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segunda-feira, 30 de junho de 2025
Eduardo Martínez (A treta do amigo do meu amigo)
Tenho alguns amigos muito próximos, que conheço há décadas. No entanto, vou falar aqui de um que, apesar do pouco tempo de amizade, já o guardo em alta estima. As circunstâncias que nos aproximaram são tão esdrúxulas, que prefiro deixar para um futuro improvável se falarei como nos conhecemos. Seja como for, para a história que vou contar, esse detalhe é irrelevante. Mas adianto que ele nasceu em Visconde do Rio Branco, pequena cidade da Zona da Mata, mas mora em São Paulo desde o final dos anos 1970, além de ser palmeirense quase tão chato que nem a minha mulher, a Dona Irene. Seu nome? Isso posso lhe dizer: Cleidson.
Estávamos conversando um dia desses em Porto Alegre, na casa da Dona Irene. Aliás, falar que estávamos conversando é força de expressão, pois o Cleidson parece que tem o DNA do Fidel Castro, já que, quando começa a discursar aqueles falas longas, somos, literalmente, só ouvidos. Às vezes, nos perdemos em pensamentos paralelos, tamanhos são os causos contados por ele. Mas uma nos chamou a atenção, que era sobre uma aventura em que ele praticamente foi desafiado a enfrentar: rapel em uma cachoeira muito alta.
Mas antes que você imagine que o meu amigo é um indivíduo que adora esportes radicais, vou logo avisando: o Cleidson é do tipo que prefere passar o dia inteiro no sofá jogando paciência no celular. E, quando deseja sentir mais emoção, ele busca um filme de terror tipo B, desses que você não sabe se fica com medo ou se ri, de tão absurda que é a história. Ou seja, o meu amigo é provavelmente o último ser vivo que poderíamos esperar que se aventurasse descer pendurado por uma corda em uma cachoeira, com sério risco de despencar e se esborrachar todo nas pedras e, por conseguinte, virar comida de piranhas assassinas. Mas lá foi ele!
Enquanto descia pela corda, que rangia como se fosse partir a qualquer momento, o nosso quase herói se deparou com um vão na cachoeira, que o obrigava a ficar de ponta-cabeça. No entanto, a água, que descia muito forte, antes na sua cabeça, passou a atingir as partes mais sensíveis do Cleidson, que começou a gritar de dor. Com a boca aberta, acabou bebendo forçosamente litros de água.
Desesperado e sem ar, ele voltou a ficar na posição quase em pé, o que provocou uma forte batida da sua testa numa pedra. O sangue, obviamente, escorreu por seu rosto, tampando ainda mais a sua visão. Desesperado, o meu amigo já imaginou que aquele seria o seu adeus deste mundo, quando, após vários minutos, que pareceram séculos, foi socorrido por um amigo que estava nas proximidades.
Logo após terminar essa história, a Dona Irene e eu notamos que o Cleidson tremia e suava, como se tivesse passado novamente por essa situação tão perigosa. Ficamos em silêncio não sei por quanto tempo, até que a minha esposa se virou para ele e perguntou: "O que esse seu amigo tinha contra você?”
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * *
Eduardo Martínez possui formação em Jornalismo, Medicina Veterinária e Engenharia Agronômica. Editor de Cultura e colunista do Notibras, autor dos livros "57 Contos e crônicas por um autor muito velho", "Despido de ilusões", "Meu melhor amigo e eu" e "Raquel", além de dezenas de participações em coletânea. Reside em Porto Alegre/RS.
Fontes:
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Contos e Lendas do Japão (O cavalo das cores e as sete berinjelas)
No Japão, existe um dito que diz: “Se ama seu filho, permita que ele viaje”. O imigrante japonês no Brasil conhece bem o sentido dessa frase.
Há muitos e muitos anos, numa aldeia rural do Japão, viviam dois inseparáveis amigos. Eisuke era filho do chefe da aldeia, uma família abastada, dona das terras daquela região. Goro era filho de pobres lavradores, que trabalhavam nas terras do pai de Eisuke. Apesar da diferença social econômica das famílias de ambos, eles viviam sempre juntos, desde quando pequeninos.
Certa ocasião, os dois, cansados de viverem dentro dos limites da aldeia, resolveram conhecer outras paragens e ganharam a estrada.
Caminhavam alegremente, ora cantando, ora tirando músicas assoprando folhas de bambu esticadas nos lábios. Prosseguiam a viagem despreocupados.
Dias depois, na travessia de uma montanha, perderam-se no meio da mata. A noite caiu, e a floresta transformou-se em completa escuridão. Apesar do medo, continuaram caminhando, pois permanecer ali parecia por demais perigoso. De repente, avistaram uma luz no meio da mata. Os dois rumaram apressados em direção à luz, pois devia, com certeza, ser uma casa. Por sorte, era uma hospedaria. Os meninos ficaram animados e pediram uma pousada para uma velha dona da pensão. Cansados que estavam, logo Eisuke adormeceu. Goro, que nunca tinha dormido numa hospedaria, apesar de exausto, não conseguia pegar no sono.
De repente, percebeu que uma pessoa estava atrás de um shoji (parede móvel de papel), então fechou os olhos e fingiu que estava dormindo. De olhos semi-cerrados, viu que a dona da pensão olhou para dentro do quarto e, vendo que os dois estavam dormindo, deu uma risada horripilante e se afastou do corredor. Goro ficou arrepiado de medo, aquela não era uma situação normal.
