quarta-feira, 20 de novembro de 2024

Célio Simões (“Pensando com meus botões”)

Você já deve ter ouvido diversas frases envolvendo esta expressão, como por exemplo, quando está conjeturando alguma ação ou providência para evitar, remediar, solucionar ou encaminhar determinado assunto ou situação familiar preocupante. Como disse o artista popular, “de repente, eu estava aqui, refletindo, pensando com meus botões, quando reparei que estava só de bermuda e camiseta, sem nenhum botão". O que foi que aconteceu? Parei de pensar... 

Na prática não é bem assim, pois ninguém fica obliterado mentalmente, por falta de botões em sua indumentária. O festejado cantor e compositor Gilberto Gil tangenciou o tema na música “Cérebro Eletrônico”, cuja letra dá claro indício da associação de ideias que instintivamente é feita por quem pensa ou vê outrem pensando: “O cérebro eletrônico faz tudo/Faz quase tudo/Faz quase tudo/ Mas ele é mudo // O cérebro eletrônico comanda/Manda e desmanda/Ele é quem manda/Mas ele não anda // Só eu posso pensar/Se Deus existe/Só eu posso chorar/Quando estou triste/Só eu cá com meus botões/De carne e osso/ Eu falo e ouço. Hum...”

Sem eiva de dúvidas, "PENSAR COM MEUS BOTÕES", no Brasil e em Portugal, significa um momento de introspecção, o ato de pensar consigo próprio, que envolve sentimentos da própria mente de quem pensa. Logicamente, os botões não pensam nem possuem a faculdade de aconselhar alguém, sendo essa figura de linguagem representativa do estado d’alma de cada qual, em determinado momento imerso em seus mais recônditos pensamentos. No dizer do genial ficcionista e escritor paraense Ildefonso Guimarães, saudoso membro da Academia Paraense de Letras, isso ocorre quando o indivíduo está entregue às suas próprias “cavaqueações”. 

Sabemos assim que a expressão "PENSANDO COM MEUS BOTÕES" significa refletir, pensar sozinho. Ou seja, indica que você está raciocinando ou, o que não é raro ser constatado, falando consigo próprio até em locais públicos, se bem que atualmente a cena pode ser vista com frequência de vez que uns e outros andam falando em qualquer lugar, não propriamente consigo, mas com terceiros através dos inseparáveis celulares, escondido nas vestes para escapar das abordagens dos “amigos do alheio”. Mas afinal, de onde surgiu essa expressão? No território livre da Internet, encontramos algumas possíveis explicações, embora nem todas façam muito sentido. 

Uma delas alude que "pensar com meus botões" significa que é a própria pessoa olhando para dentro de si, para finalmente escolher a solução que lhe parece acertada para determinado caso. Outra diz que "pensando com meus botões" originou-se do fato de que os botões servem para fechar e esconder a intimidade das pessoas, ou seja, o seu íntimo. Então, pensar com os botões seria pensar sozinho, sem expor ou compartilhar seus pensamentos com ninguém, sem submeter ao escrutínio alheio sua privacidade. 

Por fim, uma explicação mais histórica diz que, antigamente, as roupas eram recheadas de botões. Desde que Catarina de Médici, nobre italiana que se tornou rainha consorte em França de 1547 até 1559, como esposa do rei Henrique II inventou a calcinha, o Século XVIII encontrou as mulheres usando suas peças íntimas ainda de algodão, fechadas lateralmente com muitos botões, sendo que em lugares remotos eles eram fabricado de ossos de animais, que graças ao tirocínio das modistas, evoluíram até os dias atuais para o sensual fio dental, agora encontrado em qualquer lugar onde exista um comércio de roupa feminina. Daí presumir-se que antigamente, estando elas sozinhas em seus aposentos, abrindo ou fechando os botões de seu vestuário mais íntimo, aproveitavam aquele momento para pensar, entregando-se às suas mais profundas, secretas e preciosas reflexões sobre suas vidas.

Fonte: Texto enviado pelo autor 

Jaqueline Machado (“Cachorro velho”, de Teresa Cárdenas)

Cachorro velho aproximou do rosto a borda da cuia e cheirou. O aroma do café adoçado com mel lhe entrou em cheio, confortando-o.

Talvez essa fosse a única sensação de prazer de um senhor negro e velho, filho de uma escrava vinda da África. Ele nasceu e cresceu dentro do cercado de uma fazenda de engenho. Nunca ultrapassou as porteiras daquele lugar onde, desde criança, sobreviveu sob a égide dos patrões brancos e do terrível sistema escravista que sugaram suas forças.

O ancião não teve infância, não pode desfrutar dos belos sonhos na juventude. E perdeu seu único e breve amor. 

Toda a história que nasceu para viver, ficou reprimida nas vigas estreitas e estremecidas de suas entranhas.

Seu coração não reconhecia a felicidade. Tanta era sua agonia que, ao sentir prazer por qualquer coisa que se assemelhasse à alegria, ele de imediato repelia o sentimento. Pois não entendia o que era. Estava embrutecido demais para entender sobre bem-estar e amor.

Sua vida era tão sem vida que ele gostava de se imaginar morto...

O café que o confortava era feito por Beira, companheira do barracão onde dormia.

O escravo era tão menosprezado, que não tinha nome. Todos o conheciam por “Cachorro Velho”.

