sábado, 30 de agosto de 2025

Asas da Poesia * 83 *


Trova de
MARA MELINNI 
Caicó / RN

Se o destino é incerto, eu penso
que entre a solidão e o espinho,
cada aurora é um raio imenso
que abre as portas do caminho...!
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Poema de 
ANTERO JERÓNIMO
Lisboa/Portugal

Hesitantes, trêmulas
as palavras elevam a chama
na verticalidade do pensamento

Subentendem-se
em cada linha e forma
na nudez implícita que veste o poema

Paixão lunar
despindo a penumbra,
projetando as sombras
dos nossos reflexos de fogo

Onde sôfregos,
transpiramos abraços de luz
bebendo a eternidade
que extasia o olhar.
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Trova de
LUCÍLIA A. T. DECARLI
Bandeirantes/PR

Pela cultura do povo
se distingue uma nação
e o que é velho se faz novo,
quando se honra a tradição.
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Poema de
ANÍBAL BEÇA
Manaus/ AM, 1946 – 2009

Joropo para timples e harpa

Em duas asas prontas para o voo
assim se foi em par a minha vida
e com rilhar de dentes me perdoo
trilhando as horas nuas na medida

Bilros tecendo rendas amarelas
bordando em vão um tempo já remoto
no sol dos girassóis da cidadela
canto um recanto que me faz devoto

A dor que existe em mim raiz que medra
no rastro mais sombrio as minhas luas
talvez não fora Sísifo ou a pedra

que encontro todo dia pelas ruas
ao revirar as heras nessa redra
trilhando na medida as horas nuas
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Trova de
MARIA LUIZA WALENDOWSKY
Brusque/ SC

A imensidão desse amor,
que me transcende o presente,
faz suportar minha dor,
quando seu corpo está ausente.
= = = = = = 

Poema de
DANIEL MAURÍCIO
Curitiba/ PR

A aranha
firmou a rede
Pra caçar
Raios de sol.
Mas nela
Quem ficou presa
Foi a chuva
De cristal.
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Poema de
DOMINGOS FREIRE CARDOSO
Ilhavo/ Portugal

Um rio que buscando um mar me dói
(Augusto Nunes in "Os Espelhos da Água", p. 87)

Um rio que buscando um mar me dói
Brota destes meus olhos tão magoados
Por tantos sonhos mortos e enterrados
No meu peito que a dor esmaga e mói.

O futuro almejado se destrói
Pelo nefasto e negro fel dos fados
Que os seus voos lhe traz tão amarrados
À humana pequenez que sempre os rói.

Fosse outra a sorte e a obra outra seria
Do tamanho e da cor de uma utopia
Talhada num perfume de mulher.

Fruto de tantos súbitos acasos
Se os meus olhos eu trago de água rasos
É porque o meu destino assim o quer.
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Trova de
DOROTHY JANSSON MORETTI 
Três Barras/SC, 1926 – 2017, Sorocaba/SP

Do que agitou nossas almas,
restam sonhos calcinados,
cingindo as crateras calmas
de dois vulcões apagados!
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Poema de
OLAVO BILAC
Rio de Janeiro/RJ, 1865 – 1918

Tercetos  I

Noite ainda, quando ela me pedia
Entre dois beijos que me fosse embora,
Eu, com os olhos em lágrimas, dizia:

“Espera ao menos que desponte a aurora!
Tua alcova é cheirosa como um ninho...
E olha que escuridão há lá por fora!

Como queres que eu vá, triste e sozinho,
Casando a treva e o frio de meu peito
Ao frio e à treva que há pelo caminho?!

Ouves? é o vento! é um temporal desfeito!
Não arrojes à chuva e à tempestade!
Não me exiles do vale do teu leito!

Morrerei de aflição e de saudade...
Espera! até que o dia resplandeça,
Aquece-me com a tua mocidade!

Sobre o teu colo deixa-me a cabeça
Repousar, como há pouco repousava...
Espera um pouco! deixa que amanheça!”

- E ela abria-me os braços. E eu ficava.
= = = = = = 

Trova de 
IZO GOLDMAN
Porto Alegre/RS, 1932 – 2013, São Paulo/SP

A saudade me consome
e as angústias são pesadas,
quando eu murmuro teu nome
e o vento... dá gargalhadas...
= = = = = = 

Soneto de
AUTA DE SOUZA
Macaíba/RN, 1876 – 1901, Natal/RN

Num leque

Na gaze loura deste leque adeja
Não sei que aroma místico e encantado...
Doce morena! Abençoado seja
O doce aroma de teu leque amado

Quando o entreabres, a sorrir, na Igreja,
O templo inteiro fica embalsamado...
Até minh'alma carinhosa o beija,
Como a toalha de um altar sagrado.