Da porta corrediça que a velha deixou semi-aberta, Goro podia vê-la na sala no fim do corredor. A velha sentou-se perto do irori (fogareiro), mexeu as cinzas com dois palitos de ferro e acendeu o fogo assoprando as brasas no centro do irori. Em seguida, depositou algumas sementes nas cinzas. Goro não estava entendendo nada do que estava acompanhando.
Para a surpresa do menino, como sementes plantadas começaram a brotar e a crescer em segundos. Como folhas finas e compridas denunciavam que eram pés de arroz, que incrivelmente vieram a soltar cachos, que carregados, fizeram como hastes curvarem. Segundos depois, os cachos pendentes ficaram amarelos e prontos para ser colhidos.
A velha colheu o arroz, tirou a casca esfregando-o em uma peneira de bambu e cozinhou-o no fogareiro. Depois, amassou-o num pequeno pilão e fez quatro motis (bolinhos de arroz glutinoso). Goro, que assistiu a tudo, pensou em contar para o amigo, mas vendo Eisuke roncando, resolveu deixar para o dia seguinte. Cansado, Goro também acabou pegando no sono.
No dia seguinte, quando Goro despertou, o sol já estava alto. Olhou para o leito ao lado e viu que Eisuke já havia se levantado. Então, levantou-se depressa e correu para a sala. A dona da hospedaria estava oferecendo os bolinhos para Eisuke. Goro gritou para que ele não comesse aquele moti, porém, era tarde. Eisike havia posto o bolinho na boca e degustou-o com satisfação.
– Nossa, que bolinho gostoso. Quero mais.
– Sim, coma! – disse a dona da pensão.
– Não coma! – gritou Goro.
Mas era tarde. Eisuke botou as mãos sobre a barriga, começou a se contorcer e, por mais incrível que possa parecer, transformou-se num cavalo. Um cavalo bonito, mas diferente de todos os cavalos que o homem tinha visto até então. Um cavalo todo colorido, como se fosse um cavalo de circo. Goro ficou paralisado de susto. Compreendeu que era a velha dona da pensão, na verdade, uma Yamanbá (bruxa da montanha), que transforma todos os viajantes que se hospedam. Já havia ouvido qualquer coisa a respeito, mas não acreditou que pudesse ser verdade. No entanto, seu amigo Eisuke era agora um cavalo de sons, com colorido impressionantemente belo e maluco.
– É sua vez. Coma os motis, garoto – disse a velha, esticando o prato com dois bolinhos ao garoto.
Goro estava paralisado de medo, mas numa reação desesperada, derrubou o prato dos bolinhos com um mão e saiu correndo da casa. Correu desesperado, sem rumo, até que avistou uma casa de lavrador no vale.
Quando Goro abriu os olhos, estava estirado sobre um tatame (esteira de palha) na casa do vale. Um velho com barba e cabelos compridos, que observava seu desespero, sorriu e disse:
– Vejo que está melhor. Você bateu na minha porta e desmaiou de canseira.
– Estou com sede. Muita sede – disse Goro, percebendo que estava diante de um Sennin (sábio imortal), e que só ele poderia ajudá-lo a salvar seu amigo.
Depois que tomou várias tigelas de água, Goro contou o ocorrido ao bom velhinho e pediu ajuda para salvar seu amigo. O ancião ensinou, então, que o único modo de salvar seria fazer Eisuke comer sete berinjelas de um mesmo pé.
– Só assim seu amigo voltará a ser humano.
Em seguida, o velho fez um mapa ensinando o homem onde poderia encontrar uma grande plantação de berinjelas e como chegar de volta à casa da Yamanbá.
Assim, Goro, agradecendo ao velhinho, seguiu o que indicava o mapa. Uma plantação de berinjela era enorme. Goro saiu contando pé por pé quantas berinjelas tinha cada um. Depois de muitas horas, finalmente achou um pé com as sete berinjelas. Então, arrancou o arbusto e foi em direção à casa da Yamanbá.
O cavalo estava amarrado em uma árvore ao lado da “hospedaria”. Goro aproximou-se sorrateiramente, desamarrou a corda e disse:
– Eisuke, escute, sou eu, Goro.
O cavalo olhou-o como se reconhecesse o amigo e balançou a cabeça no sentido vertical.
– Olha, você tem que comer estas sete berinjelas. Assim que comer, o encanto se quebrará, e você voltará a ser gente – o cavalo fez movimento horizontal com a cabeça, como quem desaprova uma ideia.
– Puxa, agora lembrei que você não gosta de berinjelas. Sua mãe vive dizendo para você comer berinjelas, mas você detesta. Só que, desta vez, você vai ter de comer estas sete, se não quiser ser cavalo para o resto da vida. Essas berinjelas foram sugeridas por um Sennin, não tem erro.
Assim, fazendo cara de poucos amigos, o cavalo começou a comer as berinjelas. Depois, ao digerir a última, como num passe de mágica, voltou a ser Eisuke. Os dois se abraçaram de alegria e trataram de fugir do local o mais rápido possível.
De volta à aldeia, cada um foi para sua casa e, durante bom tempo, tiveram histórias para contar. Anos depois, tornaram-se sócios em uma plantação de berinjelas e continuaram bons amigos para sempre.
Fontes:
http://www.nippobrasil.com.br
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Leandro Silva (A vida me quebrou)
Fui me rachando em silêncios não ouvidos, em promessas quebradas, em noites longas sem respostas.
As rachaduras começaram como pequenas linhas no reboco da alma.
Quase invisíveis.
Mas profundas demais para serem ignoradas.
E eu? Eu era como um muro.
Feito para proteger.
Feito para sustentar.
Feito para ser firme.
Mas que começou a ceder com o tempo… com o peso… com a chuva.
No começo, eu temi as rachaduras.
