sábado, 21 de junho de 2025

Eduardo Martínez (Dona Irene e a cachaça em Poços de Caldas

 
Numa madrugada de 2012, a Dona Irene e eu estávamos saindo de São José do Rio Pardo-SP, onde fomos deixar uma linda cadelinha da raça Dogue de Bordeaux. Antes de irmos embora, perguntamos para a dona da cachorrinha se havia alguma cidade interessante perto dali para conhecermos. Ela disse que Poços de Caldas-MG era bonita e ficava a uns 60 quilômetros. A Dona Irene, que nessa época era minha namorada, olhou para mim e sorriu aquele sorriso mais lindo do mundo. Isso, para quem não sabe, é o sim da minha hoje esposa e, então, entramos no carro e voltamos para a estrada.

  Como nessa época viajávamos com um antigo mapa de papel, fomos muito atentos para não errarmos o caminho. Não sei exatamente quanto tempo levamos para chegar à cidade mineira, mas lembro do motel em que dormimos. É que havia uma espécie de jardim de inverno ao lado da cama, com uma porta de vidro quebrada e o céu como teto. Isso mesmo, apesar de haver uma cobertura no quarto, isso não acontecia com a parte do jardim de inverno. Além do mais, fazia um frio tão intenso, que, se estou escrevendo estas linhas hoje,  é porque fui salvo pelo doce calor emanado do corpo da Dona Irene.

  Fomos despertados com o sol batendo na nossa cara. Ainda tentamos cobrir o rosto com o fino lençol, até que a minha amada disse que estava com fome. Levantamos e fomos procurar alguma coisa para preencher o estômago da minha namorada, já que aquele motel não servia café da manhã. 

    Assim que entramos no carro, percebemos que o motel ficava perto do centro. Paramos em uma cafeteria, onde a Dona Irene fez seu desjejum, enquanto eu, como sempre faço pela manhã, tomei meu café preto. Sem açúcar, pois, de doce, já basta a vida. 

   Não sei se você conhece Poços de Caldas, mas vou lhe dizer assim mesmo. Das inúmeras cidades que conheço em Minas Gerais, é a mais agradável. E olha que já passei por várias outras muito legais também. 

    Logo que saímos da cafeteria, fomos dar uma volta para apreciar melhor o local, quando, de repente, um simpático senhor em uma charrete nos convidou para darmos um passeio, ao custo de não sei quanto, mas que não achei caro na época. Seja como for, o passeio estava extremamente agradável, quando, sem avisar, o condutor parou a charrete e nos convidou para conhecermos uma loja de cachaça e queijos. 

  Para falar a verdade, achei aquilo meio esquisito, pois eu queria mesmo é continuar naquele clima bucólico ao lado da minha namorada. Todavia, antes que eu pudesse continuar nessa divagação rabugenta, eis que me chega alguém com uma dose de cachaça e uns pedaços de queijo. Eu não bebo e, pela manhã, é difícil descer algo sólido para o bucho. 

    Agradeci, mas, antes que esse alguém saísse da minha frente, a Dona Irene não se fez de rogada e já foi entornando a cachaça para dentro do estômago, como se aquilo fosse água mineral da fonte mais pura. Para rebater, ela pegou um pedacinho daquele queijo tão cheiroso.

    Depois disso, fiquei compelido a comprar uma garrafa de cachaça e um queijo naquela loja, mas o homem da charrete nos puxou pelo braço e disse que tínhamos que ir. De volta ao passeio bucólico, até comecei a apreciar novamente aquele balançar gostoso ao som dos cascos do cavalo, que soube se chamar Tufão. No entanto, o condutor parou novamente justamente em frente a uma nova loja, também de cachaça e queijo. Descemos, entramos no tal comércio, alguém me ofereceu cachaça e queijo, educadamente recusei, enquanto a Dona Irene botou tudo para dentro. 

   Pois bem, para encurtar a história, que já está muito mais longa que o costumeiro, voltamos para a bendita charrete antes que pudéssemos comprar qualquer coisa. Depois paramos em não sei quantos novos estabelecimentos, eu recusei tudo o que me ofereceram, ao contrário da minha namorada, que, àquela altura, aceitaria até mesmo sopa de pedra. 

    Finalmente o passeio terminou, quando já era perto da hora do almoço. Tive que auxiliar a minha amada a descer da charrete, pois ela estava tão trôpega, que mal conseguia se lembrar de onde estávamos. Aliás, essa parte estou escrevendo aqui em casa com a Dona Irene me olhando torto e sentada no sofá aqui da sala.

    Procuramos um local para deitarmos, justamente sob a copa de uma árvore. Acabamos adormecendo por algumas horas. Fui despertado pelas cutucadas da minha amada, que, pasmem, estava nova como folha. Ela se levantou numa agilidade improvável para alguém que havia ingerido tanto álcool e, então, me fez o seguinte convite: "Quero conhecer o ET! Será que Varginha fica muito longe?”
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Eduardo Martínez possui formação em Jornalismo, Medicina Veterinária e Engenharia Agronômica. Editor de Cultura e colunista do Notibras, autor dos livros "57 Contos e crônicas por um autor muito velho", "Despido de ilusões", "Meu melhor amigo e eu" e "Raquel", além de dezenas de participações em coletânea. Reside em Porto Alegre/RS.

Fontes:
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Sammis Reachers (Nau de Versos) – 1


NA MORTE EM QUE FUI MANOEL BANDEIRA

Brincando de cabra-cega 

Nas ruas de Tróia
Expus meu coração à intempérie:

Sakura solar, nênia de plástico, 
Lótus anárquica
Encontrei-a e a perdi 
Num (p)único mês

Que outro (re)curso contra aquele lábio, 
Aquele olhar eluardiano?