E enquanto o aroma inebriante voa,
Unido aos hinos que, no coro, entoa
A voz de um órgão soluçando dores,

Só me parece que o choroso canto
Sobe da gaze de teu leque santo,
Cheio de luz e de perfume e flores!
= = = = = = = = =  

Trova de
RENATO ALVES
Rio de Janeiro/RJ

Da água, a grave escassez
não se mede pela escala,
e sim pela insensatez
de não sabermos usá-la!
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Poema de
JAQUELINE MACHADO
Cachoeira do Sul/ RS

Justiça

Ontem eu não era nada.           
E eles zombavam de mim...             
E eu, boba,        
Chorei, infeliz.             
Agora sou bastante...       
E estão me parabenizando.       
Alguns “parabéns” são de coração,
outros, cheios de disfarces.           
A justiça ê uma Deusa implacável.         
Não permite colheitas aleatórias...
Nem deixa faltar chuva no solo
de quem planta amor...
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Trova de
APARÍCIO FERNANDES
Acari/RN, 1934 – 1996, Rio de Janeiro/RJ

Deserto o mundo seria,
sem vida, luz e calor,
se nos faltasse algum dia
a grande força do amor!
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Hino de 
CAROLINA/ MA

Conterrâneos num canto vibrante
Exaltemos a nossa cidade,
Que com justas razões se destaca,
Na cultura e na sociedade.

Até poucos decênios atrás
Quase nada do avanço mostrava
Totalmente isolada do mundo
Com entraves bem fortes lutava.

Saudemos seu fundador
A figura insinuante
De Elias Ferreira Barros
Um perfeito bandeirante

Mas depois, com os tempos mudados
E mais livre de tanto embaraço,
A buscar novas fontes do luz,
Desferiu belo voo pelo espaço

Numa marcha feliz vai seguindo
Já um lindo porvir vislumbrando
De gozar a sua luz benfeitora,
Muito perto, talvez estejamos.

Saudemos seu fundador
A figura insinuante
De Elias Ferreira Barros
Um perfeito bandeirante

Exaltemos com a doce esperança
Confiemos na Graça Divina
E o Progresso com seus benefícios,
Há de em breve atingir Carolina

Nosso anseio resume-se em vê-la
Elevada a certa grandeza
De maneira que possa dar lustre
Às insígnias reais de princesa

Saudemos seu fundador
A figura insinuante
De Elias Ferreira Barros
Um perfeito bandeirante

Salve, pois, o feliz sertanista,
Cujos passos ficaram imortais
Salve os outros que tem trabalho
Pelos seus interesses vitais.

Praza os céus que as vindouras centúrias
Tenha a dita de vir encontrá-la
Em um trono ideal de Princesa.
Ostentando os seus trajes de Gala.

Saudemos seu fundador
A figura insinuante
De Elias Ferreira Barros
Um perfeito bandeirante 
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Soneto de
BENEDITA AZEVEDO
Magé/ RJ

Novo despertar

Um novo despertar, para quem busca a Paz
ou só continuar, um sonho muito antigo,
que nos dá  alegria em tudo que se faz
cultivando-se o amor num mundo mais amigo.

Com menos aspereza a vida é mais bonita,
Em uma nova aurora, o amor renascerá
E aquele que foi triste agora  vem, se agita
E um novo despertar por certo encontrará.

Numa vida tranquila em tudo fluirá
Cumprindo a nossa parte é certo que teremos
Com leveza e alegria  aquilo que queremos.

A Paz que vou buscar é  certo que virá
Por falta de equilíbrio ou de organização
não a deixarei ir, tenho-a firme na mão.
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Uma Lengalenga de Portugal
ARCO DA VELHA *
  
 Arco da velha,
 Tira-te daí,
 Menina donzela
 Não é para ti,
 Nem para o Pedro
 Nem para o Paulo,
 É para a velha
 Do rabo cortado
  
* Arco-da-velha é uma expressão usada quando se quer referir algo espantoso, inacreditável, inverossímil. Trata-se de uma forma reduzida de arco da lei velha, em referência ao arco-íris, que, segundo o mito bíblico, Deus teria criado em sinal da eterna aliança entre ele e os homens.
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Quadra Popular de
AUTOR ANÔNIMO

Você diz que me quer bem,
eu também quero a você;
onde há fogo há fumaça,
quem quer bem logo se vê.
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Poema de
VANICE ZIMERMAN
Curitiba/PR

Lambrequins

O tempo passeia sem pressa
Impresso nos antigos  lambrequins,
Enquanto uma saudade azul
Toca os sinos-de-vento,
Uma borboleta pousa em minha mão…
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Haicai de
JOÃO BATISTA SERRA
Caucaia/CE

Azulão contempla 
O firmamento azulado: 
Deseja ser livre. 
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Sílvio Romero (O pescador)

(folclore do Pernambuco)

Havia um homem que era pescador e tinha uma filha. Um dia, ele foi pescar e achou uma joia no mar, muito bonita. Ele voltou para casa muito alegre e disse à filha:

 — Milha filha, eu vou dar esta joia de presente ao rei.

