sexta-feira, 24 de janeiro de 2025

Vereda da Poesia = 204

Trova de
ARI SANTOS CAMPOS
Balneário Camboriú/SC

Meus bons anos se passaram
com a leitura aprendi...
Hoje as letras se apagaram
mas o saber não perdi.
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Poema de
MACHADO DE ASSIS 
Rio de Janeiro/RJ, 1839 – 1908

Gonçalves Crespo

Esta musa da pátria, esta saudosa
Níobe dolorida,
Esquece acaso a vida,
Mas não esquece a morte gloriosa.

E pálida, e chorosa,
Ao Tejo voa, onde no chão caída
Jaz aquela evadida
Lira da nossa América viçosa.

Com ela torna, e, dividindo os ares,
Trépido, mole, doce movimento
Sente nas frouxas cordas singulares.

Não é a asa do vento,
Mas a sombra do filho, no momento
De entrar perpetuamente os pátrios lares.
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Poema de
VANICE ZIMERMAN
Curitiba/PR

Outono em taça

Do ombro de vidro desliza
Sem pressa, uma gota de vinho
E  chega  envolvente e arrepia
O rótulo com cachos de uva,
Sob, o olhar sedutor da taça vazia-
À espera do aroma encorpado,
Suavemente, adocicado...

Entre a verde garrafa
E transparência do cristal
O silêncio e recato
Da folha de plátano.
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Poetrix de
BETO QUELHAS
São Paulo/SP

arteiro

o vento brinca escondendo
na cortina dos seus cabelos
os seus olhos em venenos
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Poema de
DOMINGOS FREIRE CARDOSO
Ilhavo/ Portugal

Foram levando qualquer coisa minha
(Mário Quintana, in “Rua dos Cataventos”)

Foram levando qualquer coisa minha
Os ocasos que eu tanto apreciava
Como se o sol morrendo envolto em lava
Me roubasse o que em minha alma eu tinha.

De cada vez que a luz, régia rainha
Do meu olhar carente se ocultava
Levava o que mais rico em mim achava
Até do meu ser não restar nadinha.

Corpo seco, sou concha de molusco
Solto à beira da praia onde eu busco
A minha alma por quem ando a penar,

E se o destino não me deixar tê-la
No fim de cada tarde eu venho vê-la
À hora em que o sol cá se vem deitar.
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Trova de
DOROTHY JANSSON MORETTI 
Três Barras/SC, 1926 – 2017, Sorocaba/SP

A lua, em passo indeciso,
muda o andante da sonata,
pondo pausas de improviso
no pentagrama de prata.
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Soneto de
OLAVO BILAC
Rio de Janeiro/RJ, 1865 – 1918

Velhas árvores

Olha estas velhas árvores, mais belas
Do que as árvores novas, mais amigas:
Tanto mais belas quanto mais antigas,
Vencedoras da idade e das procelas...

O homem, a fera, e o inseto, à sombra delas
Vivem, livres de fomes e fadigas;
E em seus galhos abrigam-se as cantigas
E os amores das aves tagarelas.

Não choremos, amigo, a mocidade!
Envelheçamos rindo”! Envelheçamos
Como as árvores fortes envelhecem:

Na glória da alegria e da bondade,
Agasalhando os pássaros nos ramos,
Dando sombra e consolo aos que padecem!
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Trova de 
IZO GOLDMAN
Porto Alegre/RS, 1932 – 2013, São Paulo/SP

"Casamento... - alguém já disse – 
é chegar à encruzilhada
onde acaba a criancice 
e começa...a criançada..."
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Dobradinha Poética (trova e soneto) de
LUCÍLIA ALZIRA TRINDADE DECARLI
Bandeirantes/PR

Fruta da Semente

Não meças nela o trabalho,
pois colheita é contingente,
mas quanto, de orvalho a orvalho,
tu já plantaste… em “semente”…

De sol a sol, firmando as mãos no arado,
suor pingando, ao solo se entregava…
– Hoje, um trabalho rude e ultrapassado
do lavrador, que a terra cultivava.

