segunda-feira, 28 de agosto de 2023

Jaqueline Machado (Isadora de Pampa e Bahia) Capítulo 10: Negócios?

Mesmo debilitada, dona Ana recebeu alta e retornou ao lar sob os cuidados da filha.    

Por quatro dias seguidos, o senhor Antônio permaneceu em casa, dando ordens aos peões e estranhamente pensativo.

Tentando quebrar o gelo, Isadora tentava puxar um assunto e outro, mas o velho apenas balbuciava uns resmungos inaudíveis. Agitado, andando de um lado a outro, como quem procura alguma forma de solucionar um grave problema.

Mesmo em casa, ele entrava no quarto apenas para dormir, nunca para saber da mulher.

Atitude essa, muito incômoda a sua filha. Pois ela sabia o quanto poderia ser significativo o carinho do marido na  recuperação de dona Ana.

No entanto, os dias passavam e ele parecia cada vez mais alheio a tudo.

Depois de tanto tempo calado, o velho quebrou o silêncio:

-   “Fia”, faz uma ambrosia para a sobremesa. Hoje tem churrasco.

- Qual é o motivo da festa meu pai?

- Negócio. Tô fechando um bom negócio com uns xirus da cidade.

- Faço sim. - disse Isadora.

À porta de casa, o velho deu ordem para o Juca "carnear" algumas ovelhas e depois preparar os gravetos para acender o fogo de chão. Pediu também que chamasse os amigos do armazém do seu Feliciano.

- Não é apenas um jantar de negócios, meu pai? Qual o porquê de tanta gente que aparentemente não tem nada a ver com tais negócios?

- Não se mete “fia”, não se mete nisso.

- Com a mãe adoentada na cama, não fica bem fazer festa. Não é o momento.

- “Despois” que de tudo “resorvido” tu vai saber.

- Não tô entendendo. - disse Isadora, muito aflita.

- Explico “despois”. Chega de prosa.

Os peões organizaram uma mesa com bancos compridos para os convidados e, logo após o entardecer, acenderam o fogo. Os convidados foram chegando aos poucos. Todos muito contentes ao se reunirem para celebrar momentos de boa prosa. Em seguida, aos poucos, o sol se recolheu, seus raios dissolveram-se num tom rubro, banhando as nuvens de um vermelho sangue. Os pássaros retornaram aos ninhos, agitados, temerosos. E Isadora, ao olhar para o horizonte pela janela da cozinha, sentiu um calafrio enquanto aquele pedaço de céu, penetrava em seu olhar um raio de vermelhidão intenso, tornando seu olhar de lua em fase de penumbra, em dupla lua de sangue.                                   

Os visitantes da cidade chegaram um pouco atrasados.

- Este é o Pafúncio, um grande arrozeiro, que mora no centro de Cachoeira. E esse é seu “fio”, Fábio. Um guri "bueno", uma barbaridade! - disse Antônio, apresentando os amigos ao povo da fazenda.

Logo após a apresentação, o senhor, Antônio cochichou alguma coisa no ouvido de Fábio, um rapaz de cabelo aloirado, olhos azuis, rosto comprido, na casa dos trinta anos de idade.

Segundos após o cochicho, o jovem direcionou o olhar à Isadora, que por sua vez estava preparando a mesa.

Estavam presentes os peões da casa, os vizinhos da fazenda Boitatá, seu Feliciano e mais de dez homens frequentadores do seu armazém. Enquanto todos comiam, bebiam e conversavam sobre coisas do cotidiano ou contavam causos, Fábio buscava por uma oportunidade para falar com Isadora, que se encontrava muito ocupada, dividida entre as tarefas de servir e de observar a cada vinte minutos o estado de saúde de sua mãe.

No fim da noite, quando quase todos já tinham ido embora, o pai da Isadora parecia ainda muito aceso e numa crescente prosa com o amigo Pafúncio.

Cansado de esperar por uma boa oportunidade, Fábio aproximou-se da prenda, enquanto ela retirava os últimos pratos da mesa.

- Tu és linda, guria. - disse ele.

- Obrigada! - respondeu a moça sucintamente.

Ele tentou puxar assunto, mas ela foi logo se afastando, dizendo que precisava cuidar da mãe que estava acamada.

O rapaz secou o copo num último gole de trago e sorriu à toa, mirando a luz da lua.
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Nota de rodapé:
Xirus - plural de chiru. O mesmo que chiru.
Chiru - índio, caboclo, moreno carregado, que tem traços de indígena. Acaboclado, indiático. Expressão que também define, amigo, companheiro.
Trago -  denominação para bebida alcoolica.

 
Fontes das Notas
- Dicionário de Regionalismos. De Zeno e Rui Cardoso Nunes p. 116.
- Dicionário informal.
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continua…
 
Fonte:
Texto enviado pela autora

domingo, 27 de agosto de 2023

Paulo Leminski em versos inversos – 001

 

Humberto de Campos (A caçada)

A noticia de que S. M. o rei Alberto ia realizar uma caçada em terras da família Prado, em São Paulo, trouxe à minha lembrança, tão confusa nestes últimos tempos, o fantasma de uma velha saudade.

Estudante, ainda, na Paulicéia, fui eu convidado, um dia, pelo meu colega de turma, o atual conselheiro Antônio Prado, para um recreio venatório em propriedade de sua família, na serra do Cubatão, onde abundavam, ainda, naqueles tempos, o veado, a paca, o porco do mato, e, em especial, as onças, os famosos tigres americanos, que faziam enorme estrago na criação.

Organizada a comitiva, composta de numerosos cavalheiros da melhor sociedade paulista daquela época, partimos para São Bernardo, indo pousar, ao fim de dois dias de viagem, na fazenda do Encantado, pertencente a Exma. D. Veridiana, no ponto mais alto da serrania. No terceiro dia, enfim, partíamos todos para a mata, montando vinte e oito cavalos e conduzindo quarenta e sete cães, distribuídos pelos diversos membros do séquito.

Separados uns dos outros, ia eu beirando um córrego marulhoso que rolava da penedia, quando ouvi, ao longe, entre a reza religiosa da selva, o barulho da matilha, anunciando a caça. Esporeei o cavalo, venci um bosque de ipês, atravessei uma clareira, e cheguei ao local. Em uma furna da montanha, evitando, feroz, a pontaria dos caçadores, estava uma onça, acuada, mostrando os dentes enormes, agudos, afiados, para uma dezena de cães!

- Atire, doutor! - pedi, apeando-me, ao Dr. Antônio Prado.

- É impossível! - observou-me o futuro estadista.

A posição era, realmente, péssima. Defendido por umas raízes entrelaçadas à boca da furna, o felino não só impedia o avanço dos cães, como impossibilitava, em absoluto a pontaria dos caçadores. Vários tiros já haviam sido disparados pelos atiradores mais adestrados, conseguindo eles, apenas, enfurecer o animal, que empregava toda a sua agilidade na defesa.

De repente, ouviu-se um galope no rumo da furna; e, um minuto mais, apeava-se ao nosso lado, risonha, jovem, arrebatadora, a formosíssima Sra. Corrêa Aires, cuja beleza constituía, então, com o seu moreno rosado, seus olhos azuis e os seus finíssimos cabelos castanhos, o maior dos orgulhos de São Paulo.

- Que é? - perguntou, mostrando, num sorriso, os seus lindos dentes de neve, a furiosa amazona batendo com o chicotinho de ouro na sua pequenina bota de montaria.

- Uma onça! - explicamos, todos, a uma voz.

Nesse momento, a onça. que olhava, fixa, para fora. deteve os olhos na moça, como deslumbrada. A linda caçadora tirou do cinto de veludo uma pistola de caça, de cabo de marfim, levou-a à altura dos olhos, e. fazendo pontaria no felino, que a fitava, esquecido de si esmo, disparou. A fera deu um salto de dor, estorcendo-se. A matilha investiu, latindo, penetrando a furna. Um instante depois era a onça arrastada para fora, morta.

Sorridente. Fresca, maravilhosa, a divina caçadora colocou o pezinho sobre o corpo da fera, buscando-lhe a ferida. De repente, descobriu-a:

- Foi no coração! - disse.