A filha disse que ele não desse, e antes guardasse, mas o velho não a ouviu e levou a joia ao rei. 

Este recebeu a joia e disse ao velho que (sob pena de morte) queria que ele lhe levasse sua filha ao palácio: nem de noite, nem de dia, nem a pé, nem a cavalo, nem nua, nem vestida. 

O velho pescador voltou para casa muito triste, o que vendo a filha, perguntou-lhe o que tinha. 

Então, o pai respondeu que estava triste porque o rei tinha-lhe ordenado que ele a levasse, nem de dia, nem de noite, nem a pé, nem a cavalo e nem nua, nem vestida. 

A moça disse ao pai que descansasse, que ficava tudo por conta dela, e pediu que lhe desse uma porção de algodão e saiu montada num carneirinho. 

Quando chegaram no palácio, o rei ficou muito contente e satisfeito, porque o velho tinha cumprido o que havia ordenado sob pena de morte. 

A moça ficou no palácio e o rei disse-lhe que ela podia escolher e levar para casa a coisa de que mais lhe agradasse dali. 

Na ocasião do jantar, a moça deitou um bocado de dormideira no copo de vinho do rei e chamou os criados e mandou preparar uma carruagem. Quando o rei tomou o vinho, deu-lhe logo muito sono e foi dormir. 

A carruagem já estava preparada e a moça mandou os criados botarem o rei dentro e largou-se para casa. Quando o rei acordou da dormideira, achou-se na casa do velho pescador, deitado em uma cama e com a cabeça no colo da moça. 

O rei ficou muito espantado e perguntou o que queria dizer aquilo. 

Ela então respondeu que ele tinha dito que podia trazer do palácio aquilo que mais lhe agradasse e do que mais ela se agradou foi dele. 

O rei ficou muito contente ao ver a sabedoria da rapariga e casou-se com ela, havendo muita festa no reino.
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SÍLVIO VASCONCELOS DA SILVEIRA RAMOS ROMERO (1851-1914) foi crítico e historiador da literatura brasileira. Fundador da Academia Brasileira de Letras. Pensador social, folclorista, poeta, jornalista, professor e político. Era sócio correspondente da Academia de Ciências de Lisboa. Nasceu na vila de Lagarto, Sergipe, 1851. Em 1868 mudou-se para o Recife e ingressou na Faculdade de Direito. Polêmico, combativo e contraditório, foi influenciado por seu conterrâneo Tobias Barreto. Juntos, lideravam uma escola que reunia jovens inteligentes e destemidos, que se encarregavam de irradiar as recentes ideias vindas da França. Quando estava no 2. Ano da faculdade, Sílvio Romero colaborou com vários jornais. Em 1873 concluiu o curso de Direito. Em 1876 mudou-se para o Rio de Janeiro onde obteve a cátedra de filosofia. Romero foi também professor da Faculdade Livre de Direito e da Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro. Como poeta, teve uma breve carreira. O primeiro livro de poemas foi Cantos do Fim do Século, lançado em 1878, em uma tentativa de aderir poesia filosófica científica que pregava desde 1870 em artigos, mas que não obteve êxito. Em 1883 publicou Últimos Arpejos, seu segundo e último volume de poesia. Desenvolveu intensa atividade como escritor. Escreveu vários livros que abordavam praticamente tudo que se referia à realidade cultural brasileira como: filosofia, literatura, folclore, educação, política e religião. Publicou assuntos ligados à cultura popular revelando-se um grande folclorista. Escreveu sobre filosofia no Brasil e sobre escolas filosóficas diversas. Em 1878 escreveu Filosofia no Brasil, publicado em Porto Alegre. Sua obra História da Literatura Brasileira (1888), em dois volumes, menos uma história literária do que uma enciclopédia de conhecimentos sobre o Brasil, a origem e evolução de sua cultura, suas raízes sociais e técnicas, foi considerada sua obra mais revolucionária. Deixou uma vasta obra culturalmente valiosa e pioneira em muitos aspectos. Respeitado pela imprensa nacional, conquistou seu lugar como um dos mais importantes críticos e historiadores da literatura brasileira do século XIX. Faleceu no Rio de Janeiro, em 1914.

Fontes:
Sílvio Romero. Contos populares do Brasil. Publicado originalmente em 1883.
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Laé de Souza (No salão de danças)

Ermenegildo é o sujeito que toda mulher desejaria como marido. Não reclama de nada, faz todos os gostos e vontades, desde cuidar dos filhos nas crises de choro até pagar os carnês de impensadas compras no crediário. Exigente apenas no trato que deve ser dado à sua roupa de uso nos fins de semana. A calça branca precisa estar impecavelmente passada, a camisa bem engomada e o sapato bem engraxado, serviço que é feito pelo seu filho, Baixinho, em troca de umas balas Juquinha, nas manhãs quase-tardes dos domingos, quando acompanha o pai para um bate-papo e alguns tragos no Bar do Magrão.

