terça-feira, 4 de agosto de 2015

Aparício Fernandes (Receita para se fazer uma trova antológica)

É muito simples. Tome:
A dramaticidade de João Rangel Coelho:
Senhor Deus! Ó Pai dos Pais!
Por que motivo consentes,
entre teus filhos iguais,
destinos tão diferentes?
A brejeirice de Luiz Homero de Almeida:
Sobre o busto ela trazia
três rosas frescas, catitas.
E, contando-as, eu dizia:
– Que cinco rosas bonitas!…
A fluência de Américo Falcão:
Não há tristeza no mundo
que se compare à tristeza
dos olhos de um moribundo
fitando uma vela acesa…
A musicalidade de Cícero Dias:
A tua casa pendida
entre o rosal e a mangueira
é uma açucena caída
no vermelhão da ladeira.
O humanismo de Zálkind Piatigorsky:
Tudo o que tenho reparto,
ó Senhor, sempre em Teu nome!
Tu fizeste o mundo farto,
o homem é que fez a fome!
A sugestão poética de Corrêa de Oliveira:
Ó ondas do mar salgado,
de onde vos vem tanto sal?
– Vem das lágrimas choradas
nas praias de Portugal!
O lirismo de Archimimo Lapagesse:
Se Deus atendesse um dia
minha prece ingênua e doce,
quem fosse mãe não morria,
por mais velhinha que fosse!

A simplicidade de Edgard B. Cerqueira
Saudade – lembrança triste
de tudo que já não sou!
Passado que tanto insiste
em fingir que não passou…
A originalidade de Adherbal de Carvalho:
Da lua sob os clarões,
os leques destas palmeiras
parecem caudas faceiras
de agigantados pavões!
A filosofia de José Maria Machado de Araújo:
Neste mundo que nos cansa,
tanta maldade se vê,
que a gente tem esperança,
mas já nem sabe de quê!…
A ironia de Belmiro Braga:
Quanta vez, junto a um jazigo,
alguém murmura de leve:
– Adeus para sempre, amigo!
E o morto diz: – Até breve!…
        
         Junte tudo isto, transponha para uma só trova e não há dúvida: você terá feito a melhor trova do mundo!
Fonte:
Aparício Fernandes. A trova no Brasil: história & antologia. Rio de Janeiro/GB: Artenova, 1972.

Trovador Homenageado : Augusto Astério de Campos



A Bondade é um roseiral
a florir n’alma de quem
tira os espinhos do mal
e planta as rosas do Bem.

Abrindo, em cantigas novas,
os jogos florais de ensaio,
abrem-se cachos de trovas
nessas roseiras de maio!

A Crença é tão generosa
que até os incréus, ateus,
curam-se à ação milagrosa
da medicina de Deus!

A guerra é um tremor de escolhos
que faz o mundo aluir…
A Paz, menina-dos-olhos
de uma criança a sorrir!

A pena de Rui descansa,
deixando, à Bahia, o orgulho
do Saber velado à lança
dos heróis do Dois de Julho!...

A trova que nos apraz,
iluminada em vitória,
é a chama viva do gás
do lampião da memória.

Balança o fiel da gente,
nesse oscilar inseguro,
entre o pesar do presente
e o que pesar... no futuro!...
 
Bom irmão é aquele amigo
que, numa angústia presente,
parte e reparte consigo
parte das dores da gente!...

Brinca, menino, é o teu fado,
e acende, aos olhos tristonhos,
teu balãozinho estrelado
de lanterninhas de sonhos!…

Castigo é ver, retratado,
no espelho dos desenganos,
o meu rosto retalhado
pelo chicote dos anos!...

De quanta safra, madura,
do trigal do coração,
a espiga é tão fértil, pura,
que já brotou feita em pão!…

Desta Pátria, verde ninho,
emplumado de ouro e anil,
cada Estado é um canarinho
cantando: avante Brasil!!!

É mais que perfeita, em nós,
a harmonia dos sentidos:
– enquanto solfeja a voz,
faz-se a audição dos ouvidos.

É uma edição de desgosto,
das esperanças, em fugas,
o livro aberto do rosto
todo franzido de rugas!...
 
Evoco o passado e assisto
à Santa Missa campal:
– abraçam-se a Cruz de Cristo
e a Santa Cruz de Cabral!…

Grito de amor que se espalma,
em repetida euforia,
o beijo é foguete da alma
a estrelejar de alegria!!!

Minha Mãe, um santo amor,
primeiro amor do meu peito:
– Maria, a bondade em flor,
meu segundo amor-perfeito!

Mudem-se, os ares da Terra,
num tempo firme, tenaz,
calando os trovões da guerra
em nuvens-brancas de paz!

Não me perco em passo errado,
nessas trilhas do amargor...
Vim ao mundo endereçado:
– aos cuidados do Senhor...

Não vale, a linguagem rica,
um palmo do chão que lavras:
- é a ação que frutifica!
Palavras... são só palavras!

Nas carícias das alfombras,
em caminhadas aos rés,
vão, meus pés, beijando as sombras
das pegadas dos teus pés...
 
Nesse parque, de quimera,
do coração da criança,
há sempre um lugar à espera
para o brincar da Esperança!

Nossos filhinhos ninando,
Maria a cantar, feliz,
é uma cigarra alegrando
meus sonhos primaveris!

O que nos tolhe a jornada
não são os cardos ao rés...
É a nossa sombra esmagada
pelo pisar de outros pés...

O viver é qual a vaga
ao sabor das ventanias:
– agita, eleva e se apaga
em marés de calmarias…

Pelos beijos da consorte,
numa terra Ave… Maria,
meu peito bate mais forte
que os sinos da Freguesia.

Quando o amor é amor de fé,
por estranho que pareça,
ama-se até Salomé
e não se perde a cabeça…

Quase caindo aos pedaços,
qualquer dia, que vier,
acabo morto nos braços
de u'a Maria qualquer...

Que consonante harmonia
da orquestra de passarinhos,
cantando a doce alegria
desses palanques de espinhos!...

Trago o peito estrangulado
na dor que mais me doeu,
vendo o lugar ocupado
no coração que foi meu!...

Vivo a vagar, sem roteiro…
E sinto, n´alma sofrida,
a perda do Timoneiro
do batel de minha vida.
         Augusto Astério de Campos nasceu em Cachoeira/BA a 28 de agosto de 1925. Cursou em Salvador, o ginásio Salesiano, transferindo-se em 1948 para o Rio de Janeiro, onde exerceu a função de industriário. Pertencente à família de consagrados poetas, como Jacinto de Campos, seu pai, autor de “Penumbras e Clarões”; seus tios Astério de Campos, autor de vários livros em prosa e verso; e Sabino de Campos, contista, poeta e romancista de motivos nordestinos. Irmão do poeta e trovador Onildo de Campos.
            Augusto pertence à Academia Brasileira de Trova (cadeira n. 35), foi fundador da Casa de Adelmar Tavares (ABT). Livro de trovas “Lira de sonhos” e um livro de sonetos e poemas.

