a água pingando dos cabelos, aqueceu as mãos entre as dele e cozinhou para ele um pouco de vinho doce. Então o garoto se recuperou, suas bochechas ficaram novamente rosadas, pulou do colo onde estava sentado e dançou em volta do velho poeta.

"Você é um sujeito alegre", disse o velho. "Qual o seu nome?"

"Meu nome é Cupido", respondeu o garoto. "Você não me conhece? Aí está meu arco; ele dispara bem, posso garantir! Olha, o tempo está clareando e a lua brilhando novamente pela janela."

"Ora, seu arco está estragado", disse o velho poeta.

"Isso foi realmente triste", disse o garoto, e ele pegou o arco na mão - e o examinou por todos os lados. "Oh, está seco novamente e não está machucado; o fio está bem apertado. Vou tentar diretamente." E ele dobrou o arco, mirou e atirou uma flecha no velho poeta, dentro de seu coração. "Você vê agora que meu arco não foi estragado", disse ele rindo; e para longe ele correu. O garoto travesso, para atirar no velho poeta dessa maneira; aquele que o levara ao seu quarto quente, que o tratara com tanta gentileza e que lhe dera vinho quente e as melhores maçãs!

O pobre poeta jazia na terra e chorava, pois a flecha realmente voara em seu coração. "Que droga!" disse ele. "Quão travesso é um garoto, Cupido! Vou contar a todas as crianças sobre ele, para que tomem cuidado e não brinquem com ele, pois ele só lhes causará tristeza e muitas dores de cabeça."

E todos os bons filhos a quem ele contou essa história prestaram muita atenção a esse Cupido travesso; mas ele ainda os fez de tolos, pois é espantosamente astuto. Quando os estudantes universitários vêm das palestras, ele corre ao lado deles com um casaco preto e com um livro debaixo do braço. É completamente impossível para eles conhecê-lo, e andam com ele de braços dados, como se ele também fosse um estudante como eles; e então, despercebido, ele joga uma flecha no peito deles. Quando as jovens donzelas passam por serem examinadas pelo clérigo, ou vão à igreja para serem confirmadas, lá está novamente atrás delas. Sim, ele está sempre seguindo as pessoas. Na peça, ele se senta no grande lustre e queima em chamas brilhantes, para que as pessoas pensem que é realmente uma chama, mas logo descobrem que é outra coisa. Ele anda pelo jardim do palácio e pelas muralhas: sim, uma vez que ele atirou em seu pai e sua mãe no coração. Peça apenas a eles e você ouvirá o que eles dirão. Oh, ele é um garoto travesso, aquele Cupido; você nunca deve ter nada a ver com ele. Ele está sempre correndo atrás de todo mundo. Apenas pense, ele atirou uma flecha uma vez na sua velha avó! Mas isso foi há muito tempo e agora é passado; no entanto, uma coisa desse tipo ela nunca esquece. Que droga, Cupido travesso! Mas agora você o conhece e também sabe como ele é mal-comportado!

sexta-feira, 30 de setembro de 2022

A. A. de Assis (Jardim de Trovas) 14

 

Contos e Lendas do Paraná - 13 (Curitiba: assombrações)


A LOIRA FANTASMA

Prestem atenção na história que vou contar...
Pois, este conto é de arrepiar!
É uma lenda famosa dos anos setenta...
E que até hoje faz sucesso e arrebenta!

Lurdes era uma loira muito bonita,
Que morava na cidade de Curitiba!
Certa noite, ao sair muito tarde...
Ela resolveu pegar um táxi sem alarde...

Mas, o taxista era um psicopata tarado,
Que estava muito perturbado!
Então, ele levou a loira para o matagal...
Estuprou e matou a pobre com todo o seu mal!

Mas, o que ele não sabia...
É que a loira pertencia...
A uma seita de magia!

Por isto, o espírito da loira ainda rondava...
A cidade como uma escrava!
Um mês se passou e o mesmo taxista...
Ainda trabalhava na estrada e na pista!