Meu pétreo ódio pela poesia
Essa maldição dos tísicos
Ei-lo no pódio-coração litografado: 
Tatuagem interna, 
Tebas de Anfíon, Chuva de flechas, 
Heitor despedaçado.
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RIO BONITO

A vida, inclemente, flui compromissada 
E calma, o poeta e o demônio em seu bojo.

Num repente, numa das curvas do pequeno centro 
Um casarão antigo, um quintal fundeado:

Era a Melancolia me roubando um beijo.
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A ORDEM

Seja forte, não importa quantas vezes o caos

Sustenha a alegria, não importa
Vezes quantas o caos

Compartilhe e ampare com a sua coragem, 
Não importa quantas vezes o caos
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CAQUI

Pomo de outono
Dulçor em revolução
Fruto proibido do mandarim 
Pelo mundo em lusas naus 
Disseminado

Coisa de explodir contra o dentro das bocas 
Ente todo-fruta, carcaça de mel
Beijo tenro, rublo rio
Cio, cicio, vício paradisíaco
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REINAÇÕES

Era outubro, mês revel, mas um outubro setembrino, 
com seu ar veloz, feliz

Obriguei-me, numa quina de rua
ao simulacro ou pretensão de liberdade de um poema

Um poema!, veja você
obriguei-me a um poema
ao invés de deitar-me no chão ou seguir minha vida
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NÃO É UM POEMA SOBRE GÊNEROS

o Ódio é um país
limitado a Norte, Sul,
Leste e Oeste 
pelo Ódio.

o Amor é cisfronteira:
um pé na porta, uma flor na lapela 
um disparate uma parteira
nascido
um minuto antes de nascer o Universo
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OS LÍRIOS DE KIERKEGAARD

Tu, ex-refém da urgência competitiva
cujas células agora se esparramam sem controle 
deserda os leitos e jardins cuidados e restritos 
vai às flores do campo,
abandonadas na rusticidade,
virgens de mãos de jardineiro

Funda teu acampamento e observa-as,
a sol e chuva, a suportarem o tempo em cumplicidade 
vá, citadino, até que a luz
tenha parto e teus olhos tenham cura,
e possas entender – a tempo, isso
que a todo tempo finda –
que elas têm um Jardineiro
feito de sempres e de serenidades

Entrega, enfim, teus dias em Suas mãos, 
e furta irmandade às flores
                                              e à eternidade
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DISCIPULADO

Incapazes de desvendá-lo, 
o tomamos como fruição:
e é sempre o mar que nos desvenda.
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KAFKA

Naquele dia, não foi o seu castelo que desabou. 
Eram aqueles tijolos, as peças do quebra-cabeça 
Finalmente se encaixando.
Você nunca foi (aquelas) paredes.
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ZERO A ZERO

Ei, e aí?
Você já fez a soma 
daqueles que 
nunca somaram?
Não sabe a fórmula? 
Decomponha
              perdoe2 
                              subtraia.
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Sammis Reachers Cristence Silva nasceu em 1978, em Niterói/RJ, mas desde sempre morador de São Gonçalo/RJ, ambos municípios fluminenses. Sammis é poeta, escritor, antologista e editor. Membro da Confraria Brasileira de Letras. Licenciado em Geografia atua em redes públicas de ensino de municípios fluminenses. É autor de dez livros de poesia, três de contos/crônicas e um romance, e organizador de mais de cinquenta antologias.  Aos 16 anos inicia seus escritos e logo edita fanzines, participando do assim chamado circuito alternativo da poesia brasileira, com presença em jornais e informativos culturais. Possui contos e poemas premiados em concursos do Brasil, bem como textos publicados em antologias e renomadas revistas de literatura.

Fontes:
Sammis Reachers. Primeiressências. São Gonçalo/RJ: Edição do autor, 2025.. Enviado pelo poeta.
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Os Mukashi banashi (contos antigos) da literatura japonesa – Parte II, final

texto da Profª Drª Márcia Hitomi Namekata*


PARTICULARIDADES DOS MUKASHI BANASHI JAPONESES

A despeito de minha ascendência japonesa, desde cedo as diferenças entre os enredos dos mukashi banashi japoneses e dos contos maravilhosos ocidentais chamaram-me a atenção. O que, primeiramente, saltava-me aos olhos, era a extensão da história: eu gostava muito daquelas que apresentavam uma narrativa longa e descrições detalhadas, e os contos japoneses, em sua maioria, são bastante concisos e faltam detalhes acerca dos cenários e das personagens.

Outra questão diz respeito ao desfecho da história, quase sempre feliz no caso dos contos do Ocidente, ao contrário dos japoneses. Além disso, percebemos nestes traços de violência – por exemplo, os maus-tratos aplicados a um animal que, para uma criança, normalmente consiste em algo inaceitável; temos, também, contos onde uma personagem inocente morre no meio da história. No caso dos contos ocidentais, a morte é algo que ocorre normalmente ao antagonista (vilão). É interessante notar que, nos mukashi banashi e nas histórias japonesas de modo geral, dificilmente o vilão é morto no desfecho da narrativa; o mais comum é que seja afugentado. Podemos a isso relacionar o pensamento japonês de que a preferência por afugentar, ao invés de matar, baseia-se na ideia de que é melhor podermos escapar ao mal, uma vez que não podemos erradicá-lo. Isso porque o Mal, enquanto entidade, nunca será abolido. Mesmo porque, sem a existência do Mal, o Bem não teria sua razão de ser. Na realidade, este não é um pensamento característico apenas dos japoneses, mas do povo oriental como um todo, conforme veremos mais à frente.

Há ainda o maniqueísmo das personagens. Nos contos de fadas ocidentais, normalmente elas aparecem divididas entre “heróis” e “vilões”; nos mukashi banashi japoneses, em especial aqueles mais antigos, os limites entre “Bem” e “Mal” não ficam claramente delineados.