Achei que eram sinal de fraqueza.
Achei que significavam o fim da minha força.
Mas o que eu não sabia…
É que através delas, a luz começou a entrar.
Aquelas fissuras viraram janelas para a esperança.
O sol passou a bater onde antes era sombra.
Pássaros fizeram ninho nas fendas que o tempo abriu.
Aqueles pequenos — os que ninguém vê — encontraram abrigo em mim.
E, quando percebi, flores começavam a nascer ali.
Não flores raras, nem premiadas.
Mas flores reais, como a erva-de-passarinho ou a samambaia-de-muro,
que se agarram às fendas, se enraízam nos espaços tortos
e ajudam o muro a respirar, a sustentar-se de novo,
a reencontrar equilíbrio com a própria imperfeição.
“O Senhor está perto dos que têm o coração quebrantado
e salva os de espírito abatido.”
(Salmo 34:18)
A vida me quebrou…
Mas não me derrubou.
Porque Deus me fez assim:
com estrutura de barro,
mas fundamento de graça.
Foi ali — no concreto rachado da alma — que descobri um Deus que não me reconstruiu de imediato,
mas me deixou florescer primeiro.
Me ensinou que algumas flores nascem justamente onde ninguém esperava beleza.
E se hoje alguém olhar para mim e disser:
“Você está cheio de marcas.”
Eu respondo:
Sim. Mas estou de pé.
E minhas rachaduras contam história.
Histórias de luta, de acolhimento, de transformação.
Histórias de um muro que não caiu.
Histórias de quem aprendeu que há vida —
até mesmo onde a estrutura parecia ruir.
Hoje entendo:
Deus não usou cimento pra me tampar.
Ele usou flores, ninhos e luz.
Porque Ele sabia que a reconstrução mais sólida
é aquela feita de dentro pra fora.
Se você se sente rachado, inseguro, instável…
Não desanime.
Flores podem nascer aí também.
Deus ainda usa muros marcados para proteger.
E rachaduras… para semear graça.
A vida me quebrou…
Mas eu floresci nas rachaduras.
E hoje, sou abrigo.
Sou muralha viva.
Sou testemunho.
* * * * * * * * * * * * *
Leandro Silva é de Vila Velha/ES
Fontes:
Enviado por Aparecido Raimundo de Souza
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Panaceia de Textos,
Universos Di Versos
Aparecido Raimundo de Souza (A tristeza da lâmpada queimada)
EM UM CANTO esquecido da sala enorme, jogada dentro de uma caixa de papelão cheia de bugigangas, a pobre e indefesa lâmpada queimada se flagra derreada, totalmente entristecida, o coração repleto de lembranças imorredouras. Até pouco tempo, coisa de um mês, pendurada no bocal no meio da sala gigantesca, a belezura iluminava o ambiente deixando-o totalmente claro, onde uma agulha, se caísse no chão, seria achada com a maior facilidade. Hoje, queimada, à mercê das garras do abandono e a sanha do “salve-se quem puder,” espera pelo fatídico de uma partida sem adeus, sem as alacridades dos aplausos dos seres humanos que nunca, em nenhum momento, deixou ficassem nas edacidades (voracidades) das trevas do menosprezo.
A lâmpada (ou melhor, a fluorescência que dela restou) relembra com tristeza as histórias de quando a sua robustez se fazia viril, não permitindo que nenhum canto da peça tivesse um tantinho assim que fosse, de obumbração (sombras). Ela foi, por muito tempo, o sol de um universo doméstico, iluminando histórias e aquecendo corações. Foi testemunha de amores que vingaram, de corações apaixonados que se entrelaçaram, bem ainda partícipe de brigas acirradas, de xingamentos descomedidos e lágrimas derramadas em vão pelo amor de um parente doente que partiu. Cada filamento de seu corpo, tinha seu destino traçado e o dela, fora feito para brilhar, fulgurar, reluzir sobressair, chamejar, raiar, ascuar (chamejar), até o fim.
De repente, do nada, com um estalo sutil, num último lampejo de vida, ela se reduziu à obscuridade de um apagão inexorável, interminável, vitimada por uma pancada quase imperceptível como se a companhia de luz lhe apunhalasse, sem motivos aparentes, a caixa de barramento de todo o prédio. Sua chama se fez extinta, suprimida, eliminada, apagada, como se o dedo de uma mão invisível apertasse o interruptor de forma irrefletida e impulsiva. Desde esse instante, a pobre lâmpada não mais se viu altaneira, com a sua fonte de luz plena e percuciente (penetrante), apenas um lembrete (ainda assim muito vago) de que a mais brilhante estrela poderia, num piscar de olhos, desvanecer. Agora, a coitadinha jazia numa casca de vidro repletas de memórias.
A repetidoria disturbiada (perturbada) de um ontem não totalmente fora de foco, ainda se faz prisioneira na imensidão da sua dor. Um grito tênue e abafado, retido e sentido, a todo momento insiste em desanimá-la e deixa-la para baixo, não permitindo que descanse em paz. Assim que foi esquecida e atirada dentro daquela caixa de papelão até o pescoço de escumalhas (escória) sem valor, a sua alma se empobreceu. Ela sabe que foi empurrada escadas abaixo para o mais infame das misérias, ou seja, aquele patamar inglório que Marx rotulou de lumpesinato (marginalizado). A espera do fim, sem forças para voltar a ser o que outrora a colocou no auge, a pobre lâmpada se vê martirizada às calamidades de uma camada social sem forças de ocupar o seu antigo estado de destaque e postura.