Ele estava trabalhando numa noite de chuva e de frio,
Que a todos causa um tremendo arrepio!
Então, uma mulher com capa preta e escura...
Pediu para que o táxi parasse de uma forma dura!

O táxi parou e a mulher entrou no carro com o rosto coberto...
No meio daquele caminho deserto...
Pedindo para o motorista seguir em direção ao Cemitério Municipal...
Com uma voz misteriosa e nada normal!

Chegando na rua nebulosa do cemitério...
A mulher disse ao motorista com todo o mistério:
“– Pode me deixar aqui, minha morada é um túmulo decente...
Mas, você gostaria que fosse diferente... “

O motorista então, falou:
“– Não estou entendendo nada...
Pare de brincadeira , pois já é madrugada!”
Então, a moça tirou o seu escuro véu,

Que mostrou o seu rosto de um jeito cruel!
A loira assim, falou:
“– Sou a mulher que você matou com loucura,
Que, agora, deseja colocar seu corpo numa sepultura! “

O motorista reconhecendo o fantasma...
Teve um ataque de asma...
E morreu asfixiado...
No seu carro, todo congelado!

Mas, o fantasma da loira continuou assustando vários taxistas...
Porém, sua alma nunca deixou rastros e nem pistas.
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O FANTASMA DA GRÁVIDA DA PRAÇA DA UCRÂNIA

Por favor, não se surpreenda...
Contarei mais uma lenda:
Em Curitiba, toda a sexta-feira...
Havia uma tradicional feira,

Na praça da Ucrânia...
Toda espontânea!
Mas, num inverno de gelar...
Bem numa noite sem luar...

Uma grávida passeava com o seu marido,
Fiel, amado e querido,
Pela feira da Praça da Ucrânia...
Numa sexta-feira espontânea!

Então, esta grávida bela...
Numa barraquinha cor de canela...
Pediu um sanduíche com mortadela!

Enquanto ela esperava o lanche ansiosamente...
Aconteceu algo que embaralhou a mente...
Das pessoas no local:
Um motoqueiro mau...

Desceu da moto e começou a disparar...
Tiros, bravamente, pelo ar!
Mas, ao ver o marido da grávida,
Que já estava toda pálida...

Este motoqueiro tentou acertar vários tiros sem paz...
Naquele pobre, assustado e indefeso rapaz!
Mas, alguns tiros atingiram a gestante...
De um jeito nada elegante!

Então, levaram a grávida para o hospital...
Porém, aconteceu algo mau:
A grávida faleceu...
No meio do breu!

Então, a partir daquele dia...
Começou a ocorrer algo com toda a agonia:
Toda a sexta-feira espontânea...
Bem na praça da Ucrânia...
Uma grávida...
Misteriosa e pálida...
Começou a aparecer de um jeito ruim,
Pedindo para alguém, bem assim:

– Sou uma gestante...
Faminta e nada brilhante!
Porque numa noite nada singela...
Eu tive uma morte nada bela...

E nem tive o meu último pedido...
Socorrido e atendido,
Que era comer um sanduíche de mortadela...
Numa barraca cor de canela!

Mas, como eu sei que você não é ruim:
Você poderia pagar um sanduíche para mim?
Dizem que toda a sexta-feira, de um jeito dolorido...
Ela aparece na Praça da Ucrânia e faz este mesmo pedido.

Fonte:
Renato Augusto Carneiro Jr (coordenador). Lendas e Contos Populares do Paraná.
Curitiba : Secretaria de Estado da Cultura , 2005.

Marcos Rey (Celebridades instantâneas)


Talk shows servem até para vender  espanador giratório a pilha

Hoje em dia quem aparece num talk show dá uma pisada no hall da fama. Sai da sombra do anonimato. É como se o próprio Deus acendesse um spotlight. Aproveite, chegou a sua vez de brilhar!

