sábado, 28 de setembro de 2024

Dicas de escrita (Diferença entre contos e crônicas)

arte de Albert Anker (Suiça, 1831-1910)
A diferença entre crônica e conto é significativa, refletindo estilos, estruturas e propósitos distintos na literatura. Vamos explorar esses gêneros de forma aprofundada, citando exemplos de diversos autores brasileiros.

     Crônica
A crônica é um gênero textual que se caracteriza pela sua ligação com o cotidiano e pela abordagem de temas do dia a dia. Geralmente, é escrita em um tom leve e informal, permitindo uma conexão imediata com o leitor. As crônicas podem abordar questões sociais, políticas, culturais ou simplesmente relatar um episódio da vida cotidiana.

Características da Crônica:

Estilo Pessoal: A voz do autor é predominante. O leitor muitas vezes sente a presença do cronista, que compartilha suas reflexões e observações.

Brevidade: As crônicas são geralmente curtas, podendo ser lidas rapidamente.

Temática Ampla: Trata de assuntos triviais, mas com profundidade e ironia.

Exemplos de Autores Brasileiros de Crônicas:

Carlos Drummond de Andrade: Em suas crônicas, como "A Máquina do Mundo", explora a solidão e a condição humana com uma sensibilidade única.

Luis Fernando Veríssimo: Conhecido por suas crônicas humorísticas, aborda a vida urbana e as relações sociais. Em "O Analista de Bagé", ele utiliza o humor para criticar comportamentos e costumes.

Mário Prata: Suas crônicas frequentemente refletem sobre a cultura e a sociedade brasileira contemporânea, como em "Pé na Estrada".

     Conto

O conto, por outro lado, é uma narrativa mais estruturada que se concentra em um único evento ou situação, geralmente com um clímax e uma resolução. É um gênero que permite ao autor explorar a imaginação e a criação de mundos fictícios, embora também possa abordar temas reais.

Características do Conto:

Estrutura Focada: Tem um enredo mais elaborado, com início, meio e fim.

Personagens e Conflitos: Os contos costumam apresentar personagens bem definidos e um conflito central que é resolvido ao longo da narrativa.

Densidade Temática: Mesmo sendo breve, o conto pode explorar temas complexos e profundos.

Exemplos de Autores Brasileiros de Contos:

Machado de Assis: Em contos como "A Cartomante", ele utiliza a ironia e o psicológico para explorar relações humanas e dilemas morais, são marcados por uma introspecção profunda e uma busca pela essência da condição humana.

Clarice Lispector: Sua obra "Perto do Coração Selvagem" apresenta contos que refletem a complexidade das relações sociais e psicológicas.

Comparação

Intenção e Abordagem:

A crônica busca refletir sobre o cotidiano e provocar uma identificação imediata no leitor. Por exemplo, as crônicas de Veríssimo muitas vezes têm um tom de crítica social disfarçada de humor.

O conto, enquanto isso, busca contar uma história com um arco narrativo mais evidente, como nos contos de Lispector, que mergulham na psicologia das personagens.

Formato e Estrutura:

Crônicas são mais soltas e podem não seguir uma estrutura rigorosa. Drummond, por exemplo, muitas vezes mistura poesia e prosa em suas crônicas.

Contos são mais estruturados, com um enredo claro. Em "A Cartomante", Machado de Assis apresenta uma trama que se desenrola até um clímax inesperado.

Tonalidade:

A crônica é frequentemente leve, mesmo ao tratar de temas sérios. Já o conto pode ter um tom mais sombrio ou dramático, como em "O Coração Delator", de Poe, que, embora não seja brasileiro, influenciou muitos contistas brasileiros.

Conclusão

Tanto a crônica quanto o conto têm seu espaço e importância na literatura brasileira. Enquanto a crônica capta a essência do cotidiano com leveza e humor, o conto mergulha em narrativas mais complexas e estruturadas, explorando a profundidade da experiência humana. Autores como Drummond, Veríssimo, Machado de Assis e Clarice Lispector exemplificam a riqueza desses gêneros, cada um contribuindo de maneira única para a literatura nacional.

José Feldman. Dissecando a magia dos textos: Contos e Crônicas. Maringá/PR: IA Open  Biblioteca Voo da Gralha Azul. 2024.

Recordando Velhas Canções (Apanhando papel)


(samba, 1931) 

Compositor: Getúlio Marinho e Ubiratan Silva

Nem queira saber
Como a vida do homem é cruel
Se ele é fraco de ideia
Acaba apanhando papel

Mas eu tenho fé 
no meu orixá
Que não há de deixar
A esse ponto chegar

Nem queira saber, nem queira saber
Como a vida do homem é cruel
Se ele é fraco de ideia
Acaba apanhando papel

Mas eu tenho fé 
no meu orixá
Que não há de deixar
A esse ponto chegar

Feliz de quem 
não se passa pra carinho
Não tem o dissabor
De andar pela rua 
falando sozinho

Meu santo é forte é do bom
E com ele é assim
Não dar a ousadia
De terem lazer
Ou zombarem de mim

Nem queira saber, nem queira saber
Como a vida do homem é cruel
Se ele é fraco de ideia
Acaba apanhando papel

Por isso é que fiz 
a Deus uma oração
Pra não ter por mulher
Aquilo que se diz amor ou paixão

Desejo gostar
E quero elas todas louvar
Sem meu sacrifício
Pra meu benefício
Uma vida gozar

Nem queira saber, nem queira saber
Como a vida do homem é cruel
Se ele é fraco de ideia
Acaba apanhando papel

sexta-feira, 27 de setembro de 2024

José Feldman (Versejando) 150

 

Renato Frata (Noite sonhada)

À noite, às vezes, acordo pela metade e, só com um olho aberto, vagueio pensamentos, enquanto o outro, fechado, sonha de verdade. No maior silêncio, vejo coisas na penumbra ou imagino-as enquanto lhes dou forma. Deixo-as circulares, hexagonais, poligonais, multifoliadas, espicho-as para encolhê-las depois. São sombras que a noite põe dentro do quarto e que se mexem nas paredes conforme o vento bole nas plantas, lá fora. Desenham coisas belas e outras nem tanto, mas só o fato de desenharem para apagarem em seguida, voltando a fazê-lo no seguinte instante, já me basta.

Divirto-me. Nelas e com elas passo um tempo vivendo a madrugada desprezando vozes da noite que uivam ou tossem nos passos de passantes; a isso não há incômodo quando vêm da rua, e prezo ficar no quarto em meio a girassóis e roseiras que abrigam gnomos, seres especiais na visão da insónia.

Não saberia dizer de que cores são esses grotescos senhores porque o escuro, embora tenha nuanças aqui e ali, é no todo monocromático, mas digo que, se fossem verdes, azuis e amarelos, em nada mudariam o momento porque este é só meu, com direito de lhe dar a cor que imaginar.

Possuem tachos bojudos sobre pequenas fogueiras onde fazem doces. Muitos. De frutas coletadas na floresta. Ou seria num pomar? Não sei. Ou num jardim? Apenas que saem dali os melhores e mais saborosos doces de tudo quanto é variedade, e não os fazem sozinhos como alguém poderia pensar, recebem ajuda das fadas que dividem com eles o espaço dos girassóis e roseiras, entremeados por teias como casas.

Sim, posso dizer que vivem juntos e as fadas se vestem com roupa esvoaçante quase transparente, com aventais bordados à mão presos às cinturas e cabelos amarrados em coque. São lindas. E trabalham tanto, e produzem tanto que do louco sabor desses doces descobri um segredo - sei que segredo não se conta, mas esse merece ser espalhado como cocada antes de ser cortada, porque é de um doce especial: ao invés de os adoçarem com açúcar como todos os doces que se conhece, recebem o doce gostoso do arco-íris; e por essa ninguém esperava, mas é verdade. 

O arco-íris tem gosto de um bom sonho, não desses de padaria, mas de um sonho bem sonhado quando nele se realiza e se constrói a maior felicidade, mesmo que seja com um só olho aberto em plena madrugada, a brincar com sombras. E a voltar à cama antiga de colchão farfalhento, de palha, com os espíritos da noite vadiando sonhos que nos faziam crescer. Até que o sol, dando vozes de alegria aos pássaros, botava um farolete aceso na fresta com o intuito de nos acordar.

Sonhar acordado o ontem é viver duas vezes a mesma felicidade.

Fonte: Renato Benvindo Frata. Fragmentos. SP: Scortecci, 2022. Enviado pelo autor

Vereda da Poesia = 120 =


Trova de
PADRE NEWTON PIMENTA
Juiz de Fora/MG

Sol das almas: tarde linda;
trás os montes, o sol desce...
mais um dia que se finda
na ternura de uma prece!
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Poema de
ANTERO JERÓNIMO
Lisboa/Portugal

Saber da água a sede 
Saber do pensamento a fonte
Saber do amor a dor
Saber da beleza a forma
Saber do sentir a razão 
Saber de ti a emoção 
Saber do abraço o alento
Saber da vida o propósito.
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Trova Humorística de
IZO GOLDMAN
Porto Alegre/RS, 1932 – 2013, São Paulo/SP

“Cara-metade”, em verdade,
é uma expressão... trapaceira...
- a gente quer a metade
mas tem que “engolir”... inteira…
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Soneto de
FRANCISCO NEVES MACEDO
Natal/RN, 1948 – 2012

Desistir, Jamais!

