quinta-feira, 23 de maio de 2024

Vereda da Poesia = 15 =


Trova do Espírito Santo

Humberto Del Maestro
Serra/ES

Trova é momento de vida,
não se rende a itinerário
e já nasce colorida
no cenário literário.
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Poema de Portugal

Sophia de Mello Breyner Andresen 
Porto, 1919 – 2004, Lisboa

RETRATO DE UMA PRINCESA DESCONHECIDA

      Para que ela tivesse um pescoço tão fino
Para que os seus pulsos tivessem um quebrar de caule
 Para que os seus olhos fossem tão frontais e limpos
      Para que a sua espinha fosse tão direita
         E ela usasse a cabeça tão erguida
    Com uma tão simples claridade sobre a testa
 Foram necessárias sucessivas gerações de escravos
     De corpo dobrado e grossas mãos pacientes
     Servindo sucessivas gerações de príncipes
         Ainda um pouco toscos e grosseiros
            Ávidos cruéis e fraudulentos

         Foi um imenso desperdiçar de gente
        Para que ela fosse aquela perfeição
           Solitária exilada sem destino
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Triverso do Rio de Janeiro

Hermoclydes Siqueira Franco
Niterói/RJ, 1929 – 2012, Rio de Janeiro/RJ

A maré alta devolve
plásticos e pneus,
mas não devolve a "vergonha"!
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Poema do Paraná

André Carneiro
(André Granja Carneiro)
Atibaia/SP, 1922 – 2014 , Curitiba/PR

FLORESTAS QUEIMADAS

0 correto é sinuoso.
Atravessar o asfalto de olhos fechados
economiza tardias agonias sem alvo.
Cada palavra gritada
tem dicionário diverso.
Letras deslizam pelos olhos,
o som o dente mastiga,
a vogal mordida perfura o tímpano,
o ‘não’ salta dos lábios
como um rato assassino.
Há um jeito de perfumar sentenças,
mostrar o mel de virgens letras obscenas.
Como os caninos das serpentes,
há letras molhadas
com o ácido corrosivo
do olhar sem brilho.
Calada, sei quando ela
pensa em nuvens macias
ou estrangula insetos
com os pés em curva.
Faço versos com verbetes alheios.
Arrisco confundir
finjo com pretendo,
loucura com a doçura
do momento em segredo,
o espelho no teto e a porta fechada.
Alienígenas sem lábios, canetas e livros
transmitem o que pensam.
Nossas palavras ditas ou escritas
são ininteligíveis fora deste uni
verso de primatas solitários,
sem dinossauros nas
florestas queimadas.
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Uma Aldravia de Minas Gerais

Gilberto Madeira Peixoto
Belo Horizonte/MG

amar
é
buscar
um
novo
horizonte
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Poema do Rio Grande do Sul

Mário Quintana
(Mário de Miranda Quintana)
Alegrete/RS, 1906 – 1994, Porto Alegre/RS

ESTE QUARTO... 
(para Guilhermino César)

Este quarto de enfermo, tão deserto
de tudo, pois nem livros eu já leio
e a própria vida eu a deixei no meio
como um romance que ficasse aberto...

que me importa este quarto, em que desperto
como se despertasse em quarto alheio?
Eu olho é o céu! imensamente perto,
o céu que me descansa como um seio.

Pois só o céu é que está perto, sim,
tão perto e tão amigo que parece
um grande olhar azul pousado em mim.

A morte deveria ser assim:
um céu que pouco a pouco anoitecesse
e a gente nem soubesse que era o fim...
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Trova do Paraná

A. A. de Assis
Maringá/PR

De barro se faz o homem, 
e de luz principalmente. 
O barro, os anos consomem; 
a luz eterniza a gente!
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Soneto de Minas Gerais

José Tavares de Lima 
Juiz de Fora/MG

POESIA, MEU REFÚGIO 

Sinto a tua presença nos meus passos,
a tua sombra acompanhar a minha;
e nas horas de insônia e de cansaços,
que a tua mão furtiva me acarinha…
 
Quando curvado ao peso dos fracassos,
a dor dos desenganos me espezinha,
eu te chamo inquieto, abrindo os braços
como quem de loucura se avizinha!
 
