sábado, 21 de setembro de 2024

Recordando Velhas Canções (Chão de Estrelas)

(samba, 1937) 

Compositor: Sílvio Caldas e Orestes Barbosa

Minha vida era um palco iluminado
eu vivia vestido de dourado
palhaço das perdidas ilusões
cheio dos guizos falsos da alegria
andei cantando a minha fantasia
entre as palmas febris dos corações

Meu barracão no morro do salgueiro
tinha o cantar alegre de um viveiro
foste a sonoridade que acabou
e hoje, quando do sol, a claridade
forra o meu barracão, sinto saudade
da mulher pomba-rola que voou

Nossas roupas comuns dependuradas
na janela qual bandeiras agitadas
pareciam um estranho festival
festa dos nossos trapos coloridos
a mostrar que nos morros mal vestidos
é sempre feriado nacional

A porta do barraco era sem trinco
mas a lua furando nosso zinco
salpicava de estrelas nosso chão
tu pisavas nos astros distraída
sem saber que a ventura desta vida
É a cabrocha, O luar e o violão.

A melancolia no samba de 'Chão de Estrelas'
A canção 'Chão de Estrelas', interpretada pelo icônico Silvio Caldas, é uma obra que transita entre a melancolia e a celebração da vida simples. A letra da música descreve a vida de um homem que, outrora parte de um espetáculo iluminado e vestido de dourado, vivia uma fantasia de alegria e aplausos. A metáfora do palhaço pode ser interpretada como uma crítica à falsidade das aparências e à efemeridade do sucesso e da felicidade construída sob os holofotes.

O cenário muda para um barracão no morro do Salgueiro, um lugar de vida simples, mas cheio de alegria e vivacidade, como um 'viveiro'. A saudade é um tema central, expressa pela ausência da 'mulher pomba-rola que voou', uma referência à perda de um amor que trouxe vida e sonoridade ao ambiente. A imagem das roupas penduradas, agitadas como bandeiras, evoca uma sensação de festividade e orgulho da identidade cultural dos morros, onde mesmo a pobreza é celebrada como um 'feriado nacional'.

Por fim, a música descreve uma cena poética onde a luz da lua, atravessando o zinco do barraco, cria um 'chão de estrelas'. A mulher amada, ao caminhar desatenta sobre esse chão iluminado, não percebe que a verdadeira felicidade está na simplicidade da vida cotidiana, simbolizada pela 'cabrocha, o luar e o violão'. A música é um retrato da vida nas favelas do Rio de Janeiro, com suas dificuldades e belezas, e um lembrete de que a felicidade muitas vezes reside nas coisas mais simples.

Numa visita ao poeta Guilherme de Almeida, em 1935, Sílvio Caldas mostrou-lhe uma canção inédita, intitulada "Foste a Sonoridade Que Acabou". Terminada a apresentação, a canção recebeu um novo nome: "Chão de Estrelas". Aconteceu a mudança por sugestão de Guilherme, tomado de súbito entusiasmo pelos versos, que eram de Orestes Barbosa.

Sobre o fato, ele escreveria trinta anos depois (em crônica incluída no livro Chão de Estrelas, de Orestes): "Nem de nome eu conhecia o autor. Mas o que então dele pensei e disse, hoje o repito: uma só dessas duas imagens - o varal das roupas coloridas e as estrelas no chão (... ) - é quanto basta para que ainda haja um poeta sobre a terra".

Mas não pãra em Guilherme de Almeida o fascínio despertado por "Chão de Estrelas" entre nossos poetas. Em 1956, numa crônica em louvor a Orestes, Manuel Bandeira terminava assim: "Se se fizesse aqui um concurso (...) para apurar qual o verso mais bonito de nossa língua, talvez eu votasse naquele de Orestes: ‘tu pisavas os astros distraída..."'.