Com grande afinco e sempre atarefado,
fazia os sulcos, com as mãos semeava
e, esperançoso a capinar, cansado,
o agricultor, temente a Deus, rezava…

Pedia chuva para aquela empreita,
o pensamento firme na colheita,
depois que via germinando o grão…

E desejava, então, ardentemente,
ver pão na mesa, fruto da semente,
que enverdecera todo aquele chão!
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Haicai de
GUILHERME DE ALMEIDA
Campinas/SP 1890 – 1969 São Paulo/SP

Vento de Maio

Risco branco e teso
que eu traço a giz, quando passo.
Meu cigarro aceso.
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Soneto de
MÁRIO QUINTANA
Alegrete/RS (1906 – 1994) Porto Alegre/RS

Para Telmo Vergara

Era uma rua tão antiga, tão distante
que ainda tinha crepúsculos, a desgraçada...
Acheguei-me a ela com este velho coração palpitante
de quem tornasse a ver uma primeira namorada

em todo o seu feitiço do primeiro instante.
E a noite, sobre a rua, era toda estrelada...
havia, aqui e ali, cadeiras na calçada...
E o quanto me lembrei, então, de um amigo constante,

dos que, na pressa de hoje, nem se usam mais
como essas velhas ruas que parecem irreais
e a gente, ao vê-las, diz: "Meu Deus, mas isto é um sonho!"

Sonhos nossos? Não tanto, ao que suponho...
São os mortos, os nossos pobres mortos que, saudosamente,
estão sonhando o mundo para a gente!
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Trova de
ARTHUR THOMAZ
Campinas/ SP

O passado é intrigante! 
Ontem mesmo era presente… 
Durou por algum instante 
e esvaiu-se de repente.
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Hino de 
ILHÉUS/ BA

De todos os amores que eu já tive
Você foi o meu primeiro
Ilhéus, minha cidade, minha terra
Meu orgulho, meu amor
Alguém já contou nossa história
Mostrando São Jorge dos Ilhéus
Com cheiro de cravo e canela
Com o ouro do nosso cacau
E um céu tão azul
Essas praias tão lindas, morenas, não tem nada igual

Nossa gente vai cantar
Pra você esta canção
Vai louvar, vai festejar
A sua renovação

Porque a cada dia que se passa
Vai crescendo essa certeza
De todas as riquezas de Ilhéus, a nossa gente é a maior
Juntos vamos caminhando
Juntos vamos construir
Novas histórias de glória
Pra meu São Jorge dos Ilhéus
Terra de grande passado, que faz no presente um futuro melhor.
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Soneto de
BENEDITA AZEVEDO
Magé/ RJ

Domingo de sol (abrindo o baú)

Domingo cheio de sol!
Mar agitado e espumante,
a rugir feito um gigante
invade a areia e o arrebol.

As crianças a brincar
jogando bola na areia.
Vai lá, vem cá e volteia,
plateia  a observar.

De repente ouviu-se um grito!
Parecia muito aflito,
veio com as ondas do mar.

O salva-vida aplaudido
saiu da água agradecido
fez uma filha respirar.
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Uma Lengalenga de Portugal
LENGALENGA DOS ANIMAIS

Tenho um cãozinho
Chamado Totó
Que me varre a casa
 E limpa o pó.
 
Tenho um gatinho
Chamado Fumaça
Que me lê histórias
E come na taça.
 
Tenho uma vaquinha
Chamada Milu
Que me limpa os móveis
E cuida do peru.
 
Tenho um periquito
Chamado Piolho
Que me limpa a chaminé
E coze o repolho.
 
Tenho um peixinho
Chamado Palhaço
Quando vai às compras
Usa sempre um laço.
 
Tenho uma porquinha
Chamado Joana
Que lava a louça
E me faz a cama.
 
Um dia escorregou
E caiu no chão
Oinc… oinc… oinc…
Que grande trambolhão!
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Quadra Popular de
Ouro Fino/MG

Quando o loureiro der baga
e o loureiro der cortiça,
então te amarei, meu bem,
se não me der a preguiça.
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Soneto de
IALMAR PIO SCHNEIDER
Porto Alegre/RS

Soneto a Cora Coralina – In Memoriam 

Poesia simples, plena de filosofia,
de gente humilde da cidade e do interior,
que só nos trouxe tanta vida e tanto amor,
colhidos no lutar no afã do dia-a-dia...

Viveu a transmitir sua sabedoria,
na qual não faltaram as pitadas de dor,
mas momentos também de jovem alegria,
em que desenvolveu seu talento de humor...

Foi Cora Coralina, a poetisa exemplar,
cuja existência de noventa e cinco anos,
quase um século de conhecimento audaz...

Seus versos vão viver por longo tempo, a dar
uma bênção sublime aos viventes humanos,
porque ela foi feliz, sempre pregando a paz…
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Estante de Livros (“Carmilla, a Vampira de Karnstein”, de Joseph Sheridan)

texto enviado por Jaqueline Machado


Laura é uma jovem que vive isolada em um castelo com seu pai e as empregadas, quando uma carroça sofre um acidente em frente ao castelo, e interrompe a viagem de uma intrigante mulher, e sua filha. 

Mesmo em condições mais precárias, a senhora decide seguir a viagem devido a um compromisso urgente, mas pede ao pai de Laura para que hospede sua filha Carmilla até que ela volte. Ele, gentilmente hospeda a moça. 

Carmilla conserva um ar de mistério. Ninguém sabe de fato quem ela é. E nem quais são suas verdadeiras intenções. Laura e a hóspede desenvolvem rapidamente uma intensa e envolvente amizade. 

Esta é a premissa da literatura clássica e vampiresca, publicada em 1872, por Joseph Sheridan.

Na medida em que se conhecem, coisas estranhas começam a acontecer no castelo, na mente e no corpo de Laura. Uma, encanta-se pela outra de maneira a fazer o leitor entender que, embora sejam amigas, uma paixão secreta, cheia de dúvidas e temores as envolve de forma peculiar. 

UM TRECHO BELÍSSIMO DA OBRA:

"Verdade seja dita, meus sentimentos em relação à encantadora estranha eram inexplicáveis. Sem dúvida, algo nela me atraía e havia me conquistado, mas sentia uma espécie de repulsa misturada às minhas emoções. No entanto, a ambiguidade desse sentimento era vencida pela afeição que eu tinha por ela, que me cativava e deslumbrava. Era radiante de tão linda, e de uma presença mais arrebatadora do que as palavras poderiam descrever. Sua companhia me deleitava de muitas maneiras. Em uma de nossas conversas, ela admitiu que sentiu um choque semelhante ao meu, quando me avistou pela primeira vez. Agora ríamos juntas desses momentos iniciais de alegria e horror."

Muitas reviravoltas acontecem na história. E o final é surpreendente. 

Fonte:
Texto e imagem enviados por Jaqueline Machado

quinta-feira, 23 de janeiro de 2025

Silmar Bohrer (Gôndola de Versos) 08


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Silmar Bohrer nasceu em Canela/RS em 1950, com sete anos foi para em Porto União-SC, com vinte anos, fixou-se em Caçador/SC. Aposentado da Caixa Econômica Federal há quinze anos, segue a missão do seu escrever, incentivando a leitura e a escrita em escolas, como também palestras em locais com envolvimento cultural. Criou o MAC - Movimento de Ação Cultural no oeste catarinense, movimentando autores de várias cidades como palestrantes e outras atividades culturais. Fundou a ACLA-Academia Caçadorense de Letras e Artes. Membro da Confraria dos Escritores de Joinville e Confraria Brasileira de Letras. Editou os livros: Vitrais Interiores  (1999); Gamela de Versos (2004); Lampejos (2004); Mais Lampejos (2011); Sonetos (2006) e Trovas (2007).

José Feldman (O Ladrão Azarado)

Era uma manhã nebulosa na pequena cidade de Valverde, e o banco central, com suas paredes de vidro reluzente, parecia um oásis de tranquilidade. Mas, para Carlos, um ladrãozinho de origem humilde, aquele era o dia perfeito para mudar de vida. Com um plano mal elaborado na cabeça e um nervosismo palpável, ele se dirigiu ao banco, acreditando que seria fácil.

— Hoje é o dia! — sussurrou Carlos para si mesmo, enquanto segurava a arma que havia pegado emprestada de seu primo, um verdadeiro entusiasta do crime.

Ao entrar no banco, ele respirou fundo e, com uma voz trêmula, anunciou:

— Isso é um assalto! Todo mundo parado!

Os clientes e funcionários olharam assustados, mas nada poderia prepará-los para o caos que estava prestes a acontecer. 

Carlos, em sua ânsia, puxou a arma com tanta força que ela escapuliu de suas mãos e caiu, acertando exatamente o seu pé.

— Ai! — gritou Carlos, pulando de dor. — Que droga!

Os clientes começaram a sussurrar, alguns rindo nervosamente da cena. Ele se agachou para pegar a arma, mas o movimento causou uma nova desventura. Ao se levantar, havia um saco de dinheiro em cima do balcão. Com um golpe de sorte, ele conseguiu agarrá-lo, mas o saco se arrebentou, espalhando notas por todo o chão.

— Não! — exclamou ele, tentando coletar as notas, mas no meio do desespero, tropeçou em um maço de dinheiro e caiu de nariz no balcão.

— Ouch! — gemeu, enquanto o impacto da queda lhe quebrava o nariz. O sangue começou a escorrer, e ele se levantou com dificuldade, a cabeça rodando.

E, como se o universo quisesse garantir que sua má sorte continuasse, Carlos, ainda atordoado, acertou a cabeça na quina do balcão. Um galo enorme surgiu na sua testa, e ele ficou meio desacordado, cambaleando.

Os gritos de “socorro” e “é um assalto!” ecoavam, mas os que chegavam não sabiam se Carlos era o ladrão ou a vítima. Quando a polícia chegou, encontrou Carlos, em um estado deplorável, com o nariz sangrando e o galo na cabeça.

— O que aconteceu aqui? — perguntou um dos policiais, olhando para o espetáculo tragicômico à sua frente.

— Ele... ele tentou assaltar o banco! — disse uma funcionária, ainda tentando conter o riso.

— Tentou? — questionou o policial, claramente divertido. — Parece que você é a verdadeira vítima aqui, amigo! 

Carlos, ainda meio tonto, tentou explicar:

— Eu só queria... pegar um pouco de dinheiro... — e, ao levantar o braço para gesticular, acertou um soco no próprio queixo.

— Ai! — gritou ele, agora com uma dor adicional.

Os policiais mal conseguiam conter as risadas ao testemunhar a sequência de desastres. Um deles comentou:

— Você sabe que isso é uma tentativa de assalto, certo? 

— Claro que sei... — murmurou Carlos, com lágrimas nos olhos, não apenas pela dor, mas pela humilhação. — Meu horóscopo disse que eu não devia sair de casa hoje...

Os policiais trocaram olhares cúmplices, rindo ainda mais. 

— Você lê horóscopos? — perguntou um deles, tentando conter a risada.

— Não, mas talvez eu devesse começar... — respondeu Carlos, enquanto era algemado, chorando de dor e frustração.

Assim, ele saiu do banco, algemado e com a cabeça baixa, murmurando para si mesmo:

— Se ao menos eu acreditasse em horóscopos... 

A cena se tornou uma lembrança engraçada para os funcionários do banco e os policiais, que, ao contar a história, sempre terminavam com uma gargalhada ao lembrar do ladrão mais azarado que Valverde já conhecera. 

Carlos, por sua vez, aprendeu da maneira mais difícil que, às vezes, é melhor deixar o crime para os filmes. E que, definitivamente, um dia de azar é melhor ser passado de pijama em casa.
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Fontes:
José Feldman. Peripécias de um jornalista de fofocas & outros contos. Maringá/PR: Plat.Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing 

Vereda da Poesia = 203


Poema de
MACHADO DE ASSIS 
Rio de Janeiro/RJ, 1839 – 1908

Spinoza

Gosto de ver-te, grave e solitário,
Sob o fumo de esquálida candeia,
Nas mãos a ferramenta de operário,
E na cabeça a coruscante ideia.