E. encarando Antônio Prado, desafiadora:

- Morreu como certos homens...

Nós, em torno, baixamos os olhos.

Fonte:
Humberto de Campos. A Serpente de Bronze. Publicado originalmente em 1925.
Disponível em Domínio Público 

Maria Thereza Cavalheiro (Trovas para Refletir) – 2 -


A dúvida e a suspeita
vão juntas na caminhada...
Uma à outra se sujeita,
e vivem de quase nada!
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Às vezes o riso aflora
para esconder um desgosto.
Há muita gente que chora
sob a máscara do rosto.
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Às vezes, um pensamento
quando vai, torna a voltar:
a indecisão é um tormento
- pássaro preso a voar!
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Atrás de um riso insuspeito,
que, no entanto, esconde o luto,
há quem soluce e no peito
amargue o seu pranto enxuto.
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A tristeza que amofina
o coração de repente
é a saudade peregrina,
batendo dentro da gente.
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Bem pior do que a certeza
é a dúvida que nos mata:
uma só traz a tristeza,
outra os fantasmas desata!
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Dizem que é sempre o dinheiro
que tudo compra; no entanto,
quem quer amor verdadeiro
o paga, às vezes, com pranto.
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É palavra alegre ou triste,
carregada de incerteza,
porque na saudade existe
ainda uma brasa acesa!
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Esconde o pranto depressa
e finge que estás contente,
que aos outros não interessa
saber as mágoas da gente!
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Existe muita tristeza
que ao rosto jamais aflora.
guardada na profundeza
dos olhos de quem não chora.
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Há quem procure o tesouro
do amor num simples clarão,
e acabe como o besouro:
de asas batidas no chão.
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Há sempre o remanescente
do amor que foge. em surdina...
É a voz amarga e plangente
da saudade em cada esquina.
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Não turves a água do poço
- que permaneça intocado!
O velho não se faz moço,
larga de vez o passado!
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O bem e o mal, em verdade,
deixam profundas raízes,
pois até se tem saudade
dos amores infelizes!
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O ciúme que azucrina
a vida inteira de alguém
é uma lâmina assassina
que duas pontas contém.
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Quando a dúvida se instala
dentro de um peito infeliz,
não importa o que ela fala,
já se sabe o que ela diz!
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Quando a saudade campeia
e os olhos se fazem mar,
há milhões de grãos de areia
nas dunas do recordar.
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Quando deixamos o cais,
é na distância que a gente
aprende a compreender mais
os menos do amor ausente...
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Quando o passado se abre
numa flor incandescente,
profundo corte de sabre
volta a sangrar novamente!
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Quem busca um outro lugar
para fugir ao sofrer,
não deixará de lembrar
que é necessário esquecer...
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Quem gosta de fazer graça,
engana às vezes a sorte;
muita gente que fracassa
apenas se faz de forte.
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Quem perde a oportunidade
por medo de ser feliz,
não colhe nem a saudade,
que arrancou pela raiz!
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Se anoitece no teu dia,
pega um facho de luar,
laça uma estrela vadia,
vai outro amor procurar!
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Se o destino um sonho esmaga,
não chores inutilmente,
pois, se à tarde o sol se apaga,
volta a brilhar refulgente!
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Ser forte é fugir à chama
do bem que a gente mais quis
quando alguém que muito se ama
consegue assim ser feliz.

Fonte:
Enviado pela Trovadora.
Maria Thereza Cavalheiro. Trovas para refletir. SP: Edição do Autor, 2009.

George Abrão (Dona Florzinha)

Dona Florzinha era uma senhora franzina de olhos vívidos, extremamente simpática. Usava sempre o cabelo em coque e vestia-se com apuro e elegância.

Morava em um casarão numa das esquinas da Praça dona Izabel, ao lado da igreja.

Todas as tardes dona Florzinha postava-se à janela, pois assim dava um dedo de prosa com cada passante e todos, invariavelmente, paravam para conversar, pois sua conversa era inteligente e sagaz, sempre em tom alegre e carinhoso.

Certa feita, já na boca da noite, uma solteirona que morava um pouco abaixo parou para conversar e dona Florzinha perguntou em tom jocoso:

- Menina, você não tem medo de andar na rua a estas horas? E se um tarado te pega?

A moça, então, no mesmo tom respondeu:

- Dona Florzinha, por favor, me avise se souber onde está o tarado. Eu é que quero correr atrás dele.

E riram-se a bandeiras despregadas.

Assim era dona Florzinha, pessoa inesquecível.

Fonte:
Texto enviado pelo autor.

Fabiane Braga Lima (O vento outonal)

Eu senti o vento do outono, a minha pele pálida e o meu corpo trêmulo ficou intacto. Plantei sementes férteis e as reguei para que, os frutos ficassem mais doces e as raízes, ficassem mais fortes. Deixei o passado para trás e todo caos enterrei. E pela primeira vez me fiz dona de mim, criando um vínculo com a mãe natureza.

As folhas velhas caíram, pois o vento do outono estava forte e no chão lá estava o passado. Olhei o meu rosto no espelho, brilhava, era um presente, o hoje, as sementes férteis, nas quais eu plantei.

Como mulher, me enxerguei. Eu sei, sempre estarei me emoldurando. Mas quanto ao passado, o vento do outono levou. Enterrei meus eus junto aos cacos. E, o grito que me atormentava se silenciou, dando espaço a uma nova mulher…! Liberta!

Fonte:
Texto enviado pela autora

sábado, 26 de agosto de 2023

Vanice Zimerman (Tela de versos) 22

 

Maria Amália Vaz de Carvalho (Duas faces de uma medalha)

Ela tinha já feito vinte e cinco anos, ele contava apenas vinte e dois. Era uma criança triste e ambiciosa. Sonhava com o impossível, e nesse sonho criava forças heroicas para todas as lutas da realidade.

Margarida distinguira-o no meio de todos os homens ricos, elegantes, nobres ou poderosos, que a rodeavam e aclamavam rainha.

Na fronte dele, já cavada por duas linhas profundas, lia o que não lera ainda nos outros — o pensamento e a energia.

Sabia, porém, que seu pai, o banqueiro milionário, só a daria com prazer a quem trouxesse mais lustre ou mais dinheiro à sua casa, e tímida, melancólica, sem disposições para as lutas da vida, repugnava-lhe tudo que fosse combate ou resistência.

Tinha ficado doente desde pequenina, era um organismo nervoso e delicado, cheio de caprichos inconscientes, mais artístico do que reflexivo.

Gostava de música, de flores, de versos, das coisas belas e harmoniosas, tinha um vago desdém silencioso por tudo quanto via ser o enlevo e a preocupação exclusiva dos seus.

O dinheiro! Sempre o dinheiro!

Ninguém falava em torno dela senão em dinheiro, e no entanto ela, que vivia num voluptuoso ninho de princesa de conto de fadas, tinha pelo dinheiro em si o mais soberano desdém.

Salvava-a isto da vulgaridade que mais ou menos contamina as mulheres ricas.

Margarida no inverno vivia em Lisboa. Tinha então a vida fútil e ociosa de todas as rainhas da alta vida.

Ia muito a S. Carlos, recebia numa certa noite da semana, presidia aos jantares dados por seu pai, ia passar muitas noites fora, fazia compras, corria as modistas acompanhada sempre por miss Brown, uma inglesa correta cor de açafrão, que seu pai descobrira felizmente numa das suas viagens a Londres.

No meio desta vida artificial tão vazia e tão fatigante ao mesmo tempo, que lugar havia para que ela pensasse, sentisse, desejasse alguma coisa para fora do círculo estreito que a encerrava?

Margarida deixava-se viver.

Um dia, porém, num baile, apresentaram-lhe Eduardo de C., e depois de meia hora de conversação sentiu por ele o que não sentira ainda por nenhum outro. Ficaram conhecidos.

Ele na sombra, de longe, já se vê; ela lá em cima na plena irradiação da sua graça, da sua formosura, da sua opulência, de todo o seu esplendor.

