quinta-feira, 23 de maio de 2024

José Feldman (Analecto de Trivões) 29

 

Antonio Brás Constante (Por que eles preferem os carros e elas a casa?)

Por que os homens gostam tanto de carros, enquanto as mulheres preferem o conforto de um lar? Muitos dizem que isto acontece devido à maneira como ambos (homem e mulher) são geralmente criados. Enquanto a casa é uma espécie de porto seguro para elas, o carro fornece toda liberdade de que eles precisam, e ainda pode sempre ser trocado por outro modelo mais moderno. De preferência novo. Virgem.

O automóvel é o companheiro de aventuras e desventuras do sexo masculino. O homem sente-se como um cowboy do asfalto. Já a casa é o castelo onde vive a rainha do lar. Sendo em muitos casos, também sua masmorra. Uma caixinha de joias onde o marido guarda sua preciosa amada, como se ela fosse um objeto de porcelana. Uma porcelana frágil que lava, passa, varre, cozinha etc.

A casa é um bebezão para a mulher, um gigantesco bebê que deve ser arrumado, limpo e decorado. É sua obra-prima, um mosaico artístico em forma de lar. Uma grande parte das coisas que estão ali, foram presentes recebidos ou peças arrumadas por ela. Os eletrodomésticos, a posição dos móveis, quadros, alimentos, panos de chão, material de limpeza, etcetera e tal. A casa é uma extensão de seu ser, onde o marido é um organismo estranho, que deve ser suportado (porque em alguns raros momentos consegue ser útil, como, por exemplo, para cuidar do pátio e ajudar na recolocação dos móveis mais pesados, ou para pendurar as cortinas). Porém, ele tem que entender que o seu cantinho deve se limitar ao sofá da sala, e de preferência sem colocar os pés na mesinha de centro.

Para o homem, o carro é um tipo de máquina dos sonhos, cheia de curvas, bastando inserir a chave e pronto, ela já estará prontinha para acompanha-lo aonde ele for, fazendo tudo que mandar, sem necessidade de discutir a relação ou perguntando a ele se está gorda. Quando passeia com sua máquina sobre rodas, muitos ficam olhando-o cheios de inveja, acompanhando com os olhos vocês passarem, deixando-o cheio de orgulho de sua maravilha mecânica.

Claro que as mulheres tem atributos que um carro não dispõe. Porém, se ao menos elas fossem tão simples de lidar como um automóvel, o mundo se transformaria em uma auto-estrada sem engarrafamentos e sem pardais. Onde a vida do homem seria algo bem mais fácil e feliz.

Para uma boa parte das mulheres o homem ideal deveria ser como um liquidificador, que agiria no nível de eficiência (e potência) que elas quisessem, estando sempre pronto e limpinho na hora que elas precisassem, e quando não ele não fosse mais necessário bastaria desligá-lo e guardá-lo, sem maiores transtornos, e sem necessidade de ouvir roncos, ou recolher suas roupas espalhadas pelo chão, entre outras tantas “falhas” masculinas.

Talvez no futuro os homens possam ser trocados por práticos “robôs serviçais”, e as mulheres sejam substituídas por delirantes veículos, com acessórios para suprir todas (eu disse TODAS) as necessidades do sexo masculino. Tudo feito de forma fria e eficiente. A partir desse momento, talvez ambos enfim descubram o quanto eram felizes e não sabiam, quando partilhavam de suas imperfeições com as suas caras metades, que seriam taxadas de obsoletas em um futurístico e solitário mundo moderno.

Fonte: Recanto das Letras – 31.08.2008
https://www.recantodasletras.com.br/humor/1155407

Estante de Livros (“A morte de Arthur”, de Sir Thomas Malory)

Hic iacet Arthurus, rex quondam rexque futurus
; Aqui jaz Arthur, rei que foi, rei que será. Com essa frase gravada em seu túmulo, terminava o reinado de Arthur Pendragon, enquanto prenunciava seu futuro retorno como monarca da ilha britânica. Porém, para compreender a grandiosidade de sua lenda, não é só necessário contar sua história, mas também as aventuras de Sir Lancelot, Sir Tristão e dos vários outros cavaleiros da Távola Redonda.

Lançado em 1485, Sir Thomas Malory, com a intenção de criar um livro com início, meio e fim da lenda Arthuriana, utilizou as várias histórias avulsas disponíveis na época e criou uma obra única e completa do portador de Excalibur. A obra de Malory está baseada em livros anteriores de temática arturiana de várias origens, ainda que as fontes exatas sejam objeto de debate. Entre as obras que forneceram material para a Morte estão o Ciclo do Lancelot-Graal e o Tristão em Prosa, ambas obras francesas do século XIII, e os poemas Morte de Arthur Aliterativo e o Morte de Artur em Estrofes, obras em inglês médio datadas do século XIV ou início do século XV. Em relação às fontes, Malory frequentemente reordenou os acontecimentos da narrativa, inclusive eliminando episódios. A coerência narrativa entre os vários livros da Morte é muitas vezes precária, o que deu margem a que estudiosos como Eugène Vinaver questionaram a unidade da obra.

Este livro traz uma das mais famosas e influentes obras das sagas Arthurianas para uma atual e moderna experiência, dando nova vida ao eterno Rei da Inglaterra.

RESUMO

A Morte de Arthur pode ser dividida nas seguintes partes:

O conto do Rei Arthur
A primeira parte apresenta Merlin e descreve como o mago planeja a concepção e nascimento de Arthur, filho de Uter Pendragon e Igraine. Arthur é criado por D. Heitor e eventualmente retira a Espada na Pedra, o que lhe dá o direito de ser rei da Inglaterra. Com Merlin como conselheiro, o rei Arthur ganha várias batalhas, casa-se com Guinevere e organiza a Távola Redonda com seus cavaleiros em Camalot.

O conto do Rei Arthur e o Imperador Lúcio
Mensageiros do imperador romano Lúcio exigem que Arthur pague tributo a Roma como vassalo. O rei recusa, invocando antigas histórias sobre uma conquista de Roma por guerreiros britânicos. Sem acordo, o exército do rei e o do imperador se preparam para a guerra. No continente, Arthur pessoalmente combate e mata um gigante que aterrorizava o povo no Monte São Miguel, na França. Mais tarde o exército do rei ganha o combate com as tropas de Lúcio, e Arthur é coroado Imperador.

O conto de Sir Lancelot do Lago
Essa parte apresenta Lancelot do Lago como o cavaleiro mais virtuoso da corte de Artur. Participa de muitas aventuras: é feito prisioneiro por Morgana, sai vitorioso num torneio em nome do rei Bagdemagus e mata em combate o traiçoeiro D. Turquine, que mantinha vários cavaleiros prisioneiros. Nesse conto também é introduzido o tema do amor proibido entre Lancelot e a rainha Guinevere, ainda que o cavaleiro sempre o negue. A desconfiança despertada pela traição termina levando à caída do reino de Arthur.

O conto de Dom Gareth
O jovem D. Gareth, irmão de Sir Gauvain, chega à corte do rei Artur como um "Bel inconnu" ("Belo desconhecido"), sem nome nem passado. Após salvar a dama Lyonesse e derrotar vários guerreiros (incluído o Cavaleiro Negro) é reconhecido como um digno cavaleiro da corte.

O livro de Dom Tristão
Essa seção é inspirada no amor trágico de Tristão e Isolda e tem como fonte principal a obra francesa Tristão em Prosa, do século XIII. Assim, a ênfase está no adultério que comete Isolda (Iseult) com Tristão, uma vez que a rainha está casada com o rei Marc da Cornualha. Outros personagens importantes dessa parte são os cavaleiros Sir Palamedes e Sir Dinadan.

O conto do Santo Graal
Essa parte do livro é inspirada na Demanda do Santo Graal do Ciclo do Lancelot-Graal, obra francesa do século XIII. O Santo Graal aparece milagrosamente na corte do rei Arthur, e vários cavaleiros se dispõem a buscá-lo. Participam entre outros Gauwain, Lancelot, Percival, Boors e Galahad, filho de Lancelot. Entre as muitas aventuras no caminho, os cavaleiros frequentemente encontram donzelas e eremitas que lhes pedem favores ou lhes dão conselhos. No final, os cavaleiros que conseguem o Graal são Boors, Percival e Galahad, sendo este, o mais virtuoso de todos, termina indo ao Céu diretamente, levado por anjos.

O livro de Dom Lancelot e da rainha Guinevere
O tema do amor proibido de Lancelote e Guinevere é retomado, e os amantes despertam cada vez mais suspeitas da corte. Meleagant, apaixonado por Guinevere, rapta a rainha e a leva para seu castelo. Lancelot vem ao socorro dela e, ao perder seu cavalo, entra no castelo numa carreta, retornando ao tema de Lancelot, o Cavaleiro da Carreta, de Chrétien de Troyes (século XII). Em combate, Lancelot acaba matando Meleagant.

A morte de Arthur
Sir Mordred e Sir Agravain revelam o adultério de Lancelot e Guinevere. Lancelot mata Agravain e escapa, e a rainha é condenada a morrer na fogueira pelo rei Arthur. Lancelot e seus companheiros resgatam-na, e na ação morrem Gareth e Gaheris, sobrinhos do rei. Arthur declara guerra contra Lancelot, e passa com seu exército à França. Mordred, filho incestuoso de Arthur e Morgawse, usurpa o trono do rei, e Arthur resolve retornar à Grã-Bretanha. Gawain, ferido, escreve uma carta a Lancelot, pedindo-lhe que venha à ilha ajudar o rei. Na Batalha de Camlann, Arthur e Mordred ferem mortalmente um ao outro. Antes de morrer, Arthur dá sua espada, Excalibur, para que que Sir Bedivere jogue num lago. Ao lançar a espada, vê surgir das águas o braço da Dama do Lago, que recolhe a espada e volta a submergir. Ao retornar ao rei, Bedivere ajuda Arthur a entrar numa embarcação com várias damas (inclusive Morgana), que levam o rei à ilha de Avalon.

Fontes:
https://www.amazon.com.br/Morte-Arthur-%C3%9Anico-Thomas-Malory/dp/650015293X
https://pt.wikipedia.org/wiki/Le_Morte_d%27Arthur

Recordando Velhas Canções (Viagem)


Compositor: Taiguara

Vai, 
abandona a morte em vida em que hoje estás
Há um lugar onde essa angústia se desfaz
E o veneno e a solidão mudam de cor
Há ainda o amor

Vai, 
recupera a paz perdida e as ilusões
Não espera vir a vida às tuas mãos
Faz em fera a flor ferida e vai lutar
Pro amor voltar

Vai, 
faz de um corpo de mulher estrada e sol
Te faz amante, faz teu peito errante
Acreditar que amanheceu

Vai, 
corpo inteiro mergulhar no teu amor
E esse momento vai ser teu momento
O mundo inteiro vai ser teu, teu, teu
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = = = = = = = = = = 

A Jornada de Renovação em 'Viagem' de Taiguara
A música 'Viagem' de Taiguara é uma poderosa expressão de esperança e renovação. Através de sua letra, o artista convida o ouvinte a deixar para trás um estado de desesperança e inércia, simbolizado pela 'morte em vida', e a buscar um novo começo onde 'a angústia se desfaz'. A canção sugere uma transformação interna, onde o veneno e a solidão são substituídos por cores mais vivas, indicando uma mudança de perspectiva sobre a vida.

O refrão da música é um chamado para a ação. Taiguara incentiva a recuperação da paz e das ilusões perdidas, não como um presente que a vida oferece, mas como uma conquista ativa. A metáfora 'faz em fera a flor ferida' evoca a ideia de que mesmo algo danificado pode ser revigorado e transformado em algo feroz e belo através da luta e do esforço pessoal.

A canção também aborda a temática do amor e da intimidade como caminhos para a redescoberta e a cura. O artista usa a imagem de 'um corpo de mulher' como símbolo de jornada e renovação, onde o amor físico e emocional serve como veículo para acreditar em novos começos. 'Viagem' é, portanto, um convite para mergulhar profundamente no amor e na vida, abraçando plenamente o potencial de cada momento como único e transformador.

Como Escrever uma História Curta e Engraçada – 2

INCORPORANDO O HUMOR

1. Tire humor de todos os lugares.

Reunir todas as coisas que o autor considere engraçadas em diferentes aspectos da vida poderá ser útil na hora de planejar os aspectos humorísticos do conto.

Poderia ser algo pessoal, político ou cultural — qualquer coisa que você ache engraçada. Faça anotações sobre a história (a trama em si), a situação (o tema do conto — por exemplo, a dinâmica da amizade), e por que ela é divertida.

Mantenha um caderno com ideias e inspirações. Anote as coisas engraçadas que vir ou ouvir ou quaisquer ideias que vierem à mente.

Não tenha medo de usar elementos humorísticos da sua própria vida e das vidas de amigos.

O conto não precisa ser 100% autobiográfico, mas incorporar elementos de situações constrangedoras ou engraçadas da vida real poderá conferir mais personalidade à obra.

Mantenha-se em dia com os eventos atuais. Talvez a história não fale sobre as notícias do mundo ou as fofocas de celebridades, mas você poderá conseguir inspiração ou até mesmo retirar elementos do enredo a partir de eventos reais e culturalmente relevantes.

2. Tenha as próprias crenças e opiniões.

A comédia requer um certo nível de honestidade por parte do comediante, e o mesmo vale para a literatura, portanto, seja honesto consigo mesmo como escritor de contos cômicos. 

Antes de sentar para escrever, você deverá ter um senso definido das coisas que pensa ou acredita sobre o mundo, assim as observações humorísticas e a escrita em geral partirão do seu próprio elemento.

Você não contaria uma piada política para alguns amigos sem antes assumir alguma posição a respeito do assunto, então por que tentar ser imparcial no humor escrito?

Não use um humor tão agressivo a ponto de alienar as pessoas que não concordem com você, mas tenha consciência do seu posicionamento em determinadas questões para poder encontrar humor situacional nelas.

3. Busque inspiração.

Isso poderá ser útil se você estiver com dificuldade para criar um conto engraçado. Ela poderá surgir de diversas formas, mas a melhor maneira de encontrar inspiração para um projeto desse tipo é a imersão em outras histórias engraçadas (tanto escritas quanto visuais).

Leia histórias de humor. 

Você poderá encontrá-las na internet, na biblioteca ou em uma livraria local.

Assista a comédias e programas de televisão engraçados. Embora estejam em um formato diferente, essas obras ainda poderão propiciar inspiração.

Quando assistir ou ler coisas que ache engraçadas, tente analisar o humor do autor. Considere por que você acha certas coisas engraçadas e as técnicas que o autor ou roteirista pode ter usado para criar os elementos humorísticos do texto, procurando meios de adaptar esse estilo a sua própria escrita.

4. Aprenda a criar uma piada.

Caso pretenda incorporar piadas reais no texto, familiarize-se com a técnica usada pelos comediantes. Elas não são obrigatórias, mas você precisará elaborá-las muito bem se quiser inclui-las no conto.

Uma piada deve ser inequivocamente engraçado e não deve exigir que o leitor quebre a cabeça para conseguir entendê-la, e a piada ideal provoca o riso antes mesmo que o leitor termine de lê-la.

Caso pretenda incluir um clímax na piada, lembre-se de colocá-lo no final. Caso contrário, os leitores poderão se confundir e não vão entender onde está a parte engraçada.

Tente criar uma lista com duas coisas que combinem bastante e depois acrescentar um terceiro item que não tenha nenhuma relação aparente com os outros dois. Essa técnica é conhecida como regra de três.

O humor partirá do terceiro elemento da lista, porque essa coisa não combina com as outras ou porque ela destaca algum tipo de verdade.

Por exemplo, você poderia escrever algo como: "Meu médico acha que estou enlouquecendo. Ele me recomendou tomar mais ar fresco, praticar mais exercícios físicos e parar de telefoná-lo às três da manhã perguntando o que está errado comigo".

5. Use o humor com moderação.

Essa sugestão pode parecer estranha para uma história engraçada, mas o humor em excesso pode arruinar um conto. Você não quer empurrar a comédia pela garganta abaixo dos leitores, o texto deve ser engraçado sem se parecer com um ataque de piadas.

Lembre-se de que um conto engraçado ainda precisa de um enredo funcional com personagens e diálogos realistas. Uma história engraçada não poderá ser apenas uma sequência eterna de piadas.

Permita que o humor surja a partir dos cenários, personagens e situações, ou de alguma combinação entre eles. Caso tente forçar muitos elementos cômicos no conto (até mesmo em uma história engraçada), a escrita poderá soar brega e artificial.

continua… Escrevendo o conto

Fonte> wikihow 

quarta-feira, 22 de maio de 2024

A. A. de Assis (Jardim de Trovas) 46

 

Silmar Bohrer (Croniquinha) 112

A vida. O que é a vida? 

A palavra vida tem um significado amplo, mas no conceito original da latina " vita " é o estado de atividade que temos entre o nascimento e a morte . Sentido básico. 

Tenho dito sempre que a vida é um cadinho de vivências que se entrecruzam, se somam, se sensibilizam, se emocionam, sofrem, riem nos melhores momentos, choram em instantes cruciais - um pequeno amontoado de vivências. 

A não-vida nos traumatiza, nos abala, nos deixa doloridos, inertes, sem fala - como acontece comigo. Em momentos de tragédias ou catástrofes nos abalamos, estremecemos, oscilamos até nos pensamentos. Como está acontecendo com o drama vivido pelos irmãos do sul, privados dos seus lares, muitos sem alimentos, sem roupas, sem descanso, sem um aconchego... amparo. 

Mas o homem, tantas vezes desumano, é humanitário por natureza. Mobiliza-se a nação para ajudar os desamparados. Em trabalho e bens materiais. Esforços sem medidas, sem hora, sem limites. Porque já dizia o humanitário Érico que "a vida começa todos os dias". 

E esse querido Veríssimo, se entre nós estivesse, certamente refletiria as próprias palavras: "Surpreender o homem no ATO DE VIVER é uma das coisas mais fantásticas que existe". 

Certamente, Veríssimo, verdadeiro ! 

Fonte: Texto enviado pelo autor 

Renato Frata (Pobreza)

Ele se pôs na fila, ao lado da minha. Calçava apenas um sapato. No outro pé, uma atadura suja e, na hora do hino, não cantou, mexeu a boca sem voz, enganando a professora que vigiava de régua nas mãos acompanhando as partituras.

– Meu guarda-pó tinha quatro botões do lado. Fora de meu irmão que trabalhava em farmácia e, como crescera. Fui seu herdeiro de roupas velhas por muito tempo.

Ele vendia remédios e aplicava injeções. Atendia um mundaréu de gente que procurava, porque tinha mãos leves que faziam das doloridas injeções uma picadinha de nada. E o fazia até nas prostitutas durante o dia, porque à noite, como era menor, não podia. Mas ele ia depois das seis, às escondidas, e ficava lá, nós quartos delas, depois das injeções, tomando guaraná! E só voltava para casa bem tarde, quando já estávamos dormindo. As vezes me trazia doce, às  vezes só contava o que acontecera. Até das nádegas delas, tudo tintim por tintim, da cor das calcinhas, era legal. Animava-me nos sonhos de puberdade.

O menino do pé com pano sentou-se comigo na carteira dupla. Dividiríamos o tinteiro de tinta azul, e ali fizemos amizade. Perguntei-lhe sobre a atadura.

- Cortei numa lata — ele disse

- E dói?

- Não.

- Se não dói, por que não calça o outro sapato?

Ele não respondeu. Levantou-se com a bolsa nas mãos e foi se sentar sozinho no fundo da sala, emburrado. Baixou a cabeça, debruçou-se nela e ficou.

Não compreendi, mas pensei: "Que se..." (para não repetir nome feio que falava aos montes). Aí lembrei do meu irmão farmacêutico e fui ter com o novo colega. A raiva dele havia passado e ele sorriu quando me viu chegar, me dando beira no assento da sua carteira.

Bem baixinho lhe contei do meu irmão dizendo que se o corte no pé estivesse doendo ele poderia colocar remédio. Até daria um desconto, por ele ser meu amigo.

Meio acanhando, ele me puxou pelo braço, pôs a boca no meu ouvido e me fez jurar que não contaria o que eu iria escutar. Nem se eu precisasse morrer pelo silêncio. Arregalei os olhos e, preocupado, fiz sim com a cabeça.

O coração bombeou rápido seus tucs-tucs, me fazendo compreender que um segredo, quando segregado, acelera o coração. Tem dentro de si uma coisa que batuca, fazendo a cara corar. E escorrer suor também. Sem falar no frio das mãos.

Então ele confidenciou: não tinha machucado algum no pé... só disfarçava...

- Por que então usa esse curativo?

A resposta foi a nunca imaginada: seu irmão gêmeo estudava em outra escola, no mesmo horário. E nenhuma aceitava aluno sem sapato.

Mas, com ao menos um, sim.

Fonte: Renato Benvindo Frata. Fragmentos. SP: Scortecci, 2022. 
Enviado pelo autor

Como Escrever uma História Curta e Engraçada – 1

A criação de um conto de humor é uma experiência agradável que combina a comédia e a escrita criativa com um formato literário interessante e envolvente. O humor pode aliviar a tensão de situações difíceis e unir as pessoas através do riso, um subterfúgio muito útil se a trama em questão for tensa ou perturbadora. Não importa se você está escrevendo uma dissertação para a escola ou se simplesmente deseja contar uma história insana e engraçada através de um projeto literário, a combinação da comédia com a escrita poderá ajudá-lo a expressar criatividade e senso de humor.

PLANEJANDO O CONTO

1. Escolha um cenário.

Alguns escritores preferem planejar a trama antes de escolher um ambiente, mas, na literatura cômica, o humor costuma se basear em situações. Antes de começar a criar o enredo do conto, considere onde a história se passaria e como você poderia extrair humor de tal cenário.

Tente ser original na hora de escolher um ambiente. Os leitores podem se desinteressar pela obra se estiverem muito familiarizados com o cenário, já que sentirão que história foi reciclada.

Nos contos, o ideal é manter o menor número de cenários possível. Tente trabalhar dentro de apenas um ambiente e, se não for possível, não use mais de dois.

2. Invente uma trama.

O enredo é o componente mais importante da história e abrange o que acontece no conto, quem está envolvido e como a série de eventos se desenvolve.

A maioria das histórias cativantes tem começo, meio e fim, e através dessa linha de tempo uma tensão cresce gradualmente, seguida do clímax (o momento auge da tensão) e do desdobramento que conduz ao final do conto.

Pense em qual elemento seria a fonte de drama ou tensão do enredo e tente trabalhar esses fatores no cenário escolhido para a história.

Considere como a fonte de tensão poderá funcionar no cenário escolhido. Por exemplo, talvez o ambiente aumente a tensão ou propicie uma situação cômica que contraste com o local onde os eventos se desenvolvem.

3. Planeje as personagens.

Toda história precisa de personagens interessantes e realistas. 

Um conto engraçado deverá apresentar personagens com qualidades cômicas ou que se encontrem em situações divertidas.

A forma como as personagens são retratadas dependerá das personalidades e circunstâncias únicas de cada uma delas, dentro da história.

Por exemplo, você poderia criar uma personagem "idiota" e estabanada que se depara com situações engraçadas, ou uma personagem sarcástica que acredite saber de tudo mas acabe percebendo que não sabe nada sobre as próprias circunstâncias de sua vida.

As personagens devem ser realistas e plausíveis. Elas devem ter sentimentos e opiniões e reagir de forma realista às diferentes situações do conto.

Considere quais tipos de personagens poderiam tornar o cenário divertido ou vice-versa.

Todos os elementos do conto (ambiente, enredo e personagens) devem trabalhar em conjunto, combinando bem um com outro ou criando contrastes engraçados e inesperados.

continua… Incorporando o humor

Fonte> wikihow 

Recordando Velhas Canções (Nos Bailes da Vida)


Compositores: Milton Nascimento e Fernando Brandt

Só quem toma um sonho
Como sua forma de viver
Pode desvendar o segredo
De ser feliz

Foi nos bailes da vida ou num bar em troca de pão
Que muita gente boa pôs o pé na profissão
De tocar um instrumento e de cantar
Não importando se quem pagou quis ouvir
Foi assim

Cantar era buscar o caminho que vai dar no Sol
Tenho comigo as lembranças do que eu era
Para cantar nada era longe, tudo tão bom
Até a estrada de terra na boleia de caminhão
Era assim

Com a roupa encharcada e a alma repleta de chão
Todo artista tem de ir aonde o povo está
Se foi assim, assim será
Cantando me desfaço e não me canso
De viver nem de cantar

Cantar era buscar o caminho que vai dar no Sol
Tenho comigo as lembranças do que eu era
Para cantar nada era longe, tudo tão bom
Até a estrada de terra na boleia de caminhão
Era assim

Com a roupa encharcada, a alma repleta de chão
Todo artista tem de ir aonde o povo está
Se foi assim, assim será (assim será)
Cantando me desfaço e não me canso
De viver nem de cantar
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = = = = = = = = = = 

A Jornada do Artista em 'Nos Bailes da Vida'
A música 'Nos Bailes da Vida', interpretada por Milton Nascimento em parceria com o grupo Roupa Nova, é uma homenagem à trajetória dos artistas, especialmente músicos, que percorrem caminhos muitas vezes árduos em busca de realização e reconhecimento. A letra fala sobre a persistência e a paixão pela arte, independentemente das dificuldades encontradas no caminho.

O refrão 'Foi nos bailes da vida ou num bar em troca de pão' evoca a imagem de músicos que começam suas carreiras tocando em locais pequenos e muitas vezes precários, mas que são movidos pelo sonho de viver de sua arte. A expressão 'em troca de pão' sugere que muitas vezes esses artistas tocam não apenas por amor à música, mas também como meio de subsistência. A música destaca a importância de se aproximar do público, de 'ir aonde o povo está', reforçando a ideia de que a arte deve ser acessível e estar em contato direto com as pessoas.

A canção também aborda a resiliência e a dedicação dos artistas, que 'não se cansam de viver nem de cantar', mesmo diante de adversidades. A 'roupa encharcada e a alma repleta de chão' simbolizam as experiências vividas e as marcas deixadas pela jornada. 'Nos Bailes da Vida' é um tributo àqueles que encontram no ato de cantar e tocar um caminho de luz e felicidade, apesar dos obstáculos enfrentados.

Aparecido Raimundo de Souza (Um dia, o amor)

SEM MEDO DE ERRAR, aquele se fazia um coração que batia descompassado, como se dançasse tresloucado ao som de uma música envolvente, porém, que só ele conseguia ouvir. Esse coração pertencia a Lafaiete que amava profundamente, mas cujo amor, por algum motivo desconhecido, não se fazia retribuído. Assemelhava, sem tirar nem pôr, a um amor unilateral, tipo essas paixões doidivanas que ardem como fogo em um dos lados e permanecem frios e gélidos no outro.

Lafaiete por conta desse vazio terrificante, vivia batendo cabeça entre as estrelas e a melancolia. Entre o sonho não vivenciado e uma realidade não palpável. Nas noites mais escuras, olhava demoradamente para o céu e imaginava que cada estrela representava uma quimera não decantada, um desejo não correspondido, um tempo incerto e não vivenciado. Cada brilho distante se adumbrava como uma lembrança dolorosa; um eco daquilo que poderia ter sido; mas nunca se fez palpável.

Por conta disso, “trocentas” vezes mergulhava em pensamentos ociosos, relembrando os momentos cavernosos e anoréxicos, em que a pessoa amada estava por perto, sem estar. Cada sorriso, cada olhar, cada toque, eram guardados como preciosidades raras em seu coração. Contudo, ao mesmo tempo, essas lembranças e regalos também se transformavam em punhais perfurando a sua alma com a certeza de que nunca seriam mais do que isso: lembranças.

O amor não correspondido, para ele, se assemelhava a uma ferida que não cicatrizava. Se fazia pesado numa dor que não se resolveria com remédios ou palavras de consolo. Tudo se agigantava numa sensação estranha e densa de estar desabrigado, de não ter um lar para o aconchego do coração. Lafaiete se perguntava: “como poderia algo belo e intenso, causar angústia tão degradante”?

Todas as noites, depois que chegava do trabalho, se trancava em seu quarto. Sentava na escrivaninha e escrevia cartas. Compunha missivas longas que nunca seriam enviadas. Poemas que jamais seriam declamados. Redigia para exorcizar a dor, para dar voz e forma aos sentimentos que o sufocavam interiormente. Assim, meio que abrupto, nasceu um poeta dentro dele. Cada verso, uma lágrima transformada em palavra, cada linha uma saudade eternizada na tinta de sua caneta esferográfica.

Mas o tempo passou, e Lafaiete aprendeu, a trancos e barrancos, que o amor não correspondido não mostrava o fim do mundo. Ele descobriu que a amargura poderia se transformar em algo mais suportável. Que as mágoas, em uma série de versos, os seus pensamentos dariam lugar à aceitação. Afinal, o amor não é apenas sobre ser amado ou ter alguma compensação em troca. É sobre sentir, assimilar, viver, usufruir, gozar, mesmo que num determinado ponto, alguma coisa descambe para a dor causticante e estupadorada na sua maior forma de expressão.

Assim, entre as estrelas e a melancolia, a consternação e a repugnância, Lafaiete se deparou com um novo caminho a ser seguido. Percebeu que o amor não correspondido não o mataria, ao contrário, o transformaria num novo ser. Um corpo de concepções vivificadas. Quem sabe; talvez um dia; encontrasse alguém de verdade. Uma criatura que olhasse para o mesmo céu e visse as mesmas estrelas. Alguém de olhos deslumbrantes que igualmente tivesse um coração descompassado, dançando ao som de uma música elegantemente invisível, contudo, maviosa e fruitivamente sonorosa.

Quem sabe, outro lado da mesma moeda, nesse encontro de almas solitárias, oxalá o amor finalmente se tornasse recíproco, mútuo e equivalente. Até lá, enquanto a esperança não bate definitivamente em sua porta, Lafaiete continuará a grafar as suas crônicas, suas poesias e cartas não enviadas. Afinal, o amor não correspondido ou não galardoado, também tem a sua beleza, a sua amenidade, a sua magia e a sua profundidade.  

Um dia (sempre há um dia), ele, Lafaiete, se torne o protagonista único de uma história de amor marcante, chique, saliente e infinita, tipo um conto perpétuo e, que não caiba apenas entre as estrelas... também se coadune nos braços de uma jovem elegante que o ame de volta, com a mesma intensidade e deleite. E cujo amor ardente e garboso será incondicionalmente palpável até o final de seus dias.

Fonte: Texto enviado pelo autor 

terça-feira, 21 de maio de 2024

A. A. de Assis (E o homem veio)

No princípio era o verde. O verde a perder de verde, guardando o chão vermelho que aguardava o homem vir. E o homem veio, viril, varão, varonil. Veio enxertar a terra, que, no cio, vermelha, de viridência vestida, aguardava o homem vir. E o homem veio, viril. E a terra prenha pariu.

Ninguém sabe exatamente quem foi o primeiro a aqui chegar. Nem se estava sozinho ou se com ele havia mais alguém. Alguém chegou aqui primeiro. Decerto alguém de muita coragem, muito peito, ou quem sabe movido por um pouco de abençoada maluquice.

De onde veio? Não se tem a menor ideia. Veio em busca de um lugar novo onde fazer o pé-de-meia, ou veio simplesmente trazido pelo espírito de aventura? De qualquer modo, veio. Viril, varão, varonil, atraído pelo aroma da mata e pelo cheiro da terra. Alguém veio, pediu licença à floresta, abriu nela o primeiro espaço, construiu o primeiro rancho, plantou a primeira roça, colheu o primeiro grão.

Depois chegou o primeiro vizinho, mais outro, mais outro. Fizeram-se amigos, os primeiros amigos, as primeiras famílias. Ergueram a primeira igreja, a primeira escola. Alguém abriu a primeira vendinha que vendia de um tudo – de melhoral a carne-seca, de sal e açúcar a querosene.  

Criaram o  Aero Clube e o Grêmio dos Comerciários para ter onde dançar e namorar. Criaram a Associação Comercial, a Santa Casa, a Maçonaria, o Rotary, o Lions, o Ginásio Maringá, o Colégio Santa Cruz, o Marista, o Santo Inácio, a primeira faculdade, a primeira universidade. Fundaram o Albergue, o Lar dos Velhinhos, o Lar Escola das Crianças. Construíram o Grande Hotel. Ergueram a Catedral. Formaram a Cocamar. Criaram o glorioso Grêmio Esportivo Maringá.   Fundaram o Maringá Clube, o Country, o Olímpico, o Clube Hípico, o Centro Português, a Acema, o Teuto.

E foi chegando gente e mais gente, de todas as origens. E foram abrindo lojas e mais lojas, bancos e mais bancos, indústrias e mais indústrias, hospitais e mais hospitais, restaurantes e mais restaurantes, shoppings e mais shoppings, supermercados e mais supermercados.  

Projetada pela companhia colonizadora para ser uma cidade de 100 mil habitantes, Maringá já abriga mais de 410 mil, sem contar os tantos mais que moram nas comunidades vizinhos, porém trabalham aqui, estudam aqui, fazem suas compras aqui – ao todo, mais de um milhão de pessoas que foram chegando após a vinda daquele primeiro arrojado mateiro que aqui armou seu primeiro rancho quando os ruídos mais frequentes eram ainda o miado das onças e o gorjeio dos sabiás.

Um lugar de bravos e bravas. Ah, as bravas mulheres primeiras. As pioneiras. Algumas delas, raras, estão ainda entre nós. Uma delas pode ter sido sua avó ou bisavó. Que vida difícil elas enfrentaram nos primeiros tempos desta cidade forte e linda. Quanto barro, quanta poeira.

Onde quer que agora estejam, Deus as abençoe.

Maringá está completando oficialmente 77 anos. Quase todos os que vieram primeiro já estão na eternidade. Lá no assento etéreo onde se encontram, estarão certamente felizes e faceiros, contemplando a bela obra que nos legaram. 

A cada um deles, o nosso muitíssimo obrigado.

Fonte: Portal do Rigon. 09.05.2024

Recordando Velhas Canções (Roda Viva)


Compositor: Chico Buarque

Tem dias que a gente se sente
Como quem partiu ou morreu
A gente estancou de repente
Ou foi o mundo então que cresceu
A gente quer ter voz ativa
No nosso destino mandar
Mas eis que chega a roda-viva
E carrega o destino pra lá

Roda mundo, roda-gigante
Rodamoinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração

A gente vai contra a corrente
Até não poder resistir
Na volta do barco é que sente
O quanto deixou de cumprir
Faz tempo que a gente cultiva
A mais linda roseira que há
Mas eis que chega a roda-viva
E carrega a roseira pra lá

Roda mundo, roda-gigante
Rodamoinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração

A roda da saia, a mulata
Não quer mais rodar, não senhor
Não posso fazer serenata
A roda de samba acabou
A gente toma a iniciativa
Viola na rua, a cantar
Mas eis que chega a roda-viva
E carrega a viola pra lá

Roda mundo, roda-gigante
Rodamoinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração

O samba, a viola, a roseira
Um dia a fogueira queimou
Foi tudo ilusão passageira
Que a brisa primeira levou
No peito a saudade cativa
Faz força pro tempo parar
Mas eis que chega a roda-viva
E carrega a saudade pra lá

Roda mundo, roda-gigante
Rodamoinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração

Roda mundo, roda-gigante
Rodamoinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração

Roda mundo, roda-gigante
Rodamoinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = = = = = = = = = = 

A Inexorável Passagem do Tempo em 'Roda Viva'
A canção 'Roda Viva', composta por Chico Buarque, é uma reflexão poética sobre a passagem do tempo e a efemeridade da vida. A letra utiliza a metáfora da 'roda-viva' para representar o ciclo incessante de mudanças e a forma como o tempo arrasta consigo pessoas, sonhos e realizações, muitas vezes contra a nossa vontade.

No primeiro verso, o sentimento de estagnação contrasta com o crescimento do mundo, sugerindo uma desorientação diante da rapidez das transformações sociais e pessoais. A 'voz ativa' que o eu lírico deseja ter em seu destino é constantemente desafiada pela 'roda-viva', que simboliza o destino e a força do tempo que tudo leva. A repetição do refrão 'Roda mundo, roda-gigante, rodamoinho, roda pião' enfatiza a ideia de movimento contínuo e incontrolável.

A música também aborda a resistência e a luta contra as adversidades ('A gente vai contra a corrente'), mas reconhece a inevitabilidade de ceder em algum momento ('Na volta do barco é que sente'). A 'roda-viva' não poupa nem mesmo as tradições culturais, como a serenata e a roda de samba, que são levadas pelo tempo. A saudade se torna 'cativa' no peito, mas mesmo ela é carregada pela roda-viva. A canção, portanto, é um lamento pela perda e uma meditação sobre a impermanência da vida.

Figueiredo Pimentel (As aventuras do Zé Galinha)

José Joaquim de Souza e Silva veio da terra e foi para Jacarepaguá, onde se estabeleceu, protegido pelo Manoel da Venda, seu primo. Aí dedicou-se ao comércio de aves domésticas e ovos, que comprava em porção, enviando-os em seguida à Praça do Mercado e outros pontos da cidade. A sua lida com a criação, desde a manhã até a noite, durante anos, sempre na mesma casa, eternamente no mesmo lugar, valeu-lhe a alcunha de Zé Galinha, porque era conhecido, verdadeiramente popular em Jacarepaguá e terras adjacentes. Ninguém sabia quem era o Souza e Silva, nem José Joaquim. Perguntassem, porém, pelo Zé Galinha, que todo o mundo apontaria a sua casa.

E o Souza desesperava-se com aquilo: ralava-o a antonomásia (apelido) que lhe haviam posto, e daria bem um par de contos se conseguisse ser chamado de outra forma. 

Nos primeiros tempos, quando começara a vida, pouco se lhe dava que o chamassem assim ou assado: queria ganhar dinheiro, fazer fortuna e voltar à aldeia. Mas, depois de vinte anos, aclimado em Jacarepaguá, rico, já casado e com filhos, resolveu ficar. Abraçou outro ramo de negócio, abriu um grande armazém de secos e molhados, e acabou o negócio de galinhas, patos e perus.

A alcunha, porém, ficou. Ele era o Zé Galinha. Parecia até que aquilo era proposital. Quanto mais se enfurecia, e maiores esforços empregava para que a antonomásia fosse esquecida, toda a a gente se obstinava em chamá-lo assim.

Foi então que o Souza resolveu comendadorizar-se. Veio ao Rio, e conversou com o barão de S. Caetano, chefe da colônia, assinou dez contos para o Asilo dos Órfãos Lusitanos, recentemente fundado, e esperou a comenda.

Durante uma semana passou ele na cidade, divertindo-se à farta, para compensar um pouco a sua vida cheia de trabalhos.

Havia chegado no domingo, e o João Carne Seca, da rua das Violas, em cuja casa se hospedara, levou-o ao teatro, que ele não conhecia.

A princípio o Zé Galinha não queria ir, mas o outro incentivou-o tanto, animou-o de tal forma, que resolveu finalmente.

Enfiado numa sobrecasaca de pano comprada feita na rua do Hospício, encartolado, de calças brancas e botinas de verniz, o futuro comendador ficou disfarçado. Nem ele mesmo se reconheceu!

Ao entrar no Cascata, onde o João ia tomar café, a sua figura exótica refletiu-se em um dos espelhos. E como caminhasse em frente, vendo aquele cavalheiro que se dirigia para ele, em sentido oposto, recuou delicadamente para a direita, a fim de ceder o lugar. E vai o “outro”, justamente na mesma ocasião, recua. O Zé tomou a esquerda; o “outro” idem. O Zé parou; o outro imitou-o.

Vendo aquela contradança, o João, que já estava sentado, perguntou-lhe:

— Que diabo estás a fazer aí, ó Souza?

E o Souza, sorrindo-se, medonhamente encalistrado:

— Estou dando lugar para aquele cavalheiro passar.

O João rompeu numa gargalhada colossal:

— Ó rapaz! pois não estás vendo que aquilo é a tua imagem no espelho?

Saindo do café, dirigiram-se os dois para o teatro.

Deslumbrado, nunca tendo visto daquilo, o nosso homem quase não podia caminhar. Foi com dificuldade que o João o arrastou até as cadeiras, em uma das filas centrais.

Já havia começado o espetáculo, e o negociante permanecia de pé, não consentindo assim que os espectadores das filas atrás vissem o que se representava.

Então, algumas pessoas, aborrecidas com aquele estafermo, das torrinhas e da plateia, bradaram:

— Senta!... Senta!...

Zé Galinha, imperturbável, voltou-se para trás, e no meio do silêncio que se fizera, respondeu:

— Não se incomodem, meus senhores; estou bem de pé, muito obrigado.

Cessado o ligeiro incidente, depois de alguns segundos de prolongada hilaridade, tendo João obrigado o companheiro a sentar-se, o Souza e Silva, conhecido em Jacarepaguá por Zé Galinha, assistiu calmamente a representação.

O primeiro ato correu sem novidade, salvo uma ou outra asneira, que perguntava ao companheiro, em voz baixa, para não fazer novo fiasco.

Representava-se uma comédia Uma hospedaria na roça. Quando o ator entra em cena e procura pela mulher, que está escondida atrás da porta, volta-se para a plateia e interroga “Onde estará ela? Onde estará a Chiquinha? Onde estará?”. E leva alguns minutos a procurá-la com açodamento, examinando o aposento.

Nessa ocasião, o ilustre jacarepaguense não pode resistir, e, querendo mostrar a sua perspicácia, berrou:

— Está aí atrás da porta, escondida para que o senhor não a veja.

Durante a semana em que Zé Galinha passou no Rio de Janeiro, nem um só dia deixou de ir ao teatro. Ficara gostando imensamente, e andava maníaco.

De volta para Jacarepaguá, levava na mala uma enorme coleção de dramas, comédias, cenas cômicas e monólogos, comprados na Livraria Quaresma, que principiou a ler com animação.

Estava à espera da comenda que o barão de São Caetano lhe prometera, e que havia de desaparecer para sempre a sua terrível alcunha. Lembrou-se então de mandar edificar um teatrinho, onde tencionava representar, fundando também uma sociedade dramática.

Em menos de um mês estava tudo pronto, e inaugurava-se o Ginásio Dramático Beneficente Estrela de Ouro de Jacarepaguá, sob a presidência do comendador José Joaquim de Souza e Silva.

O ilustre comerciante queria realizar imponentes festas para comemorar dignamente a sua comenda. Seriam três dias de pândega, havendo em todas essas noites espetáculos e bailes.

A primeira peça escolhida para a estreia foi a tragédia em oito atos D. Nuno Álvares ou O poder do lusitano.

O comendador Souza e Silva fazia o papel de Conde de Tomar.

Ao aparecer na primeira cena, passeava lentamente, mudo, pensativo. A marcação da tragédia dizia: “O conde entra, mas não fala...”

E vai o Zé, avança pelo palco, e exclama com voz de trovão:

— E conde entra, mas não fala!

Como estava radiante o comendador José Joaquim de Souza e Silva! Durante aqueles três dias nem uma só vez ouvira pronunciar a terrível alcunha de Zé Galinha. Jacarepaguá em festas tinha esquecido e agora só o chamava comendador.

Havia chegado a terceira noite, e nova tragédia ia exibir-se: O punhal envenenado ou A nódoa de sangue.

Logo no primeiro ato, ao erguer-se o pano, o Souza aparecia disfarçado com longas barbas e longa cabeleira, de capa e espada. A cena, quase às escuras, fingia um bosque.

D. Rufo, o chefe dos salteadores, entrava, e dizia:

— Noite propícia; nem uma estrela brilhando no firmamento!

Fez-se profundo silêncio quando ele apareceu, e a frase foi bem lançada.

Mas de repente, no meio da quietação sepulcral, ouviu-se uma voz de criança exclamar:

— Ó mamãe! Aquele não é o seu Zé Galinha?

Escândalo nunca visto! Rebentou uma gargalhada uníssona, colossal.

Então, o Souza, vendo perdido o seu tempo, o trabalho que tivera, e o cobre com que comprara a comenda, ficou desnorteado; e arrancando com gesto brusco as barbas e a cabeleira, exclamou indignado:

— Zé Galinha é você, seu malcriado! O culpado fui eu, metendo-me com essa gentinha! Arreia o pano!

E assim acabou-se o Ginásio Dramático Beneficente Particular Estrela de Ouro de Jacarepaguá.

Fonte> Alberto Figueiredo Pimentel. Histórias da Avozinha. Publicado em 1896. Disponível em Domínio Público.