sábado, 19 de outubro de 2024

Recordando Velhas Canções (Se todos fossem igual a você)


(samba canção, 1957)

Compositores: Tom Jobim e Vinícius de Moraes

Vai tua vida,
Teu caminho é de paz e amor
Vai tua vida é uma linda canção de amor
Abre os teus braços
E canta a última esperança
A esperança divina de amar em paz

Se todos fossem iguais a você
Que maravilha viver
Uma canção pelo ar,
Uma mulher a cantar
Uma cidade a cantar,
A sorrir, a cantar, a pedir
A beleza de amar
Como o sol,
Como a flor,
Como a luz
Amar sem mentir,
Nem sofrer

Existiria verdade,
Verdade que ninguém vê
Se todos fossem no mundo iguais a você

A Utopia do Amor e da Paz em 'Se Todos Fossem Iguais a Você'
A música 'Se Todos Fossem Iguais a Você', de Vinicius de Moraes, é uma ode à paz, ao amor e à esperança. A letra começa com um convite à vida, destacando que o caminho a ser seguido é de paz e amor. Vinicius sugere que a vida é uma linda canção de amor, e que devemos abrir nossos braços e cantar a última esperança, que é a esperança divina de amar em paz. Essa introdução estabelece um tom otimista e idealista, onde o amor é visto como a solução para os problemas do mundo.

No refrão, Vinicius imagina um mundo onde todos fossem iguais à pessoa amada. Ele descreve esse mundo como um lugar maravilhoso para se viver, onde a música e a alegria estariam presentes em todos os lugares. A imagem de uma cidade inteira cantando e sorrindo reforça a ideia de uma sociedade harmoniosa e feliz. A beleza de amar é comparada a elementos naturais como o sol, a flor e a luz, simbolizando pureza e verdade. Amar sem mentir nem sofrer é apresentado como um ideal a ser alcançado.

A música também aborda a questão da verdade, sugerindo que a verdade que ninguém vê existiria se todos fossem iguais à pessoa amada. Isso implica que a falta de amor e compreensão é o que impede a verdade de ser percebida. Vinicius de Moraes, conhecido por suas poesias e canções que exploram temas de amor e existencialismo, utiliza essa música para expressar uma visão utópica de um mundo melhor. A simplicidade e a beleza da letra refletem a profundidade dos sentimentos humanos e a busca por um ideal de vida baseado no amor e na paz.

Em meados de 56, Vinícius de Moraes estava com a peça "Orfeu da Conceição" pronta, faltando somente conseguir um compositor para musicá-la e, se possível, orquestrá-la. Achava Vinicius que o nome ideal para a tarefa seria o de Vadico (Osvaldo Gogliano), parceiro de Noel Rosa que, convidado não aceitou.

Atendendo, então, a uma sugestão do crítico musical Lúcio Rangel, o poeta convidou Antônio Carlos Jobim, na época um jovem compositor e arranjador ainda pouco conhecido.

Começava assim a parceria Tom/Vinicius, uma das mais importantes da música brasileira, juntando o talento de um grande músico ao de um poeta consagrado e que deu como primeiro fruto "Se Todos Fossem Iguais a Você". Romântica, requintada, até com uma certa tendência para o monumental, "Se Todos Fossem Iguais a Você" é a melhor composição do repertório criado para a peça. Lançada por Roberto Paiva no final de 56 chegaria ao sucesso no ano seguinte, quando recebeu várias outras gravações.

Fontes:
Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello, A Canção no Tempo. vol. 1. 1997.
https://www.letras.mus.br/vinicius-de-moraes/49284/

sexta-feira, 18 de outubro de 2024

José Feldman (Poetizando) * 4 *


 

Geraldo Pereira (Colombinas Enternecidas)

As minhas saudades estão guardadas agora em dourados guizos das fantasias dos meus outroras e revivem lembranças dos carnavais que se foram e nunca mais hão de voltar. Ah, recordações dos tempos pretéritos, de amores rompidos assim, sem as antecipações dos rumores e das dores! 