E enquanto o pensamento delineia
Uma filosofia, o pão diário
A tua mão a labutar granjeia
E achas na independência o teu salário.

Soem cá fora agitações e lutas,
Sibile o bafo aspérrimo do inverno,
Tu trabalhas, tu pensas, e executas

Sóbrio, tranquilo, desvelado e terno,
A lei comum, e morres, e transmutas
O suado labor no prêmio eterno.
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Poema de
VANICE ZIMERMAN
Curitiba/PR

Há um encanto na melancolia

E a chuva continua...
Do vidro do carro
Observo a
A paisagem líquida
Que em tons de verde e cinza
Passa depressa...
Há um encanto na melancolia,
Dividindo o cristal da taça
Fazendo-me companhia
Nesta tua ausência,
E, na lembrança dos teus beijos
Com gosto e aroma do chá de morangos
Despedindo-se aos poucos,
Há um encanto na melancolia
Que dilacera a alma,
Repleta de uma saudade,
Das tuas poesias,
E mensagens de amor
Que, ainda navegam  em imagens
De sonhos...
Há um encanto na melancolia
Qual uma tela com pontilhismo,
Pincelando em  meu coração
Um amor tão intenso e impossível,
Repleto de inquietos e alegres
Pontinhos de cores,
Ah, a melancolia encanta-se
Com esse lento passar das horas,
Em que a imobilidade dos sinos de vento
E a ponta quebrada do lápis
Adiam um ponto final
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Poetrix de
FÁBIO ROCHA
Rio de Janeiro/RJ

presas na boca

as pessoas fingem certezas.
certamente
estão presas
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Poema de
DOMINGOS FREIRE CARDOSO
Ilhavo/ Portugal

Eu pintava trezentos arco-íris
(Mário Quintana, in “Rua dos Cataventos”)

Pintaria trezentos arco-íris
No céu de chumbo desse teu futuro
Para que ele não fosse tão escuro
E alegre com a sorte, tu te rires.

É tempo de a tristeza despedires
De veres o que está além do muro
E que o teu sol rebrilhe, grande e puro
Para que à luz te vejas e te admires.

A chuva misturada com o pranto
Vai, da alma, lavar o desencanto
Que em dias já passados tu tiveste.

Enfrenta cada dia sem temer
Que a vida só te paga com prazer
Aquilo que primeiro tu lhe deste.
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Trova de
DOROTHY JANSSON MORETTI 
Três Barras/SC, 1926 – 2017, Sorocaba/SP

Na taça de cada dia, 
a transbordar de amargura, 
cai um pingo de alegria, 
e o fel se torna doçura. 
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Soneto de
OLAVO BILAC
Rio de Janeiro/RJ, 1865 – 1918

A voz do amor

Nessa pupila rútila e molhada,
Refúgio arcano e sacro da Ternura,
A ampla noite do gozo e da loucura
Se desenrola, quente e embalsamada.

E quando a ansiosa vista desvairada
Embebo às vezes nessa noite escura,
Dela rompe uma voz, que, entrecortada
De soluços e cânticos, murmura...

É a voz do Amor, que, em teu olhar falando,
Num concerto de súplicas e gritos
Conta a história de todos os amores;

E vêm por ela, rindo e blasfemando,
Almas serenas, corações aflitos,
Tempestades de lágrimas e flores...
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Trova de 
ADEMAR MACEDO
Santana do Matos/ RN, 1951 – 2013, Natal/ RN

Com minha alma amargurada, 
envolto em meu sofrimento, 
passo inteira a madrugada 
jogando versos ao vento…
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Poema de
JAQUELINE MACHADO
Cachoeira do Sul/RS

A beleza de ser

A beleza de ser,
está na magia de saber sentir...
É no mundo real das coisas não vistas,
mas sentidas, que as belezas ou riquezas são manifestadas.
Amor, caridade, riso, arte, prece,
são manifestações capazes de enaltecer
o encanto desta raça chamada “gente”.
Ou seja, beleza é algo que nasce de dentro para fora.
E não de fora para dentro.
Embora isso também possa acontecer.
Autenticidade é algo raro. E caro.
Tão caro que não tem preço.
Não se importe com o que os outros falam
sobre atitudes sentimentais.
Sinta amor...
Seja belo sendo sentimento.
E não razão.
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Haicai de
GUILHERME DE ALMEIDA
Campinas/SP 1890 – 1969 São Paulo/SP

Mocidade

Do beiral da casa
(telhas novas, vermelhas!)
vai-se embora uma asa.
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Soneto de
MÁRIO QUINTANA
Alegrete/RS (1906 – 1994) Porto Alegre/RS

Este quarto... 
(para Guilhermino César)

Este quarto de enfermo, tão deserto
de tudo, pois nem livros eu já leio
e a própria vida eu a deixei no meio
como um romance que ficasse aberto...

que me importa este quarto, em que desperto
como se despertasse em quarto alheio?
Eu olho é o céu! imensamente perto,
o céu que me descansa como um seio.

Pois só o céu é que está perto, sim,
tão perto e tão amigo que parece
um grande olhar azul pousado em mim.

A morte deveria ser assim:
um céu que pouco a pouco anoitecesse
e a gente nem soubesse que era o fim...
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Hino de 
ANTONINA/ PR

Salve terra formosa e querida 
Que se estende na costa a sorrir 
Terra calma onde achamos à vida 
Sob a qual esperamos dormir 

Salve terra de brisas ciciantes, 
Doce gleba que nos viu nascer
Não te esqueças teus filhos distantes, 
Esquecer-te é mais fácil morrer.

Estribilho

Antonina, Antonina, 
Deitada a beira do mar 
Sob a tutela divina 
Da Senhora do Pilar 

Antonina, cidade das flores, 
De suave e finíssimo olor
Tens o brilho de mil esplendores 
Para nós que te damos amor 

Salve gleba, fecunda cidade 
Mais augusta por certo acharás 
Deus te encha de felicidade 
Para a glória do meu Paraná 

Antonina, Antonina,
Deitada a beira do mar 
Sob a tutela divina 
Da Senhora do Pilar
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Soneto de
BENEDITA AZEVEDO
Magé/ RJ

Festas vespertinas

Nas vespertinas festas, nos domingos,
Quando eu queria muito o teu amor,
Dancei gostoso rock, joguei bingos,
Te esperando namoro me propor.

Dançávamos bolero, ou mesmo tango,
E ao som daquele rock fui dançando...
Para o salão sozinha, e então eu mango
Do teu jeito sem graça rebolando.

Até que um dia escuto teu lamento,
Porque não poderias nem me ver
Assim, me divertindo em tal evento.

Eu era adolescente e bem feliz,
Nas vespertinas festas pude ter
A tua companhia enquanto quis.
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Trova de
CLÁUDIO DE CÁPUA
São Paulo/ SP, 1945 – 2021, Santos/ SP

Sou poeta e trovador, 
a inspiração me transporta 
às nuvens e, com amor, 
nas nuvens minha alma aporta.
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Uma Lengalenga de Portugal
BICHO DA CONTA
 
Estas lengalengas dirigidas a insetos, eram ensinadas ás crianças para elas dizerem quando encontravam um deles nos campos. Era uma maneira de as ensinar a ter respeito pela natureza.
 
Debaixo da pedra
 Mora um bichinho
 De corpo cinzento
Muito redondinho
 
Tem medo do sol
Tem medo de andar
Bichinho de conta
Não sabe contar
 
Muito redondinho
Rebola, no chão
Rebola, na erva
E na minha mão
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Quadra Popular de
Serro/ MG

O vento bateu na porta
eu pensei que era a Sinhana,
tive pena de mim mesmo!
Até o vento me engana.
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Soneto de
AFONSO FELIX DE SOUSA
Jaraguá/GO, 1925– 2002, Rio de Janeiro/RJ

Sonetos Elementares XV

E Deus chamou à luz dia; e às trevas
chamou noite: o primeiro dia, feito
de elementos de mortos dias, dia
de madrugadas feito – assim nascera.

Embora com o corpo a debater-se
na sombra anterior, perdi-me ao canto
das aves primitivas, e boiei
entre espumas e o espírito de Deus.

Flores mortas brotaram e eram belas.
A terra toda se transfigurara
nessas ilhas de que só nós sabemos.

Cego sem céu e mar que de repente
recupera as paisagens, segui leve
como um louco cantando entre anjos.
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Contos das Mil e Uma Noites (Convite à paz universal)

Conta-se que um xeque venerável possuía uma bela criação de aves domésticas que produziam ovos e frangos grandes e apetitosos. Ora, naquela capoeira havia um grande e maravilhoso galo, de voz ressonante e plumagem vistosa que, além dos seus distintivos físicos, era dotado de sabedoria e sagacidade e conhecia as zonas sombrias do coração. Sabia também ser justo e atencioso para com suas esposas e evitar provocar nelas ciúmes e ressentimentos. Era citado como modelo em tudo, e seu dono chamava-o Voz-da-Aurora. 

Certo dia, Voz-da-Aurora saiu a descobrir as terras que se estendiam para além da capoeira. Encantado com o que via, foi picando os grãos de trigo ou cevada ou milho que encontrava pelo caminho até que, levado mais longe do que planejara, achou-se num sítio selvagem que nunca visitara e onde tudo lhe parecia estranho e hostil. 

Começou a preocupar-se e soltou alguns gritos ansiosos. Enquanto procurava o caminho da volta, viu uma raposa correndo na sua direção. Temendo por sua vida, voltou as costas e voou com toda a força de suas asas até o alto de um muro em ruínas onde a raposa não era capaz de atingi-lo. 

A raposa chegou ao pé do muro e, vendo que lhe era impossível subir até o galo, levantou a cabeça para ele e disse-lhe: “A paz esteja contigo, ó figura de bom augúrio, ó meu irmão, ó companheiro encantador.” 

Mas Voz-da-Aurora não respondeu à saudação nem olhou na direção da raposa. A raposa não desanimou e disse-lhe: “Ó meu prezado e bonito amigo, por que não olhas para mim nem me saúdas quando te trago notícias maravilhosas?” 

O galo permaneceu calado e inamistoso. 

A raposa tornou: “Ó meu irmão, se soubesses de que boa notícia encarregaram-me de te trazer, descerias imediatamente para me abraçar e beijar-me na boca.” 

Mas o galo permaneceu indiferente, e fixava ao longe seus olhos redondos. 

- Fica sabendo, meu irmão, disse de novo a raposa, que nosso senhor leão, sultão dos animais, e nossa senhora águia, sultana das aves, acabam de reunir uma assembleia no meio de um prado cheio de flores e de córregos, com a participação de todos os animais da Criação, tigres, hienas, leopardos, linces, panteras, chacais, antílopes, lobos, carneiros, rolas, codornizes e demais aves e animais. Nessa assembleia, decretaram que, de hoje em diante, a segurança, a fraternidade e a paz reinarão em toda a extensão da terra habitada; que laços de afeto mútuo e de simpatia ligarão todas as aves e todos os animais domésticos e selvagens, sepultando-se para sempre os antagonismos e ódios raciais. Também proclamaram que fosse quem fosse que não aplicasse essas novas normas seria levado diante deles para ser sumariamente julgado e condenado. Ademais, designaram-me seu único representante para divulgar essas decisões em toda parte e para levar até eles quem estiver desobedecendo às citadas determinações. É por isso, deleitável irmão, que me vês aqui a oferecer-te minha amizade e as relações mais fraternas.” 

Mas o galo parecia nem ouvir nem se interessar.

A raposa, sentindo já a carne tenra da ave sob os dentes, insistiu: 

“Meu irmão, não te dignas nem lançar um olhar sobre a representante de nossos senhores o leão e a águia? Devo lembrar-te que, se permaneceres nesse mutismo, terei que comunicar tua conduta ao conselho da assembleia. E receio que sejas então condenado à morte, pois nossos amos estão determinados a concretizar a paz universal, mesmo que tenham que destruir, a serviço desse nobre ideal, a metade das aves e dos animais.” 