Escalava a montanha novamente…
E, alpinista de amor enlouquecido,
chegaria a um lugar desconhecido,
jamais imaginado pela mente.

Eu sentia o infinito a um batente,
e, jamais eu teria desistido!
Mas, por forças humanas, impedido…
- E a chegada tão perto, um pouco à frente.

Um grande sonhador, não fica triste,
de alcançar o ideal, jamais desiste,
quer sempre ir mais à frente, e, se cansado…

Ele tenta vencer o seu limite,
buscando o inalcançável, ele admite,
que se jamais chegar… Terá tentado!
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Trova de
PADRE HENRIQUE PERBECHE
Ponta Grossa/PR (1918 – 2011)

Trovas? Umas são quais flores
a bailar pelas campinas;
Outras, rubis multicores,
forjadas no ardor das minas.
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Poema de 
MINERVA MARGARITA VILLARREAL
Montemorelos/México, 1957 – 2019, Monterrey/México

Não Tenho Com Quem Falar

O silêncio pesa, estala
O silêncio pensa
Então falarei contigo
Tu   que és o ser mais remoto
meu doce vazio
vem   apresenta-te
mesmo que não te veja
assim a forma seja negada para ti
para meus olhos de ti
minha percepção te anuncia
como um rio
que cresce de madrugada
e se desborda
A água escorre por debaixo da cama
a água leva rostos
e correntes
lírios e cédulas
e vestidos de noiva
depois tudo é sangue
Um rio com seu ninho de lobos
e nuvens de tormenta
ramos crepitando
cervos
e esta árvore
esta árvore que também és tu
muito além da noite
Há um vulto de pé
junto de minha cama
que emerge
das águas do ar.
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Trova Popular

A árvore do amor se planta
no centro do coração;
só a pode derrubar
o golpe da ingratidão.
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Soneto de
GERSON CÉSAR SOUZA
São Leopoldo/RS

Extremos

Somos assim, estranhamente extremos,
gostos opostos, sonhos discrepantes,
somos canção de acordes dissonantes,
há divergência em tudo o que queremos…

Só defendemos pontos concordantes
até entender que não nos entendemos,
e esclarecendo aquilo que dissemos,
dizemos sempre coisas conflitantes…

Tu, me querendo, dizes que eu não presto,
e ao te querer, sempre de ti reclamo,
mas tu me chamas, disfarçando o gesto,

e entre protestos eu também te chamo,
pois, mesmo amando tudo o que eu detesto,
tu és na vida aquilo que eu mais amo!
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Trova do
CÔNEGO BENEDITO VIEIRA TELLES
Bueno Brandão/MG, 1928 – 2022, Maringá/PR

Santo Antônio, agradecida,
por ouvir minha oração.
Casei-me na Aparecida,
sou feliz com Sebastião!
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Poema de
ARTUR DA TÁVOLA
(Paulo Alberto Moretzsohn Monteiro de Barros)
Rio de Janeiro/RJ,  1936 – 2008

Manhãs

Manhãs indefinidas,
O Cisne de Tuonela
Vagueia na alma.
O vento está enigmático.

Manhãs sem sol,
Nem definição de vida,
Esparsas lembranças,
Atiçam o burlar deveres.

Manhãs molengas,
Somos todo interioridades,
Lembranças do ignoto
Sem alegria ou tristeza.

Manhãs brumosas
O céu indefinido.
Nenhuma cor predomina
Na alma estapafúrdia.

Manhãs ganho-perdidas
Na falta de vontade
E um torpor com algo de delícia
Pacifica a imposição do poema

Manhãs serenas
Nem preguiça nem ações
Espaço da alma em preparo,
Sem recados, alusões ou deveres.

Manhãs sorrateiras,
O bem e o mal em silêncio.
Uma dor que alivia
O susto de existir.
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Trova Humorística de
THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA
São Paulo/SP

Já velho o Sansão estrila:
"Minha mulher tá caduca...
Mal cochilei e a Dalila
tosou a minha peruca!?
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Soneto de 
RAUL DE LEONI
Petrópolis/RJ, 1895 – 1926

História Antiga

No meu grande otimismo de inocente,
Eu nunca soube por que foi… um dia,
Ela me olhou indiferentemente,
Perguntei-lhe por que era… Não sabia…

Desde então transformou-se de repente
A nossa intimidade correntia
Em saudações de simples cortesia
E a vida foi andando para a frente…

Nunca mais nos falamos… vai distante…
Mas, quando a vejo, há sempre um vago instante
Em que seu mudo olhar no meu repousa,

E eu sinto, sem no entanto compreendê-la,
Que ela tenta dizer-me qualquer cousa,
Mas que é tarde demais para dizê-la…
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Trova de 
ADELIR COELHO MACHADO 
São Gonçalo/RJ, 1928 - 2003, Niterói/RJ 

Se a noite chega cansada
de caminhar sempre ao léu,
Deus dá vinhos de alvorada
na taça rubra do céu.
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Poema de
ÉLBEA PRISCILA DE SOUZA E SILVA
Piquete/SP, 1942 – 2023, Caçapava/SP

Cromo

Tro – pe – ga – men – te
sobe a ladeira,
bengala em punho,
passo de rola cansada.

Estanca… é hora
de atravessar a larga avenida.

Vermelho? Verde? Olha o sinal,
o sol é forte, seus olhos fracos,
o mundo, jovem, e ela… tão velha!

Ela vacila: – Será que há tempo?
Suor frio sob o sol quente…

- Vamos, vovó?
E a mão macia
Conduz a sua.

O sol sorriu ao ver a cena,
a tarde aplaudiu
e o pano se fecha
guardando o pequeno e imenso gesto
de cordialidade…
cordial… de coração…
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Trova Funerária Cigana

Brilhava em céu azulado...
Negra nuvem me toldou...
Por perder quem me seguia,
minh'alma aflita chorou.
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Soneto de 
BENI CARVALHO
Aracati/CE, 1886 – 1959, Rio de Janeiro/RJ

O cais

Quando te vejo, velho cais, em ruínas,
perscruto a tua vida secular:
— Manhãs radiosas em que te iluminas!
— Serenas noites de encantado luar!

Viste, partindo, ao canto das matinas,
velhas naus, brancas velas, pelo mar:
— Dourados sonhos, ilusões divinas,
ânsia de descobrir e conquistar!

Hoje, todo em tristeza, te esbarrondas;
mas uma voz oculta, dentre as ondas,
te diz: "A sorte não te foi tão má:

Terás, em ti, esta legenda impressa:
— Recolheste o sorrir do que regressa
e a saudade de quem não voltará".
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Trova de
GEORGINA RAMALHO
Rio de Janeiro/RJ

Quando eu era bem pequena
nossa mesa era uma festa!
Triste ver hoje esta cena
do passado nada resta...
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Poema de 
ÓGUI LOURENÇO MAURI
Catanduva/SP

Procura-se um Papai Noel

Procura-se um Papai Noel bem brasileiro,
Com total verde-amarelo em seu visual.
Nada de indumentária vinda do estrangeiro,
Terá que mostrar sua origem tropical.

Procura-se um Papai Noel de tez morena,
Trazendo às crianças o sabor da surpresa,
Magia que o comércio retirou de cena
Na ânsia de vender, de acumular riqueza.

Procura-se um Papai Noel que abrace forte,
Um abraço bem ao modo tupiniquim...
Um gesto sem a frieza do Polo Norte,
Bem ao estilo dos que meu pai dava em mim.

Procura-se um Papai Noel, sorriso aberto,
Que a criança possa tocar, ver e curtir.
E que seu presente só seja descoberto
No exato momento em que o "Velhinho" partir.

Procura-se um Papai Noel de nossa gente.
Viajante de trenó e renas, jamais!
Nós almejamos alguém que esteja presente.
Muito nosso, sim!... Dos Pampas aos Seringais.
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Trova de
A. A. DE ASSIS
Maringá/PR

A renúncia corresponde, 
muita vez, a muito amar; 
como quando o Sol se esconde 
para que brilhe o luar! 
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Soneto de
OVÍDIO FERNÁNDEZ RIOS
Montevidéu/Uruguai, 1883 – 1963

Elogios

Teus olhos têm momentos desiguais;
sua luz ora é plácida, ora é ardente,
é o suave fluir da água corrente
ou o relampejar de dois punhais.

Estranhos pirilampos de savanas
brilhando nos meus céus tão desolados,
são dois negros diamantes resguardados
por tuas magníficas pestanas.

Únicos olhos que hão por mim chorado,
únicos olhos que hão interpretado
toda a minha alma lutadora e forte;

quero que sejam, com sua luz querida,
os únicos a rir em minha vida,
os únicos que chorem minha morte.
(Tradução de Othon Costa)
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Trova da
Princesa dos Trovadores
CAROLINA RAMOS
Santos/SP

Lembrando a ternura antiga,
minha saudade se exalta...
- Bendigo a penumbra amiga
que me esconde a tua falta!
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Hino de 
Mossoró/RN

I
Nas crônicas da gente brasileira,
Queremos um lugar pra Mossoró,
Cidade centenária e pioneira,
Desbravadora do ínvio Sertão;
Sofreram os seus filhos a canseira;
Viveram na esperança a vocação:

Mas assim se fez a sorte
Com inusitado amor;
A cruel gleba gleba domaram
E fluíram seu valor

Estribilho
Mossoró de Baraúnas a terra;
heroico sítio da Virgem Luzia;
Teu nome sonoro remonta a era
De índios valentes das margens do rio
Que longe nasce no Oeste bravio.

II
Lembramos hoje teus anos de glória:
Ousada foste sempre Mossoró;
Por ti começa, a senda da vitória
Na luta ao cangaceiro lampião;
Precursora exemplar da Pátria História
Em abolir a negra escravidão:

Nem a seca já temeste
Com seu infernal calor;
Encontraste a boa linfa
Que teu povo saciou

III
Bondosa se mostrou a Natureza
Em cumular de dons a Mossoró:
Das várzeas e do sol vem a riqueza,
O Sal, precioso sal, que o mar produz;
Nas matas da Caatinga ao estio acessa,
A nívea vela do Algodão reluz;

Vem a brisa do Nordeste,
Mensageira do alto Mar,
As carnaubeiras belas,
Sussurrantes, embalar

IV
Ao povo, a seus feitos, à cidade,
Cantemos este hino de louvor,
Legado de esperança à mocidade
Em grandiosos dias no porvir;
Moldado desta forma se retrate
Como em gesso fiel nosso sentir:

Seja nosso grande lema,
Construindo pela Paz,
A conquista do Progresso
Que feliz o povo faz
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Trova Humorística de 
JOSÉ MACHADO BORGES
Belo Horizonte/MG

Do peixe, como eu dizia, 
sem pretensão de iludi-los, 
somente a fotografia 
pesava mais de oito quilos!
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Poema de 
CASSIANO RICARDO
São José dos Campos/SP (1895 – 1974) Rio de Janeiro/RJ

O acusado

Quando eu nasci, já as lágrimas que eu havia
De chorar, me vinham de outros olhos.

Já o sangue que caminha em minhas veias pro futuro
Era um rio.

Quando eu nasci já as estrelas estavam em seus lugares
Definitivamente
Sem que eu lhes pudesse, ao menos, pedir que influíssem
Desta ou daquela forma, em meu destino.

Eu era o irmão de tudo: ainda agora sinto a nostalgia
Do azul severo, dramático e unânime.
Sal - parentesco da água do oceano com a dos meus olhos,
Na explicação da minha origem.

Quando eu nasci, já havia o signo do zodíaco.

Só, o meu rosto, este meu frágil rosto é que não
Quando eu nasci.

Este rosto que é meti, mas não por causa dos retratos
Ou dos espelhos.

Este rosto que é meu, porque é nele
Que o destino me dói como uma bofetada.
Porque nele estou nu, originalmente.
Porque tudo o que faço se parece comigo.
Porque é com ele que entro no espetáculo.
Porque os pássaros fogem de mim, se o descubro
Ou vêm pousar em mim quando eu o escondo.
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Trova de 
GLADYS BRAVO CONTRERAS
Chile

Para decirnos te amo,
nos fuimos creando idiomas,
el universo en un ramo
de sonrisas y palomas.*
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* sonrisas = sorrisos.
palomas = pombas
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Fábula em Versos de
JEAN DE LA FONTAINE
Château-Thierry/França, 1621 – 1695, Paris/França

O faceto* e os peixes

À mesa dum fidalgo
Um faceto jantava.
Graúdos peixes servem aos convivas;
A ele, um mui pequeno.
«Esperem, que eu lhes conto!» — diz consigo;
E, pegando no peixe,
Finge baixo falar-lhe, — e de resposta
Parece estar à espera,
Pasmam todos, perguntam
Da charada o conceito.
«É que receio, —
Diz então o faceto, — que um amigo,
De infância um companheiro, naufragasse
Da Índia na carreira.
Informar-me tentei deste peixinho;
Porém diz-me que sendo ainda tão novo
Nada pode contar-me; que os mais velhos
Decerto me esclarecem.
Permitam, pois, senhores, que interrogue
Algum dos mais graúdos!»
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 
* faceto = brincalhão, humorístico, folgazão