Com seus botões, pensa se tivesse forças, possivelmente se quebraria, fosse se atirando de cabeça no piso daquele ambiente que tantas alegrias lhe propiciou, ou se esmagaria até se ver em pequenos estilhaços em face de um daqueles objetos que lhe serviam de companhia à espera, possivelmente, de um saco de lixo a ser atirado de qualquer jeito num desses caminhões recolhedores de entulhos. Se pararmos para avaliar o que o presente texto tenta focar, chegaremos à conclusão que assim somos nós. Sem tirar, nem por, nós, humanos, nos assemelhamos a uma lâmpada colocada num bocal em meio a um teto da sala ou de uma cozinha. Não importa. Enquanto alimentamos com a luz que vem de dentro de nossa alma, todos nos querem por perto.
Ao perdermos o viço, a vida, ou seja, ao nos pegarmos queimada, seremos arremessados aos rebotalhos (refugos) do desuso. Não podemos nos esquecer, jamais, que viramos, em questão de segundos, em algo obsoleto e sem valor. Somos também, sem tirar nem pôr, como essas lâmpadas em postes espalhadas pelas ruas da cidade. Até o dia em que qualquer coisa não prevista, o nosso corpo se deteriorará e apagaremos. E ao nos tornarmos ultrapassados, superados, antiquados, nos postaremos à mercê de um simpático latão de lixo que nos levará para algum lugar desconhecido, um futuro negro que nos espera. A nossa luz é como a vida humana. Passageira, embora a esperança seja eterna e não desfaleça.
O que acontece, dia após dia, é que vem um engraçadinho com uma lâmpada nova em folha e nos deixa, por conta, jogado num canto, “e agora?!”, enquanto uma outra ofuscação incandescente tomará nosso lugar e fará com que o bocal que se entrelaçava mavioso, se torne um objeto ainda mais cobiçado e, pior, de rara beleza e esplendor. A tristeza de uma lâmpada queimada talvez esteja em sua incapacidade de fazer aquilo para o qual nasceu, isto é, iluminar, tornar tudo às claras. Mas a lâmpada queima porque cumpriu a sua função, ainda que brilhara enquanto pôde. E assim somos nós, inquestionavelmente, na nossa jornada cotidiana.
Se a grosso modo pensarmos em nossas vidas como lâmpadas, talvez o importante não seja evitar o momento em que deixemos de clarificar ou engalanar, mas sim aproveitar ao máximo o tempo em que a nossa luz brilhou. Cada um de nós, humanos, como seres viventes, deixamos nosso brilho de forma única, impactando os espaços ao redor. E, quando queimamos, nada mais justo que sejamos trocados. Lembrem que até os defuntos enterrados, são nos cemitérios substituídos por novos, de cinco em cinco anos. Nesses momentos meio que trágicos, poderemos até servir de inspiração para novas ideias — assim como a nossa essência e legado podem continuar subsistindo, mesmo quando não estivermos mais aqui.
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * *
Aparecido Raimundo de Souza, natural de Andirá/PR, 1953. Em Osasco, foi responsável, de 1973 a 1981, pela coluna Social no jornal “Municípios em Marcha” (hoje “Diário de Osasco”). Neste jornal, além de sua coluna social, escrevia também crônicas, embora seu foco fosse viver e trazer à público as efervescências apenas em prol da sociedade local. Aos vinte anos, ingressou na Faculdade de Direito de Itu, formando-se bacharel em direito. Após este curso, matriculou-se na Faculdade da Fundação Cásper Líbero, diplomando-se em jornalismo. Colaborou como cronista, para diversos jornais do Rio de Janeiro e Minas Gerais, como A Gazeta do Rio de Janeiro, A Tribuna de Vitória e Jornal A Gazeta, entre outras. Hoje, é free lancer da Revista ”QUEM” (da Rede Globo de Televisão), onde se dedica a publicar diariamente fofocas. Escreve crônicas sobre os mais diversos temas as quintas-feiras para o jornal “O Dia, no Rio de Janeiro.” Acadêmico da Confraria Brasileira de Letras. Reside atualmente em Vila Velha/ES.
Fontes:
Texto enviado pelo autor.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing
sábado, 28 de junho de 2025
Asas da Poesia * 42 *
Soneto de
CAROLINA RAMOS
Santos/SP
Seca...
O sol delira! Abrasa! A terra exangue
abre os lábios sedentos! Sem valia,
os rios secam, veios nus, sem sangue,
sugados pelo solo em agonia!
Pele crestada, passo frouxo e langue,
o retirante segue... tem por guia
uma esperança de que o céu se zangue,
lançando sobre a terra a chuva fria!
Chovesse... e voltaria ao mesmo beco...
que enfrentar a caatinga é seu destino!
Mas a chuva não vem... O pranto é seco!
Reza!... O sol, em delírio, mais abrasa!
O céu rubro gargalha! E o nordestino
parte... deixando a própria alma em casa!
= = = = = = = = =
Poetrix de
CARLOS VILARINHO
Palmeira das Missões/RS
fio da navalha
O fio da navalha,
Onde o verso se apoia,
O poeta se equilibra…
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Poema de
ANTONIO JURACI SIQUEIRA
Belém/PA
Quando
Quando o fogo destes versos consumir
teus segredos, virtudes e pecados,
eu estarei à margem do caminho
qual Prometeu furtivo te espreitando
para roubar a chama imorredoura
que arde na redoma indestrutível
do teu peito risonho de criança.
Quando a fome do amor comer meus olhos
impedindo-me de ver as mariposas
que copulam sobre as pétalas noturnas
de um rubro girassol filosofal,
tu estarás oculta entre as miragens
de um sonho metafísico gravado
numa canção latino-americana.
