sábado, 7 de setembro de 2024

Recordando Velhas Canções (Olhos nos olhos)


(MPB, 1976)
Compositor: Chico Buarque de Holanda

Quando você me deixou, meu bem
Me disse pra ser feliz e passar bem
Quis morrer de ciúme, quase enlouqueci
Mas depois, como era de costume, obedeci

Quando você me quiser rever
Já vai me encontrar refeita, pode crer
Olhos nos olhos, quero ver o que você faz
Ao sentir que sem você eu passo bem demais

E que venho até remoçando
Me pego cantando
Sem mais nem porquê
E tantas águas rolaram
Quantos homens me amaram
Bem mais e melhor que você

Quando talvez precisar de mim
Cê sabe que a casa é sempre sua, venha sim
Olhos nos olhos, quero ver o que você diz
Quero ver como suporta me ver tão feliz
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A Força da Superação em 'Olhos Nos Olhos'
A música 'Olhos Nos Olhos', composta e interpretada por Chico Buarque, é uma obra que transita entre a dor do abandono e a superação do eu lírico. A canção inicia com a lembrança de um término, onde o narrador é incentivado pela pessoa amada a seguir em frente e ser feliz. A intensidade dos sentimentos é evidente, pois o eu lírico confessa ter quase enlouquecido de ciúme, mas, seguindo o padrão de comportamento, acaba por obedecer ao pedido de seguir em frente.

No decorrer da música, percebe-se uma mudança significativa na postura do eu lírico. Ele se apresenta refeito, destacando que, ao reencontrar a pessoa que o deixou, mostrará o quanto se tornou feliz sem ela. A expressão 'olhos nos olhos' sugere um confronto direto e honesto, onde o eu lírico quer testemunhar a reação do outro ao perceber sua felicidade e independência emocional. A letra ainda revela que o tempo trouxe novas experiências amorosas, sugerindo que outras pessoas o amaram de forma mais intensa e gratificante.

Por fim, a música fecha com uma oferta de generosidade, onde o eu lírico diz que, apesar de tudo, a pessoa que o deixou ainda pode procurá-lo se precisar. Essa atitude demonstra uma força interior e uma superação completa, onde o passado não é mais uma fonte de dor, mas uma lição aprendida. A canção de Chico Buarque, portanto, é um hino à resiliência e à capacidade de se reconstruir após um término amoroso, encontrando alegria e satisfação na própria companhia e nas novas possibilidades que a vida oferece.

Nenhum letrista brasileiro supera Chico Buarque na arte de escrever canções para personagens femininas. Numa entrevista à Rádio JB, em 16.5.90, ele afirmou: “fiz muitas músicas de encomenda para teatro. Nesses casos, mais do que os personagens, eu procuro saber quem é o ator ou a atriz que vai interpretá-las.

Então, em minha cabeça, eu misturo a figura da atriz com a da cantora que gostaria que cantasse aquela música. Daí saíram canções como ‘Folhetim’, que tem a cara da Gal. Mas às vezes a canção nem é para teatro, como ‘Olhos nos Olhos’, que fiz para Bethânia. Quando terminei ‘Olhos nos Olhos’ eu disse: olha, esta música está a cara da Maria Bethânia.”

Realmente uma composição melodramática como “Olhos nos Olhos” (“Quando você me deixou, meu bem / me disse pra ser feliz e passar bem / quis morrer de ciúme, quase enlouqueci...”) teria mesmo que ser cantada por Maria Bethânia, tal como outras (“Sem Açúcar”, “O Meu Amor”, “Gota d’Água”) que Chico deve ter feito pensando nela, pois até versos banais—como “olhos nos olhos, quero ver o que você faz / ao sentir que sem você eu passo bem demais” — ganham especial dramaticidade em sua voz rouca.