E, se a chamar-te quase sempre vivo
é porque sabes ser o lenitivo
que suaviza aquela dor medonha…
 
E acho em ti, poesia benfazeja,
o refúgio feliz que o aflito almeja,
e o mundo alegre que o poeta sonha!…
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Epigrama de Minas Gerais

Padre Celso de Carvalho
Curvelo/MG, 1913 – 2000, Diamantina/MG

Se toda ilusão frustrada
se tornasse assombração,
que casa mal assombrada
não seria o coração!

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Décima do Ceará

Nemésio Prata
(Nemésio Prata Crisóstomo)
Fortaleza/CE

SOLIDARIEDADE!

Oh! Deus meu, que estás no céu,
diga-me, qual o destino
desta menina (ou menino!),
que vive jogada ao léu
sem solado e sem chapéu?
Que Tu me dês, de verdade,
um pingo de caridade
pra que eu leve à esta criança
uma nesga de esperança.
Isto é: Solidariedade!
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Trova de Portugal

Olívia Alvarez Miguez Barroso
Parede/Portugal

Quando a esperança se alia
ao conceito de beleza,
há folhas de poesia
a pairar na natureza.
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Soneto do Rio de Janeiro

Adelmar Tavares
Recife/PE, 1888 – 1963, Rio de Janeiro/RJ

FRANCISCO, MEU PAI

Como que o vejo... O chapelão caído
Sobre a cabeça branca de algodão...
Buscando o campo, — o dia mal nascido,
Voltando à casa, o dia em escuridão.

Lavrador, fez da terra o ideal querido.
"Meu filho, a terra é que nos dá o pão",
Dizia-me. E cavava comovido,
A várzea aberta para a plantação...

Mas um dia, eu, pequeno, vi, cavando,
Sete palmos de campo, soluçando,
Uns homens rudes... Tempo que já vai!

"Francisco, adeus"! Diziam repetindo.
Meu pai desceu de branco... Ia dormindo
Fechou-se a terra... E não vi mais meu pai!
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Haicai de São Paulo

Sonia Regina Rocha Rodrigues 
Santos/SP

BORBOLETA

Encantada, eu paro –
Migração de borboletas
esconde a paisagem.
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Soneto do Rio Grande do Norte

Francisco Neves de Macedo
Natal/RN, 1948 – 2012

A TROVA

Momento maior de qualquer trovador
é quando ele faz uma trova inspirada,
e evoca a paixão da mulher, a sua amada,
com versos perfeitos falando de amor.

Esteja onde esteja, vá aonde ele for,
a trova será sua luz, sua estrada...
É faixa de luz de si mesmo emanada,
ciência suprema que vem do Senhor!

São só quatro versos com rimas perfeitas
Cruzadas, reais, pelos vates eleitas,
o amor burilado com plena emoção.

Sem trova a poesia seria incompleta,
e o bom trovador tão somente poeta...
Enorme vazio no meu coração!
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Trova Premiada em Natal/RN, 2009 

Rodolpho Abbud 
Nova Friburgo/RJ, 1926 – 2013

A violência e outras formas 
de opressão, mesmo discretas, 
não conseguem ditar normas 
aos corações dos poetas! 
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Poema do Rio Grande do Sul

Suely Braga
Osório/RS

A GOTA

A gota rola na face
não é colírio
não é orvalho
A gota é uma 1ágrima
vertida
sentida
que expressa dor
ou alegria.
A gota mergulha no oceano
das emoções
das angústias
dos corações
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Quadra Popular

Com pena peguei na pena
para com pena escrever,
com pena escrevi penas,
com penas hei de morrer.
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Gabinete* da Paraíba

Otacílio Batista
(Otacílio Guedes Patriota)
São José do Egito/PE, 1923 – 2003, João Pessoa/PB

O povo deseja ouvir
     Um Gabinete bonito;
     Poeta, só acredito
     Se você não me mentir.
     Trate de se prevenir
     Para poder cantar bem
     Eu comprei um cartão
     Para viajar no trem:
     Sem cartão ninguém vai,
     Sem cartão ninguém vem!
     Vai e vem, vem e vai,
     Vem e vai, vai e vem.
     Quem não tem o que eu tenho,
     Morre danado e não tem!
     Quem estiver com inveja,
     Se esforce e faça também ...
     Cavalo bom é ginete;
     Quem não canta Gabinete,
     Não é cantor pra ninguém!
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* Gabinete é um gênero que foi muito apreciado pelo imortal cego Aderaldo, porém de pouco uso atualmente. É cantado em versos de sete sílabas, sem número de linhas determinado, e com estribilhos nas linhas: sete, oito, nove, dez e nas duas últimas.

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