quarta-feira, 8 de janeiro de 2025

Edy Soares (Fragata da Poesia) 70: Epitáfio

= = = = = = = = =  = = = = = = = = =  
Edy Soares (Edmardo Lourenço Rodrigues), nasceu na cidade de Ibatiba/ES, em 1964. Filho de pais agricultores. Viveu nos Estados Unidos entre 1991 e 2006. Regressando ao Brasil dedicou-se, além do seu trabalho de rotina, ao seu acervo de poemas e composições de canções. Classificado em vários concursos literários, nacionais e internacionais, de Sonetos, trovas e outros gêneros, identifica-se principalmente como sonetista clássico e trovador. Participação em várias feiras literárias e na Bienal Capixaba do Livro. Empresário no ramo hoteleiro, com o Fragata Hotel, em Guarapari/ES. Reside em Vila Velha/ES. Membro fundador da Academia Brasileira de Sonetistas (ABRASSO), Academia Pan-Americana de Letras e Artes (APALA), Academia Ibatibense de Letras e Artes, Confraria Brasileira de Letras, entre outros. Livros publicados: “Poemas Canções e Sonetos”, “Flores no Deserto”,  “Sonetos Sonantes”, co-autor do livro “Três em Trovas”.
 

Aparecido Raimundo de Souza (O Stubby*)

O EPAMINONDAZINHO, um moleque de quinze anos, chegou notoriamente cediço na aula de matemática. Assim que o viu entrar, a professora abriu a correr se plantando no encalço dele. Ao pará-lo, antes que se sentasse, o interpelou:

— O que foi que houve Epaminondazinho que você chegou atrasado?

— A senhora nem vai acreditar, tia Camomila: fui atacado por um cachorro bravo justamente quando estava para pegar o caminho aqui da escola! 

A professora Camomila fazendo uma cara de assustada:

— Nossa, disse ela confusa! E está tudo bem?  — Ele mordeu você? — Acaso se machucou? 

Epaminondazinho sem perder a esportiva e rindo de um canto a outro da boca, explicou: 

— Olha, tia Camomila. Está tudo nos conformes: Morder ele não me mordeu, só fez latir. — Tampouco me machuquei... aconteceu, inclusive, um fato interessante. Seu Tião...

A mestra o interrompeu:

— Quem é seu Tião?

— O dono do cachorro. Ele chegou em tempo de ralhar com o animal e o prender numa coleira. — Aliás, um gesto desnecessário...

— Graças a Deus, Epaminondazinho. Porém, isso não explica quase quarenta minutos de atraso. Conta a verdade...

— Seu Tião me pediu que fosse até a casa dele. É perto lá da minha rua. E eu não perdi tempo. Aceitei o convite, até porque a Lilica...

A professora Camomila estava a ponto de perder a esportiva. Berrou:

— Quem é Lilica, Epaminondazinho? — Você está me enrolando... conta a verdade ou vou levar você agora e o entregarei de bandeja à tia Valquíria, da coordenadoria. E você sabe que ela é dura na queda: — Pedirei para chamarem seus pais. 

Epaminondazinho, não se fez de rogado. Respondeu sem pressa. A sala, em peso, observava atenciosamente e em silêncio, cada palavra dita pelo coleguinha:

— Tia, não há necessidade. Estou falando a verdade, Lilica é a filha dele. Um ano mais nova que eu, e não é de hoje que estou de olho nela... 

O moleque fez uma pausa e prosseguiu:

— Conversa vai, conversa vem, acertei dois passarinhos com uma estilingada só. Revi a Lilica, e descobri que o Stubby...

— Meu Pai Santíssimo, Epaminondazinho. — Quem é esse... como é mesmo o nome?

— Stubby, tia. Se escreve assim.  Esse, tê, u, dois bês e ípsilon... aliás, é o nome do cachorro. Ele jamais me morderia. Só fez latir e fazer festinha. Confesso, me assustei com outra coisa. Quando em casa de seu Tião, ele me mostrou as medalhas que o danado ganhou... nossa! Mais de vinte, só a senhora vendo...

— Medalhas?

— Sim, tia Camomila. Eu disse para a senhora que ele veio para cima de mim muito bravo... e como eu não o conhecia... 

A professora não se intimidou. Todavia, dava para se perceber, estava furiosa. Redarguiu:

— Cão bravo ataca, Epaminondazinho. Você deu foi sorte. Ponha as mãos para o céu.

— Tia, a senhora não entendeu. Não sabe diferenciar bravo de brabo? 

— Seja mais claro, mocinho... não estou aqui para perder tempo. 

— Stubby correu para meu lado latindo e querendo carinho, exatamente por ser bravo... ouvira falar dele, mas nunca o havia visto... 

Tia Camomila ainda tentou manter o controle:

— Desenhe. Enquanto desenha, pegue seu material escolar. Vamos para a sala da tia Valquíria.

Epaminondazinho estava começando a se irritar. Não era para menos:

— Calma, tia Camomila. Deixa eu explicar. A senhora vai dizer que não gosto de sua aula. Daí minha demora. Negativo. A senhorita é para mim como uma prova de matemática. Difícil, mas elegantemente compensadora. 

A tia Camomila diante desta revelação, sorriu, brejeira. Epaminondazinho voltou ao cachorro: 

— Stubby é bravo, de braveza e de bravura. Simplificando, um cachorro valente. 