Houve época em que nem escrevendo Os sertões se alcançava de pronto a celebridade. Carlos Drummond de Andrade, pouco chegado à autopromoção, apenas se tornou conhecido – não lido – pelo público já nos finais oitenta anos. Lima Barreto, o romancista de Clara dos Anjos, só passou a ser mencionado com maior frequência para eliminar a confusão que se fazia entre seu nome e o do cineasta Lima Barreto. Van Gogh, mesmo decepando a orelha para presentear uma namoradinha, ato romântico e original, permaneceu na obscuridade até o fim da vida e sem vender um único quadro.

As portas do sucesso atualmente são mais acessíveis. Podem ser transpostas em minutos. Chamam-se talk shows ou, em linguagem bárbara, programas de entrevistas na televisão. Segundo acabo de ler, chegam a vinte, apresentados em quase todas as emissoras, diariamente e nos mais diversos horários. É um gênero de espetáculo de baixo custo porque os entrevistados, doidos para aparecer no vídeo, naturalmente não cobram nada. Pelo contrário, muitos até pagariam.

Quem tem necessidade urgente de se promover, lançar produtos ou aparecer na telinha para provar que ainda não morreu – estou vivo e atuante, gente! – visita infalivelmente todos os programas do naipe. Nada mais eficiente para ser reconhecido na rua e em toda parte. Gente que nunca viu o entrevistado o cumprimenta com um largo olá. Os mais ousados arriscam: “O senhor estava ótimo ontem no Jô”.

Eu também tenho talento, preciso apenas de uma oportunidade para me destacar. É o sonho de muitos. E onde aparecer, para milhões e ao mesmo tempo, senão na televisão? Figurar nos talk shows é o único jeito de ficar conhecido instantaneamente e poder vender o seu peixe. Foi o que declarou o dono de um restaurante de frutos do mar...

Para os desconhecidos, conseguir ser programado num talk depende de relacionamento e boa dose de paciência. Uns esperam meses. Para os já conhecidos, mais preocupados em manter certa popularidade, é até relativamente fácil. O difícil é fazer cara convincente de que está no programa de seu querido entrevistador, preferido entre todos. E morrendo de saudade. Este, por seu turno, tem de fazer a cara certa de que se trata de uma entrevista exclusiva, única, fingindo ignorar que o convidado já compareceu no mínimo a três emissoras na mesma semana. Ontem mesmo esteve no programa do seu concorrente, aquele fofoqueiro, aquele vaidosão, aquele...

Quando o entrevistado, mesmo ignorado pela mídia, cai no agrado do auditório, o referido peixe está vendido. Lembro o espevitado autor de um espanador giratório a pilha, de duvidosa utilidade. O público adorou à primeira vista o curioso inventor: foi no seu papo solto, riu o quanto pôde. E aplaudiu frenético. Soube-se que vendeu milhares de espanadores giratórios, encalhados há anos.

Uma entrevista bem-sucedida resolve. O homem que promovia o reconstituinte leite de jacaré foi até bisado. Há também os que não querem vender nada, interessados somente na divulgação da imagem, na satisfação do ego. O conceito de muita gente dá saltos andinos após um cara a cara com Marília Gabriela ou um tapa no microfone do Jô.
Torno a lembrar Van Gogh, em vida o mais joão-ninguém dos gênios, o durango e biruta que pintava telas que hoje valem dezenas de milhões de dólares. Théo, o mano e protetor, após a dramática amputação, para salvar Vincent certamente recorreria aos programas de entrevistas, a última chance de sucesso artístico e equilíbrio mental.

Antes de exibir seus girassóis, talvez perguntassem ao pintor:

– Não querendo interromper e já interrompendo, o que você fez com a sua orelha?

Ou aprovassem:

– Sem orelha você fica uma gracinha, Van.

Ou se arrepiassem a ponto de não fazer a entrevista:

– Nossas estrelas comerciais entram agora e depois a gente volta.

Fonte:
Marcos Rey. Crônicas para jovens. Global, 2015. Edição digital.

Henriette Effenberger (Trovas Temáticas)

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SAUDADE
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Para falar de saudade
sempre se vai precisar
ter um pouquinho de idade
e coisas para lembrar...

Saudade de nossa infância,
saudade de tempos idos...
Saudade pela distância
dos nossos entes queridos.

Saudade de gargalhadas,
saudades da adolescência,
das noites enluaradas,
plenas de efervescência...

Saudade não é lembrança,
saudade não é sofrer.
Lembrança sem esperança,
isso ela pode até ser.…

A campa tão nua e fria
do morto desconhecido
recebeu a cortesia
de um ipê todo florido.

A saudade, envelhecida,
virou apenas lembrança
não dói mais como ferida,
pois já perdeu a esperança…

Na quietude da noite
onde até o silêncio dorme,
a saudade, qual açoite,
retalha o sonho disforme.

Nos meus momentos de insônia,
minha saudade acalanto
e ela, sem cerimônia,
repousa sobre meu pranto.

Pra espantar felicidade,
a maldade tanto fez
que se vestiu de saudade
pra machucar outra vez.

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DESTINO
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A vida que tenho agora
é apenas resultado
de escolhas de outrora,
de opções do passado...

Dizem que eu tive sorte,
que o destino me sorriu,
ao escolher o meu norte
todo caminho se abriu.

O que chamam de destino,
boa, má sorte ou maré
eu apenas denomino
fruto de trabalho e fé.

Sei que fiz o meu destino,
palmo a palmo, linha a linha,
nada veio repentino
nem tive fada madrinha...

= = = =
PAZ
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A paz nem sempre é perfeita,
esconde-se em descaminhos,
entre dores, fica à espreita,
como rosa entre os espinhos.

Paz: muitas vezes usada
para gerar tanta guerra,
palavra tão desgastada,
não a vemos cá na Terra.

Pedir paz é tão vulgar,
lugar comum, um clichê;
melhor mesmo é desejar
que a paz habite em você...

Viver na Paz do Senhor,
nos dizia a tia Sila,
só mesmo com muito amor
e com fé que não vacila.

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ESTAÇÕES DO ANO
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Bom seria cada dia
viver como a primavera,
trazendo luz e alegria,
pois o verão nos espera..

Na primavera me aninho,
sou colibri, beija-flor,
sou menina-passarinho
buscando por teu amor...

Gosto de verão “caliente”,
sol daqueles de rachar,
que aquece a alma da gente
e nos convida a amar.

Verão agora é assim
chove, chove, sem parar.
Essa água não tem fim,
parece o céu a chorar...

Às vezes penso que o outono
por vir depois do verão
é uma estação de sono,
de invernos que chegarão...

O  verão com sol brilhando
e um azul no céu sem fim;
no fundo está preparando
o outono que existe em mim...

Não gosto de tempo frio
nem daquele céu cinzento.
O inverno, eu avalio,
é um velho rabugento...
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Henriette Effenberger nasceu em Bragança Paulista-SP. Romancista, contista, memorialista, poeta, escreve também literatura infantil. Publicou, em 2002, em coautoria com Maria Dulce N. K. Louro, seu romance de estreia, A Ilha dos Anjos. Outros livros publicados: A aventuras do Superagora (infantil); SSAAM – 80 anos de acordes em harmonia; Aeroclube de Bragança Paulista – uma trajetória nas asas do tempo; Liga do Pico, Futebol e Pinga e Sindicato do Comércio de Bragança Paulista – 70 anos; Linhas tortas, em 2008, composto por contos premiados em concursos literários nacionais e internacionais, com apresentação de Ignácio Loyola Brandão, e Vida de Sabiá – o que sabiam os sabiás além de assobiar, vencedor do Prêmio João de Barro de Literatura Infantil, editado em 2009, pela Fundação Cultural de Belo Horizonte. Em 2017, organizou a coletânea de contos: Horas partidas e a coletânea de contos e crônicas do Movimento Mulherio das Letras.