domingo, 26 de julho de 2015

Trovadores de Taubaté

O firmamento é infinito,
nosso céu é cor de anil!
É o que há de mais bonito
cobrindo o nosso Brasil!
Amélia Marques Pereira
No hospital, vovó proclama,
diante da enfermeira pasma:
— Tirei o lençol da cama,
para brincar de fantasma!
Angelica Villela Santos
Muitas vezes fico mudo,
sentindo dentro esta mágoa:
– que a água é que lava tudo
e todos sujam a água.
D. Antonio Affonso de Miranda - Bispo de Taubaté
De minha vida modesta
eu me envaideço e me orgulho!
- Comer pão duro é uma festa
a quem comeu pedregulho…
Araífe David
Meu amor, muito contente,
deu-me a notícia na cama:
– “mamãe vem morar co’a gente!”.
Desabei. Sentiu o drama?
Argemira Fernandes Marcondes
Quem plantou na mocidade,
com certeza vai colher
na sua melhor idade
os frutos que merecer.
Augusto Gomes
Borboleta colorida,
que voas campos sem fim,
foi Deus que te deu a vida
para seres linda assim!…
Auri Alves Mangueira
Eu sou velho e tão cansado
pelo esforço em dura lida;
mas, meu papel tenho honrado
no teatro dessa vida.
Benedicto Nunes de Assis
Um beijo tem mil sabores,
daqueles de enlouquecer!
Para fazer mil amores,
tu não podes me esquecer…
Bertha Beznosai
Taubaté, cidade-luz,
a todos tu dás morada.
O teu acolher traduz
para o que foste criada!
Cacilda Pinto da Silva
Dando hoje, com devoção,
minha aula derradeira,
eu sinto a mesma emoção,
como se fosse a primeira!
Cesídio Ambroggi
Meu sabiá carinhoso,
sempre alegrando o jardim,
no seu cantar, tão formoso,
parece cantar pra mim…
Elisa Mariana Cembraneli
Toda criança sadia
cultiva boas ideias,
revela muita alegria,
como abelhas em colmeias.
Esther Leite da Gama
Saudade! Um ai prolongado
do coração que, a chorar,
vive a evocar um passado
que a gente nem quer lembrar...
João Dias Monteiro
Se quem perdeu a eleição
chora o leite derramado,
quem ganhou solta rojão
pelo emprego conquistado!
José Pantaleão
Água pura e cristalina
a correr buscando o mar,
no trajeto tem a sina
de muita sede matar.
Judite Oliveira
A saudade é dolorosa
e dói de fazer chorar.
É como espinho de rosa,
que faz o dedo sangrar!
Judith Mazella de Moura
Taubaté, tua memória
enalteço com louvor...
Das Bandeiras: toda a glória;
dos teus filhos: todo o amor!
Luiz Antonio Cardoso
Gota d'água numa teia,
pelo orvalho pendurada,
é joia que se incendeia
no colo da madrugada.
Lygia Therezinha Fumagalli Ambrogi
Muita vez na tempestade,
entre chuva de granizo,
o sol da felicidade
rebrilha à luz de um sorriso.
Maria de Lourdes Pereira Quintanilha
Jacareí! A emoção
me faz ficar incontida.
Vi nos trilhos da estação
minha infância refletida!
Maria Marlene N. T. Pinto
O céu, azul, em desmaio...
Noivas... trabalho... Maria...
Acontece o mês de maio,
brotam flores de alegria!
Maria Martha Cardoso
Daquela paixão antiga
resta, agora, só saudade,
como uma velha cantiga
que perdeu a identidade!
Maria Nilza F. Guimarães
Eu via um filme engraçado
com meu vizinho, na cama.
Meu bem chegou adiantado
e a comédia virou drama!
Maria Teresinha Marcondes de Andrade
Postada à beira do açude,
Maria reza e bendiz
a vida, outrora tão rude,
que a água tornou feliz.
Oscar Vieira Soares
Não vou além dos meus passos.
Quem dera fugir de mim!
A dor me faz em pedaços
na noite que não tem fim.
Paulo Martins Magalhães
Vinho é bom mas, pede juízo!
Para evitar confusão
o rótulo traz aviso:
"beber com moderação"!
Paulo Pereira Lima
Em lágrimas, fonte erguida,
aquele desesperado,
na aragem da fé surgida
vê o perdão por Deus mandado.
Paulo Sayão Lobato
A brisa da madrugada
bate fraca no meu rosto,
cai a chuva na calçada,
rodando vai meu desgosto.
Renato Ramos Macedo
Mãe é rosa perfumada,
com beleza e sem espinho.
É  flor… a mais delicada,
formada só de carinho!
Sebastiana de Souza
Vaqueiro velho de antanho,
tendo rotos os gibões,
vou tangendo hoje o rebanho
das minhas desilusões.
Tharcílio Gomes de Macedo
Diz a juventude assim:
“– Só mais velho é que faz trova.
Trova não é para mim.”
Mas… quando conhece, aprova!
Yeda Sá e Souza Pacheco