Epaminondazinho fez uma breve pausa e seguiu em frente:

— Não tem medo de nada. Por sua característica destemida, ele ganhou medalhas em diversas competições caninas. É um atleta olímpico nato. Diferente de brabo, que seria o contrário, ou um cachorro perverso, feroz. Entre um cachorro brabo, e um cãozinho bravo, o que faz toda a diferença é a letra “B” substituída pela letra “V”.  

A tia Camomila finalmente sem munição para seguir discutindo, mandou o garoto se acomodar e continuou a aula. Se via, em seu semblante uma abespinhes desconcertante. Numa olhada geral da sala, meia dúzia de rostos pingados captou a conversa e intimamente aplaudiu a discussão. A outra banda caiu na gargalhada, — ou seja — ninguém entendeu bulhufas. Resumindo, em números de cabeças presentes: cinco ou seis alunos assimilaram o que Epaminondazinho discutia com a professora de matemática. O resto da galera, a bem da verdade não passava de um bando de mentes vazias. 
= = = = = = = = =  = = = = = = = = =  

(*) STUBBY: — O lendário bull terrier Stubby, citado como sendo o cão de estimação do senhor Tião, no presente conto, foi o cão mais condecorado da história militar dos Estados Unidos. Ele foi adotado pelo soldado J. Robert Conroy ainda filhote, em 1917. Conroy conseguiu embarcá-lo escondido em um navio para a França durante a Primeira Guerra Mundial. Lá, ele participou de 17 combates. Stubby realizou inúmeras façanhas durante a guerra. Entre elas salvou soldados de gases tóxicos no front de batalha, localizou feridos em combates e até mesmo capturou sozinho um espião alemão. Graças às suas façanhas, ele foi o primeiro cão a ser condecorado sargento do exército americano. O obituário da morte de Stubby foi publicado em três colunas no jornal “The New York Times” em 4 de abril de 1926.
= = = = = = = = =  = = = = = = = = =  = = = = = = = = =  

Aparecido Raimundo de Souza, natural de Andirá/PR, 1953. Aos doze anos, deu vida ao livro “O menino de Andirá,” onde contava a sua vida desde os primórdios de seu nascimento, o qual nunca chegou a ser publicado. Em Osasco, foi responsável, de 1973 a 1981, pela coluna Social no jornal “Municípios em Marcha” (hoje “Diário de Osasco”). Neste jornal, além de sua coluna social, escrevia também crônicas, embora seu foco fosse viver e trazer à público as efervescências apenas em prol da sociedade local. Aos vinte anos, ingressou na Faculdade de Direito de Itu, formando-se bacharel em direito. Após este curso, matriculou-se na Faculdade da Fundação Cásper Líbero, diplomando-se em jornalismo. Colaborou como cronista, para diversos jornais do Rio de Janeiro e Minas Gerais, como A Gazeta do Rio de Janeiro, A Tribuna de Vitória e Jornal A Gazeta, entre outras.  Hoje, é free lancer da Revista ”QUEM” (da Rede Globo de Televisão), onde se dedica a publicar diariamente fofocas.  Escreve crônicas sobre os mais diversos temas as quintas-feiras para o jornal “O Dia, no Rio de Janeiro.” Acadêmico da Confraria Brasileira de Letras. Reside atualmente em Vila Velha/ES.

Fontes: Texto enviado pelo autor.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing

Vereda da Poesia = 195



Trova de
WELLINGTON FREITAS
Caicó/RN

Há um relógio em cada esquina
marcando o tempo atual;
mas não marca quem destina,
nosso destino final.
= = = = = =

Poema de
ADEMAR MACEDO
Santana do Matos/RN, 1951 – 2013, Natal/RN

Agradecimento

Feldman é um vencedor 
um mestre da alegria, 
um Poeta Trovador, 
um fazedor de Poesia. 
Não há em todo universo 
melhor fazedor de verso 
pois é um dom que ele traz! 
Pra Feldmam, em nada eu ganho, 
ele é grande no tamanho 
e nas Poesias que Faz.
= = = = = = = = =  

Trova de
FRANCISCO JOSÉ PESSOA
Fortaleza/CE, 1949 - 2020

Feldman, amigo, eu desejo
tudo aquilo que te apraz...
viver a vida sem pejo, 
porém envolta na paz!
= = = = = = 

Poema de
VANICE ZIMERMAN
Curitiba/PR

Chave do tempo

Tarde de inverno,
Imóvel no arame
Ele continua
O prendedor de roupas
Silencia-se
Sem a companhia
Do lençol ou da camisa branca...
Em sua geometria
Ostenta as marcas
Do sol, da chuva
E das noites frias...
A ferrugem
Com seus tons cobriu seu metal,
E a boa parte de sua madeira
Foi tingida com a passagem
Do pôr do sol e do amanhecer
Prendendo com suas pontas
Lembranças de ontens -
Admirável sua resistência,
Quase, dobra-se à rotina
Das horas, dias e anos -
Mas, a essência permanece
Misteriosa
Chave do Tempo...
= = = = = = 

Trova de
DOROTHY JANSSON MORETTI 
Três Barras/SC, 1926 – 2017, Sorocaba/SP

Do coveiro, a noiva, rente 
é tão magra o estrupício, 
que ele diz, literalmente: 
– Casei com os ossos do ofício. 
= = = = = = 

Poema de
DOMINGOS FREIRE CARDOSO
Ilhavo/ Portugal

Nunca a casa ficou só de tão vazia
(Rui Balsemâd da Silva in "Meu grito meu canto")

Nunca a casa ficou só de tão vazia
Como nesse dia trinta de Agosto
Quando os olhos te fechei, e o teu rosto
Ficou da mesma cor da cama fria.