É! Histórias iguais a esta, descrita no emocionante conto, Cachorro Velho, da escritora cubana Teresa Cárdenas, eram muito recorrentes. E ainda são, só que hoje, em formatos diferentes.

Dizem que a escravidão acabou. Então, por que ainda necessitamos de um dia como o 20 de novembro para repensarmos essas tristes histórias?

Sim! O racismo permanece atuante. E fere, oprime e mata.

Muitos dizem que o preconceito não existe. Que tudo isso que ouvimos por aí é “mimimi”... Mas no fundo, todos sabemos que isso não é bem assim...

O racismo é uma grave anomalia da sociedade. Pra mim, trata-se de algo incompreensível, bestial. É impossível entender como a simples diferença de cor de pele pode causar qualquer tipo de rejeição entre os irmãos de uma mesma Terra.

Pelo menos aqui no Brasil, a maioria dos habitantes é descendente de negros. E tem sangue afro correndo em suas veias.

A negritude não perde em humanidade, beleza e cultura, para nenhuma outra raça. Por isso, deixo aqui registrada minha profunda admiração pela cultura do povo negro. E minha nota de repúdio por quem traz no olhar, nas palavras e nas atitudes, a chama venenosa do racismo, e da ingratidão para com este povo que ajudou a construir a nossa linda nação.
 
Fonte: Texto enviado pela autora.

segunda-feira, 18 de novembro de 2024

Silmar Bohrer (Gôndola de Versos) 02

 

José Feldman (Um Dia de Compras Inesquecível)

Era uma sexta-feira quando Carlos decidiu que era hora de reabastecer a despensa. Como um homem que sempre se orgulhou de sua habilidade em fazer compras, ele vestiu sua melhor camiseta e calçou os tênis mais confortáveis, preparado para enfrentar a selva do supermercado.

Ao entrar no local, Carlos foi imediatamente confrontado pela primeira armadilha: o carrinho. Ele sempre achou que os carrinhos tinham vida própria, e hoje parecia que um deles tinha decidido que não queria ser empurrado. 

Cada vez que Carlos tentava seguir em linha reta, o carrinho se desviava, como se quisesse explorar os corredores de produtos que ele não precisava.

“Ah, não, não, não! Não me faça passar vergonha novamente!” Carlos sussurrou para o carrinho, atraindo olhares curiosos de outros clientes. Mas ele decidiu ignorar, afinal, quem nunca teve uma conversa um tanto estranha com um objeto inanimado?

Após uma luta épica com o carrinho, Carlos finalmente conseguiu alcançar a seção de frutas. Ele sempre se considerou um expert em escolher abacates, mas naquele dia, parecia que os abacates estavam em um concurso de "quem é o mais maduro". Ele pegou um, apertou, e o fruto se despedaçou em sua mão, deixando um rastro de pasta verde em seus dedos.

“Maravilha! Agora sou o novo chef de cozinha, especialista em guacamole!” Carlos exclamou, rindo de si mesmo.

Seguindo para a seção de laticínios, Carlos avistou um grande cartaz: "Promoção de iogurtes! Leve 10 e pague 5!" 

Ele pensou que essa era uma oferta que não poderia recusar. Então, em um momento de impulso, pegou dez potes de iogurte, suficientes para alimentar um pequeno exército. Ao tentar equilibrar os iogurtes no carrinho, ele percebeu que havia subestimado sua própria noção de equilíbrio. Um pote escorregou e, em câmera lenta, caiu no chão, explodindo em um banho de iogurte de morango.

"Parabéns, você acaba de se tornar o Picasso do iogurte!" gritou um jovem que passava, enquanto Carlos se encolhia de vergonha. 

Ele se virou para limpar a bagunça com a mão, mas acabou espalhando ainda mais o iogurte com seus tênis, que agora pareciam ter se tornado uma obra-prima de arte moderna.

Determinado a não deixar que isso arruinasse seu dia, Carlos seguiu para a seção de congelados. 

Ao abrir o freezer, ele encontrou uma pilha de pizzas congeladas. Ele ficou tão animado que decidiu fazer uma pequena festa em casa. 

Enquanto examinava as opções, uma pizza de pepperoni escapuliu de suas mãos e foi parar em um carrinho ao lado, pertencente a um senhor idoso que olhava para Carlos com uma expressão de confusão.

“Desculpe, senhor! Parece que sua pizza está tendo uma vida própria!” 

Carlos riu, mas o senhor não pareceu achar graça. Ele pegou a pizza e a colocou de volta no freezer, como se estivesse lidando com uma criança travessa.

Finalmente, Carlos chegou ao caixa. Ele estava exausto, mas cheio de itens que provavelmente não precisaria. 

Enquanto o caixa registrava suas compras, ele percebeu que havia esquecido de pegar o item mais importante: papel higiênico. 

Ele olhou para a fila atrás dele e decidiu que não poderia voltar. O caixa, percebendo seu dilema, fez uma piada: “Parece que você vai ter um dia longo pela frente!”

Carlos riu, mas no fundo, sabia que estava em apuros. Ao sair do supermercado, com o carrinho cheio e a dignidade quase intacta, ele avistou um amigo que não via há tempos. 

“Carlos! O que você está fazendo aqui?”

“Ah, você sabe, apenas dominando a arte da compra de supermercado,” respondeu Carlos, com um sorriso nervoso.

O amigo olhou para o carrinho, depois para Carlos, e disse: “Parece mais uma batalha perdida!”

Carlos suspirou, mas então deu uma risada forçada. 

Ele se despediu do amigo e saiu do supermercado, pensando que, apesar de todos os imprevistos, tinha conseguido superar a batalha do supermercado. 

Fontes: José Feldman. Peripécias de um jornalista de fofocas & outros contos. Maringá/PR: IA Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul, 2024.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing

Vereda da Poesia = 161 =


Trova de
ANTÔNIO JURACI SIQUEIRA
Belém/PA

Mata a revolta em teu peito,
não a deixes florescer:
rio com pedras no leito
não pode alegre correr!...
= = = = = =

Glosa de
JOSÉ FELDMAN
Campo Mourão/PR

MOTE:
Se a porta é larga, desvio,
sem luta não tem vitória.
Porta estreita é o desafio
de quem vence e faz história!
Rita Mourão
Ribeirão Preto/SP

GLOSA:
Se a porta é larga, desvio
dos sonhos que eu fui buscar.
Meus passos eu mesmo crio
pois sei que vou me encontrar.

O tempo é meu aliado, 
sem luta não tem vitória,
desafio o inesperado,
meu caminho será a glória,

Com coragem eu me crio,
e toda a luz se abrirá.
Porta estreita é o desafio,
nada mais me deterá.

Transformando este meu mundo
com fé, sigo a trajetória,
o eco ressoa profundo,
de quem vence e faz história.
= = = = = = 

Trova de
LEDA COSTA LIMA
Fortaleza/CE

Se a revolta me alucina
e a solidão me consome,
a saudade sempre assina
seu nome sobre o seu nome!...
= = = = = = 

Poema de
LUCIANA SOARES
Rio de Janeiro/RJ

Ciclo das estações

O ritmo do tempo começa a dançar, 
No inverno, o frio se faz escutar. 
O vento assobia na rua vazia, 
E a chuva cai lenta, trazendo calmaria. 

O verão surge, com o sol abrasador, 
O calor envolve, com força e ardor. 
Mas no mar, as ondas trazem temperança, 
Entre flores e frutos, a vida avança. 

No outono, o vento espalha folhas no chão, 
O céu cinza anuncia outra estação. 
As flores descansam, os frutos se vão, 
E o ritmo da vida encontra renovação. 

Na primavera, a esperança floresce, 
A natureza em cores renasce e aquece. 
O frio e o calor encontram harmonia, 
Num ciclo eterno de paz e poesia.
= = = = = = 

Trova de
APARÍCIO FERNANDES
Acari/RN, 1934 – 1996, Rio de Janeiro/RJ

Amor - mistério profundo
que não se pode explicar.
Mesmo, assim, pobre do mundo
se ninguém soubesse amar…
= = = = = = 

Soneto de
MÁRIO QUINTANA
Alegrete/RS (1906 – 1994) Porto Alegre/RS

A Rua dos Cata-ventos (II)

Dorme, ruazinha... É tudo escuro...
E os meus passos, quem é que pode ouvi-los?
Dorme o teu sono sossegado e puro,
Com teus lampiões, com teus jardins tranquilos...

Dorme... Não há ladrões, eu te asseguro...
Nem guardas para acaso persegui-los...
Na noite alta, como sobre um muro,
As estrelinhas cantam como grilos...

O vento está dormindo na calçada,
O vento enovelou-se como um cão...
Dorme, ruazinha... Não há nada...

Só os meus passos... Mas tão leves são
Que até parecem, pela madrugada,
Os da minha futura assombração...
= = = = = = = = = 

Trova de
PROFESSOR GARCIA
Caicó/RN

Às vezes, me falta estima,
vendo a multidão que passa...
Muita gente se aproxima,
mas pouca gente se abraça!
= = = = = = 

Soneto de 
AMADEU RODRIGUES TORRES
Viana do Castelo/Costa Verde/Portugal (1924 – 2012) Braga/Portugal

Proesemar facilidades

Métrica, rima, ritmos, a parafernália
Usual, secular caiu de escantilhão
Nalguns, acaso e sorte tentam ritmação,
Mas os versos protestam como em represália.

Prosa e verso já calçam a mesma sandália
E aplaudem Mallarmé só por embirração
Co´a diferença e leis de discriminação,
Não obstante as lições da Fonte de Castália.

Mas quem quer lição hoje de outrem, afinal,
Se o raso quer assentar praça em general
E o poetrasto bisonho é Camões em Constância?

Fazem-me rir a crítica e a sua bitola:
Muita vez, não se sabe quem lidera a bola,
Se a amizade, a nesciência, a cor, a petulância.
= = = = = = 

Trova humorística de 
WANDA DE PAULA MOURTHÉ
Belo Horizonte/MG

– Barata em pinga?! Que horror!
E a garçonete “sensata”:
– Mas não pediu o senhor
a cachaça mais barata?
= = = = = = 

Soneto de 
AMILTON MACIEL MONTEIRO
São José dos Campos/SP

Amor

O amor possui incrível intuição,
que lhe permite ver o invisível
e também escutar com perfeição
os sons até de uma maneira incrível!

É que o amor é bem rico em expressão.
Nesse aspecto, aliás, ele é imbatível:
tem ternura que vem do coração
e um respeito mútuo que é infalível.

Quem diz que ama, mas não se decide
a amar de fato e para toda a vida,
mente em querer amar somente um dia...

Pois o amor de verdade é o que reside
no coração em que encontrou guarida,
e sabe que deixá-lo é covardia!
= = = = = = 

Trova de
ZAÉ JÚNIOR
Botucatu/SP, 1929 – 2020, São Paulo/SP

Prendes a voz do meu canto,
minhas queixas, meu querer,
mas as gotas do meu pranto
tu não consegues prender!
= = = = = = 

Hino de 
QUISSAMÃ/RJ

Na imensidão desta terra altaneira,
Surge uma flor de singelo candor,
Sua beleza morena e brejeira,
Os nossos campos inunda de cor.

Ó Quissamã , terra boa e amiga,
Que a mão de Deus generosa ornou,
Tesouro aberto ao céu que abriga,
Banhada no azul deste mar que a embalou.

Em sua história assim revelada,
Que Maldonado em anais registrou,
A Freguesia em Vila elevada,
À Virgem do Desterro dedicou.

De povo simples, fiel desta terra,
De tradições de beleza sem par,
Relicário que a história encerra,
Motivo e encanto deste meu cantar.

Ó Quissamã, terra boa e amiga,
Que a mão de Deus generosa ornou,
Tesouro aberto ao céu que abriga,
Banhada no azul deste mar que a embalou.

Dourada ao sol que suas praias bronzeia
Beleza agreste, restinga em flor,
É Quissamã, terra que encandeia,
Berço de sonhos, deleites do amor.

É Quissamã essa flor pura e bela,
Que brota ao sol, em solo tão gentil,
Com galhardia o povo desta terra,
Sua glória canta aos rincões do Brasil.

Ó Quissamã, terra boa e amiga,
Que a mão de Deus generosa ornou,
Tesouro aberto ao céu que abriga,
Banhada no azul deste mar que a embalou.
= = = = = = 

Trova Premiada de
RITA MARCIANO MOURÃO 
Ribeirão Preto/SP

Tiro a máscara e ouço aflita,
de um mar de farsas sem fim,
meu outro eu que ainda grita
por vida dentro de mim.
= = = = = = 

Recordando Velhas Canções
NOITE CHEIA DE ESTRELAS 
(tango-canção, 1932)
Cândido das Neves

Noite alta, céu risonho 
A quietude é quase um sonho 
O luar cai sobre a mata 
Qual uma chuva de prata 
De raríssimo esplendor 
Só tu dormes, não escutas 
O teu cantor 
Revelando à lua airosa 
A história dolorosa desse amor. 

Lua, 
Manda a tua luz prateada 
Despertar a minha amada 
Quero matar meus desejos 
Sufocá-la com os meus beijos 
Canto 
E a mulher que eu amo tanto 
Não me escuta, está dormindo 
Canto e por fim 
Nem a lua tem pena de mim 
Pois ao ver que quem te chama sou  eu 
Entre a neblina se escondeu. 

Lá no alto a lua esquiva 
Está no céu tão pensativa 
As estrelas tão serenas 
Qual dilúvio de falenas 
Andam tontas ao luar 
Todo o astral ficou silente 
Para escutar 
O teu nome entre as endechas 
A dolorosas queixas 
Ao luar. 

Lua, 
Manda a tua luz prateada 
Despertar a minha amada 
Quero matar meus desejos 
Sufocá-la com os meus beijos 
Canto 
E a mulher que eu amo tanto 
Não me escuta, está dormindo 
Canto e por fim 
Nem a lua tem pena de mim 
Pois ao ver que quem te chama sou  eu 
Entre a neblina se escondeu.
= = = = = = = = = = = = = 

Poetrix de
LILIAN MAIAL
Rio de Janeiro/RJ

Auto-estima

o desamor não tem desculpa
tempo não é desabono
são folhas secas que enfeitam o outono

(Lembrete: O Poetrix é um terceto que não pode ultrapassar 30 sílabas poéticas, mas não determina normas para a distribuição destas sílabas dentro do poema. O poetrix tem temática livre e pode acontecer no passado, presente ou futuro)

Figueiredo Pimentel (O Dr. Grilo)


Filho de um simples operário, Carolino lembrou-se um dia de se intitular adivinho. 

Era um moço esperto como poucos, e viu que este mundo era dos espertalhões. Anunciou que curava todas as doenças e que era capaz de adivinhar qualquer segredo que houvesse.

Lembrando-se, porém, que ninguém é profeta em sua terra, Carolino mudou-se da cidade. Foi residir na capital do reino, onde toda a gente o conhecia por Dr. Grilo, em vista da sua imensa altura e extraordinária magreza.

Em pouco tempo, o Dr. Grilo tornou-se célebre. Com sua charlatanice, conseguia coisas maravilhosas.

Sucedeu, entretanto, que o rei, sabendo daquilo, mandou chamá-lo ao palácio.

O Dr. Grilo para lá se dirigiu, tremendo de susto, sabendo que o soberano era malvado, e que com ele ninguém brincava.

Apresentando-lhe a mão fechada, ordenou-lhe sua majestade que dissesse o que era que ali se encontrava.

Vendo-se encurralado, o rapaz exclamou:

— Ah! Grilo! em que mãos estás metido?

— É verdade. – disse o rei abrindo a mão. – É mesmo um grilo que tenho aqui.

Tempos depois, o monarca o fez comparecer novamente à sua presença.

— De que bicho é este sangue? – indagou, apresentando um frasquinho.

O adivinho, desesperado, não tendo outra coisa que fazer, disse:

— Aí é que a porca torce o rabo.

— É de porca mesmo. Adivinhaste! – disse o rei.

Passado um mês, como prosseguissem os sucessos assombrosos do rapaz, o soberano mandou que o trouxessem pela terceira vez.

Ordenou-lhe sob pena de morte, que descobrisse os ladrões de um tesouro real.

Os verdadeiros gatunos, que eram três criados do paço, receando que o Dr. Grilo de fato adivinhasse, foram ter com ele e suplicaram-lhe que os não delatasse.

O rapaz, sem perda de tempo, denunciou-os ao rei.

Grilo foi nomeado, então, médico do hospital militar.

Havia nessa ocasião uma grande epidemia que se espalhava entre os soldados, sem que médico algum soubesse descobrir o que era.

Assim que foi nomeado, o falso doutor dirigiu-se à enfermaria, e declarou que, no dia seguinte, iria autopsiar todos os enfermos, mesmo os vivos.

Pela manhã estavam todos bons, e o hospital inteiramente vazio, pois os soldados nada tinham, fingindo-se doentes, a fim de não irem para a guerra.

O rei, acreditando na ciência de Carolino deu-lhe carta de nobreza e grandes riquezas.

Fonte: Alberto Figueiredo Pimentel. Histórias da Avozinha. Publicado em 1896. Disponível em Domínio Público. 

Olavo Bilac (Um homem)

Desde a véspera, havia grande alegria no colégio. Fechadas as aulas, o saguão estava cheio de canastras e malas, já arrumadas. Pelos corredores, numa vozeria alegre, andavam os alunos, em grupos. Aquele severo edifício, que era o terror dos calouros, pelo seu silêncio e pela sua tristeza, durante a época dos trabalhos, estava agora transformado. Folhagens de mangueira atapetavam ainda o salão de estudo, cujas paredes desapareciam sob a profusão das bandeiras, das cortinas, dos arcos verdes. Realizara-se ali, na véspera, a distribuição dos prêmios. Muitos alunos tinham já partido. Os que ainda esperavam que os viessem buscar, tinham os olhos brilhantes de alegria e de impaciência.

Férias! Férias! Quando, depois da distribuição de prêmios, a sineta do colégio, num repique festivo, anunciou àqueles pequenos corações o fim da sua prisão de um ano, todos eles se dilataram, antegozando já os dias de liberdade e de ventura, que os esperavam em casa, junto das famílias, longe da tristeza daqueles refeitórios e daqueles dormitórios imensos e frios.

Mas, no meio da alegria geral, Jorge, um menino de dez anos, encostado a uma janela, meditava. Recebera os melhores prêmios. Lá os tinha, cuidadosamente guardados na mala. Lembrava-se das palavras de louvor que ouvira, quando o diretor lhe entregara os dois livros ilustrados e a grande coroa de mérito. Mas lembrava-se também de que, ouvindo aqueles elogios do mestre e aquelas palavras entusiásticas que saudavam os seus triunfos, sentia o coração apertado, cheio de uma grande tristeza, e somente a custo continha as lágrimas que lhe cresciam nos olhos. 

Todos os outros voltando de receber os prêmios, passavam entre os companheiros com a face corada de orgulho. Jorge, porém, ficara triste. E triste estava ainda agora, mais triste do que, se, tendo recebido repreensões em vez de prêmios, fosse apontado como o mais vadio do ano.

Ninguém viera assistir à sua vitória... Nos outros anos, vinha sempre seu pai, um velho que chorava como uma criança, quando beijava o filho, ao fim desses dez meses de separação. E Jorge lembrava-se das perguntas sem conta que lhe fazia então, das notícias que pedia da mamãe, e da maninha, e dos animais domésticos, e dos criados, e de toda aquela vida da casa, tão conhecida e tão profundamente amada...

Mas, desta vez, ninguém viera. Pela primeira vez, passara Jorge, no imenso e frio dormitório do colégio, essa primeira noite de férias, que costumava ser a primeira noite de sua felicidade anual.

E ninguém vinha! Todos os companheiros saíam. No saguão, iam diminuindo as rumas das malas e das canastras. Poucos alunos restavam... 

Ninguém vinha!

Jorge fechou o rosto nas mãos e desatou a chorar.

De repente a voz de um bedel gritou:

— Número 36!

Era ele! Jorge voltou-se, de um salto, correu, já certo de ir ver seu pai, já esquecido do quanto sofrera, já pronto para se atirar, como um louco, de encontro ao peito do velho. Mas deteve-se, assustado. Quem o vinha buscar era um desconhecido, — um homem alto e magro, fisionomia dura, de gestos secos, e de poucas palavras. Jorge despediu-se do diretor, e saiu com ele.

Quis interrogá-lo. Soube apenas que o pai adoecera, e mandara pedir ao seu correspondente no Rio de Janeiro que se encarregasse de mandar para a roça o menino. Mais nada.

E nessa noite, num escuro e feio quarto de casa de comércio, Jorge não dormiu. Sentia-se tão só! Tão só! Um pressentimento cruel lhe enchia a alma de terror. E, de madrugada, quando o vieram chamar para tomar o trem, ele ainda soluçava com a cabeça enterrada no travesseiro.

Com que alegria fizera em outros anos essa viagem! O trem voava, alucinadamente... mas Jorge ainda o amaldiçoava, achando-o lento e aborrecido. E, respirando o ar fresco da manhã, vendo as montanhas que pareciam galopar em sentido oposto ao do trem, pensava nos beijos com que cobria a face da mamãe, e no rodopio de júbilo supremo em que arrastaria a irmã, e nos dias calmos que se seguiriam...

Mas, nesta triste madrugada, até o céu era outro. Chovia. Uma grande mágoa cobria e enfeiava a natureza. As árvores molhadas, gotejantes, vistas de relance, parecia que choravam. Jorge, cansado da noite de insônia, adormeceu, ao lado do caixeiro da casa comercial, que fumava, indiferente, lendo um jornal.

Houve uma parada brusca do trem. O menino acordou. O caixeiro sacudia-o. Tinham chegado. E foi com o coração batendo precipitadamente que Jorge subiu para o troleibus que o esperava na estação, e fez a viagem, por aquela estrada tão conhecida, — entre árvores familiares que guardavam em cada folha uma recordação.

Na porteira da fazenda, ninguém o esperava. A cancela rangeu soturnamente, surdamente... Aquela cancela! Aquela cancela de traves pintadas de verde, através das quais, nos outros anos, costumava ele ver o rosto ansioso da mamãe todo iluminado de um sorriso, e a cabeça fulgurante da irmã em que os cabelos louros brilhavam como o resplendor de um anjo...

Entrou. Dentro do seu coração de criança já a verdade terrível estava palpitando. Já o seu cérebro de dez anos adivinhara tudo... por isso não teve uma palavra, quando viu, toda coberta de luto, a mamãe que lhe abria os braços chorando. Precipitou-se nesse adorado seio, tremendo, com soluços que o afogavam. E, como, ao seu lado, a maninha também chorava, Jorge, como um homem feito, começou a acariciar-lhe a face, dando-lhe beijos, dizendo-lhe palavras doces, que, daí a pouco, faziam a menina sorrir, na sua inocente alegria de seis anos...

O pai morrera. Toda a casa tinha ainda o pavor e o espanto desse desastre recente. Jorge foi buscar, dentro da mala, os seus prêmios, — os dois livros grandes, ricamente encadernados, e a grande coroa de mérito.

Foi até o gabinete do pai. Lá estava a sua secretária, larga e severa. Sobre ela, pregado à parede, o retrato do velho sorria. Jorge colocou sobre a mesa as recompensas de seu trabalho, como se quisesse mostrar ao retrato do pai que não desprezara os seus conselhos.

Mas voltou-se, ouvindo um barulho de choro. Era a mãe que entrava, toda de luto, e que o abraçava, dizendo:

— Não temos mais ninguém, meu filho! Não temos mais ninguém neste mundo!

Jorge aprumou o corpo, e, com os olhos enxutos e a bela face tranquila, perguntou:

— E então eu, mamãe? E então eu não sou um homem?

E havia na face e na voz desse menino de dez anos uma tal resolução de uma tal coragem que a velha senhora, já sem chorar, teve nos lábios um sorriso de orgulho. Beijou a testa do filho. E traçando, com a mão direita, sobre ele, uma cruz, murmurou:

— Tu és um homem, meu filho! Deus te abençoe, meu filho!

Fonte: Olavo Bilac e Coelho Neto. Contos pátrios. 1906. Disponível em Domínio Público.

domingo, 17 de novembro de 2024

Edy Soares (Fragata da Poesia) 65: Meus ideais

 

José Feldman (O Último Suspiro de Mia)


Para Ayllin (2001-2016), minha princesa guerreira. 

Oh, amiga leal, tua ausência é um tormento,
teu miado é um canto que não se apaga,
e a vida, sem ti é um triste lamento.
Nos dias nublados a dor é uma chaga,
em cada lembrança, um doce momento,
que me abraça e em lágrimas se embriaga.

Os nomes são fictícios, mas a história foi real.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 
Na esquina de uma rua movimentada, sob a sombra de um velho carvalho, havia uma gata chamada Mia. Ela era apenas um filhote quando a vida a presenteou com uma dura realidade: o abandono. Junto com seu irmão, Max, Mia enfrentava o mundo desconhecido, cheio de perigos e solidão. Os dois se aconchegavam em caixas de papelão, buscando calor e proteção um no outro. Mas, à medida que os dias passavam, a vida na rua tornava-se cada vez mais insuportável.

Certa manhã, um casal, Giuseppe e Erin, que passava por ali notou os dois gatinhos. Erin, a mulher, de olhos suaves e coração gentil, não conseguiu resistir. “Olha, amor! Precisamos ajudar!” disse ela, apontando para os filhotes trêmulos. Giuseppe , que sempre teve um carinho especial pelos animais, concordou. Eles se aproximaram e, com cuidado, pegaram Mia e Max, levando-os para casa.

O novo lar era um lugar acolhedor. Mia e Max foram recebidos com carinho, comida e um espaço quentinho para dormir. Eles logo se adaptaram, explorando cada canto da casa, enquanto o casal se tornava a família que nunca souberam que precisavam.

Mas a felicidade não durou muito. Dois anos depois, Max começou a apresentar problemas de saúde. Giuseppe e Erin fizeram o possível para cuidar dele, levando-o ao veterinário, mas infelizmente a doença venceu a batalha. Mia estava ao lado do irmão quando ele deu seu último suspiro. A dor da perda foi insuportável. Ela não entendia por que seu pequeno mundo havia desmoronado tão rapidamente.

Com a partida de Max, a vida de Mia se transformou em um luto silencioso. O calor do lar agora parecia gelado. Ela se afastou de tudo e todos, passando horas em um canto escuro da casa. O casal, preocupado, tentava animá-la, mas a alegria que antes preenchia o lar havia se dissipado. Ela não parecia mais ser a mesma gata brincalhona.

Foi Giuseppe quem mais se dedicou a cuidar dela. Ele a cercou de amor, tentando atrair sua atenção com brincadeiras e petiscos. 

“Mia, minha querida, você ainda tem a mim”, ele dizia, acariciando seu pelo macio. Com o tempo, ela começou a reagir, mas apenas em momentos fugazes. Ele sentava-se ao seu lado, contando histórias, e afagando seus pelos. 

Com o passar dos meses, Mia começou a aceitar a presença dele, mas a tristeza nunca a abandonou por completo.

Giuseppe se tornara um amigo dedicado, compreendendo que a cura de Mia precisava vir do seu próprio ritmo. 

Ele sempre dizia: “Estamos juntos nessa, meu amor.” E, assim, um novo laço foi formado, uma amizade silenciosa, mas profunda.

Os anos se passaram, e Mia envelheceu. Já não era mais a gata ágil e brincalhona que um dia foi. Com 15 anos, ela começou a enfraquecer. 

Giuseppe, agora mais velho também, percebeu que o tempo estava se esgotando. Ele se dedicou ainda mais a cuidar dela, alimentando-a com carinho e dando-lhe amor nos momentos mais difíceis. 

“Você é minha irmã, e eu estarei com você até o fim”, prometeu ele, segurando-a em seus braços.

Mia se aninhava em seu colo, buscando conforto. Giuseppe se lembrava de cada amassada de pão, cada momento feliz que passaram juntos, e seu coração se apertava ao pensar que tudo isso estava chegando ao fim.

Certa manhã, Giuseppe acordou e percebeu que Mia não havia se levantado. Ele se aproximou e viu que ela estava mais fraca do que nunca. Com delicadeza, a pegou no colo, acariciando seu pelo, enquanto lágrimas escorriam pelo seu rosto. 

“Você é tudo para mim, Mia. Eu te amo tanto”, ele sussurrou, com a voz embargada.

Enquanto Mia respirava lentamente, ele ofereceu um pouco de comida, ajudando-a a comer. Mas, naquela manhã, ela parecia tão cansada. Seu olhar, antes vibrante, agora estava distante. Giuseppe, com o coração pesado, sabia que o momento estava se aproximando. Ele segurou Mia mais apertado, como se pudesse transmitir todo o amor que sentia através daquele abraço.

E então, em um momento silencioso e sereno, Mia deu seu último suspiro. Giuseppe sentiu seu corpo relaxar em seus braços, e a dor da perda o atingiu como uma onda devastadora. Ele chorou como uma criança, deixando suas lágrimas caírem sobre o pelo dela, enquanto o vazio se instalava em seu coração.

Mia partiu, mas seu espírito permaneceria para sempre na vida de Giuseppe. Ele sabia que havia amado e sido amado de uma maneira pura e incondicional. A dor da perda seria eterna, mas as memórias dos momentos felizes que passaram juntos seriam seu consolo.

A casa, agora silenciosa, era um lembrete do amor que um dia habitou aqueles espaços. Giuseppe prometeu nunca esquecer a gata que entrou em sua vida em meio à dor e encontrou um lar. Ele sabia que, embora Mia não estivesse mais ali fisicamente, seu amor e a amizade que compartilharam viveriam para sempre em seu coração.

Fontes: José Feldman. Labirintos da vida. Maringá/PR: IA Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
Imagem criada por Jfeldman com Meta, do Whatsapp

Vereda da Poesia = 160 =


Trova de
ÁTILA SILVEIRA BRASIL
Cornélio Procópio/PR

Velha foto esmaecida
deixou lágrima de herança!
Hoje a vejo colorida
pelo cristal da lembrança!
= = = = = =

Folclore Brasileiro em Versos de
JOSÉ FELDMAN
Campo Mourão/PR

Matinta Pereira

Na bruma da noite, um canto a soar,
Matinta Pereira, sombra a vagar,
com penas de gaivota e mistérios a contar,
guardiã das almas, seu destino a traçar.

Canta para os mortos, em lamento profundo,
e em cada sussurro, um eco fecundo,
protege os perdidos, os que não têm voz,
e em seu olhar sábio, a dor se faz feroz.

Mas quem a desafia, deve ter temor,
pois a força da bruxa é de um grande amor,
que luta na sombra, em busca de paz,

e entre os mistérios, a vida se faz,
Matinta, a lenda, com seu eterno clamor,
nas noites de velas, seu canto é fervor.
= = = = = = 

Trova de
LICÍNIO ANTONIO DE ANDRADE
Juiz de Fora/MG

Cai a tarde e a passarada
em gorjeios musicais
é orquestra desafinada
na algazarra dos pardais.
= = = = = = 

Poema de
APARECIDO RAIMUNDO DE SOUZA
Vila Velha/ES

Se

Se eu morresse hoje (agora)
Levaria comigo
A tristeza do seu adeus.

Depois de tudo que restou de mim
Sou a parte de você
Que se desprendeu de mim...
= = = = = = 

Trova de
APARÍCIO FERNANDES
Acari/RN, 1934 – 1996, Rio de Janeiro/RJ

Das culminâncias da serra
ao mais profundo grotão,
trago viva a minha terra,
dentro do meu coração!
= = = = = = 

Soneto de
MÁRIO QUINTANA
Alegrete/RS (1906 – 1994) Porto Alegre/RS

A Rua dos Cata-ventos (I)

Escrevo diante da janela aberta.
Minha caneta é cor das venezianas:
Verde!... E que leves, lindas filigranas
Desenha o sol na página deserta!

Não sei que paisagista doidivanas
Mistura os tons... acerta... desacerta...
Sempre em busca de nova descoberta,
Vai colorindo as horas quotidianas...

Jogos da luz dançando na folhagem!
Do que eu ia escrever até me esqueço...
Pra que pensar? Também sou da paisagem...

Vago, solúvel no ar, fico sonhando...
E me transmuto... iriso-me... estremeço...
Nos leves dedos que me vão pintando!
= = = = = = = = = 

Trova de
PROFESSOR GARCIA
Caicó/RN

As cordas desafinadas
e esta voz chegando ao fim!...
São mimos das madrugadas
guardados dentro de mim!
= = = = = = 

Poema de 
APOLÔNIA GASTALDI
Ibirama/SC

O vento
 
Um dia
bem à tardinha
bate  o  vento
a viração 
e
varre  ligeiro
as  folhas  secas  do  chão
 
Olhei bem aquela cena
do terreiro limpo
e
então
lembrei todos  os  sonhos
que  eu  tinha 
na  coração.
 
Se  você  tivesse  visto
com os olhos  da  alma
a dor
não teria  arrancado
de  mim
aquele  amor
 
Sonho  com o terreiro  limpo
depois de  uma viração.
Um  amor não mata  outro
o que  nos mata 
é a  dor.
= = = = = = 

Trova humorística de 
WANDA DE PAULA MOURTHÉ
Belo Horizonte/MG

Arma um barulho no "ninho"
ao ver que a cara-metade
curte um som com o vizinho
em "alta-infidelidade!"
= = = = = = 

Soneto de 
AMILTON MACIEL MONTEIRO
São José dos Campos/SP

Oh, tempo!

A rua onde brinquei na meninice,
período mais feliz de minha vida,
só fui revê-la agora, na velhice...
E ali... senti minha alma compungida!

Aquela que implorou que eu não partisse...,
que era tão bela e larga, tão comprida,
como pôde encolher? Foi vigarice
do tempo que a tornou tão espremida?

Meu grande espanto fez-me recordar
do imenso amor da minha juventude,
que então julguei ser o maior do mundo...

Mas quando a vida me obrigou provar
a imensidão daquele amor... Não pude,
tão diminuído estava... E moribundo!
= = = = = = 

Trova de
ZAÉ JÚNIOR
Botucatu/SP, 1929 – 2020, São Paulo/SP

O homem é tão insensato,
tanto na farsa delira,
que chega a viver, de fato,
o fato que era mentira!
= = = = = = 

Hino de 
ROSÁRIO DO SUL/RS

Terra fértil de ricas colheitas
de rebanhos e verdes cereais
tua praia de areias eleitas
lembra imenso lençol de cristais

Estribilho: 
Rosário do Sul, Rosário do Sul
Do povo gaúcho contente e feliz
orgulho da gente, cidade bendita
que sonha e palpita no sul do país

O brasão da cidade retrata
as origens que a história traduz
em seus rios, a pureza da prata
sobre o verde à que o ouro dá luz

O rosário, a cabeça de touro
e as armas que em paz hoje estão
simbolizam no verde e no ouro
que Rosário engrandece a nação

Quem o rio contemplar das barrancas
vendo as águas e a vida passar
essas praias de areias tão brancas
dentro d'alma vai sempre levar
= = = = = = 

Trova Premiada de
RITA MARCIANO MOURÃO 
Ribeirão Preto/SP

Velha casa, sonho alado
que a saudade hoje remonta
para mostrar meu passado
brincando de faz de conta.
= = = = = = 

Recordando Velhas Canções
SAMBA TRISTE 
(1960) 
Billy Blanco e Baden Powell 

Samba triste 
A gente faz assim 
Eu aqui 
Você longe de mim, de mim 
Alguém se vai 
Saudade vem e fica perto 
Saudade resto de amor 
De amor que não deu certo 

Samba triste 
Que antes eu não fiz 
Só porque 
Eu sempre fui feliz, feliz 
Agora eu sei 
Que toda a vez que o amor existe 
Há sempre um samba triste, meu bem 
Samba que vem de você, amor
= = = = = = = = = = = = =