Onde andarão as enternecidas colombinas de meus anos, que encantavam pierrôs apaixonados e inquietavam arlequins desesperados? E os palhaços, de roupas largas e de muitas cores, de máscaras risonhas, tocando castanhola e acompanhando o frevo de bloco ou o rasgado dos acordes?

Nem as serpentinas jogadas bem longe, nas distâncias que embalam os nostálgicos sonhos do imaginário, recuperam aqueles tempos: os salões enfeitados e os pares rodopiando alegria. E nem os confetes, com o espectro todo do arco-íris da vida, flutuando nos ares ao sabor dos ventos, vão trazer de volta os beijos roubados das mascaradas moçoilas, que escondiam a face, mas não podiam negar as formas do corpo! Se o lança perfume evaporou-se para sempre, deixou pelo menos gravado na memória das épocas o aroma gostoso que aproximava os corações ardentes, inflamando as paixões! E o mais do que tradicional corso, como uma serpente enorme, espalhando-se e se espraiando, carro após carro, caminhões enfeitados com faixas de pano, batucadas improvisadas e músicos de ocasião? O bate-bate de maracujá e a animação tomando conta do mundo pequeno dos meus dias de menino desapareceram também nos ares da vida! Era o frevo no pé e o pé no frevo, contanto que houvesse alegria na fanfarra das horas!

Revejo, então, o sacrário das minhas saudades, depositário das minhas lembranças, para acender os meus devaneios pueris, guardados ali, naquele canto das recordações dos pretéritos do existir terreno. A fantasia azul de marinheiro, da cor do céu, de gola branca e larga estava lá, engomada e passada, pronta para ser usada. Foi a minha mãe quem a manteve assim, embalando as divagações e os sonhos da criança do antes, oníricos, sobretudo diurnos, preservando os mais particulares desejos, de ver e de rever esse tempo encantado. Não adianta querer vestir a roupinha de palhaço, de fazenda estampada, com um coração muito grande preso no pano, representando os amores de uma infância feliz e bem vivida. E de que serve querer ouvir, na velha radiola de casa, os acordes dos frevos de bloco, a musicalidade de Nelson e de Capiba, tão presentes naqueles dias?

O disco de 78 rotações não tem mais em que agulhinha rodar, porque cedeu lugar aos avanços e perdeu o espaço na corrida do tempo: 

“Ah!/Saudade!/Saudade tão grande!/Saudade que tenho...” . Na madrugada do domingo, agora, não posso mais ver chegar a musa de minha rua, vestida com a fantasia de capitão, da mais pura e branca seda, aos beijos e aos abraços com o pretendente emergente, num amor de causar dor e dó a todos que a tinham na mais do que franca maneira de promover no imaginário as enlevações do espírito. Se casou ninguém sabe, ninguém viu! Sabe-se, apenas, que ficou na lembrança de muita gente!

Faço hoje mesmo o itinerário sentimental do corso e viajo pelas ruas do Recife, sem me ater aos indicativos de trânsito, às proibições do tráfego, postas aqui e ali sinalizando a modernidade, contanto que possa rever os meus passos e os meus passados, as minhas andanças, afinal, em tempos idos, acolhidos já na enorme distância das saudades! Posso ouvir o batuque cadenciado dos tamborins daqueles outroras, que no caminhão, ao fundo, animava a meninada toda! E na velha Casa de Detenção descortino os antigos sinais dos encarcerados, da gente presa ali, pendurada às grades, dando adeus à liberdade dos outros. Passo pela a rua da Concórdia inteira, o meu paço da folia à época, do começo à praça, cumprimentando em pensamento os passantes todos, as colombinas e os arlequins, os pierrôs e os palhaços, os mascarados e os papangus* que assombravam os meninos nas ruidosas manhãs de sábados encantados. Sento-me, porém, num banco qualquer e vou rebuscar encontros e desencontros dos meus derradeiros corsos! Foi aqui, relembro, falando quase, que vi a musa dos meus dias, que identifiquei o peculiar sorriso, alvo e puro, de incisivos levemente oblíquos, dando vida à beleza nascente, que a vi crescer e desenvolver na corrida do tempo, do implacável relógio marcando as horas e rodando os dias. Quando os nossos olhares se cruzavam nos ares da fanfarra, o riso adornava-lhe a face bem desenhada das esculturas forjadas pelas mãos do Criador! Tomei a mim a missão de amá-la! Melindrosa dos meus dias!

Posso, então, cantar, com o menestrel do amor: “Os melhores dias de minha vida/Eu passei contigo/Minha querida...”. Assim, atualizo as minhas saudades, lembrando os carnavais do ontem e amando a musa do hoje!
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* Papangus = Pessoa que sai à rua mascarada ou com certa fantasia, no carnaval ou em reisados.

Fonte: Geraldo Pereira. Fragmentos do meu tempo. Recife/PE. Disponível no Portal de Domínio Público

Vereda da Poesia = 136 =


Poema de
DANIEL MAURÍCIO
Curitiba/PR

Quem nasceu 
Pirilampo
Não precisa que ninguém 
Lhe segure a lanterna.
= = = = = = 

Trova de
IZO GOLDMAN
Porto Alegre/RS, 1932 – 2013, São Paulo/SP

Eu sou príncipe tristonho
porque, na história real,
não há, na escada do sonho,
sapatinhos de cristal!...
= = = = = = 

Poema de
LUIZ POETA
(Luiz Gilberto de Barros)
Rio de Janeiro/RJ

Quando a alma voa, há um poeta dentro dela

A dor insiste, mas o amor não se perverte,
sonhos convertem solidões em paraísos.
Se cada guizo é uma serpente que adverte,
o amor diverte-se com os sonhos imprecisos.

Uns se dedicam à própria sobrevivência,
outros descobrem o tempo da rebeldia,
e quem desfia os novelos da ciência,
adia o tempo infeliz que o desafia.

O amor resiste e se junta à fantasia,
chama a alegria que completa os sentimentos,
nesse momento se sublima a ousadia,
à revelia do que sinta o sofrimento.

Se do lamento, se compõe a melodia,
a harmonia organiza novos tons
e se os neons têm o amor por moradia,
é no sonhar que o coração produz neons.

Tanto poeta se completa num amigo...
quando há abrigo, nem se sente a tempestade,
na amizade, me abençoas e eu bendigo
o que só possa te trazer felicidade.

A dor insiste, mas a alma é passarinho,
cujo caminho é o céu mais azulado.
Pobre coitado que só quer voar sozinho,
quando o amigo lhe oferece um ombro... alado.

Pois que se viva cada instante e que se creia
que a vida é cheia de momentos tão felizes,
que até a dor transfunde amor na própria veia,
quando ela anseia libertar os infelizes.

Em cada flash, uma história é recontada,
alicerçada na pureza da amizade,
assim, no enredo de uma vida abençoada,
o amor insiste em pôr a dor em liberdade.

Quem pinta aquilo que não vê, faz um rascunho
de próprio punho, da revolta que o irrita,
porém, se a dor constrói um falso testemunho,
o amor maltrata-se na dor que nele habita.

Que tu resistas, coração ao que magoa...
quando a alma voa, há um poeta dentro dela
e se a sequela de uma dor não te abençoa,
o amor ecoa na emoção que te revela
= = = = = = 

Trova Premiada em Irati/PR, 2023
CIPRIANO FERREIRA GOMES 
São Paulo / SP

Por entre as pedras e o limo,
um fio de água corrente, 
canta feliz sendo o arrimo
da sede de muita gente. 
= = = = = = 

Poema de
VANICE ZIMERMAN
Curitiba/PR

A Janela e o Tempo

Da janela, vejo a rua,
Observo o tempo de cada pessoa que passa...
O tempo das flores renascerem lindas!
O tempo das folhas de Ipê caindo na calçada...
Da janela, vejo o portão,
sinto o vento, a chuva e sonho...
Espero você chegar,
de uma longa viagem...
= = = = = = 

Trova Popular

Eu amava-te, ó menina,
se não fora um só senão:
seres pia de água benta
onde todos põe a mão.
= = = = = = 

Soneto de
RAUL DE LEONI
Petrópolis/RJ, 1895-1926

Crepuscular

Poente no meu jardim... O olhar profundo
Alongo sobre as árvores vazias,
Essas em cujo espírito infecundo
Soluçam silenciosas agonias.

Assim estéreis, mansas e sombrias,
Sugerem à emoção com que as circundo
Todas as dolorosas utopias
De todos os filósofos do mundo.

Sugerem... Seus destinos são vizinhos:
Ambas, não dando frutos, abrem ninhos
Ao viandante exânime que as olhe.

Ninhos, onde vencidas de fadiga,
A alma ingênua dos pássaros se abriga
E a tristeza dos homens se recolhe...
= = = = = = 

Trova de
A. A. DE ASSIS
Maringá/PR

Brincam na praça os pequenos: 
castelos, canções, corrida... 
São seus primeiros acenos 
aos grandes sonhos da vida!
= = = = = = 

Soneto de
ANTERO DE QUENTAL
Ponta Delgada/Portugal, 1842 – 1891

Noturno

Espírito que passas, quando o vento
Adormece no mar e surge a Lua,
Filho esquivo da noite que flutua,
Tu só entendes bem o meu tormento...

Como um canto longínquo - triste e lento-
Que voga e sutilmente se insinua,
Sobre o meu coração que tumultua,
Tu vestes pouco a pouco o esquecimento...

A ti confio o sonho em que me leva
Um instinto de luz, rompendo a treva,
Buscando. entre visões, o eterno Bem.

E tu entendes o meu mal sem nome,
A febre de Ideal, que me consome,
Tu só, Gênio da Noite, e mais ninguém!
= = = = = = 

Trova Humorística de
JANE PIRES PALUMA
São Gonçalo/RJ

Desmaiou em plena missa
o padre da freguesia,
quando viu tanta cobiça
no decote da Maria...
= = = = = = 

Soneto de 
AMILTON MACIEL MONTEIRO
São José dos Campos/SP

O sabiá

Em minha casa tem um sabiá
Que canta sempre, desde manhãzinha,
Escondido em um lindo jatobá
Que fica logo atrás de minha cozinha.

Nem os gritos do forte carcará,
À cata de indefesa andorinha,
Na luta para ver quem vencerá,
Sobrepujam essa minha avezinha!

O seu cantar anima a minha vida,
Que vai chegando ao fim de sua corrida,
Pois apesar de triste, é uma doçura...

E consegue alegrar os dias meus!
Creio até que seu canto de ternura
Não mereço, mas ganho de meu Deus!
= = = = = = 

Trova de
CLÁUDIO DE CÁPUA
São Paulo/SP, 1945 – 2021, Santos/SP

De “mau jeito” o Zé Baleia,
pescador de sorte estranha,
noivou com uma sereia,
casou com uma piranha..
= = = = = = 

Poema de
ISABELA REGINA NASCIMENTO
Ponta Grossa/PR

Fantasia perfumada

A poesia e a mulher se encontram
Palavra feminina forte
Como música suave que toca
Em sinfonia de almas
Fêmeas arteiras, escrevem
Fantasias perfumadas
Saborosas como frutos
Impressos em tinta
Desenhados no papel da vida
Cada verso, um traço
Instantâneos de emoções
Rastros de sentimentos
Coloridos, vibrantes
Riscos que escrevem
Palavras que nascem
Do coração de quem cria
Do mundo de quem sente
É a música dos versos
Corre viva, pulsante
A fotografia da alma
Impressa na página da vida
= = = = = = 

Trova Funerária Cigana

Quando morreu minha Rosa,
o mundo ficou sem luz,
porém ficou minha mãe
pra carregar minha cruz.
= = = = = = 

Poemeto de 
SOLANGE COLOMBARA
São Paulo / SP

Lágrimas Sombrias no Vento

Sou no ar frio do outono
sentimento alvorecendo,
a procura da guarida
em caquinhos coloridos,
os raios da tempestade
tecendo gritos em ecos

Sou no ar frio do outono
a leveza em benquerer,
o olhar na sombra perdida,
distante em silencioso
pranto, a prece aquecendo
corações em cacarecos.
= = = = = = 

Trova de 
FRANCISCO GARCIA
Caicó/RN

Cantamos feito cigarras,
meu violão de risos francos,
que as nossas vozes bizarras
estão de cabelos brancos!
= = = = = = 

Poema de 
NÉLIO CHIMENTO
Rio de Janeiro/RJ

Não sei se vou bem ou mal
Mas vou dando o meu jeito 
Para não fazer tudo sempre igual.

Levo sonhos no pensamento,
Esperanças no peito
E o sentimento
De que não sou perfeito,

Mas tenho o entendimento
De que o tropeço é natural
No processo de crescimento.

Não posso é parar no tempo
Para lamentar o contratempo
E parar no que já foi feito.

Tento ser como o rio
Que contorna as pedras do leito
Com a força de seu caudal
Para chegar ao mar, seu destino final.

Vou vivendo e aprendendo
Com o calor da luta,
Com o frio do desafio,

Aproveitando a hora boa,
Superando o trajeto sombrio,
Caminhando na paz de Deus
E corrigindo os defeitos meus.

Quem sabe,
Ao atravessar a minha ponte,
Reconheça a fonte
Que me fez alma serena,
Ao olhar para trás
E dizer: valeu a pena!
= = = = = = 

Trova de
NELSON DA LENITA FACHINELLI
Porto Alegre/RS (1935 – 2006)

No abecedário da dor
aprendi o que ora gravo:
- esta vida, sem amor,
não vale nem um centavo.
= = = = = = 

Soneto do
Príncipe dos Poetas Piracicabanos
LINO VITTI
Piracicaba/SP, 1920 – 2016

"In fine"

Para trás, pela rua do Passado,
foram ficando angústias e alegrias,
na mentira sonâmbula dos dias
feita de um grande sonho espedaçado

Em cada hora , um sonho massacrado,
pelas mãos das mais fundas nostalgias!
E a cada passo, as agulhadas frias
dos sofrimento caminhando ao lado.

Um ano se despede, vem outro ano,
sobraçando esperanças e ilusões
com que mima o teimoso ser humano.

É assim a vida: um ajuntar de dores,
um receber feridas e empurrões,
um triturar de mágoas e de amores…
= = = = = = 

Poetrix de
RICARDO ALFAYA
Rio de Janeiro/RJ

exposição

enxugo dilemas
no varal, toalhas
manchadas de poemas.
= = = = = = 

Poema de
LUÍSA DUCLA SOARES
Lisboa/Portugal

Um amigo para falar comigo.
Um navio para viajar
Um jardim para brincar
Uma escola para levar debaixo do braço
Livro um abraço para além do tempo e espaço.
= = = = = = 

Trova Humorística de
THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA
São Paulo/ SP

Ladrão alto, bem vestido,
já sai, do quarto, ligeiro,
e ouve a voz... quase um gemido:
“Só lhe interessa... dinheiro”?
= = = = = = 

Poema de 
JOÃO PEDRO MÉSSEDER
Porto/Portugal

Um Livro

Levou-me um livro em viagem
não sei por onde é que andei.
Corri o Alasca, o deserto
andei com o sultão no Brunei?
Pra falar verdade, não sei.

Com um livro cruzei o mar,
não sei com quem naveguei.
Com marinheiros, corsários,
tremendo de febres e medo?
Pra falar verdade não sei.

Um livro levou-me pra longe
não sei por onde é que andei.
Por cidades devastadas
no meio da fome e da guerra?
Pra falar verdade não sei.

Um livro levou-me com ele
até ao coração de alguém
e aí me enamorei –
de uns olhos ou de uns cabelos?
Pra falar verdade não sei.

Um livro num passe de mágica
tocou-me com o seu feitiço:
Deu-me a paz e deu-me a guerra,
mostrou-me as faces do homem
– porque um livro é tudo isso.

Levou-me um livro com ele
pelo mundo a passear.
Não me perdi nem me achei
– porque um livro é afinal…
um pouco da vida, bem sei.
= = = = = = 

Trova da
Princesa dos Trovadores
CAROLINA RAMOS
Santos/SP

Das cores, qual a mais bela?
- "A negra" - diz o ceguinho...
"pois, dentre todas, é aquela
que eu vejo no meu caminho."
= = = = = = 

Hino de 
Ivaiporã/PR

No cenário que a mata se inclina
Ante a força, a coragem e o amor,
Vive em paz, sob a graça divina,
Todo um povo, em ardente labor.

Rio imenso, de rara beleza
Que ao indígena outrora encantou,
Beija e embala a ideal natureza
Que recanto ideal batizou.

Ivaiporã!
Com orgulho e devoção
Repetimos teu nome querido
Que é uma esplendida oração
Sobre o altar deste solo florido.

Ivaiporã!
Tua estrela benfazeja
Para o mundo amanhã mostrará
O tesouro que viceja
No coração do Paraná!

Antevemos teu nobre porvir
No milagre que a terra produz,
Os cereais em contínuo florir
Sobre os Vales, nas ondas da luz.

Cada gota de suor dos teus filhos
Se reflete na grande torrente
Das douradas espigas de milho
Que os caminhos têm à frente.
= = = = = = 

Trova de 
NILTON DA COSTA TEIXEIRA
Monte Alto/SP, 1920 – 1983, Ribeirão Preto/SP

Neste abraço em que te aperto,
com a beatitude de um monge,
sinto meu amor tão perto...
minha esperança tão longe!
= = = = = = 

Poema de 
WALLACE STEVENS
Reading/ Pensilvânia, 1879 – 1955, Hartford/Connecticut

A casa estava quieta e o mundo calmo

A casa estava quieta e o mundo calmo.
Leitor tornou-se livro, e a noite de verão

Era como o ser consciente do livro.
A casa estava quieta e o mundo calmo.

Palavras eram ditas como se livro não houvesse,
Só que o leitor debruçado sobre a página

Queria debruçar-se, queria mais que muito ser
O sábio para quem o livro é verdadeiro

E a noite de verão é como perfeição da mente.
A casa estava quieta porque tinha de estar.

Estar quieta era parte do sentido e da mente:
Acesso da perfeição à página.

E o mundo estava calmo. Em mundo calmo,
Em que não há outro sentido, a verdade

É calma, é verão e é noite, a verdade
É o leitor insone debruçado a ler.
(Tradução: Paulo Henriques Britto)
= = = = = = 

Trova de
RITA MARCIANO MOURÃO 
Ribeirão Preto/SP

Deus ao criar as estrelas
zeloso cumpriu a meta,
mas para alguém descrevê-las
criou também o poeta.
= = = = = = 

Fábula em Versos de
JEAN DE LA FONTAINE
Château-Thierry/França, 1621 – 1695, Paris/França

O leão namorado

Leão de alta prosápia*
Passando por um prado,
Certa zagaia viu mui de seu gosto
E esposa foi pedi-la.
Quisera o pai menos feroz o genro.
Bem duro lhe era o dar-lhe:
Mas também o negar-lhe mal seguro;
E que ainda a ser possível
Negar-lhe, é de temer não venha a lume
Clandestino consórcio;
Que amava os valentões a mocetona.
De grado se encasquetam
As moças, de estofadas cabeleiras.
O pai, que não se atreve
A despedir o amante tanto às claras:

«Minha filha é mimosa,
E vós podeis, entre esponsais carícias,
Arranhá-la com as unhas:
Consenti um cerceio em cada garra,
E em cada dente a lima,
Porque os beijos lhe sejam menos ásperos,
E a vós mais voluptuosos.
Que, sem tais sustos, há de a minha filha
Prestar mais meiga a boca.»

Consente o leão: desmantelada a praça,
Falto de unhas e dentes,
Lançam-lhe os cães, vai-se o leão. Sem unhas
Como há de resistir-lhes?

Quando, Amor, nos agarras, bem podemos
Dizer: «Adeus prudência!»
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 
* Prosápia = linhagem.