Cumprimentavam-se com uns toques de familiaridade, e num ou noutro baile destes em que vai toda a gente, a boa e a má, tinham-se apertado a mão mutuamente, e tinham trocado algumas frases afetuosas.

No verão, o pai de Margarida, que tinha propriedades em vários pontos de Portugal, consultava a filha para que lhe indicasse a quinta em que mais gostaria de passar as calmas do estio.

Pouco tempo depois do encontro com Eduardo, Margarida, disse a seu pai, que a consultava como de costume:

— Este ano vamos para o Minho, sim? Sinto-me tão fraca, tão doente! O ar do Minho há de por força fazer-me bem.

É verdade que nas vésperas, num baile, Eduardo dissera-lhe, aproximando-se dela:

— Peço licença para apresentar a v. ex.a. as minhas despedidas. Alcancei uma colocação em Viana do Castelo, e parto para ali um dia destes.

— Viana! – pensou Margarida enquanto dois raios de alegria se acendiam nas suas pupilas de um azul sombrio.

— É em Viana a nossa quinta.

Partiram.

Na província a intimidade estabelece-se forçadamente entre pessoas que não pertencem às mesmas camadas sociais. Para se admitir um sujeito em qualquer sala de província exige-se simplesmente que tenha uma educação limpa, e que possua alguma prenda de sociedade.

Em Viana, na sala do grande banqueiro tão altivo e tão inacessível, reuniam-se não só os fidalgos mais primorosos das cercanias, como também os humildes funcionários do Estado, que por aquelas regiões se achavam acomodados.

Margarida, com o seu porte de soberana, o seu sorriso altivo e distraído, a graça ondeante da sua gentil figura, recebia a todos com a mesma benévola indiferença. Todos a contemplavam fascinados e quase medrosos. Ninguém se atrevia a dirigir-lhe finezas banais: de tal modo o olhar dela sabia tornar-se glacial, logo que adivinhava a pretensão de um namorado na amabilidade um tanto desastrada de algum dos seus convivas provincianos.

— Não há aqui um empregado chamado Eduardo de C.? – perguntava um dia na sala, a elegante filha do banqueiro.

— Há. Um rapaz muito estudioso, muito concentrado, que desenha muito bem. - acudiu espevitadamente dali uma menina que fazia as delícias das soirées de Viana, pela sua voz de falsete sempre pronta a torturar os ouvidos do próximo. – Conhece-o?

— Foi-me apresentado este inverno em Lisboa. - respondeu Margarida.

E acrescentou mentalmente: — Quem me dera que ele aqui aparecesse! Como me distrairia de tudo isto que me cerca.

Isto era uma dúzia de cavalheiros da província acompanhados das suas respectivas esposas ou irmãs, tudo gente preocupada dos interesses mais mesquinhos, das pequenas intrigas mais pueris, falando, gesticulando, dançando, tocando, cantando, murmurando e constituindo a única diversão das noites de Margarida.

Não sabemos de que planejava a gentil lisboeta, sabemos que algumas noites depois desta, Eduardo de C. era apresentado por um fidalgote, aspirante e literato, na sala do banqueiro.

Desde esse dia ele e Margarida formaram em comum uma espécie de refúgio contra a frívola banalidade daquelas noites.

Eduardo desenhava com muito chiste caricaturas e graciosos croquis, que Margarida guardava contentíssima; ela cantava com a sua voz meiga e flexível algumas simples melodias alemãs, ou tocava as músicas dos velhos mestres clássicos, tão queridos de Eduardo.

Falavam a respeito de tudo com a liberdade de pessoas que se entendem e apreciam. Discutiam literatura, música e versos. Às vezes, ambos falavam do futuro.

— Que tem intenção de fazer? – perguntava Margarida.

— Ora! Não sei bem. Com certeza hei de fazer alguma coisa. Ando a criar forças para a luta. Há de ser tenaz, há de ser terrível, bem sei, mas eu hei de vencer!

— Quer que lhe dê um talismã para entrar no fogo?

Ele envolveu-a em um olhar ardente; depois, baixando a vista, respondeu quase com violência:

— Não brinque comigo. Olhe, que me faz muito mal.

Margarida sabia que era amada. Também ela sentia por ele o que nunca sentira, mas não tinha coragem para resistir às ordens de seu pai.

Por esse tempo andava ele a arranjar o casamento da filha com o conde de V., um moço que tinha nas veias o sangue dos reis godos, e na cabeça a mais crassa estupidez de que há memória desde o tempo dos ditos.

Margarida sabia ou suspeitava do caso, mas deixava-se ir numa indolência, á mercê dos acontecimentos da sua vida.

Ao pé de Eduardo sentia-se bem, e quando ele a fixava com o seu belo olhar de ambicioso e de pensador, Margarida esquecia-se de tudo que não fosse a delícia de ser preferida por aquele homem.

Numa noite em que os hóspedes habituais estavam na sala, e em que junto da mesa redonda do serão Eduardo e Margarida liam esquecidos de tudo que os cercava, felizes, despreocupados como os dois amantes do florentino, ouviu-se o rodar de uma carruagem que parava à porta do palácio.

O banqueiro levantou-se rapidamente da banca do voltarete e saiu da sala relanceando para a filha um olhar enviesado.

Margarida, sem saber porque, fez-se pálida como uma morta.

— Ó, meu amigo, — exclamou num ímpeto ardente, irresistível, que não soube conter — chegou o fim da nossa felicidade!

Eduardo olhou para ela desvairado.

— Que diz? Que é isso? A que se refere?

Neste momento entrava na sala o pai de Margarida dando a direita ao último herdeiro de nobres avoengos.

— O sr. conde de V... – pronunciou com o orgulho humilde dos burgueses ambiciosos de honrarias sociais, apresentando o recém-chegado a toda a companhia.

Margarida acolheu-o com um sorriso gelado. Conhecia-o, sabia que o pai queria pôr-lhe sobre a cabeça loura e altiva uma coroa de condessa, e sentiu que dentro da alma lhe estalava uma corda que nunca mais tornaria a vibrar!

Dali a seis meses todos os jornais anunciavam na seção do high-life o casamento da filha do banqueiro opulento com o neto dos heróis medievais.

Os noticiaristas fundavam as mais ardentes esperanças neste consórcio que aliava o sangue nobilíssimo e a fortuna colossal, e contavam com grandes minudências as pompas daquela festa principesca, os presentes riquíssimos que a noiva recebera, a toalete desta, a alegria dos numerosos convidados, etc., etc.

O que ninguém sabia é que esse casamento despedaçara duas vidas!

No fim de dez anos o conde de V... dera cabo do dote da mulher, e da vida do sogro, que morreu amaldiçoando-o.

Continuava, porém, a vida à grandes festas, que tinha começado no dia seguinte ao seu noivado, e já havia quem calculasse muito pela rama por quanto tempo podia durar ainda a desenfreada orgia daquela existência de Marialva estúpido.

Na casa da condessa o luxo não se modificara com as aproximações da pobreza. No olhar dela divisava-se uma profunda e desdenhosa indiferença da vida. Nem o amor maternal conseguira salva-la do desespero.

Ligada a um homem que desprezava do íntimo da alma, entristecida para sempre por uma destas recordações que lavram dia a dia, e que por fim se apossam de uma existência inteira, Margarida procurava esquecer-se de si, aturdir-se no turbilhão das festas mundanas.

Os filhinhos estavam entregues ao cuidado daquela pobre miss Brown que ao ver o abandono dos pobres anjos, inocentes das culpas de seus pais, se dedicara por eles com a abnegação profunda de que só é capaz uma inglesa feia!

Margarida passeava de carruagem, ia ao teatro, ao paço, aos bailes, às festas de beneficência, vendia nos bazares de caridade elegante, fazia e recebia visitas, e de vez em quando, se no meio deste turbilhão avistava o marido, media-o de alto a baixo com um olhar de profundo e inconcebível tédio!

Eduardo durante estes dez anos também sofrera grandes modificações na sua vida. Lutara como um homem, e soubera vencer a mediocridade do seu nascimento e da sua posição.