Relaciono aqui um exemplo conhecido entre os descendentes de japoneses: a versão infantil do mukashi banashi Urashima Tarô (“Urashima Tarô”), cujo protagonista, um pescador, salva uma tartaruga que estava sendo maltratada por um grupo de crianças. Dias depois, enquanto pescava, Tarô escuta uma voz lhe chamando: era a mesma tartaruga, que o convidava para um passeio ao reino do fundo do mar, como recompensa pela sua boa ação. Chegando ao local, Tarô é recebido pela princesa do Palácio do Dragão, e lá permanece por vários dias, sendo tratado com todas as honrarias. No entanto, certo dia Tarô diz à princesa que desejava voltar à sua terra, pois estava preocupado com seus pais. Ela lamenta, mas concorda com o visitante, oferecendo-lhe como presente uma caixa que, no entanto, não poderia ser aberta. Tarô retorna à sua aldeia, mas nota que tudo está diferente, desde as casas até as pessoas e suas vestimentas. Decide então perguntar por sua família, e um ancião lhe diz que seu avô lhe contara a história de um pescador de nome Urashima Tarô, que havia saído para pescar e nunca mais voltara, e que o fato acontecera trezentos anos antes. Conscientizando-se da diferença de dimensão temporal entre o reino do fundo do mar e sua realidade, ele toma conhecimento da morte de seus pais e, desolado, esquece-se da recomendação da princesa do Palácio do Dragão e abre a caixa: no mesmo instante, de dentro dela, uma fumaça branca se levanta e Tarô transforma-se em um velho.

De modo geral, em todas as lembranças de descendentes de japoneses que conhecem a história, ela suscita certa indignação: por que um homem de “sentimentos nobres” como Tarô, que salva um animal – sendo por isso recompensado – é, ao final, “castigado” dessa forma? A princesa acaba, para muitos, assumindo o papel de “vilã”, na medida em que oferece um presente que não poderia ser aberto; há quem diga que ela, revoltada com o desejo de Tarô de retornar à sua terra, manipula sua curiosidade (proibição de abrir a caixa) através do presente que lhe oferece.

Na classificação de Yanagita Kunio, Urashima Tarô aparece como um densetsu (lenda). No entanto, considerando-se suas versões mais antigas, há um detalhe significativo que foi alterado no decorrer do tempo: nas versões do conto que surgem até o século XV, a princesa do Palácio do Dragão e a tartaruga que Urashima salvara eram o mesmo ser, e o pescador se casa com ela. Dessa forma, é passível de ser classificado também segundo a subcategoria 2.2. (narrativas sobre casamentos) – com o acréscimo de ser uma narrativa sobre casamentos entre seres diferentes (irui kon’in no mukashi banashi).

UM FINAL INFELIZ?

No que se refere ao final da narrativa, frustrante para muitos, é importante considerar que estamos aqui diante de uma questão cultural. Isso se refere também à questão do maniqueísmo das personagens. Já nos referimos anteriormente à impossibilidade de se erradicar o Mal; no pensamento oriental, essa ideia está relacionada à filosofia do Yin-Yang:

(…) Yin e Yang são dois opostos que, juntos, formam uma unidade. Um depende do outro e são realidade somente em união com seu polo oposto. O símbolo que conhecemos de Yin e Yang representa a lei universal da eterna transformação. Significa que um deles, quando chega ao seu apogeu, transforma-se no outro.(…) Isso sugere, portanto, que não há nada que seja apenas Yin ou Yang, negro ou branco, feminino ou masculino, magnético ou elétrico, passivo ou ativo, bom ou mau, escuro ou claro. Significa que as mulheres também têm características masculinas e os homens, qualidades femininas, que uma maldade pode ter algo de bom e um ato de bondade pode transformar-se em seu oposto.(…)

A cultura ocidental tende, ao contrário, a pensar em conceitos absolutos. Nossa educação nos ensina a diferenciar claramente entre o bem e o mal.(…) O símbolo de Yin e Yang descreve outra visão da realidade: nem Yin nem Yang podem ser considerados maus ou bons.(…) Expressa que os opostos se atraem, que se condicionam mutuamente, e que cada coisa e cada processo se converte cedo ou tarde em seu contrário.”  (in ECKERT, Achim. O Tao da Cura, p.16-17)

Do ponto de vista ocidental, Urashima Tarô tem um final considerado infeliz – o fato de Tarô se transformar em um velho e não poder mais encontrar seus pais. Mas, se pensarmos a partir de um viés oriental, talvez o fato se coloque da seguinte maneira: se Tarô não abrisse a caixa, permaneceria eternamente jovem; ou seja, não conheceria a morte e, consequentemente, não passaria a outro patamar espiritual de existência (no caso, o além-morte ou, ainda, uma “outra vida”). Isso talvez explique os tão “polêmicos” – do ponto de vista ocidental – finais de obras literárias japoneses, e mesmo novelas e animes que, muitas vezes, ou não têm um final definido, ou apresentam um desfecho que contraria a preferência ocidental do “felizes para sempre”.

Cabe afirmar que, em alguns mukashi banashi, esses finais “abertos” não ocorrem, visto que em narrativas como Issunbôshi o protagonista segue uma trajetória muito próxima à dos heróis dos contos ocidentais, desde as suas primeiras versões (a primeira versão deste mukashi banashi encontra-se no Otogizôshi, “Coletânea de Contos Maravilhosos”, datada do século XVI).

Independentemente de suas características, mesmo na contemporaneidade os mukashi banashi mantêm o seu encanto, assim como os contos de fadas ocidentais. Seja em forma de livros ilustrados, animações e em outras formas de transmissão, principalmente aquelas direcionadas às crianças.

Uma modalidade de contação de histórias que tem conquistado espaço nos últimos anos é o kamishibai que, literalmente, pode ser traduzida por “teatro de papel”. Trata-se de histórias que são narradas através de lâminas ilustradas, acomodadas em uma espécie de caixa-palco. Pode-se dizer que praticamente qualquer tipo de narrativa pode ser adaptada ao kamishibai; no entanto, os mukashi banashi são bastante adequados para isso, na medida em que, por não apresentarem uma extensão demasiadamente longa, cabem na quantidade média de lâminas propostas para o gênero, que é de doze.

Considerando-se os países onde a cultura japonesa se consolidou através dos imigrantes, diversos mukashi banashi tornaram-se conhecidos entre os descendentes de japoneses que, fossem crianças ou idosos, muitas vezes travaram contato com essas histórias através da transmissão oral, contadas por seus pais ou avós em sua infância – muito embora, na modernidade, esse traço de disseminação cultural tenda a se tornar mais raro. Por outro lado, em diversos países da Europa e nos Estados Unidos, onde a presença de imigrantes japoneses não é relevante, o kamishibai tem se difundido principalmente nas escolas de educação infantil, como meio de se desenvolver habilidades orais e escritas.

Podemos dizer, então, que a difusão desta modalidade narrativa se apresenta, na atualidade, como uma forma de se manter viva a tradição através destas histórias, que não só retratam o universo japonês através do tempo mas, também, que trazem em sua essência o modo de pensar de seu povo.
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* Márcia Hitomi Namekata nasceu em São Paulo/SP e mora em Curitiba/PR, possui graduação em Letras (Língua, Literatura e Cultura Japonesa) pela Universidade de São Paulo (USP) (1993), mestrado em Letras na USP (1999), doutorado em Letras na USP (2011) e pós-doutorado em Letras (Língua, Literatura e Cultura Japonesa) na USP (2019). Tem experiência nas áreas de Literatura e Cultura Japonesas, e Teoria Literária e Literatura Comparada, atuando principalmente nos seguintes temas: mukashi banashi (contos antigos japoneses); folclore; literatura japonesa clássica e moderna; literatura japonesa contemporânea, com ênfase em Haruki Murakami; aspectos míticos da literatura japonesa. Atualmente é professora doutora na área de Língua e Literatura Japonesa da Universidade Federal do Paraná (UFPR), e professora colaboradora na pós-graduação em Língua, Literatura e Cultura Japonesa da Universidade de São Paulo (USP).

Fontes:
Currículo Lattes = https://www.escavador.com/sobre/592814/marcia-hitomi-namekata
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Tainá Rios (Por que investir na divulgação de seus livros nas redes sociais?)


As redes sociais, seja Instagram, Facebook, TikTok ou YouTube, são consideradas como vitrines virtuais. São nesses locais que grandes marcas e pequenos empreendedores disputam um pouco da atenção do público em troca de curtidas, interações e, claro, a concretização da venda. Atualmente, esse espaço também é um local de divulgação de obras literárias.

Para Paula Simas, autora de e-books de romance hot, o Instagram é a principal vitrine de divulgação dos seus livros. Ela argumenta que o perfil online é um portal de vendas e precisa ser tão atraente quanto as suas próprias histórias. "Posts e reels que despertem a curiosidade do leitor, uma sinopse envolvente e uma capa chamativa fazem toda a diferença. No fim, é a soma desses fatores que levará alguém a escolher o seu livro entre tantos outros", explica.

Vilto Reis, escritor, roteirista de quadrinhos, professor de escrita criativa e RPGista, também acredita no potencial das redes sociais. E explica: "Se você for um autor de não-ficção, isso é ainda mais importante, pois você ganha autoridade e se posiciona dentro do nicho com o qual quer se comunicar". Além do Instagram, Vilto também investe na produção de conteúdos em vídeos para o YouTube e no formato de podcast. Apesar da constante mudança das regras dos algoritmos, essa ferramenta possibilita que os conteúdos literários cheguem a mais pessoas, conectando o livro com os autores. "Quando conversamos sobre assuntos que interessam o público, que também pode ser o potencial comprador dos nossos livros, fazemos com que o algoritmo entenda que nosso conteúdo pode se conectar com essas pessoas", explica.

Outro ganho é a identificação do mercado literário com os novos autores. Vilto relembra o convite que recebeu para participar como palestrante na Semana dos Escritores de Chapecó. "Encontraram meu trabalho no Instagram, avaliaram como interessante e me chamaram. Então, há um ganho geral, que nem sempre está diretamente ligado a vendas", afirma.

A romancista e poetisa Wlange Keindé vê as redes sociais como um meio de comunicação entre as pessoas. Para ela, esse caminho é o mais fácil para alcançar o público. "A maioria dos leitores espera encontrar por lá tanto os escritores, cujo trabalho eles já conhecem, quanto novas possibilidades de leitura. Por isso, acredito que, enquanto escritores, a divulgação dos nossos trabalhos nas redes sociais é essencial para que possamos alcançar mais gente", explica.

AS TÉCNICAS DE MARKETING DIGITAL PARA AUTORES

Desde o início de 2025, Wlange trabalha na divulgação do seu último lançamento, "O abraço morno dos muros". Para essa divulgação, ela contou com a ajuda de uma agência de marketing digital, que desenvolveu uma estratégia de funil de vendas. "Eu nunca tinha feito uma estratégia de marketing tão pensada, e estou aprendendo muito com essa experiência", ressalta.

A romancista também já aplicou a técnica de marketing de conteúdo nos seus perfis de redes sociais. De acordo com a sua experiência, o público leitor pesquisa o nome dos autores em buscadores online para conhecer um pouco mais antes da compra. "As pessoas que seguem um escritor numa rede social querem saber o que o conteúdo produzido por esse escritor pode agregar na vida delas", afirma.

Vilto também investe em estratégia de divulgação. Ele aplica a jornada de compra e o funil de vendas. "A jornada de compra funciona como um funil. Primeiro, você atrai um público amplo; depois, parte desse público se relaciona com seu conteúdo; por fim, uma parcela dessas pessoas se torna compradora dos seus livros", explica. O recomendado ao aplicar essas técnicas é criar conteúdos voltados para cada etapa do funil de vendas. Por exemplo, a cada dez conteúdos disponíveis, é interessante dividir entre: atração de novos seguidores, conexão com o público e vendas.

O roteirista de quadrinhos alerta : criar conteúdo sem clareza pode atrapalhar o desempenho de qualquer escritor. E enviar mensagens diretas oferecendo o livro também. Ele aposta na criação de conteúdos relevantes que alcancem os leitores certos e, assim, aumentam as chances de sucesso na divulgação. "O ideal é destacar os aspectos mais interessantes do livro. Se você escreve ficção, pense nos temas centrais e na jornada dos personagens. Se escreve sobre um assunto técnico ou acadêmico, encontre os pontos que podem gerar curiosidade ou resolver dúvidas do público", explica.

A autora de e-books aposta na constância de conteúdos para a divulgação das suas obras. Ela investe em produções de reels e posts para que o perfil no Instagram seja atualizado diariamente.

AS FERRAMENTAS DIGITAIS PARA DIVULGAÇÃO DE LIVROS

Entre as ferramentas digitais mais populares e usadas na divulgação dos livros nas redes sociais estão o tráfego pago, a parceria com os influenciadores literários, a produção de infoprodutos, como podcasts, e o apoio dos bookstans.

Paula Simas usa o recurso de tráfego pago para atrair novas leitoras. Pela sua experiência, essa é a ferramenta que gera mais resultados. "Isso porque alcança um público maior e entrega o conteúdo para pessoas com interesses semelhantes. Quando utilizado de forma otimizada, pode trazer resultados surpreendentes", afirma.

O escritor e professor Marcelo Spalding acredita que, para determinado tipo de livro e grupos de autores, essa estratégia pode ajudar, sim. "É preciso que o autor se envolva com a rede e participe dela. Dessa maneira, o anúncio irá funcionar como um impulsionamento mesmo", explica.

Wlange Keindé gosta de aplicar a parceira com influenciadores literários, pois se iguala a um boca a boca, porém da nova geração. Além disso, é uma maneira de produzir conteúdo sobre um livro e o autor na rede social, que podem virar resultados de pesquisas na internet. "Os seguidores de um influenciador literário confiam nas opiniões e nos gostos dele, tendo assim uma boa chance de se interessarem por um livro divulgado por ele", declara.

Por fim, a ferramenta de apoio bookstan. O termo ficou mais conhecido após a pandemia de Covid-19, mas a prática existe desde 2018 entre os produtores de vídeo no YouTube, que usam o nome de comunidade booktube, e são especialistas em conteúdos para leitores. Em tradução livre significa fã de livros, pois é a junção das palavras "book" (livro, em inglês) e "stan" (termo da cultura pop que se refere a um fã).

A escritora Paula utiliza bastante esse recurso e aconselha: "Antes de fechar a parceria, é importante verificar se o gênero do seu livro se alinha às leituras normalmente divulgadas no perfil, garantindo que o público se identifique com a sua obra". Ou seja, não arrisque divulgar uma comédia romântica em um perfil focado nos gêneros literários fantasia ou dark.

Os profissionais bookstans são conhecidos por acompanhar todos os lançamentos de um autor ou saga, conhecer todos os detalhes de uma história, aprender as línguas criadas para as adaptações de uma série literária e participar ativamente de comunidades online de leitura. E tem como missão principal seguir e engajar com autores, editoras e criadores de conteúdo literário em todas as redes sociais.

OS BENEFÍCIOS DA DIVULGAÇÃO NAS REDES SOCIAIS

No Brasil, o Instagram é a terceira rede social mais usada pelos produtores de conteúdo. E tem muito potencial para entregar os conteúdos a novas pessoas, inclusive leitores. De acordo com os três entrevistados, a plataforma tem diversos recursos que apoiam a trajetória do autor, que são: possibilidade de criar conteúdo em diversos formatos, construção de comunidade, investimento em anúncios pagos, e possibilidade de divulgação de links de vendas.

"O Instagram possibilita diferentes estratégias: os reels para atrair, o feed para criar relacionamento e os stories para engajar os leitores. O último passo dessa jornada, que é a venda de livros, pode acontecer por meio de posts no feed ou anúncios patrocinados. Mas o ideal é que o processo ocorra de forma orgânica: primeiro, os leitores descobrem o autor, depois se relacionam com ele e, por fim, adquirem seus livros", explica Vilto Reis.

Apesar do potencial do Instagram, os entrevistados elegeram o YouTube como a plataforma que traz mais benefícios às divulgações de livros e conteúdos literários. Wlange possui canais na plataforma há bastante tempo e afirma que possui uma comunidade fiel de seguidores. Para a poetisa, o público que acessa o canal no YouTube consegue ver com mais facilidade todos os vídeos postados desde a criação do canal até o conteúdo mais recente. Essa facilidade não existe em redes como Instagram e TikTok. "Uso muito o YouTube, já que é a rede principal em que produzo conteúdo, no canal Ficçomos. Eu divulgo meus livros no YouTube porque já tenho uma comunidade por lá, e essa é uma rede social muito boa para a criação de comunidade", afirma.

Marcelo Spalding, que está à frente do canal Formação de Escritores, também vê na rede social um caminho para a divulgação das obras literárias. "A pessoa que se dispõe a ter um canal sobre determinado tema pode conseguir novos leitores e compradores para seu livro, se o tema do livro for semelhante ao do canal. Então uma pessoa que pretenda publicar um livro de literatura fantástica poderia ter um canal falando sobre livros do gênero, filmes, seriados, e com isso, ao publicar seu próprio livro, esse público teria mais potencial de interesse", explica.

Diversos benefícios e técnicas foram apresentados para responder à pergunta do título: por que investir na divulgação de livros nas redes sociais? Fato é que as plataformas online apoiam os autores na busca por leitores, na venda dos livros e, o mais importante, na promoção do nome como figura pública.

Por fim, o conselho para construir um bom planejamento na rede social escolhida pelos entrevistados, o YouTube. É necessário conhecer bem o seu nicho, qual história os seus leitores gostam de assistir e quais os perfis de youtubers mais dialogam com o seu público. "É importante entrar em contato para entender os custos dessa divulgação e a forma como ela é feita. Enviar dezenas de exemplares de livros a diversos youtubers sem que eles confirmem o interesse pela obra é um desperdício", explica Spalding.
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Tainá Rios é jornalista, especialista em Cultura Digital e Redes Sociais e aluna do Curso Formação de Escritores pela Metamorfose. Começou a escrever ainda na adolescência, enviando cartas aos amigos e familiares. Já atuou como colunista de cotidiano e apresentadora no Diário de Viamão. Desde 2019, comando o podcast Me Conta Sua História?, disponível nas plataformas de streaming.

Fontes:
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing  

quarta-feira, 18 de junho de 2025

Asas da Poesia * 39 *

 

Soneto de
MARTINS FONTES
Santos/SP, 1884 – 1937

Desarmonia

Certas estrelas coloridas,
estrelas duplas são chamadas,
parecem estarem confundidas,
mas resplandecem afastadas.

Assim, na terra, as nossas vidas,
nas horas mais apaixonadas,
dão a ilusão de estar unidas,
e estão, de fato, separadas.

O amor e as forças planetárias,
trocando as luzes e os abraços,
tentam fundi-las e prendê-las.

E eternamente solitárias,
dentro do tempo e dos espaços,
vivem as almas e as estrelas.
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Haicai do
PROFESSOR GARCIA
Caicó/RN

Nas brisas serenas,
no sopro de um vento brando,
a voz das camenas*!
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* Camenas = musas 
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Soneto de
DOMINGOS FREIRE CARDOSO
Ilhavo/ Portugal

Não darei um só passo onde me prenda
(Fernandes Valente Sobrinho in "Poemas Escolhidos", p. 101)

Não darei um só passo onde me prenda
O espectro de um amor que já passou
E o resto de um sorriso que raiou
Que fazem com que agora eu me arrependa.

Mas este coração não tem emenda
E sonha com o que ainda não achou
E de todos os gostos que provou
Elege o teu beijar de que faz lenda.

Procuro outros caminhos onde passe
Sem ver em cada rosto a tua face
Trazendo o que a teu lado eu já vivi.

É falsa a tentativa dos meus passos
Que lembrando o calor dos teus abraços
Simplesmente me levam para ti.
= = = = = = = = = 

Trova de
CLÁUDIO DE CÁPUA
São Paulo/SP, 1945 – 2021, Santos/SP

Unindo a seresta ao verso
quero compor na amplidão.
Sou menestrel do universo,
em tardes de solidão.
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Poema de
MACHADO DE ASSIS 
Rio de Janeiro/RJ, 1839 – 1908

Alencar

Hão de os anos volver, — não como as neves
De alheios climas, de geladas cores;
Hão de os anos volver, mas como as flores,
Sobre o teu nome, vívidos e leves...

Tu, cearense musa, que os amores
Meigos e tristes, rústicos e breves,
Da indiana escreveste, — ora os escreves
No volume dos pátrios esplendores.

E ao tornar este sol, que te há levado,
Já não acha a tristeza. Extinto é o dia
Da nossa dor, do nosso amargo espanto.

Porque o tempo implacável e pausado,
Que o homem consumiu na terra fria,
Não consumiu o engenho, a flor, o encanto...
= = = = = = 

Trova de
DOROTHY JANSSON MORETTI   
Três Barras/SC, 1926 – 2017, Sorocaba/SP

A cada golpe que malha
a rude pedra, o escultor
bendiz o cinzel que entalha
a estátua do seu amor.
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Poema de
RITA MOURÃO
Ribeirão Preto/SP

Raízes

Sou parte do Grande Sertão de Guimarães Rosa.
A terra me medra,
as árvores me enraízam, os pássaros me gorjeiam.
Caminho pisando folhas que me desfolham.
Sou exercida por savanas e meu cheiro é agreste.
Por isso minha alma canta,
contaminada pela Natureza que me define.
= = = = = = = = =  

Poemeto de
JAQUELINE MACHADO
Cachoeira do Sul/RS

Queria ser 

Na fração de tempo que cabe todo o meu existir, 
queria ser o brilho eterno de um raio dourado
a despertar a consciência 
de quem não sabe que nasceu para ser feliz…
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Poema de
CECÍLIA MEIRELES
Rio de Janeiro RJ, 1901-1964

Desamparo

Digo-te que podes ficar de olhos fechados sobre o meu peito,
porque uma ondulação maternal de onda eterna
te levará na exata direção do mundo humano.

Mas no equilíbrio do silêncio,
no tempo sem cor e sem número,
pergunta a mim mesmo o lábio do meu pensamento:

quem é que me leva a mim,
que peito nutre a duração desta presença,
que música embala a minha música que te embala,
a que oceano se prende e desprende
a onda da minha vida, em que estás como rosa ou barco...?
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Trova de
NEWTON MEYER AZEVEDO
Pouso Alegre/MG, 1936 – 2006

Tira a roupa, e, quase nua
diz ao marido, emburrada:
- Pareço ainda "Perua "?!
- Parece, sim... depenada!
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Soneto de
CAROLINA RAMOS
Santos/SP

Arrependimentos

Erraste... e quem não erra neste mundo,
repleto de sofismas e ciladas?!
Basta-nos, para errar, um vil segundo,
que o demônio nos tece, às gargalhadas!

A vida abismos cava... explora a fundo,
as faltas pequeninas, simples nadas;
absolve, purifica um charco imundo,
de linhas retas, faz encruzilhadas!

Vês? A vida é também contraditória!
Não te anule a opressão de um desatino!
Ponto final! E enceta nova história,

repetindo, a evitar outros tormentos;
- Assento os alicerces do destino,
"nos meus fecundos arrependimentos" (*]
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(*) Chave de Ouro de Guilherme de Almeida
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Aldravia de
CLEVANE PESSOA
Belo Horizonte/MG

Aquém 
da
porta
segredos
abraçam 
medos.
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Poema de 
ANTONIO JURACI SIQUEIRA
Belém/PA

Juvêncio

Assim vai Juvêncio
na sua aventura.
Da mata, o silêncio,
suave langor...
- Que motivo tanto
pra tanta bravura?
- Vai atrás do encanto
do seu santo amor.

Um riso escondido
no rosto moreno.
Herói das entranhas
das matas em flor.
No olhar sereno,
uma luz estranha...
Coisas do Cupido,
ciladas do amor!

Vai rasgando as águas
revoltas e turvas,
afogando as mágoas,
sufocando a dor.
Vai dobrando as curvas
do rio e da vida,
esquecendo a lida.
Vai ver seu amor!
      
A noite já avança,
o sol já descansa,
remar, seu ofício,
sua sina, lutar.
A canoa balança,
o remo lhe cansa.
Tanto sacrifício
pelo verbo amar!...

Não sente pavor
de fera ou visagem,
só pensa na imagem
da Rosa a esperar.
Vai pensando nela,
tão meiga, tão bela,
repleta de amor
e beijos pra dar.
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Quadra Popular de
AUTOR ANÔNIMO

Quem ama não tem vergonha,
faz das tripas coração,
faz que não vê muita coisa,
sofre cada ingratidão!
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Soneto de
VINICIUS DE MORAES
Rio de Janeiro/RJ, 1913 – 1980

Soneto da separação

De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.

De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.

De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.

Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.
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Haicai de
ANTONIO CABRAL FILHO
Jacarepaguá/RJ

Seu laço de fita
Abalou meu coração:
Paixão virtual.
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Poema de
CASTRO ALVES
Freguesia de Muritiba (hoje, Castro Alves)/BA (1847 – 1871) Salvador/BA

Crepúsculo sertanejo

A tarde morria! Nas águas barrentas
As sombras das margens deitavam-se longas;
Na esguia atalaia das árvores secas
Ouvia-se um triste chorar de arapongas.

A tarde morria! Dos ramos, das lascas,
Das pedras, do líquen, das heras, dos cardos,
As trevas rasteiras com o ventre por terra
Saíam, quais negros, cruéis leopardos.

A tarde morria! Mais funda nas águas
Lavava-se a galha do escuro ingazeiro... 
Ao fresco arrepio dos ventos cortantes
Em músico estalo rangia o coqueiro.

Sussurro profundo! Marulho gigante!
Tal vez um silêncio!... Tal vez uma orquestra... 
Da folha, do cálix, das asas, do inseto ...
Do átomo à estrela... do verme - à floresta!...

As garças metiam o bico vermelho
Por baixo das asas - da brisa ao açoite;
E a terra na vaga de azul do infinito
Cobria a cabeça co'as penas da noite!

Somente por vezes, dos jungles das bordas
Dos golfos enormes daquela paragem,
Erguia a cabeça surpreso, inquieto,
Coberto de limos - um touro selvagem.

Então as marrecas, em torno boiando,
O voo encurvavam medrosas, à toa...
E o tímido bando pedindo outras praias
Passava gritando por sobre a canoa!…
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Trova de
EVA GARCIA
Caicó/RN

A bela flor de papel
que tu me deste, outro dia...
Foi tão perfeita e fiel,
que o cheiro dela eu sentia!
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Poema de
CRIS ANVAGO
Setúbal/ Portugal

Estremeço nas palavras que não digo
Guardo-as numa caixa fechada, meu abrigo
O céu fica nu sem as estrelas
Ficam tristes os olhos que não conseguem vê-las
Sem ondas o mar adormece
A sereia, sem admirador não aparece
O sol não brilha por detrás das nuvens
A estrada é fácil se não existirem curvas
A chuva não cai se a nuvem não chora 
Evapora-se o sorriso se o amor demora...
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Epigrama de
ROBERTO CORREIA
Salvador/BA, 1876 – 1937

De muitos “doutores” sei
Que fundamente acatamos,
Aos quais, se dizem: – “Cheguei”,
Retruca a Morte: – “Chegamos”.
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Poemeto de
SOLANGE COLOMBARA
São Paulo/SP

Nas folhas do tempo
ouço o som do vento.
Às vezes lamento,
outras, só fragmento.
As folhas farfalham,
no vento gargalham.
Pedaços se espalham
no tempo, embaralham.
As folhas se agitam
no tempo, levitam
os restos, hesitam.
Os ventos, excitam. 
= = = = = = = = =  

Trova de
NEMÉSIO PRATA
Fortaleza/CE

Dizem, com propriedade,
que a saudade é inexplicável;
explica-se: na verdade,
o senti-la é indecifrável!
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Soneto de
FILEMON MARTINS
São Paulo/ SP

Minha casa

Em frente à minha casa há um jardim
onde os pássaros cantam saltitantes.
Lá dentro há café, beiju e aipim
e a mesa é farta para os visitantes.

A grama verde, as flores e o jasmim
acolhem beija-flores cintilantes.
Quatro palmeiras firmes dizem sim
e fazem sombra aos corações amantes.

Em minha casa tenho alguns armários,
e os livros - meus amigos necessários
que me ensinam a crer num sonho bom.

Creio no amor e em dias fulgurantes
enquanto os versos brotam abundantes,
vou escrevendo e assino Filemon.
= = = = = = = = =  

Poetrix de
ANTONIO CARLOS MENEZES
Recife/PE

Lisboa

uma guitarra que chora 
de longe, um fado
que me toca a alma.
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Poema de
CÉLIA EVARISTO
Lisboa/ Portugal

Falta de mim

Não me sinto há muito,
desapareci,
voei.

Levei de bagagem de mão
o meu coração
e não prometi regressar.

Chorei,
gritei
e até à dor me dei,
sem me conseguir resignar.
O que sinto só eu sei,
não me quero enganar.

Por isso fui
e não voltei…
= = = = = = = = =  

Spina de
NINA MARIZA
Berilo/MG

Dançarina 

Ritmada ao som
do meu coração,
ela alegre dança.

Roda, roda, não se cansa.
Como é bom vê-la assim!
No ar, sacoleja sua trança.
Esse lindo jeito ágil, vivaz,
é emoção que me balança.
= = = = = = = = =  

Poema de
SILMAR BOHRER
Caçador/SC

As nebulosas

Ôba! o solzinho trigueiro
arrebentou as nebulosas,
aquelas nuvens grandiosas
que escondiam o dia inteiro.

Pequenas nesgas de céu
na vastidão das alturas
dão conta que iluminuras
vem chegando pra "dedéu".

Igualmente em nossas vidas
vivemos pedindo guaridas
com raios de esperança,

Átimos, faíscas, lampejos,
consolidando nossos desejos
de dias com mais bonança.
= = = = = = = = =  

Poeminha de
A. A. DE ASSIS
Maringá/PR

Vaga
o vaga-lume.
Vaga luz
num vago mundo
procurando
vaga.
= = = = = = = = =  

Soneto de
JÉRSON BRITO
Porto Velho/ RO

Doces sonhos

Sem ti, percorro gélidas paragens
No olhar, nem mesmo há tímida flamância,
Tornou a vida vápida* a distância,
Mas sonho e vejo lúbricas imagens.

Por teres essa mélica fragrância
São belas as oníricas viagens.
Contigo erijo mágicas paisagens,
Deleito-me na fúlgida elegância.

Da seiva desses únicos instantes
Encerras nos teus ósculos vertentes.
Encontro em ti recôndito o alimento.

Nós dois, tal como indômitos amantes
Trocando afagos sôfregos e ardentes,
Assim, construo o tórrido momento.
= = = = = = = = =  = = = = =  
* vápida = insípida.
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Poetrix de
ROSA CLEMENT
Manaus/AM

Borboleta

centro da cidade
a mariposa entra no ônibus
e passa pela borboleta
= = = = = = = = =

Soneto de
LUIZ POETA
(Luiz Gilberto de Barros)
Rio de Janeiro/RJ

En-canto

Mesmo sem voar, o passarinho
canta... que mistério há nesse encanto?
... posso vê-lo rir, sentindo o pranto
que acaricia o seu carinho. 

Neste mundo há tanto desencanto...
mas quem é feliz sendo sozinho,
sabe que é na solidão do ninho
que o cantar se torna um acalanto.

Lindo!... alguém dirá... Como ele canta!
...sua solidão,  embora tanta,
é  a mais sincera companhia,

pois, no canto escuro da gaiola,
o cantar mais triste que o consola,
faz se canto, um toque de...poesia.
= = = = = = = = =  

Poema de
J. G. DE ARAÚJO JORGE
Tarauacá/AC (1914 – 1987) Rio de Janeiro/RJ

A dor maior

Não quis julgar-te fútil nem banal
e chamei-te de criança tão-somente,
- reconheço, no entanto, infelizmente,
que, porque te quis bem, julguei-te mal.

Pensei até, ( e o fiz ingenuamente...)
ter encontrado a companheira ideal...
Quis julgar-te das outras diferente,
e és como as outras todas afinal...

Hoje, uma dor estranha me consome
e um sentimento a que não sei dar nome
faz-me sofrer, se lembro o amor perdido...

A dor maior... A maior dor, no entanto,
vem de pensar de Ter-te amado tanto
sem que ao menos tivesses merecido!...
= = = = = = = = =  

Sextilha de
WALMAR COELHO
Ceará

O amor

O amor é uma plantinha
Que medra no coração!
Com o afeto se avizinha,
Bem querer ou ilusão,
Vive e cresce, não sozinha,
Nem prescinde afeição.
= = = = = = = = =  

Soneto de
ÓGUI LOURENÇO MAURI
Catanduva/SP

Foi teu abraço!

Foi teu abraço que, um dia,
Dos outros todos tirou
Qualquer graça que eu sentia
Doutros que o tempo levou.

Foi teu beijo que depois
Me afastou de quem beijei.
Ficaram só pra nós dois
Os demais beijos que eu dei.

À minh'alma, finalmente,
A alma gêmea apareceu.
E o amor se fez presente
A teu coração e ao meu!

Foi teu calor que acoplou
A meus carinhos os teus.
Foi nosso amor que alcançou
Beneplácito de Deus.

Este é o encontro atual,
Prescrito em nossos pretéritos;
Dos céus, chegam, afinal,
Dádivas por nossos méritos.
= = = = = = = = =

Soneto de
EDY SOARES
Vila Velha/ES

Eu creio

Eu sei que existe um mundo diferente
e Alguém que monitora e nos assiste
o tempo inteiro e minuciosamente.
Eu não sei onde, mas eu sei que existe!

Eu sei que existe um Deus Onipotente...
talvez não seja alguém com dedo em riste,
aspérrimo e que vai punir a gente,
franzindo o cenho a qualquer simples chiste.

Desconstruindo a história divinal,
não resta mais que um ciclo material...
princípio e fim da natureza humana.

Alguém criou o espaço, o firmamento;
controla este universo em movimento
e a criação... de forma soberana!
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