O galo, que se tinha mantido numa altiva indiferença, esticou o pescoço e virou-o um pouco para que ele e a raposa pudessem ver-se diretamente e disse: “Ao contrário, minha irmã, ouvi tuas palavras com toda a atenção, e inclino-me diante de tua qualidade de mensageira e comissária de nossa ama a águia. Meu silêncio não era rebelião, mas a necessidade de fixar a atenção numa coisa que vejo por além desta planície e que me preocupa.” 

- E o que vês ao longe? exclamou a raposa. Espero que não seja nada calamitoso. 

O galo esticou o pescoço um pouco mais e disse: “Minha irmã, como não percebes o que vejo, quando Alá te concedeu a graça desses olhos penetrantes?” 

- Mas enfim, dize o que vês. Tua posição nesse muro te permite ver o que não vejo daqui. 

O galo Voz-da-Aurora respondeu: “Em verdade, vejo um bando de falcões correndo para cá. E vejo qualquer coisa que anda com quatro patas, de pernas altas, de feitio longo e delgado, de cabeça fina e pontiaguda e de orelhas longas. 

- Será um cão lebréu? perguntou a raposa, tremendo dos pés à cabeça. 

- Não sei se é um cão lebréu, mas é certamente um cão audacioso. 

Ao ouvir estas palavras, a raposa exclamou: “Vejo-me na obrigação de despedir-me de ti, ó meu irmão.” 

E voltou as costas e desatou a correr. 

- Espera, espera, minha irmã, espera por mim, gritou o galo. Eu desço. 

- É que tu não sabes, mas eu tenho uma grande antipatia pelo cão lebréu que não é meu amigo nem pessoa de minhas relações

- Mas não me disseste que vinhas proclamar o decreto da paz e da amizade entre todos os animais domésticos e selvagens? 

- Sim, é verdade, mas esse cão faltou ao nosso congresso e receio que não tenha sido informado das decisões tomadas e prossiga na sua inimizade contra mim. Que Alá te proteja até minha volta. 

Tendo assim falado, a raposa desapareceu ao longe. E o galo, que escapou da morte graças a sua finura e sagacidade, voltou feliz para sua capoeira e contou às aves sua aventura. As galinhas se regozijaram, e os galos celebraram sua vitória com um canto sonoro.
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As Mil e Uma Noites é uma coleção de histórias e contos populares originárias do Médio Oriente e do sul da Ásia e compiladas em língua árabe a partir do século IX. As histórias que compõem as Mil e uma noites têm várias origens, incluindo o folclore indiano, persa e árabe. Não existe versão definitiva da obra, uma vez que os antigos manuscritos árabes diferem no número e no conjunto de contos. O Imperador brasileiro Dom Pedro II foi o primeiro a traduzir diretamente do árabe para o português partes da obra mais conhecida da literatura árabe, e o fez com um rigor raro para a época. Já em idade avançada, aos 62 anos, ele começou o processo, o último registro de texto traduzido é de novembro de 1891, um mês antes de sua morte.

O que é invariável nas distintas versões é que os contos estão organizados como série de histórias em cadeia narrados por Xerazade, esposa do rei Xariar. Este rei, louco por haver sido traído por sua primeira esposa, desposa uma noiva diferente todas as noites, mandando matá-las na manhã seguinte. Xerazade consegue escapar a esse destino contando histórias maravilhosas sobre diversos temas que captam a curiosidade do rei. Ao amanhecer, Xerazade interrompe cada conto para continuá-lo na noite seguinte, o que a mantém viva ao longo de várias noites - as mil e uma do título - ao fim das quais o rei já se arrependeu de seu comportamento e desistiu de executá-la.

Fontes:
As Mil e uma noites. (tradução de Mansour Chalita). Publicadas originalmente desde o século IX. Disponível em Domínio Público
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