No instante em que aquela que ele um dia amara como a noiva estremecida da sua alma, sentia vagamente afundar-se no sorvedouro negro da miséria, ele recusara altivamente uma pasta de ministro e uma noiva brasileira, possuidora de duzentos contos fortes, isto depois de uma sessão legislativa, em que a sua palavra viva, nervosa, eloquente, colorida e artística havia deslumbrado o país.

— Não me vendo por dinheiro, nem pelas honras mentirosas com que os tolos lançam poeira à cara uns dos outros - respondera a quem o interrogava, espantado acerca destas duas recusas.

Alguém, que me contou este vulgar episódio da vida moderna, mostrou-me o fragmento de uma carta que Margarida escreveu doze anos depois de casada a uma sócia das suas antigas alegrias.

«É a ti que prefiro escrever. Conheceste-me solteira, feliz, ídolo de um pai, que, ai de mim! se perdeu e me perdeu pela vaidade. Hás de ter dó de mim. Tenho dois filhos e preciso ganhar honestamente o pão que eles hão de comer! Pressinto o teu espanto, as tuas interrogações, os brados aflitivos da tua surpresa! Não me perguntes nada.

«Pergunta-o se quiseres, a essa Lisboa, que assistiu ao louco esfacelar de uma fortuna enorme, com o sorriso banal e adulador que ela tem para todos os perdulários.

«Sabes a educação que recebi. Creio que seria uma mestra capaz de cumprir com a minha árdua missão.

«Em nome dos teus louros pequeninos, tão fartos de gulodices e de beijos, arranja-me algum meio de ganhar um pedaço de pão para os meus filhos.»

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Dava lições!

A brilhante Condessa de V..., a filha adorada de um dos homens mais ricos de Lisboa, a rainha dos salões luxuosos, a estrela mais fulgurante do alto mundo, dava lições para sustentar os dois filhos que lhe restavam, únicos vestígios de um passado de pomposas mentiras.

O infortúnio nobremente suportado transfigurara aquele rosto desdenhoso e soberbo de garrida mundana. Deixara de ser rainha e levantara-se mártir!

Levantava-se de manhã muito cedo, bebia às pressas uma xícara de café, que a sua fiel Miss Brown, companheira dos triunfo e das desventuras lhe preparava por suas próprias mãos, e saia, modestamente vestida de preto, a cumprir a sua improba tarefa. Só voltava para casa de noite.

Divulgara-se rapidamente a notícia daquela excepcional desventura, e muita gente, que vira com desprazer a prodigalidade da caprichosa condessa, compadecia-se agora, sem pensamento reservado, daquela digna e santa expiação.

Margarida tinha muitas discípulas.

Fazia pena vê-la, muito delgada, quase diáfana, com os olhos pisados, as faces coradas pelo cansaço e pela febre, e um sorriso triste resignado, humilde, naqueles lábios que tinham sabido trejeitar com tão altivo desdém.

Era sempre a mesma alma sem energia.

Não esperava coisa nenhuma da terra senão a morte, levando a consciência de ter expiado os erros do seu orgulho. Cumpria uma penitência, não encetava uma luta heroica de que esperasse sair vencedora.

Numa tarde do mês de janeiro, chuvosa, úmida e fria, Margarida subia a muito custo a calçada de S. Bento, em Lisboa, onde morava uma das suas discípulas. A rua, viscosa e lamacenta, inspirava-lhe aquela repugnância patrícia, que a infeliz ainda não soubera vencer. A atmosfera plúmbea e carregada dava-lhe ao coração uma dose de invencível tristeza. Sentia-se predisposta para as recordações cruciantes para as inúteis flutuações de um sonho que se extinguira. Compreendia com angústia que lhe faltava coragem para levar a cabo o doloroso dever que a si própria impusera.

Oh! Ela bem sabia que a sua alma não era da têmpera das que lutam e se sacrificam!...

Nisto uma carruagem elegante descia a calçada ao passo de dois formosos cavalos ingleses. Margarida, vendo a alguns passos o correio agaloado, percebeu que era um ministro e, sem querer, movida por um impulso súbito, levantou os olhos e fitou-os no homem que ia dentro.

O que ela sentiu não se explica. O ministro era Eduardo de C. Os olhos dos dois encontraram-se. Margarida quis saborear a voluptuosa tortura de ver nesses olhos o brilho de um satânico orgulho, de um triunfo sinistro e mau. Não viu!

Eduardo teve tempo de inunda-la em um destes olhares doces, untuosos, cheios de misericórdia, de doçura, de perdão; em um destes olhares que só podem comparar-se ao olhar do Cristo redimindo a Madalena!

Só de longe a tinha visto de vez em quando nas salas do alto mundo: nunca lhe falara então; não quis humilha-la falando-lhe agora!

Ela sentiu que se lhe despedaçara no peito alguma coisa indispensável à vida.
Apertou em torno do corpo friorento e emagrecido as pregas do seu pobre xale preto, abaixou a cabeça instintivamente, como se fizesse pender para a terra um peso estranho, e continuou a subir devagarinho, arrimando-se à parede, aquela eterna calçada, cheia de água e de lama.

Caia uma chuva fria e miúda que lhe encharcava o fato.

Um mês depois, da casa pequenina de Margarida saia um enterro asseado e modesto. Era o enterro dela.

Miss Brown explicava que a pobre senhora voltara uma noite muito constipada das lições, que teimara em sair ainda no dia seguinte, mas que tivera de recolher-se à cama, onde penou pouco menos de um mês.

O enterro de Margarida levava por acompanhamento único uma carruagem sem brasão. Nessa carruagem ia Eduardo de C.

Margarida, antes de morrer, escrevera-lhe uma carta cujas súplicas dolorosas iam apagadas pelas lágrimas.

Os dois órfãos de Margarida estão agora a educar-se em um dos melhores colégios de Lisboa, e todas as despesas da sua educação são pagas por um protetor invisível e misterioso.

Há quem dê a essa Providencia ignota o nome simpático e hoje glorioso e querido de Eduardo de C.

Fonte:
Disponível em Domínio Público.
Maria Amália Vaz de Carvalho. Contos e Phantasias. Publicado originalmente em Porto, 1880.
Convertido para o português atual por J. Feldman

Gerson Luís Borges de Macedo (Acredite se quiser)


Já vai longe o tempo em que uma corrida de cavalos era um divertimento restrito a meia dúzia de espectadores, sendo que dentre eles alguns especiais, os donos dos animais, geralmente os "Coronéis" da época. O local era quase sempre uma raia improvisada em qualquer canto desse nosso país, e os cavalinhos nem de longe lembrariam os puro-sangues que galopam profissionalmente hoje em dia, pelos hipódromos de todo o mundo.

O povo paranaense pode se orgulhar do turfe de nosso Estado, considerado entre os quatro melhores do Brasil, ao lado de São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Possuímos um centro de criação dos melhores e um belíssimo hipódromo    totalmente normatizado, que realiza corridas todos os finais de semana, se constituindo numa ótima opção de dizer ao povo curitibano, além, é claro, o fato de que ninguém resiste à tentação de fazer uma "fézinha" e torcer pelo seu preferido.

As corridas do Hipódromo do Tarumã em Curitiba ganharam o Brasil e uma vez por mês são transmitidas via satélite para todo o país, onde agências de apostas fazem o elo de ligação entre o sonho da fortuna e as patas dos animais, que correm sem saber que movimentam um mundo de emoções, muito trabalho, tristeza e alegrias.

Apesar de toda modernidade e tecnologia que invadiu o turfe, o inacreditável também acontece nas pistas de corridas. A história que vamos relatar aconteceu no Hipódromo de Uvaranas, cidade de Ponta Grossa, hoje infelizmente desativada, há mais ou menos 12 anos atrás. Devo esclarecer que não há registro fotográfico ou vídeo do fato ocorrido. Garanto, porém, a veracidade da história, e testemunhas com certeza aparecerão às dezenas após a publicação destas linhas.

Por mais leigo que seja o leitor em matéria de corridas de cavalos, todos certamente sabem o que é um cavalo e o que é um jóquei, e que em toda corrida cada animal tem o seu respectivo e único condutor. Pois é, em Ponta Grossa aconteceu a exceção. Em um determinado páreo, um cavalo iniciou uma corrida com um jóquei e terminou-a com outro. Sucedeu que no início da reta final houve uma "rodada", que na gíria turfística significa um acidente ou queda, envolvendo dois cavalos e respectivos jóqueis. Um dos jóqueis se estatelou no chão, mas o segundo jóquei foi cair exatamente em cima do cavalo que não o seu, e o mesmo continuou a correr. O assustado ginete na tentativa de evitar mal maior para si próprio, agarrou-se como pôde no também assustado animal e os dois continuaram a correr, sem saber que estavam protagonizando uma cena digna da "Sessão Pastelão" e um fato inédito no mundo do turfe. Para a cena ficar perfeita, só faltou que os dois tivessem ganho a corrida.

Fonte:
300 Histórias do Paraná: coletânea. Curitiba: Artes e Textos, 2004.

Jaqueline Machado (Aruanda entre nós) As múltiplas faces de Iansã


Oyá ou Iansã, é Orixá de fama. Senhora das tempestades. E traz consigo uma espada: ela é a mais brava de todas as guerreiras. E ao mesmo tempo, misteriosa e meiga...  Ela é complexa, ora, é raio, é ventania. Ora é brisa de verão. Gentil poesia... Forte como um búfalo, delicada e paciente feito a borboleta.

Iansã é esposa de Xangô. Eles costumam trabalhar juntos.

Xangô é o senhor da justiça, e ela, rainha do clima. Oyá, é conhecida como a senhora do entardecer.  

Seu nome, segundo a tradição Iorubá, significa: Mãe de nove filhos. E por esses filhos ela tudo faz. Se um deles estiver correndo perigo, ela arma sua tempestade, tira tudo de lugar, faz o impossível para impedir que seu protegido caia nas ciladas da vida.

É livre, empoderada, destemida, ciumenta, sincera e justa. Por vezes, parece fria, mas tem um coração imenso, coração de mãe. Dentro de seu peito, há sempre espaço para quem nela confia.

Em resumo, a personalidade de Iansã é um equilíbrio entre a força bruta da pedra e a delicadeza de uma flor. Um de seus pontos mais cantados em terreiros diz assim: “Ela é mais que temporal, muito mais que ventania, uma força sem igual, um poder que arrepia! A bravura de mil homens, tudo em uma só mulher, e por nós ela guerreia, venha o mal de onde vier."

Iansã é tantas coisas ao mesmo tempo, que é difícil de descrevê-la. Sua energia nos impede de fazer uma análise uniforme, completa. Ela é vento, e vento não se prende. Vento foge, e ao tentar descrever sua apaixonante essência, a escrita sai assim, com adjetivos espalhados em todas as direções, tudo parece exagerado. Isso acontece porque ela é o temporal, e temporal é caos que deixa tudo fora de lugar. E, depois, do nada, traz a bonança, nos enche de carinhos, nos faz lembrar o quanto é bom sonhar... Iansã é assim... a Deusa que morde e sem demora, assopra...

Cântico poético à Iansã 
– composição Jaqueline Machado -

Sou filha de sete ventos,
Sou a filha do puro amor.
Iansã é dona dos meus sentimentos.
E me conduz por onde eu for.
É... Tentaram me enganar,
Tentaram me matar,
Mas a guerreira veio me proteger.
Sou filha do raio e do vento.
Por isso a nada temo.
Nasci para vencer!
Eparrêi bela Oiá,
Eparrêi nobre Iansã,
Debaixo de teu céu rosado,
A guerra se desfaz
Para o amor florescer…


Fonte:
Texto enviado pela autora

sexta-feira, 25 de agosto de 2023

Daniel Maurício (Poética) 57

 

Leandro Bertoldo Silva (O preço da modernidade)

Descobri mais uma função da literatura além de nos salvar de nós mesmos: nos salvar da modernidade! Pelo menos a se tratar de uma aqui, outra ali, ou seja, de todas. Misericórdia! Assim fui eu a mais uma história de ônibus! Já estou a pensar no tamanho dessa coleção. Vamos lá!

Ao me aproximar da rodoviária de Padre Paraíso com destino a Teófilo Otoni, vejo, de longe, uma grande aglomeração. Gestos, falas, algumas mais exaltadas, gritos de absurdo e muita, muita gente sem saber o que fazer. Pela quantidade de pessoas, algo não muito normal para a cidade, ainda mais naquele horário de 15h, tive certeza: tem coisa aí. Não demorou a ver dois viajantes sem direito a embarcar e depois mais um, mais outro e outro mais, inclusive eu, igualmente posto na mesma situação.

— Mas, moço, eu nem tenho passagem ainda!

— Não tem e nem vai ter. — disse para mim o atendente com a maior cara de enfado por quem já repetiu o motivo dezenas de vezes: “Não há sinal de internet e sem internet não é possível emitir o ticket de passagem”.

— Como é que é?

Eu tenho que viajar, não posso perder o ônibus, tem gente me esperando, minha mulher vai me matar… Começou a enumerar o atendente todas as objeções ouvidas e ainda repetidas pelas pessoas em minha volta.

— Mas isso é um absurdo!

— Essa é a campeã. Estão me dizendo isso desde ao meio dia.

— Meio dia? Está sem internet desde meio dia?

— Para o senhor ver como estão os meus ouvidos.

— E dentro do ônibus? Não é possível comprar a passagem dentro do ônibus?

— O senhor tem dinheiro?

— Ora, mas é claro! Como o senhor acha que eu compraria a passagem? Com dinheiro!

— De papel? É, porque dentro do ônibus só com dinheiro de papel, porque no cartão não tem conexão…

Foi quando reparei toda aquela gente esbaforida a lançar impropérios com seus cartões na mão. Como é possível? “Cadê o dinheiro que estava aqui”? Não era assim a brincadeira do toucinho com o gato quando éramos crianças? Seja como for, não mais falei nada e fiquei a admirar toda aquela confusão ao constatar o preço da modernidade. Além do toucinho, onde andaria o kichute a fazer às vezes da chuteira nas peladas no campinho de terra? Os álbuns de fotografias, a latinha de quitute com a chavinha para abrir, o radinho de pilhas recarregadas no congelador, o copo sanfonado de plástico fácil de ser transportado e tantas outras coisas sempre a nos atender muito bem? Cogitei seguir viagem de carro. Mas isso também já não era possível! Eu não tenho carro, e seria preciso pegar um táxi, porém os motoristas só viajam pela manhã.

Sem dinheiro de papel, sem carro, sem nada das minhas lembranças e agora também sem celular, pois, ao pegá-lo para avisar às pessoas, sim, a minha esposa também, o acontecido, a bateria acabou…

Aí não teve jeito. O pensamento veio forte! Fosse no tempo das cartas e as passagens emitidas à mão ou até em maquininhas, mas sem internet, nada disso teria acontecido. E ainda há aqueles a dizerem que o mundo de hoje é muito melhor ao do passado! Ah, quanta saudade dos orelhões e dos telefones de discar…

Fonte:
Árvore das Letras, site do escritor.
https://arvoredasletras.com.br/2023/08/06/o-preco-da-modernidade/

Goulart Gomes (Poemas Avulsos) – 3 -

ANDA LUZ

Adorar alguém
é andar à toa
é viver às tontas
acordar assim
a ver navios
amarguradamente apaixonado

Amar, ainda
é fazer do A
a letra por excelência
a letra da decadência
prima letra, letra A
Aonde anda Anda Luz
a luz que anda?
Anda, ainda
e ilumina
não fingindo ser menina
não querendo ser mulher

Anda, luz
que eu já te alcanço
e deitado no balanço
ao embalar do teu colo
embolo-me em tua balada
e te faço minha deusa
minha musa
minha fada
Anda, luz
luz que anda
clareia, sorri, desanda
acorda... e ama
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ARRÍMICO

Você representou para mim
tanto de bom, tanto de ruim
que nem sei dizer
se sinto falta de você
se saudade é assim

Seu sorriso me acalmava nas horas difíceis
seu olhar despertava coisas impossíveis
e ver seu corpo, simplesmente
fazia-me louco, adolescente
sentindo desejos, amores risíveis

Com você aprendi a não ser poeta
aprendi que a vida é bem indireta
a não ser sincero
ser apenas um mero
cínico, hipócrita, falso profeta

Com você morreu um menino
e seguiu seu destino
um homem, um mar
que aprendeu a acertar
e a acreditar
que o amor não é mais
que uma doce ilusão dos sentidos
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CARTA À SAUDADE

Quero saber
se o que você sente
é o que eu sinto
Quero saber
se é um carinho, se é um querer
uma admiração
um amor... o que?

Não diga que não
não diga que são
coisas à toa
Não brinque com o amor
se você não sentiu a dor
dessa coisa tão boa

Sinto vontade
de sempre lhe ver
ter por perto você
contemplar o seu corpo
olhar em seus olhos
poder lhe entender

Desejo rasgar
a sequência do tempo
e sem contratempo
lhe abraçar com loucura
lhe beijar com ternura
e depois acordar
pra voltar...
nunca mais

Sabe, ser Poeta
é amar o Universo
viver apaixonado
num eterno sonhar
É amar e amar
o que é incomum
utópico, irreal
o que é diferente
sem ser banal

A vida é um jogo
e no jogo da vida
não se tem saída
o jeito é viver

Sabe, saudade
isto são fatos
inobjetivas verdades
que acontecem à toa
sem cumplicidades

Sabe, saudade
é bom lhe sentir
ter você por perto
não ter que mentir
e apesar da distância
ter você
aqui
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O FUTURO QUE NÃO QUEREMOS*
- Tristes lembranças do século 20 -

Quem procurou saber
dos porquês?
Quem procurou ouvir
os o quês?

Como é fácil estar surdo!

Quem levantou uma bandeira verde
ou mesmo branca, amarelecida pela falta de uso
pela Natureza?

Ninguém assumiu seu lado ecologista.
Egoístas!
E ser soldado do Green Peace
era tolice.

E o que você fazia
quando matavam as baleias
quando queimavam as florestas
quando poluíam os rios
e enchiam as nossas terras de lixo atômico
e nossos céus daquela fumaça cinzenta?

Sentávamos às nossas mesas
redondas
e dizíamos
“- Temos que fazer alguma coisa”
E só.

E hoje, à nossa volta, só há a destruição
e no meio de tudo
o que restou do que um dia foi
o Homem
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*5º. Lugar no Concurso de Criatividade PETROBRAS/RPBA/CIPA/DINOR, 1986
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O PEREGRINO

quem sabe por quantos sítios já andei
e quantas pedras já pisei
quem poderá dizer?

quantas chuvas já encharcaram minhas roupas,
quantas lágrimas já lavaram o meu rosto
quantas gotas de suor já percorreram
as linhas do meu corpo,
quem poderá saber?

todos os caminhos
todas as árvores
todos os céus
todos os deuses
podem contar minha estória
mas minhas histórias
só eu saberei contar

e quando me perguntarem
o que há
por lá
por onde andei
simplesmente direi
que não sei
que não vi
pois o que senti
não saberei descrever,
além do que é preciso ver
viver
para crer

andar é preciso
impreciso é correr
ou rastejar
e no nosso caminhar-solidão
é bonito ver
que temos as nuvens e as cercas
como onipresentes companheiras

Fonte:
Goulart Gomes. Conserto para prego e martelo. Poesias Reunidas 1984-1994. Salvador/BA: Pórtico, 2011.

Hans Christian Andersen (Há coisas que o coração não esquece)

Velho era o morgado, e lamacento o fosso que o cercava; e a ponte levadiça raras vezes era baixada, pois nem todas as visitas são gente de distinção. Lá estavam, abaixo das goteiras, os balestreiros, por onde se podia despejar água fervendo, e até chumbo derretido sobre o inimigo, caso se aproximasse demais.

   Lá dentro as salas eram muito altas, o que tinha sua utilidade, porque uma espessa fumaça se erguia da lareira, onde se consumia lentamente os grandes nós de madeira úmida. Das paredes pendiam os retratos de homens revestidos de armadura, e de mulheres soberbas, trajando ricos vestido. Mas a mais bela de todas andava por ali, em carne e osso; era a dona do morgado, e chamava-se Mete Mogens.

   À noite chegaram alguns salteadores; degolaram três dos homens do castelo, e mais o cão de guarda. Feito isso, prenderam a dona da casa no canil, amarrando-a com a corrente do cachorro, e foram pavonear-se pelas salas, tomando o vinho e a cerveja que acharam na adega.

    E enquanto isso a dama, acorrentada no canil, nem se quer podia ladrar!

   Mas nisso aproximou-se cautelosamente o escudeiro de um dos bandidos. Cautelosamente, sim: se fosse descoberto, seria trucidado, E disse à dona da casa.

   - Sra, Mete Mogens, lembra-se a senhora de meu pai? Lembra-se que foi obrigado a montar o cavalo de pau, ainda em vida de seu marido?  A senhora pediu por ele, mas não foi atendida. Queriam que ficasse assim montado, até que as pernas se despegassem do corpo. Foi então que a senhora desceu e foi, devagarinho, como eu fiz agora, e colocou-lhe uma pedra debaixo de cada pé, para que eles tivessem um apoio. Ninguém a viu; e, se alguém viu, fingiu não ver - porque a senhora era jovem dona da casa. Meu pai contou-me essa história, que guardei na memória; não a esqueci, não. E agora vou libertá- la, Sra. Mete Mogens.

   Tiraram os cavalos de estrebaria e saíram, arrostando a chuva e a tempestade, até encontrar amigos que lhes prestaram auxílio.

  - De modo que aquele pequeno serviço que prestei outrora ao velho, veio a ser-me amplamente retribuído - disse Mete Mogens.

   - Sim: há coisas que o coração nunca esquece - disse o rapaz.

  Os salteadores morreram na forca.
   
Há por aquelas bandas outro velho morgado. Não é o mesmo da Mete Mogens: pertence a outra família aristocrática.

    Este caso é dos dias que correm.

   O sol ilumina a flecha dourada da torre. Pousam na água, como ramalhetes, ilhotas cobertas de mato; e em volta delas nadam os cisnes. O jardim está cheio de roseiras floridas. Mas a dona da casa é na verdade a mais delicada pétala de rosa, radiante de alegria, da alegria que vem das boas ações. É um brilho que não esplende pelo mundo afora, mas que fica no mais íntimo do coração; e o que ali esta guardado não ficará esquecido.

  Neste momento ela sai do castelo e dirige-se à choupana de um camponês, no campo. Mora ali uma menina paralítica. A janela do quarto dá para o lado onde não penetra o sol. A menina só pode ver um pedacinho de campo, fechado por alta cerca. Mas hoje é um dia de sol: o quente sol, o sol maravilhoso de Deus Nosso Senhor entrou no quartinho. Entrou pela janela nova, rasgada onde outrora só se via a parede nua.

   A paralítica fica sentada. à luz quente do sol, olhando para o mato e para o lago. O mundo tornou-se tão grande, tão lindo...e tudo veio de uma única palavra da caridosa dona de morgado.

     - A palavra era tão fácil - disse ela, - e a ação tão pequenina...E a alegria que elas me proporcionaram é imensa, e cheia de bençãos.

   É porque ela pratica tantas ações meritórias, e pensa sempre naqueles que vivem nas casas pobres e nas moradas suntuosas - onde também há gente aflita.

   Tudo isso está oculto e guardado, Mas há coisas que o coração nunca esquece.

   Na grande cidade, de tráfego animado, havia uma casa muito velha, cheia de salas e quartos. Não entraremos nela: vamos ficar na cozinha, cheia de luz e calor, e onde tudo está asseado e alegre. As panelas de cobre reluzem. A mesa parece encerada, de tão lustrosa. A pia é tão polida como um espelho. E tudo isso é obra de uma única criada, que ainda achou tempo para se vestir e arranjar como se fosse para a igreja.

   Traz uma laçada na touca, uma laçada preta, que indica luto. Contudo não tem ninguém por quem usar luto: nem, pai, nem mãe, nem parentes, nem bem-amados. É uma mocinha pobre. Dantes teve um noivo. Contraíra casamento com um moço também pobre, e amavam-se muito. Mas um dia ele lhe disse:

  - Nós nada possuímos; e a rica viúva, dona daquela adega, disse-me palavras de amor. Ela me oferece a prosperidade. Contudo, és tu quem vive no meu coração. Que me aconselhas?

    - Que faças o que te parece que te dará a felicidade. Sê bondoso e carinhoso com ela; mas te previno: desde o momento em que nos separarmos, não devemos tornar a ver-nos.

  Passaram-se anos. Um dia ela encontrou na rua o antigo noivo. Pareceu-lhe tão doente, e envelhecido, que ela não pode deixar de lhe perguntar:

  - Como vais?

   - Sou rico, e tudo me vai bem, em todos os sentidos. Minha mulher é boa; mas tu continuas a viver no meu coração. Travei uma grande luta dentro de mim, mas está quase terminada agora. Só nos tornaremos a ver diante de Deus.

   Passou-se mais uma semana. Hoje de manhã ela leu  no jornal a notícia da sua morte. E é por isso que veste luto. Morreu ele, deixando a esposa e três enteados, diz o jornal.

   Essas palavra soam como uma pancada no metal fendido, e contudo, absolutamente puro.

  A laçada preta indica luto; o rosto da moça revela-o ainda mais claramente. Ele está guardando no seu coração, e jamais será esquecido.   

  Há coisas que o coração nunca esquece.

  Ora aí está! Contei três histórias, três folhas em uma só haste.

  Queres ainda mais folhas de trevo? No pequenino livro do coração existem muitas, muitas!

Fonte:
Disponível em domínio público
Contos de Andersen. Publicados originalmente em 1837.

Estante de Livros (A casa sem fim, de Fernando Vugman)

(resenha por Maria Marta Furlanetto*).


“... se você está esperando uma história ágil e repleta de emoções, aconselho a desistir por aqui mesmo.”

É assim que Vugman investe em seu leitor-modelo. Esse autor não se incomoda em contar histórias que não tenham final luminoso – ainda que ele seja o personagem, ou porque ele é o personagem.

Nos vinte contos de A casa sem fim, escritos de 1978 a 2009, há uma longa e desconcertante construção de vida, de lembranças e de morte. A construção e a desconstrução das casas – seu mote – figuram o perpétuo caminhar do andarilho, ora perdido, ora se encontrando, ora indo, ora retornando. Sempre haverá uma casa, familiar e estrangeira ao mesmo tempo, representando seus próprios passos no presente e tudo o mais que ficou para trás sem morrer. O fantasma que perambula solitário, acompanhando o personagem, são os fragmentos do passado sendo olhados pelo prisma do sonho. O personagem caminha sem rumo, perde-se na distância, assusta-se, mas reencontra sempre o vento, as areias macias de uma praia, as alturas de um céu incrivelmente luminoso e azul, e os fantasmas vívidos de almas agora distantes.

Não é de surpreender que os contos de Fernando sejam autobiográficos (há uns mais que outros, na literatura): dissimulando ou não, não há como fugir da linha de um ir e vir, mesmo que contemos a história do “outro”, ou dos objetos, dos símbolos, das lembranças. Aqui, o desdobramento do autor não precisa de rótulo. Ele aí põe a máscara do “eu”, do “ele”, do gavião, do poeta, do que estiver sentindo. E sempre encontra uma casa, sombria ou iluminada, solitária ou plena de vozes e sombras antigas. Há portas surpreendentes, com maçanetas concretas e simbólicas que ele sofregamente agarra, querendo encontrar algo. Pensa mesmo em fazer perguntas aos objetos, pistas para sua leitura do que tinha sido.

Apesar da atmosfera de sonho e de um silêncio triste, Vugman é surpreendente e poeticamente preciso em sua evocação de detalhes na paisagem e no corpo: aqui, “orquídeas bizarras pendiam dos troncos cobertos de musgo e fungos”; ali, o sol traz “um calor manso e luminoso”; acolá, jovens “levam consigo a manhã”. Aqui, “aquele débil serzinho verde gemia e seu gemido flutuava em nosso nada”; ali, “Das nuvens carregadas ecoaram os trovões como tambores de batalha.”; acolá, “elevações que mal tocavam o firmamento árido, aquelas montanhas escuras e escarpadas”.

“Ao mar” lembra um conto de Edgar Allan Poe: “Descida no Maelstrom”, em que um pescador descreve para um visitante os efeitos de uma tempestade sobre um barco apanhado por um redemoinho na distante Escandinávia, sendo ele mesmo participante daquele horror.

No longo passeio dentro de si mesmo, como passageiro e outro, agora visitante, Vugman desfila a solidão das casas, que são seu próprio reflexo: em seu abandono, elas trazem a poeira do tempo, do descaso, mas há algo mais, imponderável: as pistas que os olhos não veem, mas que a alma apanha delicadamente e põe de volta nos antigos lugares – para surpreender com gesto silencioso o sentido das coisas que se agarraram nas entranhas, e continuam lá. O retorno, a cada vez, é tanto mais impressivo quanto persiste a possibilidade de os objetos olharem, de seu abandono, o personagem que retorna, insistindo em sua permanência magoada, que traz familiaridade e susto.

É assim que, como leitores, passeamos por um diário que nos apresenta casas, objetos, portões, quintais, córregos, montanhas e espaços áridos, figuras delicadas quase sem nome que serpenteiam pelas histórias com pés macios e depois somem, na luz do sol ou nas sombras da noite.

Vugman fala da permanência da casa. E exatamente nesse conto (A permanência da casa) o personagem acorda e vê que em torno não há “nada”. Vê-se numa planície iluminada e põe-se a andar, oprimido pela “liberdade de amarras”. Caminha sempre retornando para o mesmo lugar, mas no contínuo jogo de luz e sombra acaba se dando conta de que se transformava, e nem pensava mais em voltar: queria seguir adiante, abrindo trilhas – até sentir-se “incomodado” e descobrir que retornava ao ponto de partida: a casa permanecia lá.

Este passeio pelas fiéis casas de Vugman me leva a um horizonte bem distante no tempo e no espaço: conta-se que o conquistador Gêngis Khan, ao tomar conhecimento das casas de pedra construídas nas cidades pelos chineses (dinastia Jin), ficou muito espantado, desejando saber como eles as carregavam de um lado para o outro. Apesar da mobilidade de suas tendas, também eles, como guerreiros, iam e vinham, e elas acumulavam lembranças da mesma forma.

Ao nos contar sua viagem, Vugman roça a fímbria do indizível – talvez por isso seja conciso –, de modo que nos cabe, como leitores, o esforço de esvaziar a mente para preenchê-la em seguida com cores e sabores, estranhos ou familiares, para usufruir desse acontecimento com as marcas do mais além... FIM – essa tática inútil de cercar o que nos escapa (como diria Vugman).
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* Maria Marta Furlanetto - Professora do Programa de Pós-graduação em Ciências da Linguagem e do curso de Letras da Unisul; Dra. em Linguística Aplicada. Pesquisadora na linha “Texto e discurso”.

Fonte:
http://www.escritoresdosul/a_casa_sem_fim,_de_fernando_vugman.html.
Acesso em 17.10.2011.

quinta-feira, 24 de agosto de 2023

Monsenhor Orivaldo Robles (Nossas origens)

Em todas as edições o vestibular traz à nossa cidade um bando de jovens num colosso de ônibus de várias procedências. Alguns (ônibus, não estudantes) tornaram-se fregueses de nossas ruas e avenidas. A cada vestibular aparecem de novo. Sinto um prazer infantil em admirá-los. Sua elegante beleza é um convite a viajar para lugares desconhecidos. Lembram meu tempo de criança. Eu nem sonhava com outra forma de viajar que não de ônibus. Naquele tempo eles eram diferentes. No interior em que vivíamos, ônibus era uma gaiola comprida na qual se enfiavam quantos infelizes coubessem. Às vezes, até mais do que cabiam. Levados por centenas de quilômetros, o tempo parecia não ter fim. Conforto, nenhum. Espremidos no meio de sacos de mantimentos, de pacotes, quando não de frango ou de leitãozinho peado, os passageiros suavam como tampa de chaleira. Mães com nenê sofriam o que não sonhavam haver de sofrimento. O ambiente recendia a vestiário de futebol em tarde de dezembro. Só a necessidade fazia embarcar em tal carroção motorizado.

Agora, tudo é diferente. A vida mudou para melhor. Essa molecada que se diverte – com tablets, smartphones e mais quantas novas bugigangas eletrônicas o comércio lança, todo mês – não dá conta de calcular a moleza que é viajar nos dias de hoje. Mesmo de ônibus. Os atuais são ultramodernos, espaçosos, dotados de tantos itens de conforto que nem em casa conseguimos colocar. Conforme a ocasião, oferecem viagem mais agradável ou rápida que as modernas aeronaves que cortam os ares.

Alguns ônibus destinados ao vestibular de nossas universidades procedem do interior paulista. De cidades como Birigui, Penápolis, Votorantim… Imagino-os locados por cursinhos da região. De tê-los visto tantas vezes, já os tenho como amigos. Dois em especial me cativam a atenção acima dos demais. Descobri-os no ano passado. Voltaram para o vestibular desta semana. Sem receio de me enganar, garanto que são mais bonitos e mais novos que todos os outros. Nas laterais, em grandes e graciosas letras manuscritas, o nome da empresa, que é também o da cidade: Poloni Turismo. Ninguém faz ideia do que isso quer dizer. Mas para mim é importante. Eles são da minha cidade. Minha e de mais quatro maringaenses. Podem achar tolice, mas não sabem vocês o custo que é explicar meu local de nascimento, toda vez que me pedem a informação. Explico que se trata de uma pequena cidade da Araraquarense (5.500 habitantes), próxima de São José do Rio Preto. Que o nome foi dado pelo fundador, Cândido Poloni, de ascendência italiana, que, em 03 de maio de 1926, fundou uma vila no meio dos cafezais da região. Para os céticos os ônibus estão aí provando que ela existe.

A maior parte da infância, vivi no sítio. Morei só em duas cidades. Bem pequenas, e por pouquíssimo tempo. Ambas levam o nome do seu criador. A outra é Jales, iniciada por um engenheiro de nome Euphly Jales, em 1940. Conheci ambos os fundadores. Que, evidentemente, nem se deram conta de minha insignificante existência. Mais de meio século depois, divulgo as cidades que fundaram. Obscuros povoados, que me ajudaram a ser o adulto que hoje sou.

Alguns renegam sua origem modesta. Mas valor, se temos algum, nós o levamos dentro de nós. E ele começou a ser construído na cidadezinha humilde, que jamais deixa de ser nossa.

Fonte:
Portal do Rigon.
https://angelorigon.com.br/2012/07/14/nossas-origens/

Silviah Carvalho (Poesias avulsas)


ADEUS!

Agora que a noite já se foi e o dia certamente não chegará
Depois de haver depositado tanto sacrifício no altar da liberdade
vejo que, o amor só descansa morto, vivo é um 'ser" em conflito
venho me despedir de tudo isso aqui, entregar meu espírito

Aurora, amiga que, precede o sol, não permita que eu o veja
a luz traz a tona aquilo que divide meu querer, deixa-me aqui
que, o vento espalhe meu sentimento. E minhas lágrimas
sejam misturadas ao orvalho e assim aniquile  este sofrimento

Cada ramo molhado que tocar seus pés lembrara-se de mim
verás eles molhados de minhas lágrimas, enquanto prostrada
lutava e, dava minha vida por ti, não tenho braços que
me acolham ao pé desta montanha, ficarei aqui...

Até que seja dissipada esta luz que insiste em me manter viva
chamando-me de volta, dizendo que vale a pena sair do esconderijo
que este vento leve esta ilusão e, me ofereça um eterno abrigo

Minha voz calou-se, sou uma ave caída num canto qualquer
venho hoje, outra vez, absorver nestes últimos instantes
o cheiro do vento... Perdi a motivação e agora a fé

Não pergunte por mim, não me procures, deixe-me seguir,
Não sei para onde vou, não tenho você, nada mais importa
Quando leres saiba, esta é da sua despedida a minha resposta
Adeus!
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DEVANEIOS… MEUS!

Tecendo palavras, na presunção de meus devaneios
Numa estação onde folhas cobrem o chão, demonstrando
Solidão... Um jardim (?) silencioso, misterioso atraiu
Os olhos meus, no lado esquerdo uma árvore,
Mostrando seus galhos, pois, suas folhas
Caídas dão esperança de um renascer, ou uma nova vida.
No fim uma casa onde habita meus pensamentos...
Escondida, entrelaçadas pelas árvores...
Como é bendita sua harmonia com os rumores meus!
Divagando nesta madrugada, em suas palavras...
Pude ver e sentir o frescor do sorriso teu.
...Mas, é apenas um desejo meu…
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NEVOEIRO

Faz-me saber do teu querer, pois o meu
É estar com você é te cobrir de amor
Minha alma pede que te tenha com zelo que,
Te faça descansar em meus braços primeiro.

... Para só depois trazê-lo de novo ao meu
Corpo e deixar que seja puro; santo ou
Louco, que seja você, assim como és
Sempre querendo mais um pouco

E fazer com que tudo tenha seu cheiro
Para quando você sumir no nevoeiro
Eu te tenha na cama, nos lençóis
No travesseiro. Não morreria eu jamais
De tristeza se um dia pudesse tê-lo

O amor não é exaustivo ou desesperador
O amor traz conforto e não dor
É seguro de tudo que quer e faz
E nos seus braços eu também teria paz
O amor é o descanso de nossas almas
...  Nada mais
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SEU AMOR É TUDO

Antes que seja aprisionada pelo seu sorriso,
E sinta que a vida não fará mais sentido sem você
Antes que tenha certeza que você é tudo que preciso
Antes que eu perca a razão e no amor volte a crer

Antes que sua solidão misture com minha carência
E suas mãos toquem novamente as minhas
Antes que eu seja vencida por minha impaciência
E passe a crer que perto de você eu não esteja sozinha

Eu voarei rumo aos pinheiros, perto da tristeza
Onde as noites são frias, os dias são longos
Eu estarei a meditar na sua simplicidade e pureza

Na paz que emana de você, na sua doçura e nobreza
Eu irei pensar no silêncio da minha incompreensão
Não diga nada, talvez eu não resista à dor de um sincero não

Eu cheguei no tempo que é para ti a alto-reconstrução
Em que preferes a solidão latente no seu meigo olhar
Eu irei antes que, seja dominada pelo desejo de ficar

E quando este papel envelhecer,
Saiba que esta poetisa que hoje te escreve apesar
De nada ser, desejou ter tudo, e este tudo é você.  
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SOU ALGUÉM QUE TE AMA…

Sou alguém que te ama
Que não sabe mais viver sem você
Que te guarda num lugar especial
Na imensidão do amor
Que supre todo meu querer.

Sou alguém que te ama
E sabe que, minha liberdade
Estará em te esquecer
Te esquecer! Como se fosse possível
Eu faria qualquer coisa por você.

Eu sou alguém que te ama
Que sonha com você, com um toque,
Uma palavra de carinho,
Um alimento, um gesto
Que abrandasse este sofrer.

Sou alguém que te ama
Além do suportável
E de sua presença sou insaciável
Alguém que não te vê na vulgaridade
Alguém que te admira na simplicidade.

Eu sou alguém que te ama
E rouba do tempo às horas
Pra ficar assim, em silencio
Deixando que finde o tempo
E te leve da minha memória.

E esqueça eu que não vivi
Um minuto sequer
Desta nossa historia…
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Fonte:
Um coração que ama
https://umcoracaoqueama.blogspot.com/