A tua alma pura é que aquecia
Esta tua casa onde tinhas posto
Coisas poucas, pequenas, mas com gosto
Com esse amor que à vida te prendia.

Mas da vida, sem ódios, te esvaíste
E nesse dia negro tu partiste
Para onde pertencias; o Além.

Regressaste ao lugar de onde vieste
E já que aos outros tudo de ti deste
Daqui nada levaste, ó minha Mãe! 
= = = = = = = = = 

Triverso de
MILLOR FERNANDES
Rio de Janeiro/RJ, 1923- 2012

A palmeira e sua palma
Ondulam o ideal
Da calma.
= = = = = = 

Soneto de
OLAVO BILAC
Rio de Janeiro/RJ, 1865 – 1918

Pecador

Este é o altivo pecador sereno,
Que os soluços afoga na garganta,
E, calmamente, o copo de veneno
Aos lábios frios sem tremer levanta.

Tonto, no escuro pantanal terreno
Rolou. E, ao cabo de torpeza tanta,
Nem assim, miserável e pequeno,
Com tão grandes remorsos se quebranta.

Fecha a vergonha e as lágrimas consigo...
E, o coração mordendo impenitente,
E, o coração rasgando castigado,

Aceita a enormidade do castigo,
Com a mesma face com que antigamente
Aceitava a delícia do pecado.
= = = = = = 

Trova de 
ADEMAR MACEDO
Santana do Matos/ RN, 1951 – 2013, Natal/ RN

Ninguém calcula essa dor 
no coração dos mortais… 
Quando a saudade é de amor, 
a dor é cem vezes mais !
= = = = = = 

Setilha e Trovas de
NEMÉSIO PRATA 
(Fortaleza/CE) 
JOSÉ FELDMAN 
(Campo Mourão/PR)

Diálogo sem Pé nem Cabeça

Eu pensei por tanto tempo 
no tempo sem ter um tempo 
pra pensar no tanto tempo 
que pensei: passei do tempo... 
e pensar que o tempo tem 
tempo para quem não tem 
tempo de pensar no tempo!
Nemésio Prata

Amigo Nemésio 
Mas o tempo não para por aí... se tiver algum com pé quebrado me enforco num pé de alface...rsrsrs 

Passa o tempo, tanto tempo... 
passa o tempo por quem tem 
um tempo sem contratempo, 
sobre um tempo que não tem. 

Se para agora há mais tempo, 
qual o tempo você tem? 
Pois já se faz tanto tempo, 
que um tempo muitos não têm. 
José Feldman

Um tempo de pé quebrado 
não é tempo, é contratempo; 
gostei do refrão dobrado... 
igual não vi, faz é tempo! 

Quanto a morrer enforcado 
num pé de alface, essa é boa, 
ruim é ficar pendurado; 
assim você me magoa!
Nemésio Prata

Mas se eu ficar pendurado, 
a fome pode bater... 
com tanto alface do lado, 
não terei quando morrer... 

Daí eu terei mais tempo, 
para o tempo que se tem, 
então será um passatempo, 
que o tempo tem... e não tem.
José Feldman

Do Nemésio – A minha última trova estava com 8, corrigi a tempo.

Se não fosse a corrigenda 
feita, de imediato e a tempo, 
era "forca" na merenda, 
sem alface, ao meio-tempo!
Nemésio Prata
= = = = = = 

Trova de
IZO GOLDMAN
Porto Alegre/RS, 1932 – 2013, São Paulo/SP

Partir é quase morrer... 
É deixar na despedida 
um pouco do próprio ser 
e muito da própria vida…
= = = = = = 

Poema de
RENATO RUSSO
(Renato Manfredini Júnior)
Rio de Janeiro/RJ, 1960 – 1996

Tempo Perdido

Todos os dias quando acordo, 
Não tenho mais o tempo que passou 
Mas tenho muito tempo 
Temos todo o tempo do mundo. 

Todos os dias antes de dormir, 
Lembro e esqueço como foi o dia 
"Sempre em frente, 
Não temos tempo a perder". 

Nosso suor sagrado 
É bem mais belo que esse sangue amargo 
E tão sério 
E selvagem. 

Veja o sol dessa manhã tão cinza 
A tempestade que chega é da cor dos teus 
Olhos castanhos 
Então me abraça forte 
E diz mais uma vez 
Que já estamos distantes de tudo 
Temos nosso próprio tempo. 

Não tenho medo do escuro, 
Mas deixe as luzes acesas agora, 
O que foi escondido é o que se escondeu, 
E o que foi prometido, 
Ninguém prometeu. 