Nas noites de sexta a domingo, com certeza, Ermenegildo poderá ser encontrado no Bailão, geralmente acompanhado da mulher. Mas, vez ou outra, a sogra, com uma desculpa qualquer (elas sempre arrumam uma), recusa-se a cuidar das crianças e ele acaba indo sozinho ao baile, para alegria das mulheres dançarinas. O tal é um pé de valsa e grande passista, não perdendo uma só música. Mesmo no intervalo, o descanso é dos músicos, pois ele, ao som de um disco na vitrola, desliza pelo salão demonstrando sua habilidade.

E foi no Bailão que conheci também outros frequentadores assíduos. Mirtes, que a pedido da vizinha que detesta barulho, como um favor, acompanha seu marido aos bailes. O que é motivo de cochichos das irmãs Manegal, que observam tudo e dirigem seus olhares severos, quando ela descansa sua cabeça no ombro do Joca.

Paulão, que passa a noite inteira sentado como que colado à cadeira e toma quase um engradado de cerveja, enquanto sua mulher, ao seu lado, balança-se e ensaia passos sozinha. Ao aproximar-se de um cavalheiro desavisado, ela vira-se de costas, como quem não vê, para evitar cenas de ciúmes do marido.

Carlão, que diz à mulher que está frequentando reuniões dos alcoolatras anônimos todos os finais de semana, e anda sempre em companhia de Dorinha. Ela sai de casa com uma Bíblia e diz ao marido que vai para a Universal e, às vezes, arriscando-se, até insiste para que ele a acompanhe.

Didi, que ensaia passos curtos e desritmados, deixando até damas experientes perdidas, chegando mesmo a travar como se estivesse robotizado, perdendo até para o Japonês, no seu ritmo louco de samba. Inventor de floreados esquisitos, seus ensinamentos constrangem as dançarinas e horrorizam os professores.

Marta que, contrariando os princípios da dança, embora tenha tomado umas aulinhas com meu amigo professor Virgílio, frequentado as escolas Cavacchini e rapidamente passado pela J.C.Viola, não aceita comando do cavalheiro. Quem dançar com ela terá de ceder ao seu estilo e segui-la para aonde quiser ir, sob pena de ser chamado de machista e deixado em pleno salão.

Peninha que, mesmo sem qualquer molejo, arrisca-se a entrar no samba. De perna dura, mexe-se todo, ao dar um passo, mas percebe-se que a música já está dentro dele.

Além de outros, com e sem dramas e conflitos, dançarinos e pés de chumbo, mas todos com objetivo de alegrar-se e sentir a arte da dança de salão.
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Laé de Souza é cronista, poeta, articulista, dramaturgo, palestrante, produtor cultural e autor de vários projetos de incentivo à leitura. Bacharel em Direito e Administração de Empresas, Laé de Souza, 55 anos, unifica sua vivência em direito, literatura e teatro (como ator, diretor e dramaturgo) para desenvolver seus textos utilizando uma narrativa envolvente, bem-humorada e crítica. Nos campos da poesia e crônica iniciou sua carreira em 1971, tendo escrito para "O Labor"(Jequié, BA), "A Cidade" (Olímpia, SP), "O Tatuapé" (São Paulo, SP), "Nossa Terra" (Itapetininga, SP); como colaborador no "Diário de Sorocaba", O "Avaré" (Avaré, SP) e o "Periscópio" (Itu, SP). Obras de sua autoria: Acontece, Acredite se Quiser!, Coisas de Homem & Coisas de Mulher, Espiando o Mundo pela Fechadura, Nos Bastidores do Cotidiano (impressão regular e em braille) e o infantil Quinho e o seu cãozinho - Um cãozinho especial. Projetos: "Encontro com o Escritor", "Ler É Bom, Experimente!", "Lendo na Escola", "Minha Escola Lê", "Viajando na Leitura", "Leitura no Parque", "Dose de Leitura", "Caravana da Leitura”, “Livro na Cesta”, "Minha Cidade Lê", "Dia do Livro" e "Leitura não tem idade". Ministrou palestras em mais de 300 escolas de todo o Brasil, cujo foco é o incentivo à leitura. "A importância da Leitura no Desenvolvimento do Ser Humano", dirigida a estudantes e "Como formar leitores", voltada para professores são alguns dos temas abordados nessas palestras. Com estilo cômico e mantendo a leveza em temas fortes, escreveu as peças "Noite de Variedades" (1972), "Casa dos Conflitos" (1974/75) e "Minha Linda Ró" (1976). Iniciou no teatro aos 17 anos, participou de festivais de teatro amador e filiou-se à Sociedade Brasileira de Autores Teatrais. Criou o jornal "O Casca" e grupos de teatro no Colégio Tuiuti e na Universidade Camilo Castelo Branco.
Fontes:
Laé de Souza. Coisas de Homem & Coisas de Mulher. SP: Ecoarte, 2018.
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Nei Garcez (A Arte)


A sublimação da Arte
pela natureza etérea,
da alma fazendo parte,
é o espírito em matéria.