Composto por Sílvio Caldas sobre um poema em decassílabos - que Orestes relutou em consentir que fosse musicado -, "Chão de Estrelas" é a obra-prima da dupla, que produziu um total de quinze canções, a maioria de muito boa qualidade ("Quase Que Eu Disse", "Suburbana", "Torturante Ironia" etc.). Essas composições cantam amores perdidos ou impossíveis, tratados do ponto de vista masculino e quase sempre localizados em cenários urbanos arranha-céus, apartamentos, cinemas... Embora tenha se destacado no seu lançamento em 1937, "Chão de Estrelas" só se tornaria um sucesso nacional na década de 1950, quando Sílvio Caldas a gravou pela segunda vez. 

Fontes: 

sexta-feira, 20 de setembro de 2024

Ademar Macedo (Ramalhete de Trovas) 25

 

A. A. de Assis (Olha o miúdo de porco…)

Fico pensando no como eram ao mesmo tempo simples e ingênuas as coisas naquele velho e bom tempo de pioneirismo

Era o cotidiano refrão do bucheiro desde bem cedinho pilotando sua carrocinha puxada a burro nas ruas da Maringá recém-nascida. Quem num por acaso me fez lembrar disso foi o mestre desenhista e cartunista Kaltoé. Ele era ainda um garotinho, mas diz que se lembra bem.

Fico pensando no como eram ao mesmo tempo simples e ingênuas as coisas naquele velho e bom tempo de pioneirismo. O bucheiro trazia não se sabe de onde sua vendinha ambulante, oferecendo bucho, tripa, fígado. Não só de porco, mas também de bode, carneiro e os de-dentro de galinha, pato, marreco, mais umas comidinhas várias: torresmo, tripa, linguiça, pastéis, bolinhos, biscoitos, cocadas. Ninguém perguntava quais os cuidados de higiene havidos no trato da mercadoria. O bucheiro embrulhava as porções num papel grosso, todo mundo comprava, cozinhava, punha no prato, mandava ver.

Era assim também com o pão e o leite. O padeiro atendia os clientes avulsos no carrinho e deixava o pão nas portas dos que pagavam por mês. O leiteiro trazia o “suco de vaca” numa barrica com uma torneirinha. Os fregueses traziam caneco, panela ou caçarola e levavam o produto para casa em estado natural – cruzinho e gordinho. Hoje algo assim seria inacreditável. No mínimo daria escândalo, com direito a virar notícia de rádio, jornal e tevê.

No entanto, até a primeira metade do século 20, isso era comum na maioria das cidades, principalmente nos lugares novos, como era o caso de Maringá. Ou as pessoas tinham maior dosagem de anticorpos ou os possíveis vírus e bactérias eram menos perversos.

Aqui (Maringá) começou a mudar nos meados de 1960, quando a população deu sinais de que era hora de botar ordem nesse tipo primitivo de comercialização. Afinal Maringá já era uma cidade bem crescidinha; não podia mais aceitar um atraso desses. Campanhas da imprensa, debates nos clubes de serviços, manifestações de médicos, pressão daqui, pressão dali, enfatizando a urgência de alguma medida proibindo a venda de leite cru.

Todavia, como de praxe acontece em toda mudança de costumes, havia também gente que não queria mudar coisa alguma, resultando daí um quiproquó que rendeu inclusive exaltadas discussões na Câmara de Vereadores.  

Produtores e vendedores de leite, no início, ficaram também meio divididos, porém acabaram chegando a um consenso. Reuniram-se, debateram, avaliaram os prós e os contras e por fim reconheceram a real necessidade de entrar na era moderna.

Criou-se a Cooperativa de Laticínios e o produto passou a ser pasteurizado e distribuído nos conformes do que a higiene exige. Primeiro em garrafas de vidro, depois em saquinhos e finalmente em caixinhas, como se faz ainda hoje.  

O bucheiro teve igualmente que aposentar sua carrocinha. Carnes e miúdos na rua, nunca mais. Só nos açougues e sujeitos à indispensável fiscalização oficial. 

(Crônica publicada no Jornal do Povo)

Vereda da Poesia = 114 =


 Trova de
ADAMO PASQUARELLI
São José dos Campos/SP

Eu afirmo e asseguro:
a mulher inteligente
é a que traz o futuro
para dentro do presente.

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Poema de
ÁLVARES DE AZEVEDO
São Paulo/SP, 1832 – 1851, Rio de Janeiro/RJ

Adeus, meus sonhos

Adeus, meus sonhos, eu pranteio e morro!
Não levo da existência uma saudade!
E tanta vida que meu peito enchia
Morreu na minha triste mocidade!

Misérrimo! votei meus pobres dias
À sina doida de um amor sem fruto...
E minh’alma na treva agora dorme
Como um olhar que a morte envolve em luto.

Que me resta, meu Deus?!... morra comigo
A estrela de meus cândidos amores,
Já que não levo no meu peito morto
Um punhado sequer de murchas flores!
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Trova de
IZO GOLDMAN
Porto Alegre/RS, 1932 – 2013, São Paulo/SP

A esperança é uma resposta
com malícia de mulher:
- Sabendo o que a gente gosta,
promete o que a gente quer…
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Soneto de
AMÉLIA TOMÁS
Cantagalo/RJ, 1897 – 1992

Panteísmo

Vem abrir para o sol os teus olhos contentes
Diante da natureza e, em profano ritual,
Alma! às árvores conta a estranha ânsia que sentes
Em cada ondulação de cada vegetal!

Onde um rumor de vento entre as folhas pressentes,
Ouves um coração que te segreda e é tal
A alta repercussão dessas forças latentes,
Que vês na árvore um templo e na folha um missal.

Talvez, há muito tempo, em séculos distantes,
Por capricho de um deus foste árvore; de então
Guardaste a compreensão dos galhos soluçantes...

E de transmigração para transmigração,
No teu sangue ainda flui, em átomos errantes,
A angústia vegetal que há no teu coração ...
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Trova de
SELMA PATTI SPINELLI
São Paulo/SP

Deixa a lágrima rolar..
Deixa teu pranto fluir,,.
Quem nunca sabe chorar,
não é capaz de sorrir!
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Poema de
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
Itabira/MG, 1902 - 1987, Rio de Janeiro/RJ

Órion

A primeira namorada, tão alta
Que o beijo não alcançava,
O pescoço não alcançava,
Nem mesmo a voz a alcançava.
Eram quilômetros de silêncio.
Luzia na janela do sobradão.
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Trova Popular

Tudo o que é triste no mundo
tomara que fosse meu,
para ver se tudo junto
era mais triste do que eu.
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Soneto de
AMÉRICO FALCÃO
Lucena/PB, 1880 – 1942, João Pessoa/PB

Vencido

Há longos anos, num pontal vivia,
firme, na areia, intrépido coqueiro,
alto, esbelto, soberbo... e resistia
todo rigor do rígido pampeiro.

Depois, frágil, sem vida se sentia,
pois, lentamente, o velho mar traiçoeiro
todo o seivoso pé lhe carcomia,
para vê-lo cair como um guerreiro!

E numa tarde lúgubre de agosto
fê-lo tombar exânime, na areia,
envolto na penumbra do sol-posto.

Houve uma cena trágica e sublime.
Chorava, de saudade, a maré cheia...
De certo o mar, se arrependeu do crime.
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Trova de
WALDEMAR DINIS ALVES PEQUENO 
Piraí/RJ, 1892 – 1988, Belo Horizonte/MG

Se o sonho se foi, Maria,
não julgue o mundo medonho:
- depois de um dia, outro dia,
depois de um sonho, outro sonho.
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Poema de
PAULO LEMINSKI
Curitiba/PR, 1944 – 1989

A lua no cinema

A lua foi ao cinema,
passava um filme engraçado,
a história de uma estrela
que não tinha namorado.
Não tinha porque era apenas
uma estrela bem pequena,
dessas que, quando apagam,
ninguém vai dizer, que pena!
Era uma estrela sozinha,
ninguém olhava pra ela,
e toda a luz que tinha
cabia numa janela.
A lua ficou tão triste
com aquela história de amor,
que até hoje a lua insiste:
Amanheça, por favor!
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Trova Humorística de
THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA
São Paulo/SP

Por vê-lo em farras constantes,
com humor, fez a surpresa:
- Querido, se chegar antes,
deixa a luz, de fora, acesa.
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Soneto de 
ANTONIETA BORGES ALVES
Cruzeiro/SP, 1906 – ???, Diadema/SP

Crepuscular

No silêncio da tarde azul de fevereiro,
o horizonte irradia esplendor de cristais!
Até um sabiá que mora no coqueiro
suspendeu, enlevado, os ritmos tropicais...

Tanta calma faz crer que, sob o céu fagueiro,
as almas sem amor já não existem mais,
que a paisagem deslumbra e, pelo mundo inteiro,
todos sabem sentir amenos vesperais!

Mas, enquanto lá fora as nuvens do poente
põem limalhas de céu no espelho da lagoa
e põem no entardecer primícias de arrebol,

tu vais sem perceber o espaço reluzente,
sem prever que não é, não pode ser à-toa
que existe fevereiro e existe a luz do sol!...
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Trova de
GABRIEL BICALHO
Mariana/MG

Sigo altaneiro, no embate,
e, se o flagelo me alcança,
sinto que a vida me bate,
mas, nunca perco a esperança!
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Poema de
SYLVIO VON SÖHSTEN GAMA
Maceió/AL, 1923 – 2013

Abandonei

Abandonei a infância,
ainda cedo,
porque me fiz precoce.
Abandonei a adolescência
na excelência
de seu pleno gozo,
porque ao meu destino quis dar posse.
Abandonei a luta pela vida
quando senti cansaço.
E quanto a esta velhice?
Que é que eu faço?
Se a abandono…
Da vida passo.
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Trova de
ARLINDO TADEU HAGEN
Juiz de Fora/MG

Louco mendigo, em flagelo,
ora é príncipe, ora é rei;
a marquise é seu castelo
e a miséria é sua lei!
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Soneto de
JOSENIR LACERDA
Crato/CE

Anseio

Quem me dera os adereços mais sutis
Para enfeitar meus versejos acanhados
Bastaria, perfumes primaveris
Ou os alcantis de um agreste abandonado.

Quem me dera o farfalhar de antigas sedas
Melodias de cantos gregorianos
O frescor mais ameno das alamedas
Abrigando sons e cores dos ciganos.

Da musa, verto o carinho e os afagos
O cantar inebriante das sereias
O encanto lúdico da arte dos magos

O uivar dos ventos das praias nas areias
Reflexos da lua no espelhar dos lagos
Calmaria logo após as marés cheias.
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Trova Humorística de
ANTONIO CARLOS TEIXEIRA PINTO
Brasília/DF

Diz o velhote à mocinha,
mal disfarçando o cansaço:
“Eu já te guardo todinha,
no fundo do marca-passo!”
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Poema de
JUDAS ISGOROGOTA
(Agnelo Rodrigues de Melo)
Traipu/AL, 1901 – 1979, São Paulo/SP

O herói

"— Papai, o que é um herói?
Eu pergunto porque tenho grande vontade
De ser herói também ...

Será que posso ser herói sem entrar numa guerra?
Será que posso ser herói sem odiar os homens
E sem matar alguém?"

O homem que já sofrera as mais fundas angústias
E as mais feias misérias
Trabalhando a aridez de uma terra infecunda
Para que não faltasse o pão no pequenino lar;

O homem que as mais humildes ilusões perdera
No seu cotidiano e ingrato labutar;
Aquele homem, ao ouvir a pergunta do filho:
— "Papai, o que é um herói?"
Nada soube dizer, nada pôde explicar...

Tomou de uma peneira
E cantando saiu, outra vez, a semear!
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Trova de
A. A. DE ASSIS
Maringá/PR

Ao mesmo tempo em que é doce, 
ah como é triste a saudade... 
– Ela é assim como se fosse 
uma ex-felicidade!
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Soneto de
CRUZ E SOUZA
Florianópolis/SC, 1861-1898, Antônio Carlos/MG

Acrobata da Dor

Gargalha, ri, num riso de tormenta,
Como um palhaço, que desengonçado,
Nervoso, ri, num riso absurdo, inflado
De uma ironia e de uma dor violenta.

Da gargalhada atroz, sanguinolenta,
Agita os guizos, e convulsionado
Salta, gavroche, salta clown, varado
Pelo estertor dessa agonia lenta ...

Pedem-se bis e um bis não se despreza!
Vamos! retesa os músculos, retesa
Nessas macabras piruetas d’aço...

E embora caias sobre o chão, fremente,
Afogado em teu sangue estuoso e quente,
Ri! Coração, tristíssimo palhaço.
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Trova da Princesa dos Trovadores 
CAROLINA RAMOS
Santos/SP

Ele mente e se arrebata
com tal veemência e desplante,
que, se um besouro ele mata,
vira o besouro elefante!
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Hino de Pilar do Sul/SP

Do brilho do esplêndido azul,
Da harmonia do verde horizonte,
Da vida que segue serena e feliz:
E os rios que fluem
Unindo a região,
A cidade ao nosso sertão

Pilar do Sul,
Nascente querida,
Que acolhe a todos nós!
Viver aqui é ser feliz,
Sempre juntos numa só voz:

Pilar do Sul
Nascente das águas,
Aqui é nosso lar!
E na paz de todo amor,
Para sempre vai brilhar

Um povo querido e acolhedor,
Na cidade, no campo, trabalhador.
Ao som do berrante, tropeira tradição,
Essência em meu coração.
Na lua,
Poesia de clara melodia ...
Do leste ao poente o sol maior!
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Trova de 
DINAIR LEITE
Paranavaí/PR

Tem meu avô que não mente,
foi um pescador de escol.
Já lutou contra a corrente,
com tubarão no anzol…

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Poema de
MARLENE BERNARDO CERVIGLIERI
Ribeirão Preto/SP

As marcas na parede

Ainda estão lá, as marcas na parede.
Dizem alguma coisa, bem sei,
É justamente para eu não esquecer!
Estão firmes e posso vê-las,
De qualquer lado, até no espaço!

As marcas na parede...
Representam um lugar no meu coração,
Num passado distante,
Onde foram guardadas
As grandes e eternas ilusões...

Representam a captação de momentos
Preciosos, talvez
Aparentes também,
Não sei.
São marcas na parede.

Volto ao presente e, indolentemente,
Vou guardando o que sobrou das
Marcas ainda permanentes
Dos retratos!
Um a um, amarelados pelo tempo,
Que agora só deixam marcas
No espaço, e nas paredes.
Do tempo que há muito já se foi.
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Trova de 
LAIRTON TROVÃO DE ANDRADE
Pinhalão/PR

Se toda literatura,
fosse obra de certos críticos,
carecia sepultura
pra enterrar versos raquíticos.
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Fábula em Versos de
JEAN DE LA FONTAINE
Château-Thierry/França, 1621 – 1695, Paris/França

O leão e o pastor

Sendo furtado um cordeiro
Por fero, voraz leão,
O bazófio pegureiro,
Cheio de raiva e paixão,
Clama: «ó Jove justiceiro,
Se me entregas o ladrão,
Dou-te o mais gordo cordeiro
Que tenho no meu rebanho!
Ah! Que se entre as mãos te apanho,
Traidor que o meu ódio excitas,
À força de bordoada,
Faço-te o corpo em salada!»
Palavras não eram ditas,
Quando vê dum arvoredo
Sair o bravo leão!...
Eis convulso o fanfarrão,
Ficando a tremer de medo,
Olha d’um e d’outro lado
Para poder descobrir
Algum tronco onde subir;
Mas teme ser apanhado.
Em tão fera colisão,
Exclama: «Ó Jove sagrado,
Eu te ofertei um carneiro
Se o ladrão me descobrisses;
Agora o rebanho inteiro
Te dava se me acudisses!»
O generoso leão
Observando um tal receio,
Teve dele compaixão
E voltou por onde veio.

Lances de aperto e de horror
A pedra de toque são
Onde a fraqueza ou valor
Sinais de si logo dão.
Defronte do contendor,
Redobra o forte a coragem;
E o fraco blasonador
Muda, ao vê-lo, de linguagem.

Dicas de Escrita (O uso de pseudônimos para o escritor)

texto de Marcelo Spalding
A escolha do nome para um escritor parece simples, mas não é. Muitos alunos entram em crise existencial na hora de escolher o nome para sua primeira participação em coletânea. Eu mesmo só adotei de vez o Marcelo Spalding no meu segundo livro (meu nome completo é Marcelo Spalding Perez, e meu pai não ficou muito feliz de eu ter aberto mão do nome Perez).

Mas há casos que são mais complicados do que uma simples escolha de sobrenome: quando a pessoa não quer ser identificada e escolhe usar um pseudônimo.

Eu diria que há dois casos de pseudônimos: o primeiro é quando a pessoa escolhe o pseudônimo por uma questão comercial, como uma marca. Ela acredita que o pseudônimo vai ser melhor do que usar o nome dela pessoal, às vezes até as pessoas ao redor já conhecem ela por esse pseudônimo. Tony Ramos, por exemplo, é o pseudônimo do grande ator chamado Antônio de Carvalho Barbosa. O nome de nascimento da Xuxa é Maria da Graça Meneghel. E por aí vai, são pessoas que adotam esse nome artístico como sendo seu. Caso ela vá criar uma rede social, vai criar com nome artístico, as pessoas do seu convívio social a conhecem com nome artístico, então este caso é um uso de pseudônimo em substituição ao nosso nome original.

Outro caso é quando a pessoa não quer ser identificada pelos leitores, quer usar um pseudônimo para não misturar sua carreira de escritora com sua vida pessoal, profissional ou acadêmica, pois acredita que terá prejuízo em caso de misturá-las. O caso mais famoso é o de Fernando Pessoa, que foi além e criou os heterônimos (personalidades próprias para cada pseudônimo que usava).

Hoje, em tempos de rede social e grande interesse pela figura do autor, por vezes maior do que pela obra, acredito que um autor iniciante só deve usar esta estratégia quando o trabalho que faz ou a vida que ela leva é incompatível com a produção literária que vai produzir. Por exemplo, uma professora de escola infantil que planeja publicar romances de literatura erótica. Ou uma pessoa que trabalha em uma posição vulnerável, como promotor de justiça ou repórter investigativo, e não costuma aparecer em redes sociais por questões de segurança. Mas são situações muito específicas, não é a regra.

Mais comum é que a pessoa opte por preservar sua identidade por medo da reação de colegas, amigos ou familiares a seu tipo de literatura. Sim, a pessoa pode em uma empresa, universidade ou até por questões familiares ou religiosas ficar pouco à vontade de tratar alguns temas que ela trataria na sua literatura, mas não no seu dia a dia. A pessoa pode estar disposta a escrever sobre sua sexualidade, por exemplo, mas não querer discutir esse tema em círculos pessoais, por exemplo. São casos em que criar um pseudônimo paralelo na nossa vida civil nos deixa mais confortáveis.

Não é uma decisão fácil porque não se trata apenas da escolha de um nome, vai afetar, por exemplo, a escolha do nosso perfil nas redes sociais (fundamental para divulgarmos nosso trabalho como escritor). Sempre digo que o ideal é usar o perfil do Instagram que a pessoa já tem, o ideal é usar o nome que a pessoa já é conhecida. Como essa escolha de Marcelo Spalding ou Marcelo Perez eu fiz com 16, 17 anos, estava começando, foi tranquilo escolher usar o Spalding e não usar o Perez. O meu irmão já é conhecido como Perez no banco onde ele trabalha há muitos anos, se de uma hora para outra ele quiser trocar o nome de Perez para Spalding, vai complicar a vida dele.

Então trocar esse nome no meio do caminho é confuso, mesmo que a pessoa não esconda seu rosto, mesmo que a pessoa não tenha algum desses dilemas mais sociais ou políticos envolvidos. Desde adolescente eu tenho gente que me deu aula quando era criança, que me acompanha em rede social, compra meus livros, então a gente traz uma história toda quando a gente começa a produzir literatura, e usar o nome pelo qual se é conhecido desde sempre ajuda muito. Especialmente, claro, quem tem algum nome forte para isso.

Há pessoas que têm nomes um pouco mais comuns. Eu tive uma aluna chamada Paula Fernandes, por exemplo. Quando ela colocava no Google o nome dela, só aparecia a cantora Paula Fernandes. Quem tem nomes que combinados funcionam como um nome específico, um nome sem tanta gente assim conhecida, um nome que no Google ainda consegue aparecer nas primeiras posições, com o qual no Instagram consegue ter um perfil, de preferência a ele.

Cuide apenas que você se sinta à vontade com esse pseudônimo, afinal o que se deseja é que sua carreira prospere e você precise lidar com ele por um longo tempo.

Recordando Velhas Canções (Ela é carioca)


(bossa nova, 1963) 

Compositor: Vinicius de Moraes

Ela é carioca, ela é carioca
Basta o jeitinho dela andar
E ninguém tem carinho assim para dar
Eu vejo na cor dos seus olhos
As noites do Rio ao luar
Vejo a mesma luz, vejo o mesmo céu
vejo o mesmo mar

Ela é meu amor, só me vê a mim
A mim que vivi para encontrar
Na luz do seu olhar, a paz que sonhei

Só sei que eu sou louco por ela
E pra mim ela é linda demais
E além do mais, ela é carioca
ela é carioca
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A Essência do Rio de Janeiro em 'Ela É Carioca'
A música 'Ela É Carioca', composta por Vinicius de Moraes, é uma ode à mulher carioca e, por extensão, à cidade do Rio de Janeiro. A letra exalta a beleza, o charme e a singularidade da mulher nascida na cidade maravilhosa. A forma como ela anda, o carinho que ela oferece e a luz em seus olhos são descritos de maneira poética, refletindo a admiração e o amor do eu lírico por essa figura feminina. A mulher carioca é apresentada como um símbolo de tudo o que há de belo e encantador no Rio de Janeiro.

Vinicius de Moraes, um dos maiores poetas e compositores brasileiros, utiliza a mulher carioca como uma metáfora para a própria cidade. Através dos olhos dela, ele vê as noites do Rio ao luar, o mesmo céu e o mesmo mar. Essa visão romântica e idealizada do Rio de Janeiro é uma característica marcante na obra de Vinicius, que sempre buscou capturar a essência da cidade em suas composições. A música, portanto, não é apenas uma declaração de amor a uma mulher, mas também uma celebração da cultura e da paisagem carioca.

Além disso, a canção destaca a relação íntima e pessoal entre o eu lírico e a mulher carioca. Ele viveu para encontrá-la e encontra paz na luz do seu olhar. Essa conexão profunda e emocional reforça a ideia de que a mulher carioca, e por extensão o Rio de Janeiro, é uma fonte de inspiração e felicidade. A repetição da frase 'Ela é carioca' ao longo da música enfatiza essa identidade única e especial, tornando a canção um verdadeiro hino de amor à cidade e às suas mulheres.