Nem foi tempo perdido; 
Somos tão jovens.
= = = = = = 

Trova de
GERALDO TROMBIN
Americana/SP

O tempo vem desfazendo
a família dia a dia;
hoje vivemos fazendo
sala pra tecnologia.
= = = = = = 

Hino de
FLORES DA CUNHA/ RS

Envolvido por um sonho
Sua Itália deixou,
Enfrentando a dor nos mares,
O imigrante aqui chegou;

E da serra indomável,
A videira se adonou,
Sendo mastro da bandeira
De uma história que ficou.

Jorra vinho, giram taças
Espumantes de prazer,
A brindar Flores da Cunha,
Terra do Galo e do bem-viver.

A semente é lançada
Pela mão do agricultor,
Outra mão mais delicada
Faz a arte do sabor.

No trabalho da madeira
Nascem jóias de artesão;
As agulhas trançam malhas
Como pautas de canção.

Uma torre imponente
Representa o vigor
De um povo religioso
Alicerçado em seu labor.

As cascatas, que parecem
Espumantes naturais,
Também lembram tantas lágrimas
Dos bravos ancestrais.
= = = = = = = = =  

Soneto de
BENEDITA AZEVEDO
Magé/ RJ

Sonho de beija-flor

Beija-flores são almas flutuando
em busca de um amor plasmado em flor.
Em volteios inquietos ao sabor,
um só, se afasta, se aproxima olhando...

No suave bailado ao seu amor,
em cuidados atentos vai levando
a ternura distribuída quando,
em doces toques vai colhendo olor.

O sonho que o fascina enche-o de graça
Nesse momento de ternura abraça
com plenitude, comunhão, calor.

E o beija-flor enamorado andeja
de selinho em selinho busca, almeja
o etéreo sonho de levar sua flor.
= = = = = = = = =  = = = = 

Trova Premiada de
RITA MOURÃO
Ribeirão Preto/ SP

Desbravando o chão mineiro, 
com brio, amor e esperança, 
de um pai humilde e guerreiro 
me veio a maior herança!
= = = = = = = = = 

Silmar Bohrer (Croniquinha) 126

Esta poderia ser a HISTÓRIA de um cachorrinho.  Poderia!  Seguidamente nas andanças pelo cantinho da barra passo em frente do hotel para um papo com o Joaquim, comandante do local.  

Curiosamente onde eu o encontro é na rua e não no trabalho interno, por isso não tinha ainda acessado alguma das dependências do hotel.  Na quarta-feira, porém, portão aberto, me dirigi à portaria à procura do Joaquim.  Novamente ele não estava. 

No local um cachorrinho dormia num canto a ele preparado, e uma senhorinha simpática me recebeu com um bom dia alegrinho. Disse a ela que noutro dia ali estivera e, não tendo visto ninguém, tentei uma conversa com o cachorrinho que dormia.  

A garota disse que não era um cachorrinho de verdade, por isso não tem reações e estímulos.  Dorme dias e noites, alheio ao mundo-cão. 

Então a crônica de um cãozinho não passou de ESTÓRIA de um não-cachorrinho, que assim mesmo segue impondo algum respeito a alguém no recinto.  Mesmo inerte tem alguma utilidade.  Silencioso, faz a sua parte, faz a gente calar.  E a voz do silêncio é tantas vezes poderosa.
= = = = = = = = =  = = = = = = = = =  

Silmar Bohrer nasceu em Canela/RS em 1950, com sete anos foi para em Porto União-SC, com vinte anos, fixou-se em Caçador/SC. Aposentado da Caixa Econômica Federal há quinze anos, segue a missão do seu escrever, incentivando a leitura e a escrita em escolas, como também palestras em locais com envolvimento cultural. Criou o MAC - Movimento de Ação Cultural no oeste catarinense, movimentando autores de várias cidades como palestrantes e outras atividades culturais. Fundou a ACLA-Academia Caçadorense de Letras e Artes. Membro da Confraria dos Escritores de Joinville e Confraria Brasileira de Letras. Editou os livros: Vitrais Interiores  (1999); Gamela de Versos (2004); Lampejos (2004); Mais Lampejos (2011); Sonetos (2006) e Trovas (2007).

Fontes:
Texto enviado pelo autor. 
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing 

Célio Simões (O nosso português de cada dia) “Santinha do pau oco”

A língua portuguesa possui inúmeros dizeres interessantes, que permanecem imutáveis ao longo do tempo, representando um forte viés cultural para o idioma. Esses dizeres podem ser fundamentados na cultura do próprio país ou ainda, ter influência estrangeira, mitológica, religiosa, histórica, etc. 

Sabe-se que a partir dos cinco ou seis anos, as crianças começam a usar pelo menos algumas delas, que são repetidas com frequência em casa pelos pais e amigos, e esse procedimento de expressões populares repetitivas acaba por se incorporar ao acervo cultural de uma pessoa, contribuindo assim para o enriquecimento do dicionário mental de cada qual na vida adulta.

Existe uma justificativa histórica para a expressão “SANTINHA DO PAU OCO”, que utilizamos para designar uma pessoa de caráter duvidoso, mentirosa ou falsa, surgida ainda no tempo do Brasil Colônia, por volta do Século XVII em Minas Gerais, berço da mineração do ouro, na época pesadamente tributado em 20% a título do “quinto”, que constituía a parte imposta pela coroa portuguesa como condição básica para quem se dedicava à garimpagem, extração e comercialização de metais preciosos em solo brasileiro.

Vivíamos o apogeu do domínio do catolicismo nas cidades e no campo, pela forte influência da Igreja Católica num Estado não laico, pontificando o talento dos artesãos que esculpiam em madeiras previamente selecionadas, a imagem dos santos que mais tarde viraram cobiçadas relíquias do barroco brasileiro, confeccionados propositadamente ocos, para que pudessem ser recheados de ouro em pó, assim driblando a rígida fiscalização vigente, que impunha um escorchante tributo cobrado pelas “Casas de Fundição”, repartições incumbidas de arrecadar os impostos sobre a mineração no Brasil.

A partir de então, a dita expressão invariavelmente alude à pessoa conhecida como sonsa, que aparenta ter um temperamento cordial, agradável e inocente, mas na realidade é o oposto, pois age de modo sorrateiro, escondendo suas intenções, no mais das vezes malévolas e o que é mais grave, com o obscuro e inconfessável propósito pessoal de levar vantagem, de tirar proveito.

Cairon e Márcio Oliveira aproveitaram o tema para enriquecer o cancioneiro popular, com um texto poético que revela o sentido pejorativo da expressão:

Eu pensava que você era santinha
eu jurava que você era só minha
mas foi tudo ilusão
e o meu pobre coração
você fez de bobo
Sua santinha do pau oco...

Na esteira dessa composição musical, os cantores e compositores Jefferson Morais, Luís Marcelo e Gabriel, Márcio Dhuka e Marreta, também lançaram suas canções com a mesma denominação - “SANTINHA DO PAU ÔCO” - evidenciando que não constitui motivo de orgulho para ninguém ser assim rotulado, por exprimir um conceito negativo, rebarbativo, quase sempre de pessoa falsa ou dissimulada, na qual não se deve confiar, nem mesmo rimando: 

Com a santinha de pau oco
todo cuidado é pouco!
Confiou, ela te engana
e te deixa no sufoco...

E assim se consolidou essa expressão que atravessou gerações e até hoje surge quando no meio social em que vivemos aparece alguém - homem ou mulher, jovem ou idoso - que por razões insondáveis, lança mão da dissimulação e da esperteza, para ludibriar outrem. 

E basta olhar em volta, pois em qualquer aglomerado humano, dos mais modestos aos requintados, essa nefanda figura pode ser identificada com facilidade, bastando que se observe seu agir manhoso, astuto e disfarçado, visto pela psicologia como inerentes a quem oculta seus sentimentos reais, ludibriando quase todo mundo, para só depois mostrar suas verdadeiras e turvas intenções. 
= = = = = = = = =  = = = = = = = = =  

Célio Simões de Souza é paraense, advogado, pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho, escritor, professor, palestrante, poeta e memorialista. Membro da Academia Paraense de Letras, membro e ex-presidente da Academia Paraense de Letras Jurídicas, fundador e ex-vice-presidente da Academia Paraense de Jornalismo, fundador e ex-presidente da Academia Artística e Literária de Óbidos, membro da Academia Paraense Literária Interiorana e da Confraria Brasileira de Letras em Maringá (PR). Foi juiz do TRE-PA, é sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós, fundador e membro da União dos Juristas Católicos de Belém e membro titular do Instituto dos Advogados do Pará. Tem seis livros publicados e recebeu três prêmios literários.

Fonte: Enviado pelo autor

segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

Jerson Brito (Asas da poesia) 06



= = = = = = = = =  = = = = = = = = =  
Jerson Lima de Brito, nasceu em Porto Velho/RO, em 1973, onde reside. Graduado em Administração e Direito pela Fundação Universidade Federal de Rondônia. Sonetista, trovador e cordelista, é membro fundador da Academia Brasileira de Sonetistas (Abrasso), integrante do Fórum do Soneto e Delegado da União Brasileira de Trovadores (UBT) em Porto Velho. Exerce o cargo de Técnico Federal de Controle Externo na SECEX-RO, tendo participado de algumas Mostras de Talentos do TCU. Neto de nordestinos, na infância teve os primeiros contatos com os versos, lendo os folhetos de cordel que seu pai comprava. Já na fase adulta, depois dos 30 anos, deu os primeiros passos na literatura escrevendo sobretudo cordéis. Posteriormente, aderiu aos sonetos e outras modalidades poéticas. Premiado em diversos concursos de trovas, sonetos e cordéis.

Renato Frata (Il Maestro Dorfo)

À memória de meu pai
A casa da Mamma Luigia seria igual a tantas de imigrantes italianos nos fins do século dezenove, não fosse seu jeito de ser; alta, esguia, nariguda, magriça e mandona, a ponto de fazer seu marido Ângelo, coadjuvante no trato das coisas

A família ocupava uma residência com tarefas definidas: as noras e filhas - que não estivessem de resguardo cuidavam da cozinha, da ordenha, da roupa e da casa, enquanto os filhos e genros, da roça, da tarefa de pilar arroz, do moinho de fubá, dos animais. Aos bambini cabia o trato das galinhas e a obrigação de levar, aonde os homens estivessem, água fresca e café com broa por duas vezes ao dia. 

A vida seguia na aspereza dos dias e nas noites nos aconchegos dos enormes colchões de palhas e, de resto, a lentidão do tempo em que a natureza com suas cores, clarões e vozes, comungava com a simplicidade do povo tendo Deus e os santos por guardiões do amor que gestava, de permeio.