Então, quando isso tudo acontecer,
não seremos , simplesmente, macho e fêmea:
seremos sementes de vida e esperança
a germinar nos campos da existência,
a florescer no amor e dar ao mundo
os cobiçados pomos da poesia.
= = = = = = = = =
Haicai de
MARLY BARDUCO PALMA
São Vicente/SP
Lembranças da infância –
No vestido da menina
Pousa joaninha.
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Soneto de
PAULO R. O. CARUSO
Niterói/RJ
Às tuas jabuticabas
O teu olhar de marabá me apresentou
um mundo novo de alegrias e de amor
que até então eu jamais vira com candor
tão denso assim, porquanto Deus me abençoou!
As frutas nobres com que o Pai te galhardeou
na porcelana dos teus pratos com alvor
eu beijo sempre acalentado usando o ardor
que o bom frecheiro há muitos anos me entregou.
Jabuticabas mui maduras mergulhadas
em meio ao leite nos teus pratos tão morninho
são-me um colírio duplicado com carinho!
Jabuticabas - ó Jesus! - abençoadas
que eu amo tanto, como pérolas douradas
de ostras de atol de um céu azul: do amor um ninho!
= = = = = = = = =
Quadra Popular de
AUTOR ANÔNIMO
Quando eu era galo novo
comia milho na mão.
Hoje eu sou galo velho
cato com o bico no chão.
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Poema de
CASTRO ALVES
Freguesia de Muritiba (hoje, Castro Alves)/BA (1847 – 1871) Salvador/BA
Onde estás
É meia-noite. . . e rugindo
Passa triste a ventania,
Como um verbo de desgraça,
Como um grito de agonia.
E eu digo ao vento, que passa
Por meus cabelos fugaz:
"Vento frio do deserto,
Onde ela está? Longe ou perto?
" Mas, como um hálito incerto,
Responde-me o eco ao longe:
"Oh! minh'amante, onde estás?...
Vem! É tarde! Por que tardas?
São horas de brando sono,
Vem reclinar-te em meu peito
Com teu lânguido abandono!...
'Stá vazio nosso leito...
'Stá vazio o mundo inteiro;
E tu não queres qu'eu fique
Solitário nesta vida...
Mas por que tardas, querida?...
Já tenho esperado assaz...
Vem depressa, que eu deliro
Oh! minh'amante, onde estás?..
Estrela—na tempestade,
Rosa—nos ermos da vida,
Iris—do náufrago errante,
Ilusão—d'alma descrida!
Tu foste, mulher formosa!
Tu foste, ó filha do céu!...
. . . E hoje que o meu passado
Para sempre morto jaz...
Vendo finda a minha sorte,
Pergunto aos ventos do Norte...
"Oh! minh'amante, onde estás?..."
= = = = = = = = =
Aldravia de
CECY BARBOSA CAMPOS
Juiz de Fora/MG
na
orquestra
da
vida
sons
dissonantes
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Poema de
CRIS ANVAGO
Setúbal/ Portugal
Porque dizes não quando pensas sim?
É timidez, medo do que eu possa dizer?
Sabes que os teus olhos se focam em mim
Lês tudo o que eu não consigo escrever
Nas entrelinhas dos meus versos
Existe um segredo que se esvai no nevoeiro
Todas as palavras inversas se cruzam
Todos os medos ficam pendurados no bengaleiro
Estou protegida quando chove
Quando ninguém me vê no nevoeiro
Não sou D. Sebastião
Sou mais guerreira!
Não desaparecia do nada para a vida inteira!
Quero ser tudo o que sonho
Sim! O impossível vive em mim!
Perco-me no horizonte e amo o infinito
Sei que o amor é e será assim…
= = = = = = = = =
Haicai do
PROFESSOR GARCIA
Caicó/RN
Cai a tarde mansa.
No por do Sol, no poente,
sombras de esperança!
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Soneto de
DOMINGOS FREIRE CARDOSO
Ilhavo/ Portugal
O que somente um louco há de sonhar
(Verso de Fernando Valente Sobrinho)
O que somente um louco há de sonhar
Uma criança alegre há de sorrir
Um pobre velho e triste há de pedir
E um gênio criativo há de inventar.
Só o que um braço forte há de alcançar
Uma vontade férrea há de exigir
Um coração fraterno há de servir
E a Virgem milagrosa há de escutar.
Só irei confiar ao meu poema
O brilho puro que há num diadema
E o bem maior que houver dentro do peito.
Mas como é grande a minha pequenez
E de engenho é maior inda a escassez
O poema nunca há de ser perfeito.
= = = = = = = = =
Quadra Popular de
ISIDORO CAVACO
Faro/Portugal
Dando aos sonhos mais diversos,
forma, pureza e encanto,
apenas em quatro versos
os poetas dizem tanto!…
= = = = = = = = =
Soneto de
MACHADO DE ASSIS
Rio de Janeiro/RJ, 1839 – 1908
Mundo interior
Ouço que a natureza é uma lauda eterna
De pompa, de fulgor, de movimento e lida,
Uma escala de luz, uma escala de vida
De sol à ínfima luzerna.
Ouço que a natureza, — a natureza externa, —
Tem o olhar que namora, e o gesto que intimida
Feiticeira que ceva uma hidra de Lerna
Entre as flores da bela Armida.
E contudo, se fecho os olhos, e mergulho
Dentro em mim, vejo à luz de outro sol, outro abismo
Em que um mundo mais vasto, armado de outro orgulho,
Rola a vida imortal e o eterno cataclismo,
E, como o outro, guarda em seu âmbito enorme,
Um segredo que atrai, que desafia — e dorme.
= = = = = =
Trova de
JOSÉ LUCAS DE BARROS
(Serra Negra do Norte/RN, 1934 – 2015, Natal/RN)
Zarpei ao romper do dia,
no meu barco, a velejar,
para "pescar" a poesia
que a Lua escondeu no mar.
= = = = = = = = =
Poemeto de
SOLANGE COLOMBARA
São Paulo/SP
Talvez a velha saudade
seja apenas um embalo
do vento olhando a lua.
O rascunhar de um poema
nas estrelas, o sorriso
desenhado, o pranto solto,
quem sabe o doce bailar
das águas idolatrando
o amor, cálido, sereno,
na sua poesia nua.
= = = = = = = = =
Triverso de
CARLOS SEABRA
São Paulo/SP
que flor é esta,
que perfuma assim
toda a floresta?
= = = = = = = = =
Soneto de
FILEMON MARTINS
São Paulo/ SP
Vivendo a dois
Recordo, com saudade, a caminhada
que fizemos ao longo desta vida.
Curtimos nosso amor na madrugada,
sem medo de cansaço na subida.
O tempo foi passando em disparada,
como a brisa que sopra na avenida,
e a ventura chegou tão encantada
que nos levou à Terra Prometida.
Andamos devagar pelos caminhos,
trocamos beijos como os passarinhos
e nos amamos com intensidade.
Mas, quando terminar esta jornada,
serás ainda a minha doce amada,
pois te amarei por toda a eternidade!
= = = = = = = = =
Poeminha de
A. A. DE ASSIS
Maringá/PR
Saudade?
Ela é assim
como se fosse
uma ex-felicidade.
= = = = = = = = =
Dobradinha Poética de
THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA
São Paulo/SP
Lar... Doce lar…
Volto à casa, que "era minha",
risco a calçada e, feliz,
vou pular amarelinha
mas, o pranto apaga o giz!
* * *
Hoje, saudosa, eu volto ao lar antigo
e escancarando a porta semiaberta,
procuro em vão... vasculho o doce abrigo...
Nem pai... nem mãe... a casa está deserta!
E volto ao lar, que dividi contigo...
- Vaivém dos filhos, pela porta aberta...
- Visita alegre de um ou de outro amigo...
E, hoje, é a saudade que o meu peito aperta.
Mas, por deixar pegadas nos caminhos,
não fiquei só!... Cercada de carinhos,
eu sou feliz!... Se volta o sonho louco
do teu amor, acalmo o coração
pois, ao sentir que chega a solidão,
no amor dos filhos eu te encontro um pouco.
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Trova de
ELISABETE DO AMARAL
(Elisabete do Amaral Albuquerque Freire Aguiar)
Mangualde/Portugal
A vida é feita de nadas,
enganando muita gente
que julgando águas paradas
vai ao sabor da corrente.
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Soneto de
JÉRSON BRITO
Porto Velho/ RO
Veneração
Teus contornos gentis, das quimeras senhores
Embebedam de ardor o meu sôfrego peito
Deslumbrado, decanto o desenho perfeito
Donde vertem, querida, aprazíveis olores
Dominou-me a paixão... Ah, confesso que quero
Desse aroma provar saborosos açoites
Te entregar minhas mãos em miríficas noites
Tua pele sentir... O teu corpo venero!
Desde que tu deixaste essa marca escarlate
Impregnaste dulçor nos meus lábios felizes
Transformando em refém da loucura este vate
Com teu vívido olhar maravilhas me dizes
D'alegria fizeste o mais pleno resgate
Não sem causa do amor me deitaste raízes
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Trova de
ELIAS PESCADOR
São Paulo/SP
Tropeiro da mocidade
galopando a solidão,
foste conquista, e és saudade
que deixa rastro em meu chão…
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Poema de
RITA MOURÃO
Ribeirão Preto/SP
Depois do voo
Soletro-me.
Descubro-me cheia de hiatos e vocativos.
Já não sou o mesmo texto,
atravessaram-me as reticências
e a nudez de cada espaço, rege o compasso
das incertezas.
Descubro-me sobre barrancas ressequidas
e mergulho no rio que me atravessa.
Não satisfaço a minha secura,
minha sede tem forma e nome.
Faço uma nova leitura, viagem que não cessa.
Nas entrelinhas o voo, o silêncio.
Meus sentimentos pedem renascimento,
mas estou estagnada, sem coragem de me recriar.
Até o verbo amar já não me é mais cortês.
Apenas me restaram as metáforas.
Depois do voo.
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Poetrix de
LÍLIAN MAIAL
Rio de Janeiro/RJ
violoncelo plangente
(o arco arranca sustenidos):
sinfonia pelo chão
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Soneto de
LUIZ POETA
(Luiz Gilberto de Barros)
Rio de Janeiro/RJ
A magia da presença
A nossa triste solidão mais egoísta
tira da lista os amigos mais fiéis...
É sempre assim que a gente perde o que conquista,
pois nossa lista passa a ter poucos viés.
São tão cruéis as solidões propositais,
matam a paz de quem escolhe o abandono
e ter um pouco só de amor nunca é demais,
porque a dor é que nos faz perder o sono.
Por mais que a voz chegue gritante ou digitada,
nunca diz nada, comparada à companhia,
porque a magia da presença inusitada
é iluminada pelas cores fraternais
que são capazes de enfeitar de fantasia,
essa alegria que nos torna tão... iguais.
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Trova de
TAPAJÓS DE ARAÚJO
(Raimundo de Araújo Chagas)
(Sorocaba/SP, 1894 – 1969)
Nesse amor aberto em palmas,
espero encontrar depois
um céu para duas almas
e um sonho para nós dois.
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Poema de
ÓGUI LOURENÇO MAURI
Catanduva/SP
A prática do bem
Fazer o bem não implica
Ser de posses detentor,
O Divino Mestre explica
Que o maior bem é o amor!
Vamos repartir o pão
Nas pegadas de Jesus,
Passemos pra nosso irmão
Amor em troca de Luz!
Pratica o bem sem a busca
De vantagens decorrentes,
Visto que a ganância ofusca
As ajudas aparentes!
Faz o bem sem manifesto,
Dá sem olhar para quem.
Cada qual recebe o gesto
Com o coração que tem!
Elimina a ostentação,
Vê quem tem necessidade;
Só teremos salvação
Praticando a caridade!
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Spina de
ARTUR JOSÉ CARRERA
São Paulo/SP
Amores
Amores são diferentes
Amores são diversos:
Inversos são rancores.
Seus versos rimam meio assim,
Nos perplexos olhares, não sós,
Se prestam pelos seus favores.
Amores são divinos, sem alarde
Apenas pétalas ao chão, flores.
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Soneto de
EDY SOARES
Vila Velha/ES
Meu chão
Maravilhoso, o meu país inteiro:
o manto verdejante que o reveste,
o sul friento, as praias do sudeste;
Copacabana, o Rio de Janeiro...
Sou capixaba, filho de mineiro,
neto de avô que amava o chão do agreste,
amante da cultura do nordeste;
grato por ter nascido brasileiro!...
Mil vidas eu tivesse, com certeza,
eu pediria aos céus, a gentileza
de conversar com Deus, o Pai gentil...
E, se possível, todas outras vidas,
ao seu humilde servo, concedidas,
de preferência, fossem no Brasil!
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Poema de
CECÍLIA MEIRELES
Rio de Janeiro RJ, 1901-1964
Noite
Úmido gosto de terra,
cheiro de pedra lavada
— tempo inseguro do tempo! —
sombra do flanco da serra,
nua e fria, sem mais nada.
Brilho de areias pisadas,
sabor de folhas mordidas,
— lábio da voz sem ventura! —
suspiro das madrugadas
sem coisas acontecidas.
A noite abria a frescura
dos campos todos molhados,
— sozinha, com o seu perfume! —
preparando a flor mais pura
com ares de todos os lados.
Bem que a vida estava quieta.
Mas passava o pensamento...
— de onde vinha aquela música?
E era uma nuvem repleta,
entre as estrelas e o vento.
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Aldravia de
LUIZ CARLOS ABRITTA
Cataguases/MG, 1935 – 2021, Belo Horizonte/MG
navegador
solitário
quer
apenas
o
infinito
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Poema de
MARIA ANTONIETA GONZAGA TEIXEIRA
Castro/PR
Pôr do sol da minha janela
Janela encantada
Em primavera florida
É natureza de encantos
De beleza e vida.
O pôr do sol da minha janela
É aquarela de mil cores.
Que embriaga pensamentos
bem-quereres e amores.
Com o pôr do sol
As lembranças chegam devagarinho
Nas saudades dos momentos felizes
De nossas carícias e juras de amor.
Olho o sol se pondo….
E vejo em quantas primaveras
Vimos esse pôr do sol...
E hoje sinto sua falta.
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Epigrama de
BOCAGE
(Manuel Maria de Barbosa l'Hedois du Bocage)
Setúbal, 1765 – 1805, Lisboa
Levando um velho avarento
Uma pedrada num olho,
Pos-se-lhe no mesmo instante
Tamanho como um repolho.
Certo doutor, não das dúzias,
Mas sim médico perfeito,
Dez moedas lhe pedia
Para o livrar do defeito.
“Dez moedas! (diz o avaro)
Meu sangue não desperdiço:
Dez moedas por um olho!
O outro dou eu por isso.”
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Poema de
CÉLIA EVARISTO
Alverca/Lisboa/Portugal
Ser criança
No coração de uma criança
há todo um misto de emoções.
No olhar brilha a esperança
que saltita entre canções.
Tem o perfume das flores
em cada dedo da mão.
E nas suas brincadeiras
rebola pelo chão.
Em cada estrela tem uma amiga,
faz o dia nascer.
E enquanto assobia
há um sonho a acontecer.
No sorriso espelha alegria
e tanto para ensinar.
Tem pozinhos de magia,
o dom de transformar.
Não conhece a maldade,
ainda lhe resta a pureza.
Neste mundo de crueldade
tenta afastar a tristeza.
Está sempre a cantarolar,
agarra as nuvens e vai.
Fecha os olhos e, a voar,
nem dá conta que deste mundo sai.
Ser criança é ser maior,
não contar o tempo pela idade.
É viver de abraços e de amor
no coração da liberdade.
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Trova de
IZO GOLDMAN
Porto Alegre/RS, 1932 – 2013, São Paulo/SP
A casa toda quebrada,
e o casal diz numa "boa":
- Mas que furacão, que nada,
foi só uma briguinha à-toa!…
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Décima de
GILSON FAUSTINO MAIA
Petrópolis/RJ
Você conhece o poeta,
aquele que canta em versos
as belezas do Universo
e que de forma discreta,
fala da vida secreta
dos seus ais, dos seus amores?
De seu mundo de esplendores?
Ele está em toda parte,
canta com garra e com arte,
sua fé e seus louvores.
Está na terra e no ar,
está na morte e na vida,
no olhar da mulher querida,
em seu viver, seu sonhar
e no desejo de amar.
Canta o mar com seu furor,
os desencontros do amor,
florestas, aves em festas,
madrugadas e serestas
e as mágoas do trovador.
A lua e sua beleza.
Canta a paz, tão desejada,
o amor que ficou na estrada,
as forças da natureza
e do sol, a realeza.
Canta a vida, tão sofrida,
sua pobreza bandida,
sua ternura no olhar.
Porém quem irá cantar
sua eterna despedida?
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Quadra Popular
AUTOR ANÔNIMO
Rouxinol canta de noite,
de manhã a cotovia;
todos cantam, só eu choro
toda a noite e todo o dia!
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Elegia* de
ALPHONSUS DE GUIMARAENS FILHO
(Afonso Henriques de Guimarães Filho)
Mariana/MG, 1918 – 2008, Rio de Janeiro/RJ
Elegia para Mário de Andrade
Era doce viver, se a madrugada
paulistana molhava as rosas, os milhões
de rosas paulistanas... A arraiada
afugentando pasmos... Mas, pinhões!
que não seria desta vida airada,
destes sítios de dor, destes sertões!
Havia o mundo, a face ensanguentada
do mundo... uivando, uivando nos salões.
Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cinquenta,
Mário dizia, o coração batendo
de amor, de um forte amor insaciado.
Mário de humanidade se alimenta.
Mário é milhões de corações sofrendo.
E um dia o corpo... um sonho inanimado.
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*Na Literatura Grega antiga o termo "elegeia" originariamente referia-se a qualquer verso escrito em dístico elegíaco cobrindo uma vasta gama de assuntos, entre eles, os epitáfios para túmulos. A elegia na Literatura Latina foi mais erótico ou mitológico. Devido ao seu potencial estrutural para efeitos retóricos, o dístico elegíaco foi também utilizada pelos poetas gregos e romanos para assuntos espirituosos, engraçados e satíricos.
Modernamente, elegia é uma poesia de tom terno e triste. Geralmente é uma lamentação pelo falecimento de um personagem público ou um ser querido. Vale ressaltar que na elegia também há digressões moralizantes destinadas a ajudar ouvintes ou leitores a suportar momentos difíceis. Por extensão, designa toda reflexão poética sobre a morte: a elegia, assim como a Ode, tem extensões variadas. O que as difere é que a elegia trata de acontecimentos infelizes.
Na antiguidade, a elegia era uma composição da poesia lírica monódica (ou seja, declamada pelo próprio poeta, geralmente, e acompanhada por um só instrumento musical - como a lira; ao contrário da lírica coral, apresentada por um coro, como ou sem acompanhamento musical), aparentada à épica pela sua forma. No entanto, o metro utilizado era o dístico elegíaco. Havia vários tipos de elegia, conforme seu conteúdo: elegia marcial ou guerreira, elegia amorosa e hedonista, elegia moral e filosófica, elegia gnômica...
Inicialmente definida pelo metro específico, chamado metro elegíaco, a elegia passou a designar um gênero poético que se caracterizou não pela forma, mas pelo assunto: a tristeza dos amores interrompidos pela infidelidade ou pela morte.
A elegia surgiu na Grécia antiga, com Calino de Éfeso (século VII a.C.), Tirteu e Mimnermo. Seus poemas eram cantos guerreiros que incitavam à luta. Calímaco, importante poeta alexandrino do século III a.C., foi um dos primeiros a escrever elegias no sentido do moderno termo, ou seja, como poemas líricos e tristes. Sua elegia Os cabelos de Berenice, da qual só restaram fragmentos, constituiu o primeiro modelo do gênero.
Entre os romanos, o primeiro grande poeta elegíaco foi Tibulo. Seus três livros sentimentais, muito lidos durante a Idade Média, influenciaram fortemente os poetas da Renascença. Foram preferidos às elegias de Propércio, que inauguraram um subgênero, com poemas ardentemente eróticos. O mais importante dos elegíacos romanos foi Ovídio: os Poemas tristes e as Cartas do Ponto, que lamentavam seu exílio, se aproximam bastante das elegias modernas.
No século XVI, a elegia transformou-se num dos gêneros poéticos mais cultivados, embora ainda pouco definido. Em Portugal, o primeiro escritor de elegias foi Sá de Miranda, mas Camões foi o principal: da edição de 1595 de suas obras completas, constam quatro elegias, tidas pelas melhores em língua portuguesa. Na França da Renascença, destacou-se no gênero Pierre de Rosnard.
Na poesia inglesa, a elegia apareceu com Astrophel, lamento fúnebre de Edmund Spenser. Durante quase três séculos produziram-se, dentro desse modelo, alguns dos maiores poemas da literatura inglesa, como Lycidas, de Milton (1638), Adonais, de Shelley (1821), sobre a morte de Keats, e muitas outras. Contudo a mais famosa elegia da língua inglesa foi Elegy Written in a Country Church Yard (1751; Elegia escrita num cemitério da aldeia), de Thomas Gray, meditação sobre a morte de gente humilde e anônima e uma das obras capitais do pré-romantismo europeu.
Em outras literaturas, a elegia assumiu características pagãs, como as belas e eróticas Römische Elegien (1797; Elegias romanas), de Goethe, obra prima da literatura alemã. No século XX, a obra mais importante do gênero foi sem dúvida Duineser Elegien (1923; Elegias de Duino), do poeta alemão Rainer Maria Rilke. No Brasil, o mais importante autor de elegias foi Fagundes Varela, no século XIX. Destacam-se ainda Cristiano Martins, Vinicius de Moraes, Cecília Meireles (em Solombra) e Dantas Mota, no século XX. (http://pt.wikipedia.org/wiki/Elegia)
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