Uma curiosidade: a canção não termina na tônica. Na tonalidade de lá maior, por exemplo, como está no livro Chico Buarque — letra e música, a melodia acaba na nota sol, sétimo grau da escala, o que dá uma sensação de que não termina. 
Fontes:
Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello. A Canção no Tempo – Vol. 2. Editora 34.

sexta-feira, 6 de setembro de 2024

Carolina Ramos (Trovando) “24”

 

Aparecido Raimundo de Souza (Sacada de um passo)

 

NO “ÂMAGO” de meu coração, moram muitas e muitas histórias não contadas, menos ainda escritas ou divulgadas. Também é nele que residem, em teto cativo, os sonhos desfeitos e as esperanças renovadoras. Principalmente as renovadoras. Por conta disso, é o “âmago” do meu coração, um lugar sagrado, onde o silêncio fala mais alto que mil palavras. Cada batida amplia a sua linha de ação em socorro às minhas mazelas e necessidades mais prementes. Desta forma, cada pancada ressoa forte com ecos de memórias passadas, contudo, sem jogar longe ou sem tirar da minha beira, o foco da paz tranquilizadora que me sustenta. 

Ao lado, igualmente escondido na minha alma (num lugar que somente eu tenho acesso), as lágrimas arfam de pasmo e quando resolvem brotar, agem em comum acordo num gesto franqueador com o meu estado de espírito. Instauram, para tanto, uma variante de acesso restrita. Com isto, carregam mais sorrisos que tristezas. Cada uma que rola, rosto abaixo, leva na sua partida, como uma força mística, a doce candura de uma lição aprendida. O amor que se esvaiu pelos caminhos onde andei sempre deixam espaços para um novo querer, ou um gostar mais acautelado e maduro, mais cordato e consciente. 

Neste, tomo plena e consciente ciência de que a dor é uma espécie de núcleo embaraçoso e angustiante, quieto e consternado. Agora apenas reflete a paradoxalidade da outra face oculta da alegria, ou seja, aquele rosto que me faz bem. A saudade, mesmo assim, é o preço justo que pago pelas ocasiões que se ostentam inesquecíveis. Aprendi mais, e, hoje sei, cada cicatriz me ajudou a desenhar e construir um mapa limpo e cristalino das sendas que percorri deixando de lado as tentativas de hospedar a atenção das fraturas que me faziam um grande mal. Sobrevivi às intempéries. 

Por conseguinte, cada escolha feita me trouxe até aqui. Cheguei são e salvo, sem os pesadelos dos fantasmas que insistiam em me deixar às raias das desgraças anunciadas. Bem ou mal, todo o quadro lúgubre pelo qual passei, mostrou-me uma nova perspectiva de recomeço. O avesso do meu coração é hoje um mosaico de tudo o que vivi, ou melhor, de tudo o que passei, tipo tal e qual um pedaço de tecido feito de pequenos e insignificantes retalhos que redundaram em uma explosão de experiências construídas e costuradas com as linhas rígidas e fiéis da melhor forma de austeridade e superação. 

Na verdade, me vanglorio, neste momento, de uma progressão que não mais se curva, nem se dobra, que não se descamba, nem se deixa ser levada pelas intempéries mais furiosas e turbulentas.  Portanto, é dentro dele, o “âmago,” ou o “núcleo-essência” do meu coração, que guardo, à sete chaves, os segredos e enigmas, as confidências e os  dogmas mais fâmulos (domésticos e serviçais) ... enfim, as confissões pinceladas a gênio que só a mim pertencem. Embora muitas pessoas ao meu redor vejam apenas a superfície polida que mostro ao mundo, é no reverso dos meus “setenta e um anos,” que bato na tecla que verdadeiramente me conhece de cabo à rabo. 

Sob mesma visão, é onde aceito, de apreço satisfatório, as minhas carências e malogros, as descaídas (erros) e imperfeições, as rupturas e falhas. Ao final de tudo, eu celebro, com a cabeça erguida, o melhor e o mais magnificente da minha humildade. Não só ela. Com a mesma energia, me vejo e me aclamo, me ovaciono por ser inteiro e completo, principalmente quando sinto no corpo transbordando, as marcas indeléveis como patadas de um testrálio (raça de cavalo com corpo esquelético) regozijante –, a glória efêmera de identificar e sopesar os estiolamentos e as frouxidões, as covardias e os desfalecimentos advindos das próprias astenias (debilidades) que, por muitas vezes, tentaram me colocar às rés do chão. 

No profundo intocável do meu “eu”, encontrei a liberdade de ser quem sou. E quem realmente sou? Um sujeito sem máscaras ou disfarces. Aliás, do mesmo modo, me considero intemerato e sacrossanto, vez que renovo as minhas forças, exatamente onde o amor incondicional floresce e a vida ganha novos significados. Em resumo, é no outro lado da moeda que a vida (a minha vida) se revela em toda a sua complexidade estardalhante. E é nela, sem sombra de dúvidas, que descubro a beleza ímpar escondida nas dobras da existência na qual me contempla. 

No recôndito do meu coração, bem lá no fundo, existe um jardim florido, que dá para uma sacada suspensa. E bem alta. Nesse jardim, todos os dias, em flavas (amareladas ou douradas) manhãs e, num passo apenas, “eu sou eu mesmo.” Por inteiro e sem partes faltantes em minha forma mais pura e verdadeira, procuro estorcegar (torcer com força) os meus ridículos. E consigo. Espero, pois, que as minhas palavras explodam em todos os meus amigos leitores e leitoras que me leem. Ao expor esse meu texto, que ele ofereça a “todos e todas” a reflexão clara e perfeita sobre a beleza e a complexidade vinda do mais poderoso infinito: O Deus-Pai-Supremo. 
Fonte: Texto enviado pelo autor 

Vereda da Poesia = 104 =


Trova de Campo Mourão/PR

JOSÉ FELDMAN

Saudade… quanta tristeza
em meu coração cativo!
Resta um pingo da pureza
do nosso amor fugitivo.
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Poema de Maringá/PR

FLORISBELA MARGONAR DURANTE

Caçada

Aventuro-me
e caço palavras
que se escondem rebeldes.
Num vasto cenário
eu as rabisco
e aprisiono em papel.
As emoções vestem
as palavras e desse
encontro de almas gêmeas
nasce o poema.
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Trova de Vitória/ES

MÁRCIA HILDILENE MATHEILO

Fazer trovas sobre férias?
Mas, que ideia mais maluca.
Nas férias quero passear,
brincar, descansar a cuca. 
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Soneto de Caicó/RN

PROFESSOR GARCIA

Viva plenamente

Pelas trilhas tortuosas dos caminhos,
há empecilhos, bravatas e há temores...
Quanto sonho vencido entre os sozinhos,
quanta glória perdida entre os amores!

Nas angústias do mundo há mais espinhos
do que o cheiro da paz que tem nas flores...
Mas sem ódio e sem mágoa, em nossos ninhos,
nosso sonho de amor inibe as dores!

Deixo, em poucas palavras, meus apelos;
- Por que sempre guardar seus pesadelos
se a esperança cochila ao pé da porta?

Pode haver plenitude, em meio aos trapos:
A esperança não morre entre os farrapos
e viver plenamente, é o que me importa! 
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Trova do Rio de Janeiro/RJ

OLAVO BILAC
(Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac)
(1865 – 1918)

Que cada um cumpra a sorte
das mãos de Deus recebida:
– Pois só pode dar a Morte
aquele que dá a Vida!
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Poema do Colorado/ Estados Unidos

TERESINKA PEREIRA

O amor

O amor sempre acredita
na lembrança eterna
embora o vento
tudo leva pelo ar...
 
O amor vira solidão
se é nobre, se é de orgulho
e se não o domina
uma verdadeira paixão.
 
O amor tem esperança,
tem sonhos, mocidades, coragem,
e mais que tudo, o amor
se alimenta de perdões.
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Trova Popular

Vou fazer meu reloginho
da folhinha do poejo;
para contar os minutos
e horas que não te vejo.
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Soneto de São Simão/SP

THALMA TAVARES

Cireneus 

Gloriosa a mulher que a sós carrega 
seu madeiro de luta e sofrimentos. 
Seu calvário é de dor, mas não se entrega 
e raríssimos são seus bons momentos. 

A lhe dar seu valor ninguém se nega 
nem se nega a exaltar-lhe os sentimentos 
aquele que as virtudes não renega 
e sabe quanto pesam-lhe os tormentos. 

Mas não só na mulher esta virtude 
manifesta-se assim, estoica e rude 
- exemplo de firmeza sobranceira: 

na vida, em muitos homens reconheço, 
cireneus que carregam sem tropeço 
a sua cruz e a cruz da companheira!
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Trova Humorística de Santos Dumont/MG

MÁRIO LUIZ RIBEIRO

Às vezes eu me atrapalho,
com um pensamento maroto:
- Por que é que "broto" dá galho,
e este, nem sempre dá broto?! 
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Poema de Lisboa/Portugal

FERNANDO PESSOA
1888 – 1935

Não quero rosas, desde que haja rosas

Não quero rosas, desde que haja rosas.
Quero-as só quando não as possa haver.
Que hei de fazer das coisas
Que qualquer mão pode colher?

Não quero a noite senão quando a aurora
A fez em ouro e azul se diluir.
O que a minha alma ignora
É isso que quero possuir. Para quê?...

Se o soubesse, não faria
Versos para dizer que inda o não sei.
Tenho a alma pobre e fria...
Ah, com que esmola a aquecerei?...
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Trova de São Paulo/SP

DOMITILLA BORGES BELTRAME

A favela à luz da lua
é um presépio em miniatura,
mas ante o sol, triste e nua,
tem, de um calvário, a estatura!
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Soneto de Avaré/SP

SÁ DE FREITAS

O sol, a lua e muita gente

"Fazes pouco de mim, sol!" - diz a lua.-
Escondes-te de mim quando apareço,
Será que nem de ti um olhar mereço,
Eu que há milênios sonho ser só tua?"

 O sol noutro hemisfério, com amargura,
Escuta a sua amada, mas opresso
Responde: "Meu amor, desapareço,
Por ser fadado à triste desventura

De nunca possuir quem tanto almejo,
Que és tu, ó lua, que nem mesmo vejo,
No início de um eclipse ou depois.

Mas te conformes, pois na Terra moram,
Pessoas que se amam e que se adoram,
E têm a mesma sina que nós dois".
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Trova de São Francisco de Itabapoana/RJ

ROBERTO PINHEIRO ACRUCHE

Após, tanto tempo unidos,
vem Você, dizendo adeus!
Tornando agora perdidos
os melhores sonhos meus.
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Poema de Caieiras/SP

ROSA CLEMENT

A Árvore

Era uma casa
muito engraçada
Vinicius de Moraes

Era uma árvore
ameaçada
onde se ouvia
a passarada

Ninguém subia
nos galhos não
porque da árvore
só tinha o chão.

Todos só viam
uma clareira
porque a árvore
virou barreira.

Meu cão que ia
fazer pipi
não encontrou
um tronco ali.

Ela deixava
tão bela a vista,
e foi embora
sem deixar pista

Mas foi plantada
com esperança
na velha estrada
pela criança.
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Trova de São José dos Campos/SP

MIFORI
(Maria Inês Fontes Rico)

Se olhares para o horizonte
sem nenhum olhar vazio,
na fé de que Deus é a fonte,
o amor fluirá qual rio.
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Soneto de Portugal

AFONSO DUARTE
Montemor-o-Velho (1884 – 1958) Coimbra

Saudades do Corgo

Murmúrio de água em Terra da Purinha,
Lembra a voz da montanha o meu amor.
Oh água em quebra voz “sou teu, és minha”!
Rescende em mim a madressilva em flor.

 — Suas palavras dão perfume ao vento,
— Seus Olhos pedem o maior sigilo...
Sóror amando às grades de um convento,
Ó Sóror dum romance de Camilo!

 De longe e ausente ao seu perfil do Norte,
Evoco em sonho as Terras do luar,
— Fragas do Corgo em medievo corte!

 À Lua e ao Sol para a servir e amar,
Quando a ausência vem — quem a suporte!
As saudades são o meu falar.
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Trova Premiada em Madureira/RJ, 1992

ANTONIO JURACI SIQUEIRA 
Belém/PA

Quando o clamor da razão
calar a voz do machado,
hei de chorar de emoção,
sobre o solo devastado...
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Poema de Fortaleza/CE

NEMÉSIO PRATA 

O "Benefício"
 
Simplício em seu natalício
foi procurar por Simplícia;
de quem, com toda malícia,
lhe pediu um "benefício",
por conta do seu ofício!
 
Simplícia vendo o suplício
da sevícia, o "benefício"
ao Simplício, com perícia,
negou-lhe e foi à Polícia,
e deu parte do Simplício!
 
A Polícia, ao tal Simplício,
enviou-lhe uma notícia,
por um guarda da milícia,
para ouvi-lo, por ofício;
sobre o tal do "benefício"!
 
Já prevendo o seu suplício
no presídio, em "benefício",
não pôs os pés na Polícia;
só depois veio a notícia:
Escafedeu-se Simplício!
 
Moral...
Quem procura benefício
em sacrifício de alguém,
acaba no sacrifício
de beneficiar também!
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Trova de Juiz de Fora/MG

DULCÍDIO DE BARROS MOREIRA SOBRINHO

Galopando sem receio
um indomável equino,
vou pela vida em rodeio
no cavalo do destino.
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Cantiga Infantil de Roda

Balaio

Eu queria se balaio, 
balaio eu queria “sê”
Pra ficar dependurado, 
na cintura de “ocê”

Balaio meu bem, balaio sinhá
Balaio do coração
Moça que não tem balaio, sinhá
Bota a costura no chão

Eu mandei fazer balaio, 
pra guardar meu algodão
Balaio saiu pequeno, 
não quero balaio não

Balaio meu bem, balaio sinhá
Balaio do coração
Moça que não tem balaio, sinhá
Bota a costura no chão
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Trova da Rainha Da Trova Brasileira

LILINHA FERNANDES
(Maria das Dores Fernandes Ribeiro da Silva)
Rio de Janeiro/RJ, 1891 – 1981

Amanhece... Vibra a terra!
O sol que em ouro reluz,
sai da garganta da serra
como uma trova de luz.
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Hino de São Jorge do Ivaí/ PR

Letra e música: Hulda Ramos Gabriel

Da Pátria és glória presente
Desta terra varonil!
Em ti a grandeza imponente
Que orgulha o Brasil!

Surgiu, varonil!
São Jorge do Ivaí,
Integrado ao Paraná,
Sul do meu Brasil!

Vencida a bravia terra a sorte,
Ao forte com vitória!
Do vasto Paraná do norte,
Levando o estandarte em glória!
Do vasto Paraná do norte,
Levando o estandarte em glória!
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Trova do Rio de Janeiro/RJ

ZÁLKIND PIATIGORSKY
1935 – 1979

Tanto se canta e enaltece,
do seu mal tanto se diz,
que saudade até parece
um modo de ser feliz.
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Soneto Paulista

FRANCISCA JÚLIA
Eldorado Paulista/SP (1871– 1920) São Paulo/SP

Musa Impassível

Musa! um gesto sequer de dor ou de sincero
Luto jamais te afeie o cândido semblante!
Diante de Jó, conserva o mesmo orgulho; e diante
De um morto, o mesmo olhar e sobrecenho austero.

Em teus olhos não quero a lágrima; não quero
Em tua boca o suave e idílico descante.
Celebra ora um fantasma anguiforme de Dante,
Ora o vulto marcial de um guerreiro de Homero.

Dá-me o hemistíquio d' ouro, a imagem atrativa;
A rima, cujo som, de uma harmonia crebra,
Cante aos ouvidos d' alma; a estrofe limpa e viva;

Versos que lembrem, com seus bárbaros ruídos,
Ora o áspero rumor de um calhau que se quebra,
Ora o surdo rumor de mármores partidos. 
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Trova do Rio de Janeiro/RJ

BASTOS TIGRE
Recife/PE, 1882-1957, Rio de Janeiro/RJ

Saudade, palavra doce
que traduz tanto amargor!
Saudade é como se fosse
espinho cheirando à flor.
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Fábula em Versos da França

JEAN DE LA FONTAINE
Château-Thierry, 1621 – 1695, Paris

A torrente e o rio

Com ruído e com fragor,
Tombava da montanha uma torrente,
Espalhando o terror
Nos corações da campesina gente.
E nenhum caminhante
Se atrevia a passar
Barreira tão gigante.
Eis que um vê uns ladrões, e, sem parar,
Mete de meio a onda sussurrante.
Era bulha e mais nada; pelo custo,
O pobre do homem só tirava o susto.
Ganhando, então, coragem,
E os ladrões continuando a persegui-lo,
Encontra na passagem
Um rio ameno, plácido e tranquilo
Que, como um sonho, caricioso, ondeia
Por entre margens de luzente areia:
Procura atravessá-lo,
Entra... mas o cavalo,
Livrando-o à caça dos ladrões, dirige-o
Da onda escura ao seio negrejante,
E ambos foram dali no mesmo instante
Beber ao lago Estígio.
No inferno tenebroso,
Por outros rios navegando vão.

O homem que não fala é perigoso;
Os outros, esses não.

Contos e Lendas do Paraná (O fantasma do Coronel)

por Josué Corrêa Fernandes (Ponta Grossa)

Chopinzinho, no Sudoeste do Paraná, é uma cidade aprazível, onde gaúchos e catarinenses se misturaram ao elemento nativo, dando origem a uma comunidade trabalhadora e ordeira. Essa localidade já existia desde o século passado, quando ali foi estabelecida a Colônia Militar do Chopim, por ordem de D. Pedro II e com o objetivo de preservar as fronteiras nacionais da cobiça de argentinos e paraguaios.

Documentos e a própria tradição oral comprovam que, no mesmo local onde hoje se desenvolve a cidade foi erigida a sede da Colônia, sob o comando do coronel San Thiago Dantas, ancestrais de brasileiros ilustres, como o Primeiro Ministro parlamentarista do governo Goulart. O Salto Santiago, aliás, onde se construiu a grande hidrelétrica, também foi batizado em homenagem àquele intrépido desbravador.

Foi em Chopinzinho que iniciei, de fato, a minha carreira de juiz de direito. A casa, onde passei a residir, primeiro com minha família, ficava bem próxima ao Fórum, num morro de difícil acesso onde já se erguiam outras residências em meio à mata um tanto densa.

Por esses tempos, falava-se que tal lugar serviu de cemitério aos soldados da Colônia e que,  por isso, desrespeitada a finalidade de campo santo, eram frequentes as aparições de almas penadas, exigindo a desocupação da área... Filho de pai galego, nunca dei crédito a tais estórias, muito embora, no fundo, não esquecesse de velha advertência ibérica: "no creo em brujas, pero que las hay, hay"...

Meses depois que ali aportei, numa madrugada de verão forte, fui acordado pelo chamado insistente da empregada que, pálida e tremendo, dizia haver avistado uma "visagem de soldado" na orla do pequeno bosque dos fundos. Vim até à janela e, auxiliado pela claridade da lua cheia, nada vi, mas a moça insistiu:

- Ele tava parado bem lá, perto do pinheiro; era grande, barbudo e tinha espada. Quando fiz barulho, ele andou no meio das árvores e sumiu!

Peguei, então, uma lanterna e o revólver e me dirigi até o ponto indicado. Iluminei para lá e para cá, nada enxergando. Não muito convicto de me aprofundar na procura, adentrei poucos passos na mata, logo tropeçando em alguma coisa. Focalizei a lanterna, abaixei-me e vi que se tratava de um pedaço de laje com palavras escritas. Juntando vagarosamente as letras e suprindo as que faltavam, consegui ler: 

"... restos mortais do capitão-bacharel Francisco Clementino de San Thiago Dantas, Orae por elle".

Sufocante que estava o calor, de súbito senti-me enregelado e invadido por peculiar calafrio que me cruzou o corpo de norte a sul, ouriçando-me todos os pelos imagináveis. Disciplinado infante do CPOR, procurei não voltar em marcha acelerada, mas normalmente, para o interior da casa, afirmando que nada encontrara. Debaixo das grossas cobertas não consegui acalmar o inusitado frio, mas desarquivei dos fundos do meu inconsciente a oração pelas almas do purgatório, tantas vezes repetida na minha antiga função de coroinha. E ansioso, com os olhos estatelados, aguardei o alvorecer.
Fonte: 300 Histórias do Paraná: coletânea. Curitiba: Artes e Textos, 2004.

Recordando Velhas Canções (Hotel das estrelas)


(1970)

Compositor: Jards Macalé e Duda Machado

Dessa janela sozinha
Olhar a cidade me acalma
Estrela vulgar a vagar
Rio e também posso chorar
E também posso chorar

Mas tenho os olhos tranquilos
De quem sabe seu preço
Essa medalha de prata
Foi presente de uma amiga
Foi presente de uma amiga

Mas isso faz muito tempo
Sobre o pátio abandonado
Mas isso faz muito tempo
Em doze quartos fechados
Mas isso faz muito tempo
Profetas nos corredores
Mas isso faz muito tempo
Mortos embaixo da escada
Mas isso faz muito tempo
Oh ye, mas isso faz muito tempo

Mas isso faz muito tempo
No fundo do peito, esse fruto
Apodrecendo a cada dentada
Oooh
No fundo do peito, esse fruto
Apodrecendo a cada dentada

Mas isso faz muito tempo
Sobre o pátio abandonado
Mas isso faz muito tempo
Em doze quartos fechados
Mas isso faz muito tempo
Profetas nos corredores
Mas isso faz muito tempo
Mortos embaixo da escada
Mas isso faz muito tempo
Oh ye, mas isso faz muito tempo

Dessa janela sozinha
Olhar a cidade me acalma
Estrela vulgar a vagar
Rio e também posso chorar
E também posso chorar

A Solidão e a Contemplação em 'Hotel Das Estrelas' de Jards Macalé
A música 'Hotel Das Estrelas' é uma obra que explora a solidão e a contemplação da vida urbana. A letra começa com a imagem de uma janela solitária, sugerindo um ponto de observação isolado do mundo exterior. A janela, um símbolo de separação e ao mesmo tempo de conexão, permite ao eu lírico observar a cidade e encontrar uma forma de calma nesse ato de contemplação. A solidão aqui não é necessariamente negativa; ela é um espaço de reflexão e de encontro consigo mesmo.

A menção à 'estrela vulgar a vagar' traz uma metáfora rica. As estrelas, geralmente associadas a algo sublime e distante, são aqui descritas como vulgares, talvez para refletir a banalidade e a repetição da vida cotidiana. A estrela que vaga sem rumo pode ser uma representação do próprio eu lírico, que se sente perdido ou sem direção, mas que ainda assim encontra beleza e significado na sua observação do mundo.

Por fim, a linha 'Rio e também posso chorar' sugere uma dualidade emocional. O riso e o choro são expressões de sentimentos profundos e contrastantes, indicando que a contemplação da cidade e da vida pode trazer tanto alegria quanto tristeza. Jards Macalé, conhecido por seu estilo musical que mistura elementos de MPB, rock e experimentalismo, utiliza essa letra curta e poética para capturar a complexidade das emoções humanas e a experiência de viver em uma grande cidade.