Nessa labuta passou o tempo, até que num momento Mamma Luigia despejou:

- O "Dorfo" vai pra escola, precisamo de alguém mais sabido que noi, que leia o que 'essa gente' põe na nossa frente.

Tratava-se de Rodolpho, o caçula, e do contrato de meação que o proprietário da terra os fazia assinar para garantir sua estada no trato do cafezal. Daí a preocupação em ser menos lesados nos preços das compras, da entrega, pesagem, das somas e subtrações.

Ninguém se opôs. Já haviam passado da idade para a escola, e às mulheres, não era dado esse direito. Ângelo fez a matrícula do menino, comprou os materiais e um saco branco, para o embornal. O bambino Dorfo foi levado na manhã seguinte. De carroça. Depois iria sozinho, a pé, com a obrigação de sendo sabido, aprender para conseguir resolver os problemas de conhecimento da família.

O moleque arruivado logo aprendeu a ligação das letras compondo palavras e a formação de frases, que um mais um dá dois e muita coisa mais, o que chamou à atenção da professora. Fora feito para a escola, especialmente quando os cadernos voltavam com frases como: "parabéns, vá em frente", "isso mesmo! Estou satisfeita." escritos na parte superior das folhas.

- Buonno, buonno, bambino mio -, sorria ela, embevecida enquanto lhe gadanhava os cabelos. O Dorfo fora feito para os conhecimentos de que tanto precisavam. E teria um horizonte inteiro a si descortinado com as oportunidades derriçadas aos seus pés como os grãos de café, na colheita, a leitura e o aprendizado faziam dos homens pessoas importantes, traziam-lhe as chances dos bons negócios e até o céu derramaria em suas mãos a abençoada chuva da prosperidade, tal como aquela que volta e meia escorria dos telhados, ganhava as lavouras e as faziam florescer.

Bastasse seguir as regras da humildade e da decência: o mundo das letras, das mãos macias, do ordenado certo, enquanto eles continuariam a depender da lavoura, do meeiro-proprietário, do atravessador que os fiava na entressafra e cobrava em dobro depois. Da lida inglória do homem da roça.

Quanta sabedoria naqueles sonhos!

Quando o moleque chegou mostrando resolvidas as contas mais complicadas de aritmética, todos se empolgaram. Era mesmo o mais sabido, e chegara a hora dele começar a pagar pelo benefício. Então, ela ordenou:

- Dorfo, tu sarai il maestro de noi tutti.

Foi o que bastou para que nos começos das noites, ao redor da grande mesa da cozinha iluminada com lamparinas, lápis começassem a riscar copiando nos cadernos, as primeiras letras desenhadas por Dorfo na lousa improvisada: A-E-I-O-U.

Mamma Luigia observava a segurança do bambino que, apesar do respeito que dedicava aos irmãos, mostrava destreza e paciência diante da dificuldade que tinham em desenhar nas entrelinhas, os complicados rabiscos.

Com o tempo, mais familiarizados com os instrumentos de escrita e com suas pontas finas e frágeis, as mãos calosas foram se adaptando a juntar as letras em carreirinha e a montar seus nomes, os sobrenomes, as frases curtas do dia a dia como; o sol está quente, a lua está clara; e mais tarde, pensamentos longos e enigmáticos, saídos do coração.

O mestre Dorfo havia alfabetizado seus irmãos e cunhados como num passe de mágica, tão capaz, tão dono de si com um pedaço de giz na mão. Era um verdadeiro professor. E só não o fez, ensinando a mamma e su padre Angelo, porque eles não quiseram: - estavam tropo vecchi  para pegar num lápis; era per i Giovani. 

O vento que leva o cisco, leva também palavras e, nesse soprar, a notícia correu pela colônia. Foi o que bastou para que a cozinha da grande casa, de hora para outra, ficasse pequena para o abrigo de vizinhos que chegavam com cadeiras e lamparinas, dispostos a aprender. Homens de mãos calosas, mulheres de toucas e xales puseram-se ali, sentados em união, às lições encantadoras da aprendizagem das coisas estupendas que o pequeno Dorfo tinha a oferecer.

Il mestre Dorfo, agora de calças compridas, contava histórias dos navios de Cabral, dos textos de Machado de Assis sobre a aurora de esperança do país a cada amanhecer, da terra que nunca negou frutos a quem plantasse a semente, e explicava sobre os astros do céu, sobre as constelações, as mudanças da lua com a sua importância à pesca e agricultura, os planetas do cosmo, as intrigas políticas do poder republicano que o jornal semanal trazia, as coisas intrincadas da Primeira Guerra, o amor ao Ser Supremo e, pacientemente, os ensinava ler e escrever seus nomes, as datas, os acontecimentos, a fazer contas de mais, de menos, de dividir e de multiplicar.

Era il maestro, che solo deto la verità, como vaticinara a mamma.
==============================

Renato Benvindo Frata nasceu em Bauru/SP, radicou-se em Paranavaí/PR. Formado em Ciências Contábeis e Direito. Professor da rede pública, aposentado do magistério. Atua ainda, na área de Direito. Fundador da Academia de Letras e Artes de Paranavaí, em 2007, tendo sido seu primeiro presidente. Acadêmico da Confraria Brasileira de Letras. Seus trabalhos literários são editados pelo Diário do Noroeste, de Paranavaí e pelos blogs:  Taturana e Cafécomkibe, além de compartilhá-los pela rede social. Possui diversos livros publicados, a maioria direcionada ao público infantil.

Fontes:
Renato Benvindo Frata. Crepúsculos outonais: contos e crônicas.  Editora EGPACK Embalagens, 2024. Enviado pelo autor.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing 

Vereda da Poesia = Vanda Fagundes Queiroz



José Feldman (Estrepolias de um insone)

Era uma vez, em uma cidade não muito longe daqui, um sujeito chamado Tico. Ele era conhecido por uma peculiaridade: ele não conseguia dormir. Enquanto a maioria das pessoas se entregava aos braços de Morfeu, ele passava as noites em claro, contando carneirinhos, assistindo a infindáveis maratonas de programas de culinária e fazendo listas de coisas que nunca faria. Com o tempo, a insônia foi se agravando, e ele decidiu que, se não podia dormir, pelo menos poderia se divertir à custa dos que estavam.

Em uma noite particularmente longa, enquanto o relógio marcava 3 da manhã, Tico teve uma ideia brilhante. Ele se vestiu como um ninja (ou, pelo menos, como um ninja que não tinha um bom senso de moda) e decidiu que iria “visitar” seus vizinhos que, ao contrário dele, estavam desfrutando do sono dos justos.

Primeiro, ele foi até a casa da Dona Efigênia, uma senhora que sempre reclamava do barulho na rua. Com um sorriso travesso, ele começou a bater na porta, fazendo imitações de vários animais. Primeiro, ele grunhiu como um porco, depois miou como um gato e, por último, uivou como um lobo. A Dona Efigênia, que estava tendo um sonho maravilhoso com um bolo de chocolate, acordou assustada, pensando que um zoológico tinha se instalado em sua sala. Quando abriu a porta, encontrou Tico agachado, fazendo a pose de um gato.

— O que você está fazendo, Tico? — perguntou ela, com os olhos arregalados.

— Apenas testando se a senhora está sonhando! — respondeu ele, tentando conter o riso.

A Dona Efigênia, com um olhar de quem não tinha a menor paciência para brincadeiras, fechou a porta na cara dele. Mas Tico não estava disposto a desistir. Ele seguiu para a casa do Seu Joaquim, um aposentado que sempre sonhava em voltar a pescar.

Ao chegar lá, decidiu que a melhor estratégia seria imitar o barulho de um peixe fora d'água. Ele se jogou no chão e começou a se contorcer, fazendo ruídos estrondosos. O Seu Joaquim acordou, pulou da cama e correu para a sala, armado com um taco de beisebol que mantinha para "emergências".

— O que está acontecendo aqui? — gritou ele, olhando para Tico se debatendo no chão.

— Estou apenas fazendo uma pesca noturna, Seu Joaquim! — respondeu Tico, gargalhando.

Naturalmente, o Seu Joaquim não achou graça nenhuma. Ele deu uma rápida olhada para Tico e saiu para a rua, murmurando algo sobre “juventude perdida” e “jovens insensatos”.

Com uma sensação crescente de missão cumprida, Tico decidiu que ainda não era hora de parar. Ele se dirigiu para a casa do Luís, o estudante que sempre tirava notas altas, mas que tinha uma aversão a qualquer tipo de perturbação. Tocou a campainha e, assim que Luís abriu a porta, ele começou a fazer uma apresentação de stand-up, mas com piadas completamente sem graça.

— Você sabe por que a galinha atravessou a estrada? Para ir do outro lado! — disse Tico, enquanto Luís, sem paciência, tentava entender o que acontecia àquelas horas da noite.

Luís, que estava prestes a fazer uma prova importante, não achou muita graça e, em um impulso, empurrou Tico para fora de casa, fechando a porta com força. Tico, no entanto, não se deixou abalar. Em vez disso, decidiu que era hora de uma nova abordagem.

Ele foi até o parque, onde alguns jovens costumavam se reunir à noite para tocar violão.  Juntou-se a eles e começou a cantar, mas em vez de músicas conhecidas, ele fez versões paródicas de clássicos, como “Garota de Ipanema” transformada em “Garoto de Insônia”. A letra, que falava sobre coisas totalmente sem sentido, fez com que todos se unissem a ele, rindo e se divertindo.

No entanto, a festa logo atraiu a atenção dos vizinhos, que saíram de suas casas, sonolentos e irritados. A cena era hilária: pessoas de pijama, com cabelos desgrenhados, tentando descobrir o que estava acontecendo. Tico, percebendo que havia criado um verdadeiro show improvisado, decidiu que era hora de encerrar a apresentação.

— Obrigado, pessoal! Espero que tenham gostado! E lembrem-se: a insônia pode ser divertida! — gritou, antes de sair correndo, rindo da confusão que deixara para trás.

Na manhã seguinte, enquanto os moradores da rua tentavam recuperar o sono perdido, Tico percebeu que talvez estivesse indo longe demais. Ele sentiu uma pontinha de culpa ao ver a Dona Efigênia, o Seu Joaquim e o Luís todos com olheiras profundas. Mas logo essa culpa se transformou em uma nova ideia.

— Que tal uma festa do pijama? — pensou, já imaginando a diversão.

E assim, ele começou a planejar um evento que traria todos os vizinhos para uma noite de risadas e histórias, prometendo que, ao menos uma vez, eles poderiam se divertir juntos, mesmo que isso significasse perder algumas horas de sono.

Enquanto isso, ele continuava a infernizar a vida dos que dormiam, mas agora com uma pitada de humor e um convite para a festa do pijama. Afinal, quem disse que a insônia não poderia ser uma bênção disfarçada? Só não se sabe para quem.
= = = = = = = = =  = = = = = = = = =  
Fontes:
 José Feldman. Peripécias de um jornalista de fofocas & outros contos. Maringá/PR: Plat.Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing 

domingo, 5 de janeiro de 2025

Luiz Poeta (Nuvens de Sonhos) 06


= = = = = = = = =  = = = = = = = = =  
Luiz Gilberto de Barros, registrado como Luiz Poeta, nasceu em 1950, no Rio de Janeiro/RJ. Escritor, Poeta, Contista, Cronista, Ensaísta, Trovador, Aldravianista, Sonetista, Músico, Compositor, Produtor Musical, Artista Plástico, Gestor Educacional e Docente Aposentado  de Língua Portuguesa e Literaturas Brasileira e Portuguesa. Destacou-se no meio artístico como produtor fonográfico, violonista, guitarrista, compositor, poeta e artista plástico. Acadêmico da AVLBL membro da UBT, é Verbete do Dicionário de Música Popular Brasileira Antônio Houaiss e detentor de  relevantes títulos acadêmicos. Fundador de diversas entidades culturais Nacionais e internacionais. Autor premiadíssimo em inúmeros concursos no Brasil e no Exterior. Foi Presidente da Academia Pan-Americana de Letras e Artes; do Centro Cultural Leopoldina de Souza Marques, da Faculdade Souza Marques, e Diretor Presidente do Jornal “O Coruja“, de circulação universitária. Membro da Confraria Brasileira de Letras, Academia Luso-Brasileira de Letras; Academia Paulista de Letras; Cerc Universal des Ambasssadeurs de la Paix; Divine Academie Française de Letters y Arts; Associação dos Acadêmicos da Academia Brasileira de Letras; Diretor Cultural da Associação Cultural Encontros Musicais; Inbrasci (Instituto Brasileiro de Culturas Internacionais, entre outros. Sua obra artística é eclética e engloba mais de 10.000 trabalhos (músicas, poesias, ensaios contos, novelas, textos dramáticos e crônicas – além de telas e trabalhos artesanais ). Tem CDs e DVDs gravados, tendo publicado mais de 100 obras publicadas entre livros-solo, antologias, CDs, DVDs, jornais e revistas.

Eduardo Affonso (Deu bode)

Meu pai era maçom. Nunca soube muito bem o que significava isso. Mas sabia que era como ser de capricórnio – algo que eu nunca seria.

Havia a lenda de que os maçons se reconheciam à distância, como os cachorros. Mas era só um toque de mão, um jeito de cumprimentar, de coçar a orelha, ou três pontinhos ao final da assinatura. Coisas assim, bem mais banais. Como as formigas, batendo as antenas. Abelhas dançando no ar.

Tinham segredos.
Montavam bodes.
Faziam pactos de sangue.
Adoravam o diabo.

Não conseguia ver meu pai fazendo nada disso, principalmente montar um bode. Então nunca levei essas crendices muito a sério.

Mas gostavam, sim, de símbolos.
E de roupas estranhas.
Aventais.
Babadores.
Anéis.

Não conseguia imaginar meu pai de avental, como minha mãe, e de babador, como meu irmão caçula.

Mas isso não queria dizer nada, porque eu tampouco conseguia imaginá-lo fazendo sexo com minha mãe – eu tinha doze anos, já tinham me contado tudo na rua, e, como éramos cinco filhos, eu sabia não apenas que já tinham feito, como que não fora uma vez só.

Mas entre acreditar e conseguir imaginar vai uma boa distância.

Eu via os maçons como uma espécie de templários genéricos, fora de época, sem armadura, sem cavalos, sem jerusaléns a conquistar.

Seu templo era, naquela época, uma série de valetas escavadas no terreno baldio em frente à nossa casa, onde seriam as fundações da sua Loja.

Brincávamos por ali, tentando adivinhar onde era a sala da caveira, o calabouço, a sala do bode.

Só quando começaram a subir a construção é que perceberam que havia um erro no projeto. O engenheiro rabiscara a planta apenas com linhas, sem considerar a espessura das paredes.

Com 50 cm perdidos nas alvenarias externas, mais 15 descontados aqui, 15 esquecidos ali e outros 15 acolá, as salas menores se tornaram corredores.

Alheios às sérias discussões dos adultos sobre como resolver o problema e salvar a Loja, brincávamos do mesmo jeito no corredor da caveira, no corredor do calabouço, no corredor do bode.

Nisso que dava acreditar num Supremo Arquiteto do Universo e contratar um engenheiro na hora de fazer o projeto.
= = = = = = = = =  = = = = = = = = =  

Eduardo Affonso é arquiteto mineiro de Belo Horizonte, 1950. Colunista do jornal O Globo. Coordena a Oficina Literária Eduardo Affonso, voltada para cronistas. Participa do coletivo literário Flique. Nenhum livro publicado.

Fontes: 
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing