sexta-feira, 19 de julho de 2024

Silmar Bohrer (Croniquinha) 117

Viagens? Quem não viaja? Quem não gosta de estar nos caminhos? 

Viagens são fontes de conhecimentos, luzes que clareiam ideias, lampejos que põem a faiscar nossas curiosidades. 

Nas viagens descobrimos os brotinhos do vasculhar e desenvolvemos a florescência dos saberes. Tudo em volta incita diligências, e estas nos ajudam a buscar e a querer mais, sempre mais . 

Então a gente concorda com o romancista - viajeiro contumaz - quando dizia ser possuído pelo demônio das viagens. Viajar também é vilegiatura cultural, é abrir bem os olhos para o novo e o desconhecido. Até em Abrolhos. 

Fonte: Texto enviado pelo autor 

Vereda da Poesia = 60 =


Trova Humorística, de Caçapava/SP

ÉLBEA PRISCILA DE SOUZA E SILVA
Piquete/SP, 1942 – 2023, Caçapava/SP

– Esta pimenta é de cheiro?
Pergunta com azedume,
e o garçom fala ligeiro:
– Se não é… boto perfume!
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Poema de Luanda/Angola

JOÃO MELO
(Aníbal João da Silva Melo)

A Lagartixa Frustrada

Um dia
a lagartixa
quis ser dinossauro

Convencida
saltou pra rua
montada em blindados
pra disfarçar a sua insignificância

Tentou mobilizar as formigas
que seguiam
atarefadas
pro trabalho

"Ó pobre e reles lagartixa
condenada
à fria solidão
das paredes enormes e nuas
tu não sabes que os dinossauros
são fósseis
pré-históricos?"
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Aldravia de Pirapetinga/MG

AMÉLIA LUZ
(Amélia Marciolina Raposo da Luz)

Teu
vestido
amarelo
rodopia
compasso,
bolero!
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Soneto de Palmas/TO

PATRÍCIA NEME

Soneto da Saudade

O céu desperta triste, em tom cinzento,
qual lhe fora penoso um novo dia;
aos poucos, verte, em gotas, seu lamento...
Um pranto ensimesmado, de agonia.

Um rouco trovejar, pesado, lento,
parece suplicar por alforria,
num rogo já exangue, sem alento...
A chuva... O cinza... A dor... A nostalgia...

O céu despertou triste... O céu sou eu,
perdida num sonhar que feneceu,
sou prisioneira à espera de mercê.

Sonhando conquistar a liberdade
desta prisão, que existe na saudade...
Saudade, tanta, tanta... De você!
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Trova Premiada em Pouso Alegre/MG, 1996

ARLINDO TADEU VAGEN

No verão ela anuncia
que o nudismo é a sensação
e o que só o marido via,
agora todos verão!
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Poema de Manaus/AM

SILVIAH CARVALHO

O Silêncio da poesia

Quem pode encher as palavras de sustento?
Se no silêncio da alma há tão pouco alimento!
O vazio da resposta inibe as perguntas
Quando nem você é aquilo que vejo ou invento
 
Se posso criar minha paz viveria eu em guerra?
O silêncio desta pergunta ecoará no tempo
E não haverá resposta, pois isso se torna um delito
Já que, há aqueles que, não vivem sem seus conflitos
Onde errei quando decidi acertar?
Quando ao invés de só falar de amor resolvi amar
Saio do sonho, passo a viver a realidade
Entro na vida pra vivê-la em sua totalidade
 
Quem me dirá não tendo Deus dito Sim?
Agora que este vazio encheu-se de mim
Recolho do mundo meu sentimento
Minhas palavras, meu coração...
 
Deixarei minha poesia vagando pelo ar?
Sim, buscando qualquer porto a ancorar
Descomprometida e responsável
A poesia tem em si, um todo razoável.
 
Quem eu gostaria que me amasse
Se não aquele a quem amo?
Minha vida deixou de ser só e vazia
Voltarei para escrevê-la um dia...
 
Vim apenas deixar,
 O meu silêncio nesta poesia…
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Trova Popular

Já não posso ser contente,
tenho a esperança perdida
ando perdido entre a gente
nem morro nem tenho vida.
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Soneto de Bandeirantes/PR

LUCÍLIA ALZIRA TRINDADE DECARLI

Divino mistério

Pura eclosão no encontro de dois seres,
ou de um só ser, chamado hermafrodita.
Sem ser movida por carnais prazeres,
carrega em si leal prenhez, prescrita.

Nas mãos a tens, quiçá sem compreenderes
que um divino mistério nela habita.
Sequer refletes, junto aos afazeres,
quão essencial é o ser que ali dormita…

Mas, lá na roça, alguém sempre a cultua,
vislumbra o embrião, que a espécie perpetua:
- o apaixonado e atento lavrador!

E, na expansão do gérmen, a semente
exalta a vida e aquEle que consente
nesse milagre – prova audaz de AMOR!…
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Trova do Rio de Janeiro/RJ

FAUSTO PARANHOS
(1910 – ????)

Em certos beijos se esconde
um demônio singular
que nos conduz não sei aonde,
donde é difícil recuar. 
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Poema de Belo Horizonte/MG

CLEVANE PESSOA

Chuva de Versos

Quando versos chovem n'alma
trovas lindas nos florescem...
Sua beleza nos acalma,
e sob as águas, mais crescem...

Para a chuva, "n" versos 
 pelas rimas  tão  molhados,
- microcosmos bem diversos
 a criar trovas e fados...

Se a paixão nos incendeia,
 dançam loucas labaredas,...
Vou apagar minha candeia
e chover versos de sedas...
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Haicai de Magé/RJ

BENEDITA SILVA DE AZEVEDO

Noite de inverno -
A tremer sob jornais
O pobre na esquina
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Soneto de Maceió/AL

LÊDO IVO
Maceió/AL, 1924 – 2012, Sevilha/Espanha

Acontecimento do Soneto

À doce sombra dos cancioneiros
em plena juventude encontro abrigo.
Estou farto do tempo, e não consigo
cantar solenemente os derradeiros

versos de minha vida, que os primeiros
foram cantados já, mas sem o antigo
acento de pureza ou de perigo
de eternos cantos, nunca passageiros.

Sôbolos rios que cantando vão
a lírica imortal do degredado
que, estando em Babilônia, quer Sião,

irei, levando uma mulher comigo,
e serei, mergulhado no passado,
cada vez mais moderno e mais antigo.
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Trova de Curitiba/PR

VANDA FAGUNDES QUEIROZ

Se ausência é cena vazia,
guarda, invisível, latente,
a marca de algo que, um dia,
ali já esteve presente
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Glosa de Fortaleza/CE

NEMÉSIO PRATA

Mote... 
Carnaval... tanta folia. 
Sincopados corações... 
Desfile de alegoria... 
Passarela de ilusões!
José Feldman
(Campo Mourão/PR)

Glosa... 
Carnaval... tanta folia. 
Alegria "mascarada"... 
Foliões, com distonia, 
destoam na batucada! 

Carnaval.. quanta apatia. 
Sincopados corações 
batucam, sem alegria 
no peito dos foliões! 

Carnaval... quanta ironia! 
Colombinas e Pierrôs... 
Desfile de alegoria... 
Foliões "borocochôs"! 

Carnaval... que desalento! 
Desfiles sem emoções... 
Foliões em fingimento... 
Passarela de ilusões!
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Trova de Olhão/Portugal

DEODATO PIRES

Neste mundo em convulsão
dia a dia a denegrir
temo com apreensão
o que será o porvir…
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Soneto de Porto/Portugal

PERO DE ANDRADE CAMINHA 
Porto (1520 – 1589) Vila Viçosa

Quando cuido, senhora, quanto escrevo…

Quando cuido, senhora, quanto escrevo…
tudo em vossos formosos olhos leio,
neles, ante quem tudo é escuro e feio,
aprendo e vejo como amar-vos devo.

Vejo que ao vosso amor todo me devo,
mas não vos sei amar, e assi' me enleio
que não sei se vos amo ou se o receio,
e a julgar em mim isto não me atrevo.

Em vós cuido, em vós falo o dia e ora,
mouro por ver-vos, ir-vos ver não ouso,
por não ver quanto mais devo do que amo;

ó sol e ó sombra o vosso nome chamo,
fora destes cuidados não repouso;
se isto é amor, vós o julgai, senhora!
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Trova Premiada  em Magé/RJ, 2008

ANALICE FEITOZA LIMA 
Bom Conselho/PE, 1938 – 2012, São Paulo/SP

Dinheiro, não tenho tanto
para os seus luxos “bancar”.
Mas o pão nosso, garanto,
Deus não vai deixar faltar!
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Poema de Versmod/Alemanha

HANS ULRICH TREICHEL

Progressos na investigação do caos

Esteja à vontade,
trate-me só por eu
ou omita-me de todo.
Afinal ninguém sabe ao certo
onde começa o próximo.
Poderá dispersar-se,
mas permaneça deitado.
Feche os olhos
e não ouça nada.
Quando nada sentir,
tem de sentir o que sente.
Ou será que também é daqueles
que sangram a cada tiro?
O meu conselho é gorduras vegetais
e inteligência animal.
No entanto, tudo com medida
e sempre de cabeça inclinada.
O resto é bastante simples.
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Triverso de Brasília/DF

ANDERSON BRAGA HORTA

O canto são dois rios 
Confluindo nos olhos: 
E o teu olhar desata as minhas fontes.
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Quadrão à Beira Mar, de Salvador/BA

CREUSA MEIRA

Queria por um momento
Falar de contentamento
Esquecer o sofrimento
Neste breve versejar
Sorrir para não chorar
Ao lembrar o triste dia
Que perdi minha alegria
No quadrão à beira mar
“Beira mar, beira mar,
O quadrão só é bonito
Quando é feito a beira mar”
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Trova Humorística de Miguel Couto/RJ

EDMAR JAPIASSÚ MAIA

Pergunta a mestra ao menino,
aluno meio confuso:
– A porca… tem masculino?
– Tem, fessora… o parafuso!
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Hino de Campos dos Goytacazes/RJ

Campos Formosa, intrépida amazona
Do viridente plaino goitacás
Predileta do luar como Verona
Terra feita de luz e madrigais

Ó Paraíba, ó mágica torrente
Soberana dos prados e vergéis
Por onde passas como um rei do oriente
Os teus vassalos vêm beijar-te os pés

Nada iguala os teus dons, os teus primores
Val de delícias, o teu céu azul
Minha terra natal ninho de amores
Urna de encantos, pérola do sul

Campos Formosa, intrépida amazona
Do viridente plaino goitacás
Predileta do luar como Verona
Terra feita de luz e madrigais

Ó Paraíba, ó mágica torrente
Soberana dos prados e vergéis
Por onde passas como um rei do oriente
Os teus vassalos vêm beijar-te os pés

Ó Paraíba, ó mágica torrente
Rio que rolas dentro do meu peito.
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Uma Ode à Beleza e História
O 'Hino de Campos dos Goytacazes - RJ' é uma celebração poética da cidade localizada no estado do Rio de Janeiro. A letra exalta a beleza natural e a riqueza cultural da região, utilizando uma linguagem rica em metáforas e referências históricas. A cidade é descrita como uma 'intrépida amazona', uma figura de força e coragem, que se destaca no 'viridente plaino goitacás', uma referência às planícies verdes habitadas pelos índios Goitacás.

A canção também faz uma homenagem ao rio Paraíba do Sul, descrito como uma 'mágica torrente' e 'soberana dos prados e vergéis'. O rio é personificado como um rei oriental, cujos 'vassalos vêm beijar-te os pés', simbolizando a importância vital do rio para a região e seus habitantes. Essa personificação do rio como uma entidade majestosa e vital reforça a conexão íntima entre a natureza e a vida cotidiana dos moradores de Campos dos Goytacazes.

Além disso, o hino destaca a cidade como um 'val de delícias' e 'urna de encantos', enfatizando a ideia de Campos dos Goytacazes como um lugar de beleza e prazer. A comparação com Verona, cidade italiana famosa por sua beleza e romance, sugere que Campos dos Goytacazes é igualmente encantadora e inspiradora. A repetição de frases e a estrutura lírica reforçam o sentimento de orgulho e amor pela terra natal, criando uma imagem vívida e apaixonada da cidade. (https://www.letras.mus.br/hinos-de-cidades/1823735/significado.html
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Poetrix de Vila Velha/ES

ANDRA VALLADARES

in memoriam

A vida é bordadeira,
com pontos de cruz
orna nosso destino.
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Soneto do Rio de Janeiro/RJ

JORGE DE LIMA
(Jorge Mateus de Lima)
União dos Palmares/AL, 1895 – 1953, Rio de Janeiro/RJ

O Acendedor de Lampiões

 Lá vem o acendedor de lampiões de rua!
Este mesmo que vem, infatigavelmente,
Parodiar o Sol e associar-se à lua
Quando a sobra da noite enegrece o poente.

 Um, dois, três lampiões, acende e continua
Outros mais a acender imperturbavelmente,
À medida que a noite, aos poucos, se acentua
E a palidez da lua apenas se pressente.

 Triste ironia atroz que o senso humano irrita:
Ele, que doira a noite e ilumina a cidade,
Talvez não tenha luz na choupana em que habita.

 Tanta gente também nos outros insinua
Crenças, religiões, amor, felicidade
Como este acendedor de lampiões de rua!
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Trova do Rio de Janeiro/RJ

MAGDALENA LÉA
(Magdalena Léa Barbosa Corrêa)
1913 – 2001

Ah se eu pudesse saber
qual a mulher que ele quer!
Que não iria eu fazer
para ser essa mulher?
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Fábula em Versos da França

JEAN DE LA FONTAINE
Château-Thierry, 1621 – 1695, Paris

A raposa, as moscas e o ouriço

Deixando pelo chão rastros do próprio sangue,
Uma astuta raposa audaz que outrora fora
Enérgica, sutil, leve, jazia agora
Sobre um montão de lama, inanimada e exangue.

Tinha-a ferido em cheio um caçador valente...
E a Mosca, o parasita alado do monturo,
Vinha alegre, num voo enérgico e seguro,
Cevar-se no seu corpo ainda vivo e quente.

E o mísero animal, com as pupilas foscas,
Invetivava triste o seu terrível norte,
Por lhe ter conferido a desgraçada sorte
De, com seu próprio corpo, alimentar as moscas.

«Fazerem-me sofrer assim um tal vexame,
A mim, ao mais sutil vivente das florestas!
Quando é que uma raposa alimentou as festas,
Os banquetes cruéis de esfomeado enxame?!

De que me serve a cauda? Acaso é um fardo antigo,
Inútil? Ah! que o céu te pague, Mosca bruta!
Vai cevar noutro corpo a tua fome astuta,
E deixa só ficar a minha dor comigo.

Nesta mesma ocasião, um ouriço piedoso,
(Personagem estranho e novo nos meus versos)
Quis livrá-la, com dó, dos animais perversos
Que a afligiam assim, e disse-lhe bondoso:

«Raposa amiga, espera um só instante apenas...
Com meus espinhos bons eu mato-as num momento;
Vais ver como te vou tirar o sofrimento,
Como te vou tirar essas horríveis penas.

— Não quero, respondeu, não as enxotes, deixa...
Oh! deixa-as acabar o seu furor nefando...
Quase estão fartas já... viria um outro bando
Que teria mais fome, e eu mais razão de queixa.»

Assim é esta vida e tudo neste mundo,
Desde a negra miséria aos grandes resplendores;
Ministros, cortesãos... são todos comedores,
Todos têm consigo o mesmo mal profundo.

Este apólogo audaz foi aplicado ao homem;
Aristóteles fê-lo e tinha-o como certo;
Exemplos destes há imensos e bem perto...
Quanto mais cheios, mais saciados, menos comem.

(tradução: Alberto Bramão)

Recordando Velhas Canções (Quero que tudo vá pro inferno)


Compositor: Roberto Carlos/ Erasmo Carlos

De que vale o céu azul e o sol sempre a brilhar
Se você não vem e eu estou a lhe esperar
Só tenho você no meu pensamento
E a sua ausência é todo o meu tormento
Quero que você me aqueça nesse inverno
E que tudo mais vá pro inferno

De que vale a minha boa vida de playboy
Se entro no meu carro e a solidão me dói
Onde quer que eu ande tudo é tão triste
Não me interessa o que de mais existe
Quero que você me aqueça nesse inverno
E que tudo mais vá pro inferno

Não suporto mais você longe de mim
Quero até morrer do que viver assim
Só quero que você me aqueça nesse inverno
E que tudo mais vá pro inferno
E que tudo mais vá pro inferno

Não suporto mais você longe de mim
Quero até morrer do que viver assim
Só quero que você me aqueça nesse inverno

E que tudo mais vá pro inferno (6x)
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A Dor do Amor Não Correspondido em 'Quero Que Vá Tudo Pro Inferno'
A música 'Quero Que Vá Tudo Pro Inferno', interpretada pelo icônico Roberto Carlos, é um clássico da música brasileira que expressa a intensidade do amor não correspondido e a dor da solidão. Lançada em 1965, a canção se tornou um dos grandes sucessos do cantor, conhecido como o 'Rei' da música brasileira, e reflete o estilo romântico que marcou sua carreira. A letra fala de um sentimento profundo de falta e desejo, onde o eu lírico expressa sua angústia pela ausência da pessoa amada, a ponto de desejar que tudo mais desapareça ou 'vá pro inferno'.

A expressão 'vá pro inferno' é usada metaforicamente para representar a rejeição de tudo que não seja a presença da pessoa amada. O eu lírico descreve cenários que seriam agradáveis, como o 'céu azul' e o 'sol a brilhar', mas que perdem todo o seu valor diante da solidão. A música também aborda a ideia de que nem mesmo uma vida de luxos e prazeres, simbolizada pela 'boa vida de playboy', é capaz de preencher o vazio deixado pela ausência do ser amado. A solidão é tão dolorosa que o eu lírico menciona preferir a morte a viver sem a pessoa desejada.

A canção é um retrato da época em que foi lançada, onde as melodias românticas e as letras que falavam de amor e desilusão eram muito populares. Roberto Carlos, com sua voz marcante e interpretação emotiva, conseguiu transmitir a profundidade do sentimento de rejeição e a urgência do desejo de estar com a pessoa amada. 'Quero Que Vá Tudo Pro Inferno' é um hino à paixão avassaladora e ao mesmo tempo um desabafo sobre a dor que acompanha o amor quando este não é correspondido.

Tal como Orlando Silva, que foi o primeiro ídolo de massa criado pelo rádio no Brasil, Roberto Carlos seria o primeiro criado pela televisão. A canção que marca o início desse reinado é “Quero que Vá Tudo pro Inferno”.

Foi a partir de seu lançamento no programa “Jovem Guarda”, da TV Record, no final de 1965, seguido do disco homônimo, que Roberto Carlos se tornou o cantor-compositor pop de maior expressão na música brasileira, embora já frequentasse havia mais de três anos as paradas de sucesso. Aliás, o sucesso da canção e do programa foi tão forte que fez de Roberto, em pouquíssimo tempo, líder de audiência em televisão e campeão de vendagem de discos.

Naturalmente, para acontecer em plena década de 1960 um fenômeno desses teria que receber, como recebeu, o apoio maciço de uma poderosa agência de publicidade, no caso a Magaldi, Maia e Prosperi, que seguia padrões americanos. Mas, como o futuro mostraria Roberto Carlos — mesmo depois de deixar de ser novidade — manteria o prestígio, conquistando novos admiradores e conservando os antigos, o que é uma prova de talento e competência.

Poética e musicalmente pobre, alguns pontos abaixo do nível alcançado por canções posteriores (“De que vale o céu azul / e o sol sempre a brilhar / se você não vem / e eu estou a lhe esperar / (...) / quero que você / me aqueça neste inverno / e que tudo mais / vá pro inferno...”), “Quero que Vá Tudo pro Inferno” é emblemático do primeiro estágio das carreiras de Roberto e de seu parceiro Erasmo Carlos, quando os dois representavam os papéis de jovens e rebeldes roqueiros (A Canção no Tempo – Vol. 2 – Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello – Editora 34).

Fontes:

quinta-feira, 18 de julho de 2024

Carolina Ramos (Trovando) “19”

 

Lima Barreto (História de um soldado velho)

Soldado velho deu baixa do Serviço do Exército por não servir mais para o trabalho. O soldo que recebia em recompensa de muitos anos de serviço foi um cruzado. Ora, o que faz ele? Comprou um pato e saiu a revendê-lo. 

Chegando perto de uma casa, sai-lhe uma criada a comprar o pato. Ele disse que o custo era de dois cruzados; ela vai falar à patroa, que manda vir o pato e também mandou pagá-lo. 

O soldado, porém, não saiu mais do portão. Dentro de certo espaço de tempo chega um frade para jantar na casa e pergunta o que estava aí fazendo. O soldado velho que fisgou alguma coisa, disse que estava à “espera” do pagamento de um pato que tinha vendido naquela casa. 

O frade perguntou quanto era; ele disse o custo de dois cruzados. O religioso puxa do bolso da batina o dinheiro e paga. 

Dispõe-se depois a entrar na casa; o soldado acompanha, juntos entram. Chegando na sala o frade, que parecia muito íntimo da casa, puxou, e sentou-se numa cadeira; o militar também faz o mesmo. 

A dona da casa vendo o frade entrar acompanhado com aquele homem desconhecido ficou curiosa, sem saber o que devia fazer e sem coragem de perguntar ao frade que homem era aquele. O eclesiástico não lhe dizia nada e assim vão, até chegar a hora do jantar a que não faltaria o pato de cabidela.

O frade tinha lugar na mesa; o soldado velho também faz o mesmo. A dona da casa estava curiosa, mas aceitava a situação fazendo das tripas coração.

Já estava a terminar o jantar, quando bateram à porta. Era o dono da casa. 

Estava tudo perdido. O que faz a mulher: tranca o frade e o soldado em uma alcova. 

O marido não saiu mais e a mulher cada vez mais ficava amedrontada. 

Chega a noite. O frade não tinha dado até ali uma palavra; o soldado velho também; mas quando foi ali pelas dez horas da noite, o soldado velho, vendo que todos estavam já agasalhados, principiou uma conversação com o frade.

Pediu-lhe este que não falasse ali, mas o militar continuou a falar.

O frade gratificou-lhe com um conto de réis para que ele não mais falasse. 

Recebeu o dinheiro o soldado velho, mas logo de novo começou a dizer que no dia que comia pato não podia ficar calado. Deu-lhe o frade um outro conto de réis ficando sem mais um vintém. 

O soldado velho, pois, continuou a falar. O companheiro, para ver se ele se calava, deu-lhe da batina de sede.

O soldado velho teimava em continuar a dizer que no dia que comia pato não podia estar calado. O frade já lhe pedia pelo amor de Deus que não falasse mais, pois se tal o não fizesse, ficariam desgraçados. O dono da casa certamente acordaria e era capaz de matá-los.

O soldado velho não queria saber de nada, o seu desejo era só de falar. O frade vendo que não tinha mais o que dar despiu-se de toda roupa e entregou-a ao soldado velho para que ele não falasse mais. 

Já sendo meia-noite na cadeia o sentinela solta o brado de alerta, o soldado velho ouviu e produziu um outro formidável brado. 

O frade, com medo, meteu as mãos na porta e saiu nu. 

Soldado velho que ainda não estava vestido com batina acompanhou o frade que pulou uma janela. 

O dono da casa pula atrás do frade e dá-lhe um tiro. 

O soldado velho pula atrás do dono da casa e o prende. 

O homem que era um homem de grande reputação não quis sujeitar-se à prisão, mas o soldado velho não queria saber de nada. Estava preso e bem preso, pois ele era o mandante e tinha que cumprir o serviço, tanto mais que o dono da casa tinha dado um tiro num homem. Não podia de maneira alguma soltá-lo. 

O dono da casa, vendo a resolução do soldado velho, e que tinha de ir mesmo à presença das autoridades, ele que era muito conhecido e respeitado por todos, propôs ao militar, se ele o soltasse, dar-lhe doze contos de réis. 

Soldado velho aceitou, mas com as condições do dono da casa mandar a sua mulher contar e trazer ali, onde estavam. 

O homem chamou a mulher e mandou que contasse doze contos de réis com toda pressa e trouxesse. 

Assim foi feito. Soldado velho, que só vencia um cruzado por mês, saiu da aventura com catorze contos e quatro cruzados e a batina do frade e todos os paramentos do frade.

Quem pagou o pato?

Fonte: Lima Barreto. Marginália.  Publicado originalmente em 1919. Disponível em Domínio Público.