Cada Artista, por cultura
da inspiração que lhe sobra,
num poema, ou na pintura,
prende o Tempo em sua Obra!

Irmã nata da ciência,
a Arte, em todo seu plano,
é a máxima transcendência
e a expressão do ser humano!

Irmanemo-nos na Arte,
apreciando o belo, o lindo...
Todos, dela, fazem parte.,.
Produzindo, ou difundindo!

O segredo e a fortaleza,
da Arte é a própria pupila,
que, apreciando a natureza,
sabe bem como exprimi-la.

Para a Arte fica bela,
por mais linda uma pintura,
o segredo de uma tela
está dentro da moldura.
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 
Nei Garcez, poeta e trovador, nasceu em 1944, em Curitiba/PR. Formado em Direito, trabalhou como consultor em assuntos relacionados à legislação farmacêutica; depois, por concurso público, foi perito oficial da Secretaria de Segurança Pública do Paraná. Para um projeto para alunos do Ensino Fundamental, produziu trovas pedagógicas: "A Trova em Sala de Aula". Autor do Hino da Polícia Científica do Paraná, foi premiado em vários concursos de trovas no Brasil.
Fontes:
Marcadores de livros com trovas enviados pelo autor.
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Dicas de Escrita (Como Criar um Bom título de Livro) – 2, final

texto de Alicia Cook*
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INSPIRANDO-SE EM OUTRAS FONTES

1
Pesquise. 

Anote os elementos fundamentais da sua história, principalmente objetos e locais. Pesquise sobre eles e procure por uma inspiração para criar seu título.

Por exemplo, se o enredo é centrado em uma esmeralda que é passada através de gerações de uma mesma família, você pode pesquisar sobre elas e irá descobrir que são associadas com fé e esperança para criar um título para o livro (como "A Pedra da Esperança", por exemplo).

2
Dê uma olhada em suas próprias estantes de livros. 

Inspire-se vendo os títulos dos livros que possui, anotando os que mais chamarem sua atenção.
Anote tanto os títulos que chamarem sua atenção agora, durante sua pesquisa, quanto os que você já conhecia anteriormente.

Analise sua lista e tente determinar o que os títulos de sucesso possuem em comum. Por exemplo, eles apelam para os sentidos das pessoas, a imaginação delas, suas curiosidades, etc?

3
Use uma alusão. 

Uma alusão é uma referência ou uma frase retirada de um contexto externo, como outra obra literária, uma música ou até algo comum, como um slogan ou o nome de uma marca.

Muitos autores já se inspiraram em obras clássicas, como William Faulkner, cuja obra Sound and the Fury (O Som e a Fúria) é inspirada no solilóquio de Macbeth, e John Steinbeck, que se inspirou na canção patriótica americana "The Battle Hymn of the Republic" para dar o título Grapes of Wrath (As Vinhas da Ira) a seu livro.

Outros escritores já se utilizaram de provérbios vernáculos, como Anthony Burgess, que definiu o título de seu livro como A Clockwork Orange (Laranja Mecânica) inspirando-se no provérbio Cockney “queer as a clockwork orange” (tão estranho quanto uma laranja mecânica).

Muitos outros também já se inspiraram na cultura popular, como Kurt Vonnegut, que usou o slogan da marca Wheaties para o livro Breakfast of Champions (Café da Manhã dos Campeões).

EVITANDO ERROS COMUNS

1
Crie um título que se relacione com o tipo de seu livro. 

Se você escolher um título que parece ser de outro gênero e não do conteúdo de sua obra, os leitores ficarão confusos e alienados.

Por exemplo, se o título do romance dá a entender que é uma obra de fantasia (Os Dragões da Velha Torre, por exemplo), mas o enredo é sobre ataques terroristas nos Estados Unidos, você vai alienar as pessoas que comprarem o livro procurando por uma história de fantasia, enquanto os que gostam de temas de guerra e terrorismo nunca irão adquirir esta obra, pois não farão ideia de que o livro, com este título, aborda o assunto.

2
Limite a extensão. 

Na maioria dos casos, títulos breves e impactantes fazem muito mais sucesso que os longos e difíceis de serem lembrados.

Por exemplo, o título “Um Homem e sua Aventura Solitária ao Escalar o Perigoso Monte Himalaia" é menos atraente aos leitores que "Desbravando a Montanha Mortal", mais curto e mais imaginativo.

3
Torne-o interessante. 

Títulos que usam linguagem poética, imagens vívidas ou um pouco de mistério tendem a ser mais atraentes a leitores em potencial.

Linguagem poética num título, como “A Rose for Emily” (Uma Rosa para Emily) ou Gone with the Wind (E o Vento Levou) irá atrair leitores com um jogo de frases elegante, que promete uma história ou estilo de escrita igualmente poéticos.

Títulos que evocam imagens vívidas agradam leitores, pois invocam coisas tangíveis e significativas. Um título como Midnight in the Garden of Good and Evil (Meia-Noite no Jardim do Bem e do Mal), apesar de longo, cria imediatamente uma ideia e uma imagem vívida da batalha entre o bem e o mal.

Dar um toque de mistério ao título também irá atrair leitores. Something Wicked This Way Comes (obra de Ray Bradbury, que também faz alusão a Macbeth, lançada no Brasil como "No Templo das Tentações", mas se traduzida ao pé da letra pode ser interpretada como "Algo Perverso Está Vindo") ou “The Black Cat” (O Gato Preto) são títulos que dão informações suficientes para levantar perguntas que irão atrair o leitor a continuar lendo.

4
Use aliterações com muita moderação. 

Apesar da aliteração — que consiste na repetição de sons sucessivos no começo de palavras — poder realmente chamar a atenção ou deixar um título muito mais memorável, é um recurso que também deixará o título sem graça e medíocre se não for feito corretamente.

Aliterações sutis, como I Capture the Castle (Castelo dos Sonhos, no Brasil, mas pode ser traduzido como "Eu Capturo o Castelo") ou The Count of Monte Cristo (O Conde de Monte Cristo), poderão deixar os títulos mais atrativos.

Aliterações forçadas ou óbvias, por outro lado, podem rapidamente desestimular um leitor a ler sua obra ("A Aventura Amedrontadora de Amélia Amendola" ou "O Guia Gourmet do Grande Guilherme").

DICAS

Se um título parecer familiar demais a você, provavelmente ele já foi usado — usado em excesso, até — e deve ser evitado.

Caso não consiga criar o título de jeito nenhum, tente fazer "brainstorm": escreva livremente, faça listas ou crie um agrupamento das ideias que permeiam seu texto; o que melhor funcionar para você.

O título deve ser bem simples e não longo demais.
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* Alicia Cook é uma Escritora Profissional que mora em Newark, New Jersey. Com mais de 12 anos de experiência, Alicia é especialista em poesia e usa sua plataforma para defender famílias afetadas por vícios e para combater os preconceitos relacionados a doenças mentais e a vícios. É formada em Inglês e Jornalismo pela Georgian Court University e possui MBA pela Saint Peter's University. Alicia é poeta bestseller pela Andrews McMeel Publishing e seu trabalho já foi destacado por inúmeras plataformas midiáticas, como NY Post, CNN, USA Today, Huffington Post, LA Tims, American Songwriter Magazine e pela Bustle. Foi apontada pela Teen Vogue como uma das 10 poetas de redes sociais a serem seguidas. Sua mixtape com poemas, "Stuff I've Been Feeling Lately" foi finalista no Goodreads Choice Awards de 2016.
Fontes:
https://pt.wikihow.com/Criar-um-Bom-T%C3%ADtulo-de-Livro
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Carina Bratt (Viagem sem volta)

DUAS LAGARTIXAS disputam a mesma parede dentro da casa do Nicanor Pontiagudo e da mulher dele, a Serena. O casal tem uma filha de oito anos, a Bárbara. Bárbara tem medo de baratas e lagartixas. Ajudando a aumentar seu azar, no pequeno dormitório, perto da janela onde uma cômoda acomoda as suas roupas, bonecas e brinquedos, todas as noites baratas aparecem do nada. Para completar a sua infelicidade, igualmente duas lagartixas sempre se fazem presentes, principalmente quando a sua atenção está voltada para a novela depois do Jornal Nacional. As taruiras* saem de um desvão do teto, como se quisessem dividir com ela as emoções dos folhetins depois que o Wiliam Bonner encerra o noticiário com seu lacônico “Boa noite”. Uma lagartixa é a representante mais velha e, portanto, a mais sábia. A outra é um jovem “lagartixo” impulsivo. Os dois amam debater sobre quem tem direito à sombra do dia e da tarde e ao melhor ângulo para observar os donos da casa, principalmente os movimentos da menina Bárbara.  

A mais velha das lagartixas é a Ximbica Sonhadora, ‘uma réptil’ veterana e profunda conhecedora de alvenarias. O ‘lagartixo’ atende pelo nome de Zeca Estufadinho. Carrega um porte jovem e se acomodou recém-chegado de outra moradia contígua. Trouxe na bagagem muita energia e ambição. 

A cena que passo a descrever cria vida e forma ao entardecer, quando o sol projeta uma faixa dourada sobre o reboco quente — território disputado passo a passo por ambos os répteis, contudo, sem maiores interesses do ‘lagartixo’ em ser o dono do pedaço.

Ximbica Sonhadora se esticando preguiçosamente na sombra do fio da antena da televisão:
— Ah, essa luz da tarde... tem o calor exato para aquecer os ossos sem fritar os pensamentos. Já é minha há três verões, sabia?

Zeca Estufadinho escalando com agilidade, se aproximando perto da amiga, os olhos brilhando:
— Três verões? Isso é quase uma eternidade! Mas o mundo gira, Ximbica. E quem chega com fome de parede também tem direito a um cantinho iluminado.

Ximbica arqueando a cauda com elegância:
— Fome de parede? Menino, você ainda não aprendeu que o melhor ângulo não é o mais quente, contudo, o mais estratégico. Daqui, observo os humanos aí embaixo sem ser vista. Já ouvi confissões, vi romances começarem e até uma briga pela posse do controle remoto.

Zeca rindo com um estalo de língua:
— Eu prefiro ação! Quero ver os humanos de frente, sentir o risco, viver o agora. Ontem quase me vi esmagado por um chinelo, foi emocionante!

Ximbica suspirando: 
— Emoção é bom, mas sabedoria é melhor. A parede ensina, se você souber escutar. Cada rachadura tem uma história, cada sombra um segredo. Vou logo te avisando. Cuidado com a Bárbara. Ela não suporta a nossa presença.

Zeca parando por um instante, pensativo:
— Ficarei de olhos abertos. Voltando ao que acabou de falar. E se a gente dividir? Metade da sombra pra você, metade do sol pra mim. Assim, cada um observa o ambiente do seu jeito.

Ximbica sorrindo com os olhos:
— Agora falou como quem começa a entender a parede. Que seja assim, Zeca. Mas se lembre: o território é só cenário. O verdadeiro palco é o olhar que lançamos sobre ele.

 Fim de tarde, começo de noite. Lá fora, o sol embora mais fraco, ainda projeta uma faixa dourada sobre o reboco. As lagartixas se encaram, cada uma tentando ocupar o melhor ponto.

Zeca com a cauda ainda tremendo pela adrenalina:
— Ufa, amiga! Escalei três tijolos e desviei de um gato só pra chegar aqui. Essa ‘nossa’ parede tem cheiro de oportunidade!

Ximbica, calma, imóvel, como quem já viu muitos pores do sol:
— Oportunidade? Menino, essa parede é mais velha que a sua ambição. Já vi três reformas e um casamento dos ocupantes anteriores acabar bem ali, na porta que acessa a sala.

Zeca olhando em volta, curioso:
— E você ficou parada esse tempo todo? Não quis explorar outras paredes, outros horizontes?

Ximbica arqueando a sobrancelha — ou o que seria uma, se as lagartixas tivessem:
— A sabedoria não está em mudar de parede, mas em entender o que ela revela. Cada rachadura aqui tem uma história. E essa faixa de sol... é minha desde que o cachorro Totó dessa família ainda era um filhote.

Zeca tentando se acomodar na borda da sombra:
— Mas o mundo muda, Ximbica. E quem chega com fome também precisa de espaço. Não dá pra viver só de lembrança.

Ximbica com um sorriso quase imperceptível:
— E quem vive só de pressa acaba virando sombra antes de entender a luz. Você já observou os humanos daqui?

Zeca empolgado: 
— Ontem vi o tal do Nicanor dançando sozinho na cozinha. Achei que fosse um ritual de acasalamento. Sem falar que a música era mais chata que as palhaçadas sem graça do Didi Mocó.

Ximbica rindo baixinho:
— Era só sexta-feira. Eles fazem isso quando acham que ninguém está olhando. E nós... somos as butucas arregaladas e invisíveis da casa.

Zeca pensativo:
— Então... talvez possamos dividir. Você fica com a sombra da sabedoria, eu com o sol da juventude. E juntos, observamos o mundo.

Ximbica se esticando um pouco para o lado, cedendo espaço:
— Está aprendendo, Zeca. A parede é grande. Mas o olhar... ah, o olhar precisa ser compartilhado.

 Noite tranquila. A parede está silenciosa, exceto pelo zumbido distante de um ventilador no quarto ao lado do casal. Ximbica está imóvel, contemplando o céu. Zeca se aproxima devagar.

Zeca com a voz mais calma que o habitual:
— Ximbica... estive pensando. Talvez eu tenha chegado com pressa demais. A parede não precisa ser um campo de batalha.

Ximbica sem tirar os olhos da lua:
— A juventude costuma confundir território com identidade. Mas fico feliz que esteja começando a ouvir o silêncio.

Zeca se sentando ao lado dela, respeitando a distância:
— É que... eu queria provar que também tenho valor. Que posso ser mais do que só rápido ou ousado.

Ximbica se virando lentamente para ele:
— Valor não se mede em centímetros de parede, Zeca. Se mede em como você observa o mundo — e o que aprende com ele.

Zeca olhando para a janela da cozinha:
— Hoje vi a bela e encantadora esposa do Nicanor chorando. Ela estava sozinha, com uma xícara de café na mão. Não entendi muito bem, mas... senti alguma coisa.

Ximbica com um leve sorriso:
— Você está se referindo à Serena. Sentir é o primeiro passo para entender. A parede nos dá abrigo, mas são os humanos que nos ensinam sobre o que é viver.

Zeca pensativo:
— Então... se eu ficar com o lado da parede que pega o sol da manhã, e você com o do cair da noite, como agora, podemos dividir sem atropelos?

Ximbica acenando com a cauda:
— Podemos, sim. E mais: igualmente trocar olhares, histórias e silêncios. Essa parede onde estamos é grande, mas o mundo é maior. E há espaço para dois pares de olhares distintos.

Zeca sorrindo:
— Dois olhares, uma parede. Gosto disso. Quem sabe um dia a gente até senta e de parceria escrevemos um livro.

Ximbica rindo baixinho:
— Já estamos escrevendo, Zeca. Cada dia, uma página. Cada silêncio, uma vírgula, cada acontecimento, um fato...

Ximbica Sonhadora e Zeca Estufadinho aprenderam a dividir a parede e a observar o mundo em redor, juntos. Mas como toda boa crônica, o final precisa virar tudo de cabeça para baixo, sem perder a beleza. Novela terminada. Noite silenciosa. A parede está fria, envolta pela penumbra. Zeca e Ximbica estão lado a lado, em silêncio, observando a casa adormecida. O casal, no cômodo ao lado dorme. A televisão segue ligada. Nicanor ronca.

Zeca sussurrando:
—  Ximbica... já pensou que talvez a gente não esteja só observando os nossos amigos humanos? Talvez eles também nos vejam.

Ximbica sem se mover:
— Alguns veem. Poucos. Os que ainda têm olhos para o invisível.

Zeca olhando para a janela:
— Hoje, a menina me olhou. Direto nos olhos. Não piscou. Foi como se... como se ela soubesse...

Ximbica com a voz mais baixa:
— Ela sabe. Há humanos que percebem. Que sentem. Que escutam o silêncio das paredes. E cuidado. A televisão da mocinha está ligada. Ela finge estar dormindo. Mas está quieta, só esperando...

Zeca com um arrepio na cauda:
— E se... e se a gente não for só lagartixa? E se formos algo mais?

Ximbica virando lentamente para encarar o amigo:
— Você está pronto para saber? Pois bem. Não se descuide. Toda atenção para com a menina. Ela é arisca, esperta e pode nos pegar de calças curtas...

Zeca hesitante:
— Acho que estou pronto para saber sim.

Um clarão repentino atravessa a parede. Não é a luz elétrica, nem o luar. É algo antigo, profundo, como se a própria casa respirasse. As duas lagartixas se iluminam por dentro — não com luz, mas com a memória.

Ximbica com um brilho nos olhos:
— Somos os guardiões. Ecos de quem já viveu aqui. Fragmentos de histórias que não podem desaparecer.

Zeca atônito:
— Então... não somos só bichos. Somos lembranças?

Ximbica sorrindo:
— Somos o que resta quando ninguém mais se lembra. E hoje... alguém lembrou.

A parede pulsa. A casa respira. E, num instante, as duas lagartixas como por encanto, descem quase até o chão.  Duas baratas estão distraídas. Não percebem as lagartixas.  Elas descem. As baratas estão mais próximas. Precisamos cumprir nosso papel. Devorar as baratas. Nosso jantar está quentinho e a nossa espera. Na parede, resta apenas uma rachadura em forma de espiral — como uma assinatura antiga. Aliás, um final que transforma o cotidiano em mistério, e as lagartixas das paredes em símbolos de memória e presença. Nesse momento, a menina dá um salto como se fosse um felino e ataca com uma lata de inseticida. As duas lagartixas são pegas numa armadilha inesperada. Inopinadamente as baratas somem do pedaço. Ximbica e Zeca, ainda tentam subir para o cimo de onde vieram, mas seus esforços se fazem lentos demais. 

Ambos são interrompidos pela ágil ação da pequena Bárbara, que ferozmente, salta do seu sono e atinge o alvo pondo os dois representantes da família dos Squamata (répteis) a nocaute de modo fulminante. Ximbica cai para um lado, se contorce, se estrebucha e morre. Zico ainda vai um palmo à frente e, como a sua amiga, antes de fechar os olhos para sempre, vê seus sonhos se perderem em meio a uma nuvem branca do remédio fatal saído com fúria descontrolada da poderosa embalagem do aerossol assassino. Incrivelmente as baratas se salvam a trancos e barrancos se escafedendo para as bandas do quarto onde dormiam Nicanor Pontiagudo e sua companheira Serena.
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* Tatuíras. Nome como as lagartixas são conhecidas em Vitória, no Espírito Santo.
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CARINA BRATT nasceu em Curitiba/PR. Trabalha como secretária particular e assessora de imprensa em Vila Velha/ES. Escreve crônicas em uma coluna denominada "Danações de Carina" para um site de Portugal.

Fonte:
Texto